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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

Exame escrito de Direitos Reais (3.º Ano Noite) de 24 de Julho de 2014


Época de Recurso
Professor Doutor José Luís Bonifácio Ramos

I
(9 valores)
Em 5 de Dezembro de 1981, Alberto vendeu, por documento
particular, a Bernardo a “Quinta dos Moliceiros”, sita em Aveiro. Bernardo
pagou a totalidade do preço e Alberto entregou-lhe as chaves. A partir desse
dia, Bernardo passou a utilizar a referida quinta como local de férias de
eleição da sua família. Não obstante, Bernardo sempre permitiu que Alberto
semeasse couves, alfaces e feijão verde numa parte da Quinta para seu
sustento.

 Contrato de compra e venda (art. 874.º CC); forma (art. 875.º


CC), à data era apenas admissível a escritura pública;
 Princípio da consensualidade; Contrato real quoad effectum (art.
408.º, n.º1, CC). Contudo, não foi observada a forma legal exigida,
não se transmite o direito de propriedade (princípio da
causalidade);
 Transmissão da posse nos termos de direito de propriedade por
tradição simbólica (art. 1263.º, al. b), CC);
 Renúncia ao direito de propriedade e abandono da posse por
Alberto; posteriormente, a sua atuação sobre a Quinta resulta de
um ato de tolerância de Bernardo;

A partir de 15 de Abril de 1998, após um litígio familiar, Bernardo


deixou de ir à Quinta e proibiu a entrada de qualquer familiar. No entanto,
Alberto continuou a sua atividade agrícola na Quinta, mas orgulhava-se de
dizer que “embora continuasse em seu nome, a Quinta pertencia a
Bernardo”. Todos os anos, Alberto enviava a notificação das finanças para
pagamento do IMI para Bernardo e este encarregava-se do seu pagamento.
Para evitar o pagamento de despesas, Bernardo nunca quis celebrar a
escritura de compra e venda e, muito menos, promover o registo da
aquisição. Para Bernardo “a palavra basta”.

 Não há perda da posse por abandono (art. 1267.º, n.º1, al. a),
CC), visto que Bernardo continua a exercer os seus poderes e
faculdades através de Alberto; a manutenção da posse depende da
susceptibilidade do seu exercício (art. 1257.º, n.º1, CC).
 B, apesar de possuidor desde 1981, não adquire a propriedade por
usucapião, pois que a posse boa para usucapião, além de pacífica e
pública, deve ser efectiva. Ora, isso não sucede durante todo o
tempo em que B foi possuidor.
Em 20 de Dezembro de 2010, Alberto morre e deixa Carla como sua
herdeira. No dia seguinte, Carla envia uma carta a Bernardo na qual refere:
“Não vos reconheço qualquer direito sobre a Quinta dos Moliceiros e, na
qualidade de proprietária, solicito a sua entrega imediata, livre de pessoas e
bens. Caso tal não suceda no prazo de 5 dias úteis, entrarei na casa principal
da Quinta e retirarei todos os bens que nela se encontrem.”. Bernardo não
respondeu, nem fez nada. No dia 2 de janeiro de 2011, Carla entrou na
Quinta e removeu todos os bens e instalou-se com a sua família.

 Não há sucessão na posse (art. 1255.º CC), porque Alberto era


mero detentor; nesse sentido a carta enviada não será susceptível
de inverter a posse.
 Aquisição da posse por Carla por apossamento (art. 1263.º, al. a),
CC).

No dia 4 de Abril de 2011, Carla vende a Daniel a Quinta dos


Moliceiros, mas Daniel não promove o registo.

 Compra e venda de bens alheios (art. 892.º CC);


 Obrigatoriedade do registo;
 Análise dos requisitos de aquisição tabular do direito de
propriedade por Daniel (art. 5.º, n.ºs 1 e 4, CRPredial).

No dia 4 de Agosto de 2011, Bernardo intenta uma ação de


reivindicação contra Carla.

 Caso tenha ocorrido a aquisição do direito de propriedade por


Daniel, Bernardo careceria de legitimidade ativa para intentar uma
ação de reinvindicação (art. 1311.º CC) e Carla careceria de
ilegitimidade passiva por não ser possuidora ou detentora.

Quid Juris?

II
(6 valores)
Em 5 de Setembro de 2010, Edgar concede a Francisco o direito de
instalar, durante 15 anos e a título gratuito, uma tenda de campismo no seu
terreno situado em Porto Covo. Edgar reside em Nova Iorque e raramente se
desloca a Portugal.

 Direito de superfície; conceito de obra (art. 1524.º CC) não está


preenchido;
 Contrato de comodato (art. 1129.º CC).

Em 4 de Março de 2011, Francisco decide construir uma moradia no


referido terreno. Todavia, nada disse a Edgar.
 Acessão industrial imobiliária de má fé (arts. 1341.º e 1340.º, n.º4,
CC);

Passado 6 meses, Francisco envia uma carta a Edgar, na qual afirma:


“Caro Edgar, resolvi construir uma moradia do terreno e, segundo uma
avaliação feita recentemente, o terreno valorizou-se 150%. Por conseguinte,
considero-me seu proprietário”.

 Esta declaração não produz qualquer efeito aquisitivo do direito de


propriedade;
 Contudo, consubstancia uma inversão do título da posse (art.
1263.º, al. d), e 1265.º CC).

No mês seguinte, Edgar responde: “Caro Francisco, não te reconheço


qualquer legitimidade para construíres uma moradia, visto que apenas te
concedi o direito de instalares e manteres uma tenda de campismo. Por
conseguinte, deves sair imediatamente do terreno. Mais informo que
pretendo a demolição da moradia e ser ressarcido pela destruição das
árvores plantadas no terreno.”

 Regime do art. 1341.º CC;


 Possibilidade de ação de reivindicação (art. 1311.º CC).

Quid Juris?

III
(5 valores)
Gustavo, proprietário dos terrenos X e Y, separados por um ribeiro,
decidiu construir uma ponte entre o terreno X, no qual tinha uma casa, e o
terreno Y, o qual tinha acesso à via pública.

 Autotomia dos dois prédios; existência de marcas visíveis de


passagem por um dos prédios para acesso à via pública; inexiste
qualquer servidão predial.

Henrique, pastor, tinha um acordo com Gustavo que lhe permitia


utilizar o pasto do terreno Y para alimentar as suas cabras.

 O direito de servidão é um tipo aberto (art. 1544.º CC);


 A faculdade concedida a H não integrar um direito de servidão. Este
direito, por decaimento da servidão pessoal, tem de ser (sempre)
predial. Ora, no caso não é referido qualquer prédio pertencente a
H.

Passados 6 meses, Gustavo falece e deixa o terreno X ao filho Ivo e o


terreno Y à filha Joana. No dia seguinte, Joana destrói a ponte, impede o
acesso à via pública do terreno X e impede que Henrique utilize o terreno
para pasto dos seus animais.

 Constituição de servidão de passagem por destinação do pai de


família (art. 1549.º CC);

Henrique e Ivo pretendem reagir.

 Caso se considerasse a existência de um direito de servidão,


Henrique podia intentar uma ação de reinvindicação (arts. 1311.º e
1315.º CC); sendo possuidor nos termos de um direito de servidão,
Henrique pode intentar uma ação de restituição da posse (art.
1278.º CC)
 Ivo, possuidor e titular de uma servidão de passagem, pode
defender a posse (art. 1278.º CC) ou intentar uma ação de
reinvindicação (art. 1311.º CC);
 Na ausência de reação por parte de Henrique e Ivo, a atuação de
Joana devia ser apreciada à luz do art. 1574.º CC.

Quid Juris?

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