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Silo - Tips - o Poeta Negro Ou o Cisne Negro Ou o Dante Negro Ou o Poeta
Silo - Tips - o Poeta Negro Ou o Cisne Negro Ou o Dante Negro Ou o Poeta
O AUTOR
Nasceu em 1861, na antiga Desterro, foi generosamente adotado por senhores brancos e
criado como filho. Recebeu educação esmerada e aos vinte anos já dirigia um jornal. Publicou
Tropos e Fantasias em colaboração com Virgílio Várzea. Em função da hostilidade dos
brancos, deixou sua terra. Percorreu o Brasil e foi recebido em vários lugares como um
grande poeta. Casou-se com Gavita, negra, com quem teve quatro filhos. Após a morte do
pai, da mãe e de dois filhos, lutou ainda com a loucura da mulher e com a miséria. Acometido
de uma tuberculose violenta, faleceu em Minas Gerais sendo transportado para o Rio de
Janeiro em um vagão de cavalos. Foi enterrado dignamente por iniciativa e à custa de José
do Patrocínio.
CARACTERÍSTICAS DO AUTOR
OBRAS
- Tropos e Fantasias em colaboração com Virgílo Várzea
- Missal e Broquéis
- Evocações
- Faróis
- Últimos sonetos
CONTEXTO HISTÓRICO
O surgimento do simbolismo no Brasil deveu-se a alguns fatores:
*político*
a Revolta da Armada deflagrada pela Marinha de Guerra em 1893/4 contra o governo de
Floriano Peixoto e a Revolução Federalista, inicialmente, uma disputa regional, também se
opõe ao governo, marcando os estados sulistas com sangrentos episódios que geram a
melancolia e a angústia no espírito da juventude.
*climático*
o clima frio e as brumas hibernais da região sul favorecem o cenário para a sedimentação do
movimento que tematicamente valoriza os estados da alma, a sugestão, o misticismo.
*cultural* chegada ao Brasil de livros de poemas de simbolistas europeus: Rimbaud,
Mallarmé, Baudelarie, Verlaine.
Simbolismo
· Período de transição que marcou a última década do século XIX e as duas primeiras do séc.
XX (1893-1922), aproximadamente.
· Caracteriza-se pela negação do Realismo e suas manifestações: o cientificismo, o
racionalismo, o materialismo, o positivismo.
· Criação literária baseada no inconsciente, na sugestão, na associação de idéias e imagens.
· Predomínio do subjetivismo, religiosidade, misticismo e ocultismo.
· Tom vago, impreciso, nebuloso que resulta na poesia ilógica, obscura, fechada.
· Musicalidade (A música acima de tudo).
· Destaque para o emprego de recurso, como: metáforas, aliterações, sinestesias, analogias,
comparações.
· Linguagem e idéias fundamentadas na sugestão – “sugerir, eis o sonho”.
O LIVRO: Broquéis
Livro de poesias publicado em 1893 juntamente com Missal, livro em prosa, e marcam o
início do Simbolismo no Brasil. É constituído de 54 poemas, entre eles Antífona, poema que
abre o livro como uma “profissão de fé” simbolista. Destaque para os poemas Regina Coeli,
Serpente de Cabelos, Encarnação, Ângelus, Siderações, Braços, Lua, Supremo Desejo,
Sinfonias do Ocaso que serão analisados neste estudo.
A Sinestesia, a grande “estrela” desse estilo, envolve todo o poema como nos versos “Que
brilhe a correção dos alabastros / Sonoramente, luminosamente” em e que os dois advérbios
exprimem magnificamente a dupla procura da música e da cor; “Harmonias da Cor e do
Perfume” ampliam esse universo com a presença do cheiro...
A gradação que se segue após o pronome indefinido no verso: “Tudo! vivo e nervoso e
quente e forte” é reforçada pela palavra “turbilhões” que explode entre o limite do mundo
material e do sono, no poema, representado pela palavra Morte.
Livro da fase inicial, percebe-se ainda nitidamente o subjetivismo como uma angústia
represada que de forma mística, quase religiosa conclama a uma nova ordem de realização
poética: “Ó Formas alvas... Ó Formas vagas... Fecundai (tu) o Ministério destes versos...”
Assim a linguagem de cunho simbolista está presente em todo o texto: a sugestão: “Ó Formas
vagas, fluidas, cristalinas”, “Do Sonhos as mais azuis diafaneidades...” – ou de cunho
religioso: “De Virgens e Santas vaporosa..., “Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume”.
Como se fossem pincéis espalhando cores e matizes diversos, as palavras surgem revelando
um cromatismo poético que nos remetem:
- ao branco: “alvas”, “brancas”, “claras”, “luares”, “neves”, “neblinas”, “cristalinas”, “puras”,
“virgens”, “lírios”, “alabastros”, “aras”
- ao azul: “Éter”(espaço celeste), “azuis diafaneidades”
- ao amarelo: “pólen de ouro”, “áureas correntezas”, “Fulvas”, “do sol”
- ao vermelho: “Horas do Ocaso”, “vermelhidões”, “chagas em sangue”
Regina Coeli
Ó Virgem branca, Estrela dos altares,
Ó Rosa pulcra dos Rosais polares!
Poema-oração à Virgem, expressa o “vago impulso para a liturgia e misticismo”, sem contudo
denotar a fé católica.
Elaborado em dísticos – estrofes de dois versos decassílabos, com rimas emparelhadas (a, a
– b, b...).
O poeta dirige-se à Virgem a partir de vocativos “’O Virgem branca”, “Estrelas dos altares”, “Ó
Rosa pulcra dos Rosai polares”, ambientado-a não em lugar fechado e estático, mas em um
plano etéreo, acima do espaço material, sugerido pelas palavras: “siderais flores”, “Ave de
prata e azul, Ave dos astros...”, “Gôndola etérea”, “Bandolim do luar”, “Lâmpada das naves do
Infinito”- a quem ele pede: “Dá-me... o Bem...”, e finaliza como num ritual místico, sorvendo o
“Vinho d’ouro, ideal, que purifica”, repetindo sua invocação: “Virgem, Regina, Eucaristia,
Coeli”, “Ó Regina do Mar! Colei! Regina!”
Lua
Clâmides frescas, de brancuras frias,
Finíssimas dalmáticas de neve
Vestem as longas árvores sombrias,
Surgindo a Lua nebulosa e leve...
Neste poema Cruz e Sousa é um compositor: com as tintas das palavras vai sugerindo um
quadro em que a figura central, a Lua, através de uma linguagem cifrada, menos precisa e
lógica, aos poucos surge misteriosamente, apresentando-se como um ser transcendente que
pira sobre tudo:
“Vestem as longas árvores sombrias,
Surgindo a Lua nebulosa e leve...”
O poema ainda evidencia constante em seus versos por sua condição de negro eternamente
fascinado pela brancura:
“Clâmides frescas, de brancuras frias,
Finíssimas dalmáticas de neve”
A musicalidade, “presença obrigatória em sua poesia”, atinge ponto alto nos versos: “E fria,
fluente, frouxa claridade / Flutua como as brumas de um letargo...” em que a combinação das
sílabas: fri – flu – fro – flu produzem uma espécie de polifonia, suavizada pelos sons das
palavras brumas de um letargo.
A temática de imagens estelares se fundem a imagens físicas, corpóreas: “e os corpos
passam níveos, luminosos, /Nas ondas do luar e dos cabelos...”
Aqui a Lua é a mulher metaforizada em noiva,
“Ó Lua das magnólias e dos lírios”.
“Quando ressurges, quando brilhas e amas”.
Com grinaldas... vagam as Virgens...”
Supremo Desejo
1. Eternas, imortais origens vivas
2. Da luz, do Aroma, segredantes vozes
3. Do mar e luares de contemplativas,
4. Vagas visões volúpticas, velozes...
5. Aladas alegrias sugestivas
6. De asa radiante e branda de albornozes,
7. Tribos gloriosas, fúlgidas, altivas,
8. De condores e de águias e albatrozes...
9. Espiritualizai nos Astros loiros.
10. Do sol entre os clarões imorredouros.
11. Toda esta dor que na minh’alma clama...
12. Quero vê-la subir, ficar cantando
13. Na chama das Estrelas, dardejando
14. Nas luminosas sensações de chama.
· Considerando o aspecto formal, este poema é um soneto (14 versos disposto em dois
quartetos e dois tercetos) – rimas alternadas (a b a b) ricas e pobres.
· Quanto ao aspecto estilístico – temático, desde o título já ocorre uma postura
subjetiva, revelando um desejo supremo, em que o adjetivo não tem uma definição
rigorosa;
· A DOR (verso 11), para ele, física, sentida, é, através de sinestesias, elevada a algo
espiritual, etéreo, em que se misturam imagens visuais (imortais origens vivas/ da
Luz) e olfativas (do Aroma...) e auditivas (...segredantes vozes...)
· Essas imagens ganham amplitude com o pedido para que a sua dor seja
espiritualizada: “Espiritualizai nos Astros louros ..... Toda essa dor que na minh’alma
chama....” “Quero vê-la subir, ficar cantando / Na chama das Estrelas....”
· Há forte presença de palavras – imagens que remetem à idéia de luz e de vozes
domar...”, “vagas visões...”, “Aladas alegrias sugestivas...”, “asa radiante e branca”,
“Astros loucos do Sol...”.
· verso, (4): “Vagas visões volúpticas, velozes”produz aliteração, que também ocorre
nas palavras: “albornoses”, “gloriosas”, “fulgidas”, “altivas”, “albatrozes”, “sol”- esse
recurso reforça a sugestão espacial bem definida com o verbo “subir”: “Toda essa
dor... Quero vê-la subir...”
Como se fosse possível, o poeta remete sua dor a um outro plano, numa atitude ao mesmo
tempo masoquista e libertadora.
Encarnação
Carnais, sejam carnais tantos desejos,
Carnais, sejam carnais tantos anseios,
Palpitações e frêmitos e enleios,
Das harpas da emoção tantos arpejos...
* Enfatizando a temática sexual, esse soneto mostra a violenta atração do poeta por imagens
de forte sensualidade, repetidas vezes, como nos versos: “Carnais, sejam carnais tantos
desejos”. Essa carnalidade explícita é suavizada na figura das “lívidas Amadas”, embora
reforcem a sua obsessão pela cor branca e por tudo aquilo que lhe sugere brancura: “...os
seios lácteos, de finos e azulados veios...”. A imagem se completa com a sinestesia
provocada pelos versos: “sonhos, palpitações desejos e ânsias / Formem, com claridades e
fragrâncias...”. A cor e o cheiro se fundem como elemento essencial do erotismo – cujo desejo
nunca foi plenamente realizado.
Braços
Braços nervosos, brancas opulências
Brumais brancuras, fúgidas brancuras,
Alvuras castas, viginais alvuras,
Lactescências das raras lactescências.
Mais um hino à brancura, ao seu desejo incontido pela mulher branca (desejado pela mulher
de classe dominante?)
Nesse soneto fica evidente o seu desejo físico, palpável, metaforizado na imagem erótica de:
“Braços nervosos, Brancas opulências”
“Produzem sensações de agres torturas...”
Todas essas imagens são marcadas por uma angústia e tensão, características de um
simbolista cujo desejo carnal ficou sempre irrealizado, pois o seu fim tanto pode ser o Amor
como a Morte.
Serpente de Cabelos
A tua trança negra e desmanchada
por sobre o corpo nu, torso inteiriço,
claro, radiante de esplendor e viço
ah! lembra a noite de astros apagada.
Mas tudo fica no plano da imaginação, que o deixa “absorto”, “num torpor de coma”, “na
sensação narcótica”, “a vertigem”- (de másculo reprimido)
Finaliza relacionando a imagem feminina à “origem do Mal” numa visão ao mesmo tempo
sensual e mística.
Siderações
Para as Estrelas de cristais gelados
as ânsias e os desejos vão subindo,
galgando azuis e siderais noivados
de nuvens brancas e amplidão vestindo...
Outra temática presente nos seus poemas é o Misticismo característica da nova fase
(Simbolismo) em que se opõem matéria e espírito, corpo e alma.
Há um clima onde predomina o vago, o abstrato, porém voltado para uma esfera superior,
aqui evidenciado através das palavras:
“Para as estrelas/ ...as ânsias e desejos vão subindo/ galgando azuis i siderais noivados...”
Mais do que nunca, há uma linguagem simbólica intensamente subjetiva que busca o eu no
universo, a essência do ser humano, através de incursões a regiões etéreas, espaciais,
ilimitadas: “a amplidão vestindo”, os arcanjos / Num cortejo de cânticos alados, passam...”
O vocabulário foi cuidadosamente trabalhado através de palavras e expressões que acentuam
a sugestão mística: “arcanjos”, “turíbulos”, “incenso”, “infinitos”, “ritos”, “Eternidade”.
Ângelus
Ah! lilazes de Ângelus harmoniosos,
Neblina vesperais, crepusculares,
Guslas gementes, bandolins saudosos,
Plangências magoadíssimas dos ares...
A leitura desse, como da maioria dos seus poemas, é pura sugestão que revela outras
dimensões de mundo: “Serenidades eterais d’incensos”, “Névoas de céus espiritualizados”.
As palavras perdem seu valor expressivo racional para desaguara num universo simbólico,
através de semelhanças(1), comparações(2), analogias(3) e sinestesias(4):
1. “Neblinas vesperais, crepusculares”
2. “Quando se esgota o vinho das Quimeras”
3. “...bandolins saudosos,/ Plangências magoadíssimas”
4. “Tons siderais ...apagado nos brilhos.”
e em “Fulgores flavos de festins flamantes” a aliteração, de forma sutil, cria uma música de
palavras.
Há o encontro com o sagrado, não aos molde das religiões, mas na imaginação, totalmente
livre de estereótipos:
“Serenidades eterais d’incensos
De salmos evangélicos, sagrados,”
Sinfonias do Ocaso
Musselinosas como brumas diurnas
descem do ocaso as sombras harmoniosas,
sombras veladas e musselinosas
para as profundas solidões noturnas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em Missal, o autor diz: “Para mim, as palavras, como têm colorido e som, têm do mesmo
modo sabor”. Essa concepção de poesia foi a marca de Cruz e Sousa.
Autor da mais famosa aliteração simbolista, cuja musicalidade tornou inigualável esta estrofe
do poema Violões que choram: