Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Heráclito - Ernildo Stein PDF
Heráclito - Ernildo Stein PDF
sua vez, é elaborada a partir da ques- bém o volume 55 das Obras Reuni-
tão do ser. O teorema que preside a das de Heidegger, que tem como tí-
interpretação é a diferença ontológica. tulo o nome de Heráclito. Do começo
É dela que toda a interpretação dos dos anos 40, esse texto contém as
textos da filosofia se alimenta. É toda duas últimas grandes preleções de
a filosofia que está presente em cada Heidegger durante a Segunda Guer-
filósofo. Há uma história da metafísica ra Mundial. A primeira é do semestre
que é desvendada em cada leitura. de verão de 1943 e vem com o título
Nisso consiste a tarefa da destruição, “A origem do pensamento ocidental
presente no projeto heideggeriano. (Heráclito)”. A segunda, intitulada
Cada autor interpretado repre- “Doutrina heraclítica do lógos”, foi
senta algum degrau para ascender na desenvolvida durante o semestre de
direção de construir um discurso pró- verão de 1944. Pouco antes de sua
prio sobre o destino da metafísica. Os morte, em 1976, o filósofo confiou a
ensaios e os tratados de Heidegger são Manfred Frings a edição do volume.
o resultado final dessa chave de inter- Em meio a tantos textos inéditos,
pretação. Desde Ser e tempo até Medi- Heidegger tinha por estas duas prele-
tação (Besinnung) e outros tratados, a ções sobre Heráclito um interesse
sua linguagem é o resultado do con- muito particular.
fronto interpretativo que tem esse ca- Precedidas pela preleção
ráter substantivo. Hoje sabemos, da Parmênides, do semestre de inverno
publicação dos volumes do começo dos 1942/43, as preleções sobre Heráclito
anos 20, que mesmo a terminologia situam-se no fim das grandes aulas dos
filosófica de Ser e tempo foi gestada prin- anos 30 e na primeira metade dos anos
cipalmente a partir da interpretação 40, em que foram analisados filósofos
de Aristóteles, ainda que certos pres- como Kant (1930 a 1935/36), Hegel
supostos kantianos também sejam (1930/31), Aristóteles (1931), Platão
determinantes. Heidegger, por vezes, (1931/32), Anaximandro e Parmênides
chama a leitura de Aristóteles de in- (1932), Schelling (1936/41) e, sobre-
terpretação fenomenológica. Ainda tudo, Nietzsche (1936, 1937, 1938,
em 1928 ele escreve um volume so- 1939, 1940, 1941 e 1942) e Hölderlin
bre a Crítica da razão pura e o denomi- (1934, 1935, 1941 e 1942). São todas
na Interpretação fenomenológica da Crí- elas preleções importantes, essenciais
tica da razão pura. para a compreensão do segundo
É com esses pressupostos e nes- Heidegger e do quadro em que toma-
ta moldura que deve ser recebido tam- ram forma os notáveis tratados que se
442
Martin Heidegger: Heráclito
443
Ernildo Stein
444
Martin Heidegger: Heráclito
ses da produção dos anos 30 ou expli- tas escolhas felizes para problemas sé-
cações e auto-interpretação, também rios de tradução. A nova edição deve-
dos anos 30: dos erros e das errâncias. ria, entretanto, rever certas escolhas
Heráclito, que temos agora em portu- – sobretudo o uso dos termos “desco-
guês, é uma espécie de manifesto e tam- brimento” e “desvelamento”. “Sache”
bém uma despedida. A grande filoso- é tarefa ou causa, não coisa, como apa-
fia de Martin Heidegger se encerra aí. rece em geral no texto. “Contréa” é
A tradução brasileira de Márcia um achado de luxo para “Gegend” (re-
de Sá Cavalcante Schuback é uma bela gião). O texto está mundos à frente
surpresa. Lê-se com gosto e quase sem do nível de tradução de Ser e tempo,
o auxílio do texto em alemão. Há mui- pela mesma tradutora.
445