Escolarizando o Mundo

Estevão Balado

Mudar-se para a cidade.

Afastar-se da família.

Afastar-se da cultura.

Educar-se.

Estou só.

Estou triste.

Fui obrigada a deixá-los ir.

Direita

Esquerda.

Progresso.

Conquista.

Destruição.

Escola.

Direita.

Esquerda.

Mate-se.

Viva-me.

Esqueça-se.

Sirva-me.

"Meus exércitos aniquilarão,

a cultura destes selvagens.

Com um quadro e um giz na mão,

Trago-lhes a aprendizagem."

Abre! Fecha!

Direita! Esquerda!

O sinal bate.

A hora chega.

"Não precisamos de bondade...

Deixem de lado a compaixão!

Estudem com mais vontade!

Ou jamais aprenderão."

"Transformem estas virtudes

Em braços e mentes fortes.

Pois, para terem algum sucesso,

vocês vão precisar de sorte."

Eles não querem saber da alma.

Eles querem ganhar dinheiro.

E em troca da nossa calma,

Formam médicos e engenheiros.

Centros, carros, correria.

Casas, shoppings, miopia.

Mas quem é que preveria?

Roubam nossa autonomia.

Nossa individualidade,

Perde-se fácil na cidade.

Já que, desde tenra idade,

Arruínam a diversidade.

Direita! Esquerda!

Direita! Esquerda!

Perde-se a história.

Vive-se a glória?

Direita! Esquerda!

Direita! Esquerda!

Amém.

A terra é o sangue dos que vivem nela.

Um e outro não existe só.

A cultura não é velha, é bela.

Por que tentamos transformá-la em pó?

Cada um tem sua beleza,

Nem melhor, nem pior.

Cada cultura é uma faceta,

De um mundo que é maior

Do que você pode ter certeza

Se te julgas superior.

Modernidade.

Sustentabilidade?

O consumismo consome sonhos

E eu me consumo para consumir.

Mas nem consigo me sustentar.

Aprender,

Sobreviver.

Eles vão e nunca voltam.

Aprendem, mas não vivem.

Ouvem, mas não cantam.

Sonham, mas não existem.

"Doutrinamos,

Controlamos,

Educamos os educandos."

"Indicamos o caminho certo,

E ao fim dele encontrarão o Sucesso."

"Mas não perguntem demasiado,

O Sucesso é um sujeito raro,

Ele teme os curiosos,

e ama os disciplinados!"

Acima. Abaixo.

Abre. Fecha.

Palma. Palma.

A Industrialização

falhou em inventar,

uma educação,

capaz de ensinar.

Se aprender é viver,

ensinar é para ajudar

a construir a independência.

E não para adestrar.

Eu não quero trabalhar

para que uns poucos aproveitem

de uma vida de prazeres

que eu não possa desfrutar.

"Mas, ora ora, que tolice

Afirmar tais imposturas.

Nós trazemos modernismos

Para engrandecer suas culturas!"

"Afinal, assim tão lentos,

Tão ingênuos e atrasados,

Trazemos-lhes um alento.

E aceitamos este nosso fardo."

"Educaremos todos seus filhos

E os tornaremos civilizados!

E então eles serão capazes,

De dizer-lhes como estavam errados."

Direita. Esquerda.

É pelo bem da humanidade.

Direita. Esquerda.

E pela nossa vaidade.

Direita. Esquerda.

Que selamos essa amizade.

Direita. Esquerda.

Para fazermos sua vontade.

Direita. Esquerda.

De alterar a realidade.

Direita. Esquerda.

Com a nossa identidade.

Direita. Esquerda.

Estou mal.

Me dei mal.

Fui obrigado a me medicar.

Sou doente.
Diferente.

Não consigo encontrar lugar.

Atrasado.

Retardado.

É hora de modernizar.

Ler.

Escrever.

É o bastante para saber viver.

"Tem vergonha do trabalho?

Tem vergonha do passado?

Tem medo de viver aqui?

Me entristece, ver-te agora aí."

"Você tem que encontrar emprego,

Você tem que ganhar dinheiro.

E mesmo aqui, passando os dias só,

É a sua vida que me dá mais dó."

Desculpa mãe, desculpa pai.

Por ainda não ter visitado vocês.

O meu destino não sei pra onde vai.

Mas tenho agora que correr.

Eu já quase não aguento mais.

Tento, falho e não consigo.

Me formei há dez anos atrás.

Mas ainda hoje estou sem abrigo.

Rápido.

Falho.

Atrasado.

Frustrado.

Me pergunto se um dia,

Verei resultado

Da vida escolar,

Na qual fui maltratado.

Vejo os subúrbios,

Vejo-os marcados,

Por aquelas escolas

Que os mantém segregados.

Salto. Salto.

Passo a Passo.

Seu mundo é virado,

De cabeça para baixo.

Vaidade.

Beleza.

Ajudar?

Trabalho.
Carinho?

Não sei.

E riqueza?

For sure!

Natureza?

Nos livros.

Certeza?

Perdão?

A liberdade virá

Quando vier a certeza

De que somos diferentes

Eis aí a beleza.

De que somos especiais.

De que somos capazes.

E quando a educação não nos quiser mais

Ditar certezas vorazes.

O que é conhecimento?

O que é felicidade?

O que é pobreza?

O que é sucesso?