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Livre escolha das escolas pelos pais: Uma via para melhorar a

qualidade do serviço público de educação

Ramiro Marques

2010

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Capítulo 1

As filhas do Presidente Obama, Sasha e Malia, frequentaram sempre


escolas privadas. Foi assim enquanto viveram em Chicago. É assim
agora que vivem em Washington DC.

Em Portugal, passa-se o mesmo com os filhos do primeiro-ministro. E


os netos da ministra da educação. E por aí fora.

Gostava de saber se existe algum ministro ou dirigente do PS que


tenha os filhos em escolas públicas.

Por que razão as elites políticas não querem para os outros aquilo
que guardam para elas?

Se as escolas estatais fossem assim tão boas como dizem, os


governantes teriam colocado os filhos nas escolas estatais. O facto de
optarem pelo ensino privado e de impedirem que o comum dos
portugueses o faça revela duas coisas: hipocrisia e insensibilidade.

Os sistemas educativos da Nova Zelândia, da Suécia, Holanda e


Bélgica provam que é possível dar liberdade de escolha na educação
aos mais pobres (os ricos sempre tiveram essa liberdade e exercem-
na) sem aumentar a despesa pública com a Educação.

Na verdade, a inclusão das escolas privadas na rede pública de


educação, seja através das charter schools, cheque-educação ou
deduções das despesas com as propinas em sede de IRS, permite
poupanças significativas. As escolas privadas prestam, regra geral,
um melhor serviço educativo a um menor preço.

Se o Governo de José Sócrates reduzir ou anular as deduções das


despesas de educação no IRS acontecerão duas coisas: aumenta
subrepticiamente os impostos e reduz a já escassa liberdade de
escolha das escolas pelas famílias. Essa redução atingirá
profundamente a classe média. Os ricos continuarão a poder
inscrever os filhos nas escolas privadas mesmo que não possam
deduzir as despesas no IRS.

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Os socialistas são iguais em todo o lado. Têm em comum duas
coisas: receiam a liberdade e olham para as pessoas como se elas
não fossem capazes de tomar decisões racionais. É por isso que
reforçam sempre o centralismo e o monopólio do Estado na
prestações de serviços. Não querem cidadãos livres nem
comunidades locais fortes e emancipadas do poder do Estado e do
Governo.

Nos EUA, Obama faz o mesmo: verte lágrimas de crocodilo quando


confrontado com crianças pobres que são impedidas de frequentar as
escolas da escolha dos pais e, simultaneamente, corta nas verbas
destinadas aos programas de apoio às charter schools e às escolas
independentes. E insiste nas velhas receitas socialistas que falharam
em todo o lado onde foram aplicadas: centralização do currículo,
aumento da burocracia, metas e standards nacionais.

3
Capítulo 2

A liberdade de escolha das escolas é um tema que divide. Não é


do agrado da maioria dos professores que vêem nela um entrave à
igualdade de oportunidades. Este comentário da Salomé resume
bem o que a maioria dos docentes pensa do assunto:

A liberdade de escolha vai-se traduzir em escolas desiguais. Não


sejamos utópicos, a realidade demonstra que os grupos com
características comuns têm tendência a agregarem-se. As escolas
vão ter de seleccionar os alunos e o critério será certamente as
notas. Vão-se contrapor escolas de excelência com escolas de
gueto. Há que fazer uma discussão alargada deste tema para se
acautelar enganos que penalizam gerações.

Não tenho uma posição fechada sobre a liberdade de escolha. Sei que
tem dados bons resultados em países como a Nova Zelândia e a
Suécia e que até o Presidente Obama fez dela bandeira
impulsionando o movimento das charter schools.

Os resultados da investigação são inconclusivos. Há resultados que


confirmam as vantagens e outros que apontam desvantagens.

Julgo que a liberdade de escolha das escolas tem vantagens se for


feita de forma adequada, isto é, se proteger os interesses dos alunos
mais carenciados e se for acompanhada de mecanismos que impeçam
as escolas de fazerem selecção dos alunos com base no rendimento
dos pais.

Vou manter este assunto em aberto ao longo de todo o dia,


acrescentando argumentos a favor e contra e revelando estudos que
apontam num e noutro sentido.

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Capítulo 3

O autêntico Estado Social serve os cidadãos e auto-regenera-se! Em


Portugal houve uma perversão do Estado Social no domínio da
educação, responsável pela perpetuação de um sistema educativo
sem qualidade e gerador de grande injustiça social.

Com efeito, não obstante o sacrifício dos contribuintes e o


crescimento substancial do orçamento do Ministério da Educação
(ME), os resultados internacionais espelham a fraca qualidade do
ensino em Portugal e indicam que o nosso país é um dos países
europeus em que o sistema de ensino mais reproduz desigualdades
sociais, sendo opaís da União Europeia em que ter um pai licenciado
ainda é a melhor garantia de acesso à universidade. Portugal está no
grupo dos países “a vermelho” em que, ao lado de uma educação de
fraca qualidade, se acentuam as disparidades sociais. As elevadas
taxas de abandono escolar precoce e de chumbos consecutivos
envergonhariam qualquer outro país Europeu. Utilizamos as
disparidades sociais como arma política mas as suas causas não são
correctamente combatidas.

Como justificar esta dispendiosa e tamanha derrota humana?

No domínio da Educação mantemos um modelo de Estado Social


cristalizado desde o Estado Novo. Assenta num vasto conjunto de
escolas geridas pelo Estado e na ideia de Estado Educador, que
determina imperativamente a forma como os alunos têm de aprender
na Escola. É o Estado com uma oferta educativa única e gratuita para
todos: “eu” pago os custos da educação nas “minhas” escolas, mas
não noutras escolas, mesmo se forem melhores e mais baratas. Este
Estado egocêntrico, entende que a liberdade de escolha dos pais fica
cumprida com uma vaga nas “suas” escolas estatais. Isto retira a
liberdade de educação aos pobres.

Noutros países Europeus, a vitalidade das sociedades democráticas,


associada ao declinar dos seus resultados educativos, exigiu reformas
que alteraram a forma de intervenção pública na Educação para
modelos consentâneos com o Direito Fundamental de escolha pelos
pais do projecto educativo para os seus filhos. Hoje é assim na
Suécia, Holanda, Bélgica e Reino Unido, só para citar alguns países
Europeus.

Nestes países, ao Estado cabe assegurar uma rede de ensino gratuita


para todos e garantir que as escolas estão a prestar um serviço de
qualidade. Dessa rede escolar fazem parte escolas estatais e
privadas, o que permite aos cidadãos, ricos ou pobres, escolherem

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livremente o projecto educativo que pretendem para cada um dos
seus filhos. Todas estas escolas são classificadas como “públicas” e
não podem fazer selecção de alunos!

Dizer que escola pública e escola estatal é a mesma coisa é enganoso


e inquina o debate sobre o Estado Social logo à partida. Esta redução
da escola pública à escola estatal, permite ao ME continuar entretido
a gerir as “suas”escolas, consolidando uma estrutura cada vez mais
centralizada. Serve de escudo para o Estado, arrogantemente, não
prestar contas aos cidadãos. Confunde e frustra os jovens
portugueses para quem a escola de modelo único e massificada não é
a resposta (jovens estes que, perdendo a oportunidade de um ensino
de qualidade, nunca poderão disso ser indemnizados!). Permite a
este Estado Social injusto assombrar o fantasma de que alterar
significa a desprotecção dos cidadãos.

Alexandra Pinheiro
Fórum para a Liberdade de Educação – FLE
www.fle.pt

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Capítulo 4

Há factos que não podemos ignorar:

Portugal gasta com a Educação cerca de 5% do PIB: o mesmo que a


maioria dos países da OCDE.

A taxa de repetência e abandono já foi alta mas agora é baixa: 3,8%


no 1º CEB, 8,4% no 2º CEB e 13,8% no 3º CEB. São taxas que estão
em linha com os países do Sul da Europa com quem partilhamos
índices e padrões culturais, económicos e sociais.

Se o sistema educativo é ineficiente - e é-o claramente - a culpa só


pode ser atribuída ao carácter totalitário e estatizante do mesmo, já
que mais de 80% dos alunos frequentam escolas do Estado e, com
excepção das escolas estrangeiras, até as escolas privadas
portuguesas são obrigadas a vergarem-se ao experimentalismo
doentio do Ministério da Educação, sofrendo as pressões da IGE e
sendo obrigadas a cumprirem as orientações pedagógicas e
curriculares que o ME exige às escolas do Estado.

Nas últimas três décadas, as escolas portuguesas viveram sob o


domínio de uma sistemática e asfixiante revolução educativa.

Não deve existir país europeu onde o Ministério da Educação exerça


um controlo mais apertado sobre a vida das escolas do que o nosso
país.

Sou desfavorável à continuação da sujeição das escolas à revolução


educativa permanente e ao centralismo e controlismo do ME.

A solução do problema das escolas portuguesas passa por duas


medidas muito simples: liberdade de escolha das escolas pelos pais e
opção de opting out por parte das escolas que tiverem as condições e
as possibilidades para abandonarem o controlo e a dependência do
Ministério da Educação.

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No Reino Unido, isso está a acontecer, da mesma forma que já
aconteceu na Suécia, na Irlanda, na Austrália e na Nova Zelândia,
com as academias independentes e as charter schools. E até o
ineficiente sistema educativo público norte-americano está a ser
melhorado à custa do movimento das charter schools e das
academias independentes.

O sistema educativo socialista actual só tem paralelo com o


monopólio estatal da televisão existente, em Portugal, até à década
de 90 do século passado. Mantê-lo por mais tempo seria o mesmo
que obrigar os portugueses a verem apenas os canais da RTP e a
comprarem as mercearias em armazéns do Estado.

Um aluno da escola estatal custa em média 5 mil euros por ano. A


generalização de um sistema de liberdade de escolha pelos pais
custaria muito menos. A redução dos custos com a gigantesca
burocracia que gravita no Ministério da Educação seria suficiente para
reduzir o custo por aluno em mais de 10%.

É claro que a libertação das escolas do jugo asfixiante dos burocratas


insanos que gravitam no ME não verá a luz do dia enquanto o
eleitorado continuar a dar a sua preferência aos partidos
responsáveis pelo estado a que chegámos.

Só a força da realidade - com o esgotamento financeiro do modelo


socialista que criou uma taxa de desemprego de 10,8%, 22% nos
jovens, 20% de pobres, défice público de 9% e uma dívida pública a
crescer 2 milhões de euros por cada hora que passa - pode conduzir-
nos à libertação das escolas do jugo dos burocratas que as asfixiam e
impedem de exercer a sua missão.

Mas isto não é para fazer de repente. Não sabem como montar um
sistema de livre escolha? Estudem o que os suecos fizeram.
Contratem um especialista sueco na matéria e mandem todo o
pessoal das DRE de regresso às escolas. Pelo caminho, podem seguir
o exemplo dos suecos que reduziram o Ministério da Educação a uma
mera e insignificante Agência Nacional para a Educação com escassos
poderes de interferência directa nas escolas.

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Isso vai acontecer mas demorará o seu tempo. Até lá, é preciso cair
mais fundo e ir mais longe no processo de degradação em curso.

Capítulo 5

Eu sei que é mais fácil fazer passar um camelo pelo buraco de uma
agulha do que encontrar um professor que vote no PSD ou no CDS.
Faço formação de professores há mais de 25 anos e sou professor há
36 anos. Sei o suficiente para concluir que a esmagadora maioria dos
professores vota sempre à esquerda: PS, BE e PCP, por esta ordem.

Há razões que explicam esta tendência. Mais de 90% dos professores


portugueses exercem a actividade em escolas estatais e receiam
profundamente que a liberdade de escolha na educação - a proposta
que mais claramente distingue a direita da esquerda em matéria de
educação - torne os vínculos laborais mais precários. É um medo
infundado. É a recusa da esquerda em mudar o Estado Social (ista)
que aumenta a precariedade e o desemprego docente e não o
contrário.

Há mais de três décadas que a esquerda gramsciana ocupa a maior


parte das cátedras e influência nas áreas das ciências sociais e da
educação. Essa hegemonia deixou marcas profundas na actual
geração de professores.

A esquerda portuguesa é avessa à mudança e apresenta-se como a


grande defensora do status quo. Há muitos professores que receiam
pelas consequências negativas de uma mudança sistémica na forma
como as escolas são geridas e financiadas. Por cautela e medo,
encostam-se à protecção que a esquerda amiga do status quo lhes
finge dar. O corte recente nos salários caiu como uma forte
martelada em cima da cabeça dos professores de esquerda. Os
outros estavam à espera disso e não ficaram surpreendidos. Sabem
até que novos cortes vão ocorrer em breve se o Estado Social (ista)
não for reformado.

Ainda é chique ser de esquerda. No espaço mediático hegemónico,


nas salas de professores e nos ambientes onde os professores se
movem, ser de direita é visto como sinónimo de ignorância. Por vezes
até de falta de altruísmo porque a esquerda guarda para ela o
monopólio da solidariedade e da justiça social. As vozes discordantes
do discurso hegemónico da esquerda são silenciadas de duas
maneiras: através da autocensura para evitar problemas e litigância e

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pelo recurso à calúnia e ao insulto sobre os adversários que ousam
quebrar o silêncio.

Capítulo 6

Basta olhar para a História sem preconceitos: o socialismo é o


caminho para a servidão, o despotismo e a pobreza. E ainda há quem
queira solucionar os problemas causados pelo socialismo com mais
socialismo. Ou é cegueira ou insensibilidade.

Os problemas causados pelo socialismo resolvem-se com mais


liberdade. Por exemplo, a liberdade das famílias escolherem as
escolas para os seus filhos sem estarem sujeitas ao diktat de meia
dúzia de burocratas não eleitos que reservam para eles o poder de
decidirem o destino dos outros.

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Capítulo 7

Sem pormos fim ao monopólio estatal sobre as escolas não há forma


de melhorar a qualidade de ensino. Não são as mudanças curriculares
nem a formação de professores que podem inverter o caminho do
declínio. Tão pouco é uma questão de aumentar a despesa na
Educação. Os governos das duas últimas décadas mexeram nessas
variáveis e os resultados não apareceram.

As reformas educativas na Suécia e na Nova Zelândia mostram que


o caminho mais rápido e eficaz para melhorar a qualidade do ensino
tem um nome: liberdade.

Há duas maneiras de pôr fim à mãe de todos os problemas, o


monopólio estatal sobre as escolas:

A Suécia escolheu o caminho das mudanças graduais, feitas ao longo


de uma década, com ajustamentos progressivos que permitiram criar
escolas independentes financiadas pelo Estado, liberdade de escolha
das escolas pelas famílias, descentralização curricular, pedagógica e
administrativa e redução da interferência das autoridades educativas
centrais na vida das escolas.

A Nova Zelândia fez tudo de uma só vez. No dia 1 de Outubro de


1989, o Governo da Nova Zelândia extinguiu todas as estruturas do
Ministério da Educação e encerrou as autoridades educativas
regionais e locais.

Num caso e noutro, o sistema centralizado, burocrático e padronizado


deu lugar à completa autonomia curricular, pedagógica e
administrativa das escolas e à liberdade de escolha das escolas pelas
famílias.

Em posts anteriores defendi a primeira opção: reajustamentos


progressivos em ordem a pôr fim à interferência do ME na vida das
escolas. Estou cada vez mais convencido de que a segunda opção é a
única que resulta no nosso país dada a enorme capacidade de

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adaptação que a elite burocrática, que gravita em torno do ME,
possui.

A opção por uma reforma educativa à maneira da Nova Zelândia, a


ser assumida pelos dois partidos à direita do PS, poderia:

Garantir o apoio político das famílias, fartas de terem de obedecer ao


diktat dos burocratas em matérias que condicionam o futuro dos
filhos, e dos professores avessos à burocracia, à educação faz-de-
conta e ao show off instalado na maioria das escolas.

Se o PSD e o CDS se entenderem em torno de uma reforma


educativa semelhante à que foi feita na Nova Zelândia ganharão
votos dos professores que querem ensinar e das famílias que
pretendem adquirir o poder de escolherem a melhor educação para
os filhos, e terão a possibilidade de melhorar a qualidade do ensino
sem que para tal seja necessário lançar mais dinheiro que não temos
para cima das escolas.

Voltarei a este assunto em próximos posts porque a reconfiguração


do sistema público de educação passa por aqui.

Não é um tema popular entre os professores mas eu não edito este


blogue para ser popular. Edito-o porque é um instrumento para
reflectir sem preconceitos sobre a educação.

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Capítulo 8

Eu sei que a defesa da liberdade de escolha das escolas é uma tese


impopular entre os professores. Sucede que eu não alimento este
blogue com o objectivo primeiro de ser popular. Saúdo a inclusão
desta questão no discurso político da oposição pela voz de Passos
Coelho. Até agora, apenas o CDS advogava, de forma tímida, a
liberdade de escolha. O PSD foi sempre um irmão gémeo do PS em
matéria de Educação, repartindo ambos as responsabilidades pelo
estado em que se encontram as escolas públicas. Vai deixar de ser?
Não sei. É preciso esperar para ver.

Conheço vários países onde a liberdade de escolha das escolas é uma


realidade aceite e que não oferece grande contestação. É o caso dos
EUA, onde vivi e que visitei uma dezena de vezes nos últimos vinte e
cinco anos. É o caso da Irlanda, da Inglaterra (em certa medida), da
Holanda e da Suécia. As charter schools são um evidente caso de
sucesso. Boston, Nova Iorque, Chicago e muitas outras cidades dos
EUA estão cheias delas. O que é que os professores e os alunos
ganharam? Melhores ambientes de aprendizagem, mais tranquilidade
nas salas de aula, mais respeito e espaços mais seguros.

A Suécia, outrora um país socialista, foi o país que mais longe levou o
conceito de livre escolha. Mas há outros países noutras partes do
Globo que também concretizaram o conceito: Austrália e Nova
Zelândia, por exemplo.

Com excepção dos estudos conduzidos ou financiados por


investigadores e centros de investigação marxistas, quase todos os
outros estudos concluem pela existência de ganhos na aprendizagem
dos alunos. É verdade que há muitos estudos a provar a inexistência
de ganhos significativos. Mas isso é assim porque a maior parte dos
investigadores e centros de investigação em Educação adoptam uma
perspectiva marxista na análise do fenómeno. Há um preconceito
ideológico de base que contamina, em muitos casos, os resultados.

Há duas formas de levar à prática a livre escolha das escolas: uma


boa e outra errada. A primeira inclui o exercício da actividade
reguladora independente com o objectivo de assegurar que as
escolas que beneficiam dos programas de livre escolha não utilizam o
critério "rendimentos familiares" como método de selecção dos
candidatos. A segunda - errada - é a desregulação total.

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O que acontece na Suécia, onde nos últimos anos foram criadas cerca
de mil novas escolas ao abrigo do programa de livre escolha, insere-
se no primeiro caso. Espero que seja essa a opção de Passos Coelho.
Não é preciso inventar nada. Aplique-se, em Portugal, com as
necessárias adaptações, o modelo sueco. Que é aliás o modelo que o
Partido Conservador defende para a Inglaterra e o País de Gales.
Os professores não têm de recear a aplicação do modelo sueco de
liberdade de escolha das escolas. Mantêm o estatuto de funcionários
públicos e conservam o estatuto da carreira docente. O que podem
esperar de diferente diz respeito ao clima de escola e ao código de
conduta dos alunos. Num caso e noutro, só podem esperar melhorias.
E podem esperar também pelo fim da impunidade dos alunos
violentos. Esses alunos excluem-se do programa de livre escolha das
escolas. Na Inglaterra e País de Gales, há escolas de retaguarda, com
programas específicos, para acolher esses alunos.

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Capítulo 9

Não há nada que as escolas públicas mais precisem do que um


Ministério da Educação menos interveniente. Menos regulamentador.
A maior parte do tempo e das energias dos directores e adjuntos é
desperdiçado a prestar contas aos vários organismos do ME: DRE,
DGRHE, IGE, equipas de apoio às escolas.

As regras do jogo mudam a toda a hora. As escolas estão sujeitas à


voragem de um experimentalismo desmedido.

Imaginem o que seria uma empresa cujos gestores em vez de


dedicarem o tempo e energia a servir os clientes, passavam o tempo
a prestar contas aos accionistas. Uma empresa assim teria pouco
tempo de vida.

Só há uma forma de melhorar a educação pública em Portugal. E


essa forma não passa por equipá-las com os recursos mais modernos
do mercado. Passa por dar mais autonomia às escolas com a
consequente criação de um mecanismo de prestações de contas

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baseado em dois instrumentos simples: resultados dos exames
nacionais e liberdade de escolha das escolas pelos pais.

Num caso e noutro é retirar o poder aos burocratas e entregá-lo aos


directores, professores e pais. É fazer exactamente o contrário do
que o Governo faz.

Capítulo 10

Estes números dão que pensar. As escolas privadas apresentam


melhores indicadores do que as escolas públicas em todos os
factores. Os dados vêm no Relatório do INE "50 anos de estatísticas
de Educação". É certo que há uma variável de peso que explica uma
parte destes resultados: os alunos que frequentam as escolas
privadas são oriundos de famílias com rendimentos mais elevados do
que os alunos que frequentam as escolas públicas. Mas essa variável
não explica tudo. Se isolarmos a variável "rendimento das famílias",
veremos que os alunos de baixos rendimentos que frequentam
escolas privadas têm melhores resultados do que os alunos de baixos
rendimentos que frequentam escolas públicas.
Estes dados não me levam, no entanto, a defender a privatização das
escolas públicas. O Estado deve continuar a ter uma presença forte
na área da educação, mas deve caminhar para dar às famílias dos
alunos liberdade de escolha entre as escolas públicas. E isso quer
dizer que as escolas públicas que não prestam devem ser
encerradas.

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Uma presença forte do estado na Educação é uma garantia de
igualdade de oportunidades. Mas essa presença forte do estado na
área da Educação só promove a igualdade de oportunidades se as
escolas públicas forem bem geridas, a burocracia reduzida, o clima de
respeito e responsabilidade restaurado, os docentes dotados de
autoridade nas salas de aula e as funções não lectivas dos docentes
reduzidas ao mínimo.

Estou em crer que a melhoria dos resultados das escolas privadas,


pese embora essas escolas terem mais alunos por turma que as
escolas públicas, resulta, fundamentalmente, do clima escolar. As
escolas privadas podem escolher os alunos e têm poder para se
verem livres dos que revelam comportamentos violentos. As escolas
públicas não têm meios para impedir que um grupo de arrauceiros
impeça os restantes de aprenderem.

É o ensino privado que faz subir as taxas de transição e conclusão


nos ensinos básicos e secundários. No privado, entre os dois anos
analisados, a taxa para o básico sobe de 93 para 97 por cento. No
secundário, a evolução é de 73 para 89 por cento. No público, a taxa
sobe de 86 para 92 por cento no básico e de 66 para 78 por cento no
secundário.
Relativamente às taxas de retenção, o privado também fica melhor
no retrato dos 12 anos analisados. No básico a taxa desceu de sete
para 3,5 por cento no básico; e de 27 para 11 por cento no
secundário. Comparando com o público, a taxa de retenção no
secundário é de 22,3, em 2007/2008.
Verificou-se uma “evolução positiva” no rácio professor/aluno no
ensino público, atingindo valores de 15,1 e 14,1 no pré-escolar e no
1.º ciclo respectivamente. No secundário, há 7,7 alunos por docente.
Há 50 anos esses valores eram de 29, 34 e 19 alunos para o pré-
escolar, 1.º ciclo e secundário, respectivamente. No privado, um
educador de infância tem em média 17 crianças, igual número para o
1.º ciclo e no secundário o rácio é de 18,6. Fonte: Público
21/1/22010
Faço a mim próprio a seguinte pergunta: se tivesse um filho em idade
escolar, colocava-o numa escola pública? Resposta: não. Procurava
colocá-lo numa escola privada de elevada qualidade. E porquê?
Porque o ambiente/clima das escolas públicas tem piorado muito nos
últimos anos. E é a deterioração do clima das escolas públicas que
explica os fracos resultados apesar dos investimentos em recursos
físicos e humanos. Podem forrar as escolas de públicas de mármore,
computadores e quadros digitais. Enquanto não libertarem os
professores das funções burocráticas e enquanto não melhorarem o
clima das escolas, impedindo os arruaceiros de agirem com
impunidade, a qualidade do ensino só vai piorar.

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