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RESUMO
Os cães ferais domésticos são um dos principais predadores da vida selvagem nativa em áreas
protegidas em todo o mundo. Entretanto, o número de presas caçadas por cães ferais não é registrado
de maneira precisa. Foram encontradas, em um fragmento urbano de 250 hectares de Floresta
Atlântica na Região Sudeste do Brasil, 46 carcaças de no mínimo 12 espécies de vertebrados, caçadas
pelos cães ao longo de 44 meses. Os cães ferais não demonstraram qualquer seleção aparente em
relação às diferentes espécies de presa, matando desde veados a pequenos sapos. Os mamíferos
foram a presa mais freqüentemente encontrada (75%). Nossos dados indicam que os cães ferais têm
um grande impacto sobre a vida selvagem da Floresta Atlântica, especialmente em áreas onde os
animais silvestres precisam mover-se entre os fragmentos florestais. Os programas de erradicação,
embora controversos, são a única maneira de reduzir a predação da vida selvagem por cães ferais.
Palavras-chave: cães ferais, Floresta Atlântica, carnívoros, gatos, defaunação, fragmentação florestal.
1
Embora os gatos e cães ferais tenham sido
Enviado originalmente em inglês
2 mgaletti@rc.unesp.br registrados em muitas unidades de conser-
Artigos Técnico-Científicos 58 Natureza & Conservação - vol. 4 - nº1 - Abril 2006 - pp. 58-63
Impacto de cães ferais em um fragmento urbano de Floresta Atlântica no sudeste do Brasil
vação do Brasil, seus efeitos sobre a vida sel- transectos na floresta. Todas as vezes em
vagem nativa não são estudados como de- que era encontrada uma carcaça de verte-
veriam. Sabe-se que a caça clandestina e a brado morto por cães, a espécie era registra-
fragmentação florestal têm um efeito decisi- da. Os transectos e estradas eram percorri-
vo na redução das populações de aves e ma- dos pela manhã e à noite. Além das pega-
míferos de grande porte (Chiarello 2000), das, outras evidências deixadas pelos cães
mas o impacto dos gatos e cães ferais ainda nas carcaças são facilmente reconhecíveis e
é menosprezado. normalmente encontradas no pescoço das
presas. Além disso, os cães consomem parci-
Aqui são apresentados dados sobre a preda- almente suas presas. Em três ocasiões dife-
ção de vertebrados por cães ferais (Canis rentes, registramos cães perseguindo maca-
familiaris) em um fragmento urbano de Flo- cos, veados e coelhos durante o trabalho de
resta Atlântica de 250 hectares na região su- campo. Um grupo de 3-6 indivíduos, com-
deste do Brasil. O objetivo principal de nos- posto de cães domésticos de vilarejos próxi-
so estudo foi registrar as espécies predadas mos, combinados com cães selvagens, foi
pelos cães e localizar as possíveis espécies observado à procura de alimentos na área
mais sensíveis. do estudo.
Artigos Técnico-Científicos 59 Natureza & Conservação - vol. 4 - nº1 - Abril 2006 - pp. 58-63
Mauro Galetti - Ivan Sazima
Tabela 1. Vertebrados mortos por cães ferais na Reserva de Santa Genebra, em Campinas, região sudeste
do Brasil.
Artigos Técnico-Científicos 60 Natureza & Conservação - vol. 4 - nº1 - Abril 2006 - pp. 58-63
Impacto de cães ferais em um fragmento urbano de Floresta Atlântica no sudeste do Brasil
e gatos têm um alto impacto de predação em com a parvovirose e com o vírus da raiva ca-
aves não-voadoras na Nova Zelândia (Dia- nina em raposas (Cerdocyon thous) predado-
mond e Veitch, 1981, McLennan e Potter ras de caranguejos na Amazônia, eles obser-
1992, McLennan et al. 1996). Um único cão varam que o alto nível de contato das rapo-
doméstico matou 900 kiwis na Nova Zelân- sas com hábitats periantrópicos indica que a
dia (Diamond, 1989). Os gatos ferais podem probabilidade de contágio por vírus de cães
matar 700 répteis, 150 aves e 50 mamíferos para raposas é grande.
nativos por km-2 por ano, ao passo que as
raposas (Vulpes vulpes) podem matar 290 Este estudo mostra que os cães ferais têm
répteis e poucas aves e mamíferos no oeste um impacto significativo nos vertebrados
da Austrália (Read e Bowen, 2001). Os cães dos fragmentos florestais e podem até pro-
errantes são predadores importantes de ci- vocar a extinção de algumas espécies. A er-
vetas (Viverridae) em Hongcong (Dahmer, radicação regular de cães e gatos nas unida-
2001). des de conservação, especialmente em pe-
quenos fragmentos florestais, é essencial
O impacto da caça clandestina e da frag- para manter a vida silvestre nativa e os pro-
mentação do hábitat tem induzido estudos cessos ecológicos de que fazem parte.
sobre a conservação da Floresta Atlântica
(Galetti et al., 1996; Aleixo, 1999; Brooks et A conservação da Floresta Atlântica no Bra-
al., 1999; Chiarello, 1999; Cullen Jr. et al., sil sofre uma grande pressão nas poucas
2001), onde cães e gatos domésticos são mu- unidades de conservação restantes. Amea-
ito comuns em diversas unidades de conser- ças “invisíveis”, como a caça clandestina e a
vação. Por exemplo, no Parque Estadual predação por cães e gatos domésticos, e seu
Ilha do Cardoso, que compreende 15.100 impacto potencial como a transmissão de
hectares de área protegida, foram registra- vírus e outros tipos de infecção na vida sil-
dos 72 cães domésticos e 32 gatos (M. Cam- vestre revelam uma visão altamente preo-
polim,. com. pess.). Os cães têm caçado cuti- cupante desse ecossistema cada vez mais
as, veados e catetos na Ilha (E. R. Castro, ameaçado.
com. pess.). A situação não é melhor na Es-
tação Ecológica de Juréia-Itatins, e em Picin-
guaba, Intervales, Jacupiranga e diversas
outras unidades de conservação do estado
de São Paulo. Recentemente, a migração de
índios Guarani Mbya aculturados do Para- REFERÊNCIAS
guai para os parques remanescentes da Flo-
resta Atlântica brasileira causou um grande Alcover, J. A.; Sans, A.; Palmer, M. 1998. The
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(moradores locais, a maioria pescadores)
não só caçam nas unidades de conservação Aleixo, A. 1995. Aves da Mata de Santa Ge-
com seus cães, mas também mantêm gran- nebra: lições para a conservação de frag-
des populações de cães e gatos nessas áreas mentos florestais. In Ecologia e Preservação de
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des de conservação raramente são vacina- tão-Filho). pp. 83-86. Campinas, Editora
das contra a raiva e outras doenças e, por- UNICAMP.
tanto, são transmissoras potenciais de vírus,
representando um perigo para a vida selva- Aleixo, A. 1999 Effects of selective logging
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Artigos Técnico-Científicos 63 Natureza & Conservação - vol. 4 - nº1 - Abril 2006 - pp. 58-63
Mariana Contini Elias Ferreira - Natalia Hanazaki - Paulo César Simões-Lopes
RESUMO
Artigos Técnico-Científicos 64 Natureza & Conservação - vol. 4 - nº1 - Abril 2006 - pp. 64-74