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Inicialmente, deve-se enfatizar que uma espécie introduzida tem mais oportunidades de se

estabelecer em um período de tempo muito inferior ao que levou qualquer espécie da fauna
nativa durante seu processo evolutivo, visto não encontrar um processo de competição
interespecífico instalado. A princípio, são espécies que não possuem predadores ou parasitas
no ecossistema nativo e podem se incorporar ao sistema como consumidores de topo de
cadeia, com farta oferta de nutrientes e habitats a escolha, adaptando-se bem, pois
geralmente são espécies plásticas que possuem um gradiente amplo entre os vários fatores
ecológicos e climáticos a que estão sujeitos. Para Primack & Rodrigues (2001), animais
introduzidos fora de sua área natural, se conseguirem sobreviver, poderão se tornar pragas em
potencial, observando que a introdução de espécies em áreas diferentes da sua distribuição
natural é a segunda principal causa da perda da biodiversidade. Considerando em termos
gerais o quadro exposto anteriormente, poderemos a partir daí visualizar a situação no interior
de UCs. De 83,43% de superfície com florestas que o Estado apresentava em 1895, estima-se
que atualmente somente 8% apresentem cobertura florestal. Além disso, cerca de apenas 3%
da superfície do PR estão 79 efetivamente protegidos (UCs de proteção integral e uso
sustentável), em todo o Estado do Paraná (Jacobs, 1999). Percebe-se então a fragilidade dessas
áreas, acrescentando-se os problemas ocasionados ao longo do tempo pela fragmentação cada
vez mais intensa dos ambientes florestais e seus efeitos de borda, além dos impactos causados
pelas ações do homem, quais sejam: caça, desflorestamento irregular, fogo etc.. Espécies que
não desenvolveram estratégias de captura e predação naturalmente, ou seja, que não tiveram
o aprendizado natural (cães em estado feral, especialmente), geralmente podem causar
grandes estragos à fauna nativa assim como causam às criações domésticas (Leite-Pitman et
al., 2002). Tais ataques, entretanto, não têm o propósito de se alimentar das criações, pois
normalmente deixam-lhes extensas feridas, sem eventualmente matar os animais atacados,
restando evidências como as citadas feridas ao longo do corpo do animal (pescoço, face, dorso,
patas), causadas por múltiplas mordidas, resultado do ataque de um animal inexperiente na
caça (Leite-Pitman et al. op. cit.). Estes casos são mais facilmente observáveis em criações
domésticas. Por sua vez, na fauna silvestre não é possível observar tais evidências amiúde, em
função de ocorrerem geralmente em locais mais inacessíveis. Um problema conhecido há
muitos anos é a presença de cãesdomésticos no Parque Estadual Vila Rica do Espírito Santo,
município de Fênix - PR (Mikich & Oliveira, 2003). A forma de resolução inicialmente foi a
erradicação (C. A. Schicoski, com.pes.) quando do avistamento, por meio de caça autorizada.
Alguns anos depois, quando voltou a ocorrer o problema, foi feito um trabalho, em comum
acordo com o gerente do P.E. Vila Rica do Espírito Santo (R. L.S. Pereira, com. pes.), de
orientação aos moradores limítrofes ao Parque no sentido de prender seus cães e alimentá-los
devidamente, sob a condição de que, se fossem encontrados animais dentro do Parque, seriam
erradicados. Estas medidas foram tomadas para preservar ao máximo a integridade ecológica
da UC, já muito pressionada por outros fatores como o isolamento e o pequeno tamanho da
área, por exemplo. Durante trabalhos de execução de um projeto de pesquisa no Parque
Estadual Vila Rica do Espírito Santo (“O P.E. Vila Rica e a conservação da Biodiversidade no
Paraná” - parcialmente financiado pelo Fundo Estadual [Fema/Sema/IAP] e pela ONG Mater
Natura), foram encontrados mortos
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-0 dois catetos Pecari tajacu no interior do Parque, afastados das estradas e trilhas; uma paca
Agouti paca na estrada que vai para o Ivaí e no entorno, e mais um cateto Pecari tajacu na
divisa norte e todos foram mortos, de fato, por cachorros domésticos (G.V. Bianconi, in litt.
2005). Este é, provavelmente, um dos primeiros avistamentos de espécies da fauna silvestre
nativa, mortos por cães domésticos no Paraná. Sabese que esta UC possui uma área de 353,86
ha, pequena, portanto, para os padrões de sobrevivência de populações de mamíferos de
médio porte, que vivem em fragmentos florestais isolados, ou com pouco contato com outras
populações da mesma espécie. Assim, para fundamentar um diagnóstico mais realista e
atualizado do problema das invasões de espécies exóticas no Paraná, foram solicitadas
informações aos técnicos dos escritórios regionais do IAP sobre presença de espécies exóticas
em UCs e problemas resultantes deste tipo de interferência. Os registros mais significativos nas
UCs paranaenses têm sido da presença de cães-domésticos circulando, vocalizando, em
matilhas ou isolados, explorando a borda nas áreas das Unidades de Conservação de proteção
integral. Na Estação Ecológica São Camilo, município de Palotina cãesdomésticos têm gerado
uma necessidade de controle por parte da gerência da UC. Este controle objetivamente tem
sido executado com base em tentativas de erradicação dos animais quando avistados no
interior da Unidade, face aos inúmeros problemas que causam à fauna silvestre nativa local (N.
Nodari, com.pes., 2004). Foi também relatada a presença de cães e gatos no Parque Florestal
do Rio da Onça, município de Matinhos sem, no entanto, ter sido informada alguma forma de
controle. Matilhas de cães asselvajados foram também encontradas no Parque Estadual da Ilha
do Mel, sobrevivendo da caça de siris, caranguejos, pássaros e lagartos. Há dois anos,
veterinários da UFPR se organizaram para esterilizar todos os cães da Ilha do Mel, mas não
tiveram êxito, pois não foi convenientemente explicado aos moradores os motivos de tal
procedimento. Apenas 140 cães da praia de Encantadas foram castrados e vacinados. Também
o caramujo-gigante-africano A. fulica, foi observado tanto na E.E. Ilha do Mel quanto no P.E.
Ilha do Mel (A. Stella, com. pes. 2004). O javali Sus scrofa scrofa, observado nos arredores e
interior do Parque Estadual de Vila Velha (L.A. Diedrichs com. pes., 2005) e em 81 Campo
Largo, causa prejuízos a pequenos proprietários rurais (autor sênior obs. pes.). Uma das únicas
formas de controle de sua população, parece ser a caça com auxílio de cães e está sendo
testada a metodologia no Rio Grande do Sul (Deberdt, 2005). O mexilhão-dourado Limnoperna
fortunei está ocorrendo próximo à EE. do Caiuá, em Diamante do Norte,na Usina Hidrelétrica -
UHE Primavera da Centrais Energéticas do Estado de São Paulo - Cesp (A. Terto, com.pes. 2004;
Takeda, Fujita & Fontes, 2002). O tucunaré Cichla sp. C. cf. ocellaris ou C. monoculus teve sua
presença relatada no rio Iguaçu (G. J. Cordova, com. pes., 2004), além de sua presença nos rios
Paranapanema (V. Piola, com.pes. 2004) e Paraná (Agostinho & Júlio, 1999). Como é uma
espécie alóctone, a introdução tanto pode ser de uma ou outra espécie de tucunaré (V. Abilhoa
in litt. 2005). A rã-touro, Rana catesbeiana, tem sido observada em algumas UCs como P.E.
Mata dos Godoy (L.C. Luiz, com. pes., 2004), mas necessitase de pesquisas sobre o impacto
desta sobre o ambiente e espécies nativas. É também citada como ocorrente na AEIT do
Marumbi (R. Pinto-da-Rocha in litt., 2005). Também existem registros evidentes de indivíduos
para os municípios de Antonina e Morretes (SPVS, 2003). Mais recentemente, está sendo
desenvolvida uma pesquisa na E.E. do Guaraguaçu, com o bagre-africano Clarias gariepinus,
que visa a estudar a situação da população existente, antes de estabelecer propostas de
manejo (J.M. Aranha, com.pes., 2004). Há o relato da presença de cães possivelmente
alongados no Parque Estadual Pico do Marumbi e AEIT do Marumbi. Não se tem informações
quanto a ataques à fauna silvestre nativa pela difícil aproximação ao animal e expedição à área
de mata fechada, mas moradores do entorno entraram em contato com o IAP, informando
ataques desses cães a galinhas e outras espécies domésticas (J. Heller, com.pes. 2004). Em
áreas de UCs federais, foi encontrada em literatura a citação de cinco casos relatados de
ataques de cães-domésticos em estado feral, além da constatação de presenças de 68 cães e
50 gatos no Parque Nacional da Ilha Grande (Tiepolo, 2002).
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Espécies exóticas também são responsáveis pela introdução de inúmeros microorganismos,
que podem causar doenças e parasitoses
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-0 às espécies nativas (Fernandez, 2004). A principal razão pela facilidade que as espécies
exóticas possuem para invadir e dominar novos ambientes e deslocar espécies nativas é a
ausência de seus predadores naturais, pestes e parasitas no novo ambiente. Ainda assim, para
Primack & Rodrigues (2001), muitas das espécies exóticas não se estabelecem nos lugares nos
quais foram introduzidas, pois o ambiente geralmente não é adequado às suas necessidades.
Entretanto, uma certa porcentagem de espécies consegue se instalar em seu novo habitat e
muitas delas crescem em abundância às custas das espécies nativas. Conforme Ruiz-Miranda et
al. (2004), o primeiro passo para avaliar a contaminação biológica é dividir a invasão em
etapas: processos relacionados à chegada, à fase de estabelecimento, à fase de dispersão e à
fase de integração. Na chegada, são considerados fatores como o número de eventos, a
quantidade e procedência dos indivíduos (pressão de propágulos) introduzidos, a natureza da
espécie e o veículo de invasão (antrópico, natural). O autor menciona a importância dessas
informações nesta fase, pois a pressão de propágulos e o veículo terão enorme influência no
sucesso da invasão. A próxima etapa da contaminação é a fase de estabelecimento que inclui
questões sobre biologia de população e impactos observando se os animais introduzidos
formam uma população auto-sustentável. A fase de dispersão começa quando a população é
auto-sustentável e a espécie começa a ampliar sua distribuição geográfica. Por último, na fase
de integração, a espécie se torna residente e estabelece relações evolutivas e ecológicas com
espécies nativas. As alternativas de controle variam de espécie para espécie e local onde a
invasão ocorre. A exemplo disso, temos a proposta de controle do caramujo-africano na
Reserva Biológica - Rebio de Poços das Antas, a qual foi dividida em quatro atividades: a)
levantamento das comunidades de entorno da UC para se ter noção da extensão da infestação;
b) retirada da serapilheira de varrição na área de borda da mata e posterior queima; c) coletas
periódicas, e d) capacitação de pessoal da educação ambiental para orientação de moradores
do entorno. Essas medidas não impediram a ocupação do caramujo-africano, mas reduziram
sua dinâmica de ocupação (Faraco & Lacerda, 2004). No caso da introdução do sagüi Callithrix
spp. na Reserva Biológica - Rebio Poço das Antas, foram estudadas por Ruiz-Miranda et al.
(2004) 83 algumas formas de controle e encontradas algumas linhas de ação como a
erradicação. Esta é a única opção que elimina a ameaça e os riscos para o mico-leão-dourado
Leontopithecus rosalia. Há vários métodos de erradicação que recaem sob duas atividades:
remoção ou redução total da natalidade até levar à extinção. Os métodos podem ser
combinados numa estratégia mais abrangente. A remoção tem algumas dificuldades como:
captura, transporte e alimentação, procedimentos de esterilização e éticas, associados aos
diferentes destinos dos animais (eutanásia, centro de pesquisa, criadouro, repatriação). Deve
haver um trabalho de conscientização dos moradores do entorno das UCs de modo a
enriquecer o conhecimento sobre a flora e fauna local, bem como demonstrar atitudes que
podem ser tomadas para minimizar o impacto nessas áreas protegidas (Ruiz-Miranda et al. op.
cit.).
5 B Trataremos a seguir, genericamente, de aspectos relacionados ao manejo não distinguindo
entre espécies invasoras domésticas, exóticas ao país ou alóctones à região de interesse.
Muitas vezes, mesmo a destinação de animais domésticos é difícil. Assim como para destinar
animais da fauna nativa é necessário consultar criadores e zoológicos, em algumas ocasiões,
estaremos diante de problemas de destinação. Ao se tratar de espécies exóticas invasoras, a
restauração da integridade ecológica dos ecossistemas e das UCs depende estritamente da
intervenção humana. Em muitos casos, espécies exóticas instaladas em UCs, para fins diversos,
ainda persistem e existem fatores desde o desconhecimento do assunto até a hesitação em
executar a remoção por parte tanto dos responsáveis pelo manejo no campo quanto por
órgãos ambientais que fazem o licenciamento da coordenação dessa atividade. O
licenciamento para remoção de espécies exóticas invasoras precisa ser livre de empecilhos
legais (Ziller, 2004) e por meio dessas e outras atitudes podemos proceder a um manejo
correto e inverter o quadro de contaminação biológica em áreas protegidas e endêmicas. Com
base no Programa Estadual de Manejo de Fauna Silvestre Apreendida, organizado pelo IAP para
orientar a apreensão de fauna no Estado (Paraná, 2003), selecionamos três alternativas
principais para uma correta destinação da fauna exótica ou alóctone invasora depois de
capturada.
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-0 $"+,4"-/ Depósitos em zoológicos, centros de triagem (CETAS), criadouros e outras
instituições assemelhadas: Zoológicos e centros de triagem de fauna são os estabelecimentos
mais comumente considerados para a destinação de animais. Tais opções, contudo, estão se
tornando pouco viáveis porque a maioria desses locais não tem infra-estrutura dimensionada
para acomodar o grande número de animais posto em disponibilidade. No que diz respeito ao
uso de zoológicos como centros de recebimento de fauna, existem severas restrições, dentre
elas a sobrecarga das instituições. Isso se deve em especial ao cuidado com a saúde do plantel
já mantido no zoológico; à capacidade de abrigar animais recebidos; à disponibilidade de
pessoal especializado e custos com alimentação e medicamentos. Assim, outros locais podem
ser incluídos como receptores de fauna, tais como criadores conservacionistas, científicos ou
comerciais, além de instituições de pesquisa como universidades e centros regulamentados e
aprovados pelo Ibama. Com relação aos animais invasores domésticos, o caso é ainda mais
grave. Se não houver pessoas interessadas em se responsabilizar e cuidar desses animais, há
chances muito menores de se encontrar uma instituição que receba cães ou gatos domésticos,
sobretudo se estiverem em estado feral. Deve-se deixar claro também que, no caso do gato-
doméstico, que invade áreas de Unidades de Conservação, é muito mais difícil a captura e
mesmo a confirmação de que algum problema originou da sua presença. No entanto, temos de
estar preparados para encaminhar e conduzir o problema, quando o caso for inequivocamente
o gato-doméstico, pois a estrutura ecológica dos ecossistemas protegidos já sofre pressão
natural originária do desequilíbrio provocado pelo isolamento, ausência de predadores
naturais e tamanho incompatível com as necessidades de várias populações, em particular de
espécies de vertebrados como mamíferos e aves, por exemplo. Algumas formas de condução
dos problemas com espécies exóticas podem se dar pelo controle biológico, com o uso de
inimigos naturais para reduzir a população de um organismo prejudicial, ou por meio de
manejo biológico, que é a interferência inteligente do homem em um sistema natural, para
ajudá-lo a tornar compatível seu funcionamento 85 com a presença humana, mantendo seu
fluxo normal de atividade (Alho 1984, 1992). No entanto, o uso de um determinado tipo de
controle pode ser pior, como o caso ocorrido com A. fulica no sudeste asiático (ver p.60).
Outras vezes, não será possível fazer o controle nem o manejo, de modo que essas alternativas
devem ser bem discutidas, especialmente quando o problema mais freqüente é o cão-
doméstico “alongado”, que tem sido o mais comum em algumas UCs paranaenses.

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