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I – A ARQUEOLOGIA DO SABER
Escrita em 1970, depois de A Palavra e as Coisas na qual Foucault realiza uma pesquisa história
do discurso da ordem e da representação, esta obra tem como tese principal a noção de
práticas discursivas, explicitada no contraponto discurso e não discurso. O instrumental de
investigação apresentado é a Análise dos Discursos que ele batiza de ARQUEOLOGIA. Segundo
Roberto Machado (2006, p.143-4) nesta obra Foucault faz uma revisão crítica de seus
trabalhos anteriores, procura explicitar suas categorias de análise e a nova direção de seu
projeto teórico. Ele agora se interessa pelo discurso real, pronunciado, existente como
materialidade e define o método arqueológico a partir de seus objetos: o discurso, o
enunciado e o saber.
II – O DISCURSO
Referindo-se aos seus estudos anteriores e procurando definir o que é PRÁTICA DISCURSIVA o
autor adverte que sua compreensão “não pode ser reduzida a uma obra ou disciplina
acadêmica, individualmente. É, antes, a regularidade emergindo no próprio fato de sua
articulação: não é anterior a essa articulação” (FOUCAULT por LECHTE, 2002, p. 130). Essa
afirmação envolve entendimentos que buscamos na leitura dos capítulos 3 e 4 da segunda
parte do livro de Roberto Machado intitulada A história arqueológica de Foucault ( 2006, p.
111-167).
a) O discurso não é um SABER que se refere a alguma coisa enquanto objeto, pois o
objeto se constitui no próprio momento de sua ENUNCIAÇÃO. Ex: Não é a unidade do
objeto LOUCURA que constitui a unidade da psicopatologia. Ao contrário é a loucura
que foi construída pelo que se disse dela (Conjunto de formulações).
b) O discurso não se constitui de forma REGULAR: os objetos não são únicos, aparecem
históricamente, co-existem e se transformam. Não se organizam a partir de um
sistema fechado, não apresentam um modo constante de enunciação, um único estilo,
etc. Também os conceitos dentro de um campo conceitual não são fixos, se
transformam e se reordenam em função de novas argumentações. As formulações
variam (dedutivos, narrativos, raciocínios por analogia, etc). Os temas e as teorias
também não servem de princípio de individualização, pois se repetem em várias
épocas e campos conceituais. Ex: o mesmo tema aparece na história natural do século
XVIII e na Biologia do século XIX, e, além disso, em tipos discursivos diferentes.
Como articular essas duas ordens de coisas? Foucault não respondeu e por isso A
Arqueologia do Saber não elabora uma teoria (Idem, p. 149)
III- O ENUNCIADO
É uma FUNÇÃO DE EXISTÊNCIA dessa articulação, não uma unidade. “Uma função que cruza
um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que as faz aparecer com conteúdos
concretos, no tempo e no espaço” (FOUCAULT por MACHADO, p. 151).
1º) O enunciado não é a mesma coisa que uma frase ou uma proposição, quer dizer,
não corresponde ao mesmo nível de análise, gramatical ou lógica. Para que os signos verbais
existam como enunciado é preciso fixar a relação do enunciado com seu correlato, isto é, com
aquilo que ele enuncia. Foucault chama o correlato de REFERENCIAL e o define como Conjunto
de regras que dão existência a um domínio ou campo de objetos possibilitando que
determinados objetos possam ser mencionados.
2º) O enunciado NÃO EXISTE ISOLADAMENTE como existe a frase por exemplo.
Precisa estar integrado a um conjunto de enunciados e se SITUAR no espaço adjacente ou
colateral. O enunciado para ter existência depende da existência de um domínio a ele
associado.
3º) A relação do sujeito com o enunciado é uma FUNÇÃO VAZIA onde sujeitos
diferentes podem co-existir; os enunciadores. Assim sendo, o sujeito do enunciado não é o
sujeito da frase, nem o autor, mas todos que vierem a interagir com a formulação.
4º) O enunciado tem que ter existência material e se distinguir da enunciação. Tem-
se uma enunciação toda vez que alguém formula uma frase, uma singularidade que impede a
repetição. Um enunciado é passível de REPETIÇÃO. Duas enunciações podem conter um único
enunciado, ser repetidas por pessoas diferentes, em locais e épocas diferentes. Por isso a
repetição de um enunciado depende de sua MATERIALIDADE que é sempre de ORDEM
INSTITUCIONAL, no sentido de estrutura de poder (MACHADO, p. 151-2).
Essas regras mostram que na obra A Arqueologia do Saber “mais do que estudar a história das
idéias, onde as idéias são anteriores ao material em estudo ou o jeito pelo qual as ideologias e
teorias expressam condições materiais, o autor analisa o Regime de práticas” (LECHTE,2002,
p. 130), ou seja, as regras de formação discursiva, já que o discurso é definido como um
conjunto de enunciados.
IV – O SABER
Não é mais considerado o signo de outra coisa (imagem de polir o espelho para
aparecimento do sentido).
Como regime de prática, analisa os discursos a partir dos documentos; delimitando as regras
de formação dos objetos, das modalidades enunciativas, dos conceitos, dos termos, das
teorias com o objetivo de estabelecer o tipo de POSITIVIDADE que os caracteriza. Essa
positividade é a de um SABER, não de uma CIÊNCIA. Os saberes são independentes das
ciências (estão também em outros tipos de discurso), mas toda ciência se localiza no campo do
saber (MACHADO, 2006, p.154).
4 - A TECNOLOGIA (ciência) - Inspirado em Mauss. Não há forma de ação humana que não
esteja vinculada a uma estrutura de repetição. Uma regularidade de ações pode emergir de
uma técnica, tão naturalmente que parece não ter sido apreendida. Nas análises de poder que
realiza, de 1970 em diante, está preocupado em revelar a regularidade não reconhecida de
ações, que é a marca de uma técnica.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo:
Martins Fontes, 1966.
MACHADO, Roberto. Foucault, a ciência e o saber. 3.ed.rev. E ampliada. Rio de Janeiro: Zahar,
2006.