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que, para além da padronização e normaliza- sua autonomia, independência e relações in-
ção dos ambientes, espaços e materiais, es- terpessoais. Aprender a conhecer os perigos
tes refletem também o modo de pensar dos e os riscos lidando com eles ensina a criança
adultos que os estruturaram e organizaram, a proteger-se, a conhecer os seus limites e a
transportando crenças, valores e represen- avaliar o ambiente que a cerca, levando-a a
tações que condicionam o modo como se agir de modo mais controlado perante novas
proporcionam as experiências de brincar às situações. Lembra-nos Prott (2010: 20) que
crianças. Ao enquadrarem-se num conjunto uma instituição em que nada acontece pode
de interrogações – é seguro? É saudável? É ser perigosa para as crianças porque lhes dá
higiénico? Está protegido? Está adaptado poucas possibilidades de aprenderem a ser
à idade? –, os ambientes limitam a atuação independentes.
tanto das crianças como dos educadores. O Ao longo do tempo, a nossa atitude perante
que temos vindo a constatar é que, apesar as brincadeiras das crianças que implicam a
de os espaços para brincar serem destinados utilização de espaços e materiais pouco es-
às crianças e ao seu desenvolvimento, estas truturados, diferentes do que é tido como
são quem menos decide e intervém no seu “normal” em jardim de infância, tem poten-
processo de organização e estruturação, sen- ciado as práticas educativas e curriculares
sujo da lenha, é perigoso, podem magoar-se!
do os adultos quem toma todas as decisões. e proporcionado aprendizagens mais signi-
Os vossos pais vão zangar-se connosco se
Estando conscientes do excessivo controlo, ficativas. Destacamos nestas experiências
souberem que brincam aí e com essas coi-
organização e estruturação das brincadeiras um conjunto de fatores cruciais para o de-
sas.» Mais outro dia, e lá estavam as mesmas
das crianças, tentamos contrariar esta atitu- senvolvimento da criança: o seu papel ativo
perguntas e as mesmas respostas. Bom, se
de e arriscamos outra postura, oferecendo às e central na organização e estruturação das
resistimos durante algum tempo, a apetên-
crianças liberdade de decisão e controlo sobre brincadeiras; a forte motivação e envolvimen-
cia por explorar esses espaços e materiais
o seu mundo lúdico, de descoberta e cons- to durante o tempo de brincar e as interações
tornou-se incontrolável e também nós acei-
trução, num equilíbrio entre permissividade, que revelam maior qualidade e consistência,
támos o desafio. Observamos hoje que são
proteção e planeamento educativo, criando possibilitando a mobilização de sentimentos,
imensas as possibilidades que estes espaços
oportunidades para novas experiências de conhecimentos e afetos, concretizando-se
e materiais proporcionam, dando razão a
aprendizagem. Assim, temos proporcionado no modo como resolvem os problemas e
Prott (2010: 20), quando afirma que o jogo
às crianças espaços de brincadeira menos es- constroem projetos comuns. O espaço am-
da criança inclui a descoberta de novos terri-
truturados, com uma “vigilância escondida”, plo do recreio e o acesso aos materiais não
tórios. Se assim não for, o correto desenvol-
onde estas podem explorar materiais “sem estruturados (madeiras, portas de armários,
vimento da criança, e particularmente a sua
uso”, reutilizar objetos, construir e reconstruir eletrodomésticos, caixotes de papelão e ca-
aprendizagem a lidar com situações perigo-
cenários diversos, liderar processos, interagir vacas) transformou o quotidiano pedagógi-
sas, ficará comprometida.
de forma mais livre e autónoma, aprender a co/curricular de forma significativa, estando
Assistimos, cada vez mais, à padronização
lidar com os riscos e perigos inerentes ao es- lá a educadora, observando, participando,
das brincadeiras e brinquedos das crianças,
paço e materiais, aprender o que por vezes fruindo o tempo da infância cheio de viva-
à excessiva preocupação com a oferta de
a intencionalidade educativa/pedagógica não cidade, imaginação e criatividade, assumindo
ambientes assépticos, seguros e sem riscos,
consegue abarcar. Temos vindo a compreen- uma vigilância “escondida”.
destinados ao desenvolvimento das crianças,
der que o nível de vigilância deve ser equili- Estes espaços e materiais pouco estrutura-
que, se por um lado, têm protegido a infância
brado com a finalidade educativa de permitir dos, reinventados, abriram novas possibilida-
dos perigos inerentes aos espaços ou ativida-
à criança exercer as suas capacidades em des, potenciaram a construção e reconstru-
des menos normalizadas, por outro, poderão
evolução e o desejo de agir de forma inde- ção de cenários, permitiram o jogo simbólico
estar a condicionar o desenvolvimento de
pendente e responsável. A vigilância constan- e facultaram a rememoração de experiências
competências que lhes permitam lidar fora
te irá lesar o desenvolvimento pessoal (Prott, passadas, transformando-as segundo a sua
destes ambientes. As crianças não vivem
2010: 21). Tornou-se importante equacionar perspetiva e regras do jogo. Um dia, após
numa redoma, os riscos e os perigos existem
a (in)segurança como objeto educativo, pro- um fim de semana em que tinham assistido
onde menos se espera e nos lugares menos
porcionando espaço e tempo pedagógico às a uma demonstração de motos, as crianças
suspeitos, havendo necessidade de prepará-
crianças (e adultos) para aprenderem a lidar interpretaram a sua experiência real e procu-
-las para construir defesas. Saliente-se ainda
com os riscos e os perigos, promovendo a raram reproduzi-la no seu espaço de brinca-