Você está na página 1de 10

1

ESCOLA PRIMÁRIA EM GOIÁS (1930-1960): ENTRE CIDADES E


FAZENDAS, A ESCOLARIZAÇÃO COMO DISPOSITIVO DE INTEGRAÇÃO
NACIONAL

Profa. Dra. Rubia-Mar Nunes Pinto


Faculdade de Educação Física/Universidade Federal de Goiás
e-mail: rubia-marp@bol.com.br

Em Goiás, o período 1930-1960 é um tempo marcado pelo crescimento (não


linear) da rede de escolas e pela acentuada diversidade de iniciativas e agentes no debate
sobre a escola primária goiana e na construção e manutenção de instituições escolares
de nível elementar. Ainda que sem sequer aproximar-se do acesso à escola para a
maioria das crianças que viviam em Goiás na época, também o Estado - em suas esferas
estadual e municipal - avançou em seu papel de agente público responsável pela
educação dos goianos. Entre outros aspectos, a obrigatoriedade da escola elementar foi
estendida até crianças moradoras das zonas rurais. Houve crescimento da legislação
sobre a escola primária, processo decorrente do também crescente interesse por esta
instituição escolar na realidade brasileira e goiana, mas incentivado pela continuo
aumento populacional resultante dos movimentos migratórios que a partir de 1930 se
dirigiam a Goiás.
É um período particularmente rico para o estudo da institucionalização da escola
primária goiana na medida em que coincide com uma temporalidade na qual Goiás foi
alvo de um amplo programa de unidade e integração nacionali que sustentou um
processo de urbanização que fez surgir duas cidades-capitais planejadas – Goiânia
(1933) e Brasília (1961) – e de reforma do campo por meio da modernização das
relações entre capital. No período, Goiás aparece como espaço-chaveii (Oliveira, 1998)
para integrar uma nação que aparecia como uma pátria dilacerada em sertão e litoral.
O programa de integração do centro territorial brasileiro sustentou-se em, pelo
menos, dois gigantescos projetos colonizatórios: a Marcha para o Oeste que, nos anos
1930 e 1940, além de possibilitar o surgimento de Goiânia, incentivou a migração para
a região por meio da abertura de vias de circulação e da criação de colônias agrícolas; e
o Plano de Metas JK, nos anos 1950, que construiu Brasília e transferiu a capital federal
para o território de Goiás favorecendo, com maior intensidade, os movimentos
migratórios internos e ampliação das vias de circulação e tráfego pelo corpo da nação.
2

Ao alcançar o estado de Goiás ensejou profundos e amplos efeitos (históricos,


sociológicos, territoriais, econômicos, culturais – e por que não, educacionais?) sobre a
sociedade goiana. Para muitos historiadores goianos (Campos, 2003; Silva, 2001;
Chaul, 1997), a integração de Goiás à nação constituiu, mais que qualquer outra coisa, a
inserção econômica de Goiás ao capitalismo mundial assumindo características
colonizadoras que capturavam o território e as gentes nas teias do sistema econômico
hegemônico sem alterar substancialmente o lugar periférico e marginal da região e sem
provocar transformações significativas nas condições de vida das populações.
A historiografia da educação goiana compartilhou esta interpretação até muito
recentemente considerando que a expansão da escolarização na região teve como
objetivo primordial a formação de uma população para o capital. Conforme
Nepomuceno (1994, p. 32), depois de 1930, a politica educacional goiana no período
visava “criar comportamentos e impor valores capazes de incorporar significativos
setores da população a um mundo regido pelo capital”. Entretanto, sem denegar o papel
da escolarização na formação do trabalhador e na difusão do ethos capitalista nos
sertões goianos, é fundamental perceber que a escola primária cumpriu diversidade de
funções no interior do programa de unidade e integração então em curso, entre elas, o
abrasileiramento do povo do sertão e a forja da identidade regional.
O programa de unidade e integração, paradoxalmente ao seu caráter colonizador
e regulatório, também proporcionou condições para que as elites intelectuais e políticas
goianas tentassem reverter a condição de periferia do estado no escopo da nação por
meio da re-invenção de Goiás como região moderna, produtiva e civilizada (Pinto,
2009). Era fundamental, portanto, incrementar a produção econômica, cuidar de seu
escoamento e organizar a estrutura do Estado Regional, mas também afastar as
representações prenhes de negatividade associadas à região e ao seu povo, forjar
símbolos, representações e imagens que dariam substrato a identidade regional.
Considerando a importância atribuída à escola na construção da pátria rica,
unida e forte, os processos de escolarização seriam, portanto, tributários das aspirações
relacionadas à integração e unidade nacionais balizando amplos processos de educação
e aculturamento. Aceita-se, assim, a premissa que a formação das identidades - nacional
e regional -, não se limita a invenção de representações coletivas, mas “[...] está
acompanhada de um gigantesco trabalho pedagógico para que parcelas cada vez
3

maiores da população as conheçam e nelas se reconheçam” (Thiesse, 2002, p. 8). Daí a


importância da escola primária na integração nacional em Goiás.
Levando-se em conta a história da integração nacional e sua ênfase na
construção de cidades e na reforma do campo em Goiás, recorto o período 1930-1960
em dois momentos distintos - embora articulados – que vou chamar o Tempo Goiânia e
o Tempo Brasilia: o primeiro abarca o período 1930/1945 quando o estado de Goiás
voltou-se para a construção de Goiânia e para a Colônia Agrícola Nacional de Goiás
(CANG), experiência integrante da política estanovista Marcha para o Oeste (1938-
1945); e o segundo, o período 1946/1960 quando os esforços e expectativas pela
construção de Brasília e pela transferência da capital federal para os altiplanos de Goiás
bem como os conflitos pela posse da terra na sub-região de Trombas e Formoso
(1950/1957) se tornaram o centro da vida regional.
Em ambos, um intenso movimento migratório e a abertura de vias de transporte
e comunicação promoviam o crescimento populacional e incentivam os deslocamentos
humanos pelo interior da imensidão do território goiano. Estes acontecimentos se
mostram fundamentais para o entendimento sobre como a escola primária em Goiás na
medida em que, mobilizando Estado, intelectuais e grande parte da sociedade goiana
tornaram-se emblemas do processo de modernização estadual que delegou a escola
primária um inequívoco papel na conformação de uma nova realidade para o estado.
Como, então, pensar a institucionalização, expansão e inovações da escola primária em
Goiás se considerada a questão da unidade e integração nacional e, com ela, a ocupação
produtiva do território, a construção de cidades-capitais planejadas, as migrações, a
abertura de estradas, a forja das identidades nacional e regional?

O tempo Goiânia, a Cidade-Sertão (1930-1945):


“é, finalmente, sohada a grande hora de Goiás”
.
Goiânia é projeto das elites fazendeiras das sub-regiões sul e sudeste estaduais
que acenderam após o Movimento de Trinta: ergue-la e transforma-la em cidade-capital
moderna e civilizada constituiu a sua maior tarefa, o que impactou na expansão da
escolarização no estado de Goiás. O surgimento de Goiânia monopolizou todas as
atenções e praticamente capturou a atenção dos dirigentes goianos e quase a totalidade
das rendas estaduais no período 1933-1945. Construída discursivamente como símbolo
de uma nação que marchava para dentro em busca de seu destino de potencia, a nova
4

cidade-capital goiana foi significada como cidade-educadora com potencialidade de


irradiação de sua influencia cultural pelo interior do estado de Goiás, mas também por
todas as regiões localizadas a oeste do território nacional.
Daí que escolas, estudantes, professores, impressos educacionais e pedagógicos,
congressos de educação, entre outros, constituíram parte intrínseca na forja de sua
cultura urbana. A nova cidade-capital dos goianos pode ser pensada como fruto da
confluência do intenso debate nacional sobre a instauração da modernidade e no qual
sobressaíam os temas do rural e do urbano e, amalgamados a eles, a questão do trabalho
e da formação do trabalhador e o papel inequívoco da educação para que o país, enfim,
se tornasse moderno e superasse a condição colonial (CARVALHO, 1989). Mas, no
tocante a Goiás, estado auto representado como “o mais pobre, o menos educado entre
os filhos do pai Brasil” (Revista Oeste, 1942), é claramente perceptível nas fontes de
pesquisa que os esforços envidados durante o período 1930-1945 foram marcados pela
idéia de uma escola que, além de reduzir o enorme índice de analfabetismo e qualificar
o trabalhador rural para o incremento da produtividade agropecuária, pudesse traduzir a
idéia que Goiás não havia somente babaçu, milho, gado, etc., “[...] mas, também...
cabeças”, conforme se escreveu na Revista Oeste (1943).
O que se pode ver neste período? A extensão e ampliação da legislação
educacional, crescimento na dotação orçamentária específica para o ensino primário,
realização de congressos de educação, Revista da Educação, prédios escolares,
concursos públicos para seleção de professores, o cinema educativo, a escola nova, o
ruralismo pedagógico, livros didáticos regionalizados, entre outros, são alguns índices
deste tempo em que a escolarização elementar se tornava, mais e mais, alvo da atenção
dos governantes e da população goianaiii. A construção de uma nova cidade-capital e o
aumento populacional provocado pela intensificação dos movimentos migratórios em
direção ao campo – notadamente em direção a CANG - podem ser pensados como o fiel
da balança no crescimento do aporte legal sobre a escola primária.
Antes do surgimento material de Goiânia, o Interventor Pedro Ludovico Teixeira
deu prioridade a questão educacional no relatório enviado pelo interventor de Goiás ao
presidente Getúlio Vargas em 1933: a educação é temática tratada logo no Capítulo 1, o
que denota seu lugar estratégico no projeto de poder do líder político goiano. No
Relatório, Ludovico escreveu que reconhecia um movimento mundial orientado para
“difundir, dignificar e prestigiar a escola” e, discorrendo sobre seu interesse em
5

propagar tal movimento no “ambiente social do estado”, afirmava que “para ela (a
educação) voltou suas vistas desde a hora inaugural” de seu governo.
No tocante ao ensino primário, o Interventor Pedro Ludovico Teixeira avaliou
qualitativamente o ensino elementar praticado em Goiás, “quer pelas escolas estaduais
quer pelas municipais quer pelas particulares, ainda se filia ao tipo tradicional que é o
régio ligeiramente evoluído” (Relatório, 1933, p. 13). Em contrapartida, afirmava que
em termos da quantidade de escolas primárias o avanço era notável. O número de
escolas primárias, de fato, cresceu no período 1930/1945.

ANO GRUPOS ESCOLARES ESCOLAS ISOLADAS


OU COMUNS
1929 16 161
1930 20 161
1933 26 261
1936 31 182
1939 46 145
1940 45 145
1941 47 149
1942 49 155
1945 74 630
Fontes: Relatórios 1933, 1939 e 1942 / Mensagem 1936/ Diário Oficial do Estado de Goiás
(1945) / Goyaz, uma nova fronteira humana (1949).

Quanto ao financiamento, igualmente houve crescimento no percentual


destinado a Instrução Pública no período 1930-1935 que corresponde ao momento
anterior a construção de Goiânia. No Relatório de 1933, Ludovico ressaltou que para a
educação havia reservado um montante de recursos maior que aquele previsto no
Código dos Interventores. A distinção positiva de Goiás ante os estados da federação foi
ressaltada.

Goiaz, que já antes da vigência do CI [Código dos Interventores]


observava aquela regra, adicionou, entretanto [...] um acréscimo de
10,25% aos 14,7% que já dispendia com os referidos serviços
perfazendo um total de 24,32% ou seja quase ¼ de sua despesa geral.
Com essa providência, Goiaz passou a ser, no seio da federação, a
unidade que consigna ao ensino maior dotação orçamentária em
proporção a despesa (Grifo meu).

O financiamento da educação, contudo, foi sendo reduzido ao longo do decênio


1930-1940: em 1935 foi reduzido para 20,70% (Mensagem, 1936) e para 15% em 1939.
6

Há evidências, entretanto, que as escolas públicas estaduais de Goiânia não sofreram


redução orçamentária significativa e a Diretoria de Educação manteve as distinções
econômicas entre escolas e professores da capital e do interior. Uma análise dos
orçamentos estaduais no período revela que as escolas públicas mantidas pelo governo
estadual em Goiânia tinham previsão de orçamento em separado das demais escolas do
estado e que seus professores e professoras recebiam salários maiores que aqueles pagos
aos docentes do interioriv.
A redução do percentual destinado a educação a partir de 1935 pode ser
explicada pelos aumentos das despesas com a construção de Goiânia, empreendimento
grandioso para um estado ainda empobrecido como Goiás e que contou com pouco
apoio financeiro do Estado Nacional. A partir de 1939, a redução foi ainda mais
significativa caindo para 15% e, neste sentido, os preparativos para a inauguração
oficial da cidade no chamado Batismo Cultural de Goiânia (1942), evento no qual
ocorreu o VIII Congresso Brasileiro de Educação da Associação Brasileira de
Educação. No período 1937-1942, por sinal, o governo estadual investiu sobejamente na
construção de estruturas que pudessem dotar a cidade-capital de condições adequadas
para receber a atenção dos educadores nacionais que se reuniriam no Congresso da
ABE: foram realizados concursos para selecionar professores para o Grupo Escola e
Jardim de Infância Modelo, promovidos dois congressos regionais de ensino primário
(1937 e 1938) e editada a Revista da Educação (1938).
O interventor Pedro Ludovico Teixeira procurava justificar a secundarização do
problema da educação no interior do estado. ‘Nunca o descuramos, nunca o olvidamos’,
afirmou em Dá-se a criança o que ela quer (Revista Oeste, 1944, p. 1). Mas,

A construção de Goiânia absorveu grande parte de nossas exíguas


rendas. Era natural que se fizesse poupança em outros ramos da
atividade administrativa, para que se pudesse levar avante obra de
tamanho vulto para uma unidade federativa que rendia tão pouco. Os
fatos vieram demonstrar [...] que estávamos cheios de razão. Goiânia
seria o estímulo, a alavanca em que se apoiaram todos as nossas
forças latentes para se desenvolverem. Foi o que aconteceu. Entre nós,
atualmente, tudo caminha, tudo evolue, tudo progride. (Grifos meus).

O surgimento de Goiânia impactou enormemente na construção de prédios


escolares. Neste sentido, os cortes no orçamento que atingiram o interior estadual e
privilegiou a cidade-capital a partir de 1935 é mais uma vez evidente já que foi
7

justamente neste período que os prédios escolares de Goiânia foram construídos: o


Liceu, o Grupo Escolar Modelo e o Jardim de Infância Modelo, primeira edificação
pública finalizada nas obras de construção de Goiânia (iniciadas nos últimos meses de
1933). A política orçamentária que privilegiou Goiânia atingiu, sobretudo, o interior do
estado, inclusive, no que diz respeito à construção e instalação de escolas. No entanto,
os estudos e pesquisas sinalizam para uma expansão da rede pública escolar em todo o
estado neste período. As fontes demonstram que o governo estadual criou muito mais
escolas isoladas e cadeiras em escolas primárias já existentes deixando em plano
secundário a construção de prédios específicos para grupos escolares. Também o
aluguel de prédios e sua adaptação a fins educacionais manteve-se como prática
recorrente.
Dos discursos do interventor e do que era publicado pela imprensa oficial é
possível encontrar indícios que permitem compreender como o governo estadual lidou
com esta questão. Ludovico contou com o apoio dos poderes municipais para expandir a
rede de escolas transferindo, de certa forma, o problema educacional para os prefeitos
das cidades do interior. E em parceira com os poderes locais, colaborava a Igreja
Católica além de agentes como a Sociedade de Amigos de Alberto Torres, Cruzada
Nacional de Educação e a Campanha Nacional de Alfabetização, os quais revelam
importantes adesões ao programa que visava povoar o centro territorial brasileiro,
constituindo a população como força de trabalho e fonte de riquezas da nação.

O tempo Brasília (1946-1961): a espera pela cidade-capital nacional em


meio à luta pelo direito a terra

Em 1949, havia 1000 escolas isoladas espalhadas pelas zonas rurais e pelas
cidades goianas. Muito aquém das necessidades da população que então habitava as
terras goianas e infinitamente aquém das necessidades postas pelos projetos de
povoamento e ocupação do território. Neste sentido, destacou-se a desigualdade entre
capital e interior estadual e entre o estado e outras unidades federativas ressaltando que
Goiás possuía 26,4% de alfabetizados perdendo somente para quatro estados do
nordeste: Maranhão, Paraíba, Alagoas e Piauí (Souza, 1949).
A partir do fim do Estado Novo, o programa de unidade e integração de Goiás
teve sua face alterada. Já em 1946, o governo federal brasileiro retomou, através da
criação da Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital (1946-1949), o
8

caminho para o oeste brasileiro, porém, em bases distintas da Era Vargas. Em 1953,
outra comissão foi instituída: a Comissão de Localização da Nova Capital Federal
(1953). Ao invés de colônias agrícolas, entrava em cena novamente a idéia de
transferência da capital federal para o meio do mapa do Brasil, a qual sustentou-se em
argumentos relacionados a defesa da nação, as benesses do clima e a fertilidade da terra.
Por outro lado, o fracasso da CANG redirecionou os esforços estatais
relacionados à ocupação produtiva da terra ensejando o delineamento de projetos que
intencionavam subsidiar a migração de estrangeiros – ao invés dos nacionais – para
Goiás. No período 1950-1957, tornou-se visível nacionalmente uma das consequências
desastrosas e imprevistas da CANG. Muitas famílias camponesas que tinham sido
atraídos pela propaganda deste Colônia Agrícola durante a década de 1940 não haviam
conseguido inserir-se no projeto governamental ou ali haviam fracassado na produção
de alimentos dirigiram-se a região de Trombas e Formoso, região de terras devolutas,
tomando posse da terra. Posteriormente, estas famílias seriam expulsas a custa da
grilagem, o que desencadeou sua reação na defesa do seu direito a terra e a deflagração
de um conflito que ocorreu entre 1950 e 1957.
Na perspectiva de evitar outro fracasso, em 1949, o Conselho de Imigração e
Colonização da Presidência da República planificou, em parceira com o governador
goiano, Jeronimo Coimbra Bueno, “um amplo programa imigratório e da colonização”
(Latour, 1949, Apresentação) que alocaria nas zonas rurais goianas um contingente nada
desprezível de imigrantes refugiados de guerra norte-europeus (notadamente, poloneses
e croatas). Esperava-se que o amalgama de características biológicas e culturais de
migrantes estrangeiros e nacionais pudesse forjar o trabalhador rural idealizado no
programa de integração nacional. Conforme Souza (1949, Introdução), “a técnica do
primeiro somada ao destemor e a fibra do segundo fará de Goiás e do Maciço Central
Brasileiro o teatro de uma civilização rural sólida porque racional, a refulgir no peito do
Continente Sul-Americano”.
Todo este movimento fazia de Goiás uma nova fronteira no interior das
fronteiras nacionais. Como a escola primária se inseriu neste panorama? Antes de tudo,
como instituição restritamente difundida pelo estado, como uma ausência. No que toca a
interiorização da capital federal, ponderou-se que poderia ser temerário leva-la para
lugar tão atrasado culturalmente (Lima & Vieira, 2011). No tocante ao projeto de
imigração estrangeira, cogitou-se a importância de sua expansão haja vista que as
9

pretensas famílias de imigrantes europeus deveriam encontrar condições educacionais


adequadas para a formação de seus filhos (Souza, 1949).
Os goianos se mostraram incansáveis e dedicados colaboradores do governo
federal na construção de Brasília desapropriando as terras do quadrilátero onde surgira
Brasília e constituindo, em meados da década de 1950, a Comissão de Cooperação para
a Mudança da Capital que trabalhou no período 1955-1960 (Oliveira, 2005) e também
foram agentes interessados nos projetos de imigração e povoamento do campo a tal
ponto de suscitar a análise do historiador Paulo Bertran (2006): “os goianos passaram o
século XX a construir cidades e reformar fazendas. Não tiveram tempo para cuidar de
sua própria história”. Embora necessite maior aprofundamento analítico e reunião de
novas fontes, talvez seja possível igualmente entender que esperavam que, por si só,
cidades modernas e fazendas modernizadas poderiam - ao trazer o progresso
econômico, vencer as distancias e permitir aproximações - resolver os ingentes
problemas educacionais da região.

Referências Bibliográficas
ALVES, M. F. Política e escolarização em Goiás: Morrinhos na Primeira República. Belo
Horizonte: FAE/UFMG, 2007 (Tese de doutorado).

BERTRAN, P. A memória consúltil e a goianidade. Revista da UFG, Goiânia, ano VII, nº 1, p.


62-67, 2006.

CHAUL, N. F. Caminhos de Goiás: da construção da decadência aos limites da modernidade.


Goiânia: Ed. UFG; Ed. UCG, 1997.

FOUCAULT, M. Segurança, população e território: curso dado no Collège de France (1977-


1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008.

LIMA, N. T. e VIEIRA, T. R. A capital federal nos altiplanos de Goiás: medicina, geografia e


política nas comissões de estudos e localização das décadas de 1940 e 1950. Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, vol. 24, nº 47, p. 29-48, jan/jun 2011.

NEPOMUCENO, M A. A ilusão pedagógica 1930-1945: estado, educação e sociedade em


Goiás. Goiânia: Ed. UFG, 1994.

OLIVEIRA, L. L. de. A conquista do espaço: sertão e fronteira no pensamento brasileiro.


Revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; Ed. FioCruz, v. V,
p. 195-215, jul, 1998

OLIVEIRA, M. de. A participação goiana na construção de Brasília. Sociedade e Cultura, vol.


8, 2005a, p. 261-271.
10

PINTO, R. N. Goiânia, no coração do Brasil (1937-1945): a cidade e a escola re inventando a


nação. Niterói: FEUFF, 2009 (Tese de doutoramento.

SILVA, L. S. da. Progresso e sertão goiano: a espera. In: BOTELHO, T. R. (org.). Goiânia:
cidade pensada. Goiânia: Ed. UFG, 2002, pp. 129-152.

SILVA, A. L. A Revolução de 30 em Goiás. Goiânia: Cânone Editorial/AGEPEL, 2001.

SOUZA, J.G. Goiás: uma nova fronteira humana. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de
Geografia/IBGE, 1949.

THIESSE, Anne-Marie. Ficções criadoras: as identidades nacionais. Anos 90 Revista da Pós-


graduação em História/UFRGS, Porto Alegre, vol. 9, no 15, 2001. Disponível em
http://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/6609/3932. Acessado em 12/03/2012.

i
Este programa de integração é aqui entendido como um amplo conjunto de ações, iniciativas, projetos e
políticas de caráter predominantemente estatal, mas também partilhado por indivíduos, grupos
profissionais, ordens religiosas, associações e entidades culturais, econômicas e sociais não estatais
localizados tanto no centro dinâmico da nação quanto nas regiões, periferias, sertões e fronteiras a serem
integradas.
ii
A importância de Goiás neste programa decorre de sua posição geográfica centralizada no espaço Brasil
e, não menos importante, das propagadas riquezas de suas vastas terras. Portanto, importância relacionada
à defesa do país contra ataques vindo de nações estrangeiras, à defesa contra ataques na ordem interna da
nação, à constituição de um ponto de distribuição e articulação de uma malha de transportes e
comunicação inter-regionais no centro geográfico, à produção e abastecimento de alimentos e de minérios
e, por tudo isso, ao ideal de um Brasil Novo (integrado, saneado, civilizado, interiorizado, capitalizado).
iii
Ao contrário da leitura historiográfica que considera que a década de 1930 representou uma espécie de
gênese da institucionalização e expansão da escola primária em terras goianas, os avanços educacionais
do período 1930-1960 davam continuidade ao movimento de renovação iniciado no final da década de
1910 quando se criou a escola primária graduada (1918) e instituíram-se programas de ensino que
propugnavam os métodos ativos e a centralidade da criança no processo escolar (Alves, 2007).
iv
Em especial, destaco os salários pagos as professoras do Grupo Escolar Modelo que recebiam 400 mil
réis mensais enquanto as professoras dos demais grupos escolares espalhados pelo interior do estado
tinham vencimentos de 300 mil réis por mês. O orçamento aqui citado é o referente ao exercício de 1939,
aprovado pelo decreto-lei 1.490, de 31/12/1938, publicado no Correio Oficial número 3.813, em
31/12/1938. A previsão orçamentária de outros períodos mantém a mesma lógica. De outro lado, no
documento Listagem dos professores primários do estado de Goiás da Diretoria Geral de Educação,
secção de Instrução consta os nomes das professoras, o município e/ou localidade onde trabalhavam, a
condição de normalista ou leigo e o salário mensal de cada uma.

Você também pode gostar