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AS CONEXÕES TRABALHADAS ATRAVÉS

DA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA1

CONNECTIONS WORKED THROUGH PROBLEM SOLVING


IN INITIAL TEACHER TRAINING IN MATHEMATICS

Norma Suely Gomes Allevato


Universidade Cruzeiro do Sul, normallev@gmail.com

Lourdes de la Rosa Onuchic


Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, lronuchic@gmail.com

Resumo

Orientações curriculares atuais e pesquisas consideram que a aprendizagem deve ocorrer


por um processo ativo e construtivo em que os estudantes realizam as atividades de sala
de aula à luz de suas crenças e assimilam as informações dentro de suas estruturas de
conhecimento pré-existentes. Guiado por essas orientações, o presente trabalho aborda
as Conexões no âmbito da Educação Matemática. O objetivo é apresentar reflexões
acerca das possibilidades do trabalho com conexões através da resolução de problemas
na aprendizagem e na formação inicial de professores de Matemática. Trata-se de um
estudo teórico-bibliográfico, apoiado em trabalhos de diversos autores que tratam desse
tema. Os estudos realizados permitiram identificar diversas formas de estabelecer
conexões em benefício da aprendizagem matemática e da compreensão da Matemática
como um corpo de conhecimentos em que conceitos e procedimentos são relacionados;
ratificar que a resolução de problemas é um relevante e eficiente recurso na criação de
contextos de ensino via conexões; e, finalmente, que os professores devem vivenciar, na
formação inicial, situações de resolução de problemas que envolvam conexões
matemáticas, a fim de incorporá-las em sua prática profissional futura.

Palavras-chave: Educação Matemática, Ensino Superior, Formação Inicial de


Professores, Resolução de Problemas, Conexões.

Abstract

Current curriculum guidelines and researches consider that learning must occur through
an active and constructive process for students to carry out classroom activities supported
by their beliefs, and to be able to understand the information within their a priori knowledge
structures. The present work approaches the concept of Connections in a way guided by
these considerations, in the scope of Mathematics Education. The aim of this article is to
come out some reflections on the possibilities of working with connections through

1
Trabalho constituído a partir da versão publicada nos anais do VII Seminário Internacional de Pesquisa em
Educação Matemática, realizado em 2018, em Foz do Iguaçu – PR/Brasil.

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problem solving in learning and in Initial Teacher Training in Mathematics. This is a
theoretical-bibliographic study supported by the works of several authors that deal with this
topic. The studies carried out allowed us to identify several ways of establishing
connections for the development of mathematical learning, and the understanding of
Mathematics as a body of knowledge that relates concepts and procedures; ratifying that
problem solving is a relevant and efficient resource to make contexts of teaching up via
connections; and, finally, teachers should experience problem solving situations involving
mathematical connections in their Initial Teacher Training in order to incorporate these
practices into their future professional performance.

Keywords: Mathematics Education, Higher Education, Initial Teacher Training, Problem


Solving, Connections.

Introdução

RP - met ativa Atualmente, há consenso quanto à orientação de que a aprendizagem matemática


deve ocorrer por um processo ativo e construtivo em que os estudantes realizam as
atividades de sala de aula à luz de suas crenças e assimilam as informações dentro de
suas estruturas de conhecimento pré-existentes. Resulta que cada estudante constrói um
tipo de matemática “personalizada”. Para alguns, a Matemática é um conjunto de regras e
fatos isolados; para outros, é uma rede de ideias na qual cada ideia é conectada a várias
outras (HODGSON, 1995). Esta segunda é a perspectiva que sustenta as atuais
orientações de ensino, e sobre a qual nos debruçamos no presente trabalho: a das
conexões. Mas como os professores podem possibilitar aos alunos experiências que lhes
permitam perceber e estabelecer essas conexões? Como capacitar ou preparar os
professores para realizar este trabalho com seus alunos em sala de aula de Matemática?
Orientado por essas questões, o presente trabalho ratifica e dá continuidade a
trabalhos apresentados por nós nos IV e VI SIPEM – Seminário Internacional de Pesquisa
e Educação Matemática, realizados em 2009 e 2015, respectivamente. Esses trabalhos,
explicitando propostas de mudança nas Licenciaturas, tiveram como eixo norteador a
concepção de que os professores apenas incorporarão à sua prática docente as
abordagens que efetivamente vivenciarem ao aprender Matemática durante sua formação
inicial.
Em Onuchic e Allevato (2009), apresentado no IV SIPEM, foi defendida a
perspectiva de que, através da resolução de problemas, se pode explorar as “grandes
ideias” da Matemática Escolar; e no VI SIPEM, em Onuchic e Allevato (2015) esteve em
destaque o conceito de proporcionalidade como conceito unificador, no sentido de que
possibilita um trabalho no qual outros conceitos podem ser abordados de forma integrada.
Em ambos os trabalhos foram analisados contextos de ensino e aprendizagem
constituídos a partir de problemas geradores, no âmbito da Metodologia de Ensino-
Aprendizagem-Avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas.
(ALLEVATO; ONUCHIC, 2014)
Dando continuidade a essa trajetória e, ao mesmo tempo, ampliando e
aprofundando tais perspectivas, o presente trabalho tem o objetivo de apresentar

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reflexões acerca das possibilidades do trabalho com conexões através da resolução de
problemas na aprendizagem e na formação inicial de professores de Matemática. Ele está
organizado em cinco seções, além desta introdução e das considerações finais. A
primeira seção retoma as ideias basilares discutidas nos trabalhos de 2009 e 2015, quais
sejam, as de possibilitar a construção de conhecimento das grandes ideias e dos
conceitos unificadores da Matemática através da resolução de problemas. Na segunda
seção, é abordado o significado de “conexões”, bem como sua importância relativamente
à visão dos alunos sobre a Matemática, aos conhecimentos e aos processos matemáticos
que podem desenvolver. Em seguida, uma seção discute as possibilidades de se
trabalhar com conexões através da resolução de problemas. Então, um exemplo é
apresentado, na terceira seção, de um problema que pode ser desenvolvido junto à
Licenciatura, pois envolve conteúdos abordados no Ensino Superior, cuja resolução
desencadeia várias situações de conexões matemáticas. Na quinta seção, situamos as
reflexões no âmbito da Licenciatura, em que se realiza a formação inicial de professores
de Matemática.

As grandes ideias, os conceitos unificadores e a aprendizagem matemática

Desde a Antiguidade até os dias atuais, a resolução de problemas tem sido o mote
da construção de conhecimento, matemático e ligado a outras ciências, e um tópico
sempre presente nos currículos de Matemática. No entanto, num processo dinâmico de se
constituir pela constante reconstrução, ela, a resolução de problemas, vivencia um
processo permanente de (res)significação, de geração de novas formas de concebê-la e
de incorporá-la no trabalho de sala de aula. Uma concepção a que temos dedicado
nossas práticas e pesquisas refere-se à Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação
de Matemática através da Resolução de Problemas, que se constitui num caminho para
ensinar Matemática e não apenas para ensinar a resolver problemas. Tem como princípio
que o problema é um ponto de partida e orientação para a aprendizagem de novos
conceitos e novos conteúdos matemáticos.
A palavra composta ensino-aprendizagem-avaliação tem sido empregada para
expressar a concepção de que ensino, aprendizagem e avaliação devem ocorrer
simultaneamente durante as atividades de sala de aula. O professor é o guia, o orientador
dos processos de construção do conhecimento e os alunos são co-construtores desse
conhecimento; e a avaliação deve estar integrada ao processo de ensino-aprendizagem,
com vistas a acompanhar o crescimento dos alunos e reorientar as práticas de sala de
aula, quando necessário.
Não há formas rígidas de programar e implementar o trabalho com o Ensino-
Aprendizagem-Avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas, mas, após
algumas revisões e aprimoramentos, ele apresenta as seguintes etapas, sugeridas para a
implementação dessa prática em sala de aula: (1) proposição do problema; (2) alunos em
grupo são desafiados a utilizar seus conhecimentos prévios; (3) os alunos nos grupos
discutem e aprimoram sua compreensão; (4) o professor observa, incentiva e os auxilia
em problemas secundários; (5) os alunos resolvem o problema; (6) os alunos registram as
resoluções na lousa; (7) em plenária, discutem as resoluções obtidas; (8) professor e

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alunos chegam a um consenso sobre a resolução; (9) o professor formaliza o “novo”
conteúdo; e (10)ocorre a proposição de novos problemas.2
O estudo desenvolvido em Onuchic e Allevato (2009) ressalta que essa concepção
de resolução de problemas pode ser bastante profícua na construção do conhecimento
das grandes ideias presentes na Matemática. Tratam-se daquelas que são estruturais na
Matemática, na constituição de conceitos e na estruturação teórico-formal dos seus
diversos ramos, como a Geometria, a Álgebra, a Aritmética... Uma delas é a de operação
matemática e sua relação com a ideia de dimensão. Uma sequência de atividades
utilizando o material manipulativo Linking Cubs é apresentada e discutida, possibilitando o
desenvolvimento de compreensões sobre as relações entre operações e dimensão.
Também é desenvolvida uma discussão sobre a importância, a potencialidade da
resolução de problemas como atividade desencadeadora de aprendizagem sobre o que é
uma teoria matemática e sobre como ela é constituída: por conceitos (primitivos ou
definidos) e proposições decorrentes deles (postulados ou teoremas – na forma de lemas,
teoremas ou corolários); e de qual é o papel de cada um deles dentro de uma teoria.
Avançando nesse sentido, num trabalho com foco nos conceitos unificadores,
Onuchic e Allevato (2015) destacam que algumas ideias são catalizadoras de conexões
matemáticas, especialmente se trabalhadas através da resolução de problemas. No
artigo, é tomado como referência o conceito de proporcionalidade, destacando-se que
relações proporcionais, como uma ideia unificadora desempenham um papel chave em
outros assuntos matemáticos importantes como: razões, proporções, porcentagem, taxa,
escala, semelhança de figuras geométricas, declividade, funções lineares, divisão em
partes direta e inversamente proporcionais, regras de três, probabilidade e chance,
sequências, distribuições de frequências e estatística, razões trigonométricas, movimento
em velocidade constante, juros simples, entre outros. São apresentados dois problemas,
foram desenvolvidos com professores em formação inicial, como geradores de reflexões e
aprendizagem acerca do significado do conceito de proporcionalidade e de suas relações
com diversos outros conceitos e objetos matemáticos, como as diferentes representações
e as aplicações em outras áreas do conhecimento e/ou no cotidiano. São exemplos de
conceitos unificadores, ainda, o conceito de razão, de função, entre outros.
Dando continuidade a essa construção intelectual e, ao mesmo tempo, ampliando
e aprofundando compreensões nesse sentido, o presente trabalho constitui-se numa
reapresentação de Onuchic e Allevato (2018), em que se pretendeu ressaltar essa
mesma forma de trabalho – o Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática através da
Resolução de Problemas – possibilitando que professores e alunos, ao longo da
resolução de problemas, estabeleçam conexões de diversas naturezas, e não só entre os
diversos ramos da Matemática, como no trabalho de 2009. Vale reafirmar que, em todos
os 3 (três) trabalhos, sempre esteve em evidência a defesa da importância de que os
futuros professores de Matemática vivenciem essas práticas na formação inicial, a fim de
que venham a incorporá-las em sua atividade docente futura.

2
O leitor interessado em um detalhamento de como são realizadas essas etapas pode consultar Allevato e
Onuchic (2014)

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Desse modo, as próximas seções têm as conexões no centro das discussões e
reflexões.

As conexões e a aprendizagem matemática

Muitas são as ideias que se encontram na literatura relativas a conexões e que têm
a ver com ligar, relacionar, ancorar, articular, associar... O conceito de conexões projetou-
se significativamente a partir da publicação dos Standards 2000, oficialmente Principles
and Standards for School Mathematics (NCTM, 2000), que indicou Conexões entre os
cinco Padrões de Procedimento essenciais a serem desenvolvidos no trabalho com
alunos desde a Educação Infantil até o Ensino Médio.
Mas a que se referem as conexões? Há, ressalte-se, uma diversidade de
perspectivas a considerar. Em geral, a literatura especifica conexões entre a Matemática
e outras disciplinas ou domínios do saber, como a Física, a Medicina ou as Artes, e entre
a Matemática e a vida real, incluindo as práticas culturais diárias como tomar banho ou ir
ao supermercado. No Ensino Superior, ganham destaque as relações entre a Matemática
e as profissões ou o mundo do trabalho. São também frequentes as referências às
conexões dentro da própria Matemática; entre conteúdos de domínios distintos, como a
Aritmética e a Geometria; e entre conceitos e procedimentos, como entre o conceito de
área e o(s) procedimento(s) adotado(s) para determinar o seu valor.
Essas perspectivas são registradas na Base Nacional Comum Curricular – BNCC
(BRASIL, 2017), apoiada no pressuposto de que a aprendizagem em Matemática está
relacionada à apreensão de significados dos objetos matemáticos resultantes das
conexões que os alunos estabelecem entre eles e os demais componentes, entre eles e
seu cotidiano e entre os diferentes temas matemáticos.
Com menor frequência se consideram conexões entre os diferentes estágios de
desenvolvimento das ideias e conceitos matemáticos. Elas deveriam ter as concepções e
conhecimentos prévios dos alunos como ponto de partida para novas aprendizagens.
(CANAVARRO, 2017)
Apoiando-se em Lesh, Post e Behr (1987), Canavarro destaca, ainda, as
representações múltiplas e suas conexões, que podem ser consideradas para cada
conceito.
Figura 1: Representações matemáticas e suas conexões

Visual

Física Simbólica

Contextual Verbal

Fonte: Canavarro (2017, p. 39)

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Destaca que a representação simbólica, em particular, é uma representação por
excelência da Matemática, porque simplifica a forma de referenciar algo e permite a
manipulação e a construção de resoluções. Também indica, certamente, o uso da
expressão, oral e escrita, e de outras formas de representação e suas conexões,
conforme ilustrado na Figura 1.
Nesse sentido, Van de Walle (2009), apoiando-se no diagrama a seguir (Figura 2),
explica que “nós usamos as ideias que já temos (pontos azuis) para construir uma nova
ideia (ponto vermelho), construindo uma rede de conexões entre elas. Quanto mais ideias
houver e mais conexões se formarem, melhor será a compreensão.

Figura 2: Relações entre ideias

Fonte: Van de Walle (2009, p.


43)
Mas o objetivo fundamental das conexões não se basta em proporcionar
conhecimento sobre os objetos matemáticos e suas relações. Ampliando a compreensão
das ideias e dos conceitos matemáticos, consequentemente as conexões permitem aos
alunos dar sentido à Matemática e entendê-la como um corpo coerente, articulado e
poderoso.
Com relação aos estágios de desenvolvimento das ideias, as conexões poderão
ser constituídas baseando-se em conhecimentos prévios. Alguns conteúdos matemáticos,
por exemplo para os 6º a 9º anos de escolaridade – como números racionais,
proporcionalidade e relações lineares – estão intimamente ligados. A aprendizagem deve
ser construída de modo que, à medida que os alunos vão se deparando com conteúdos
matemáticos novos e diversificados, vão encontrando muitas oportunidades de utilizar e
estabelecer conexões com conteúdos já aprendidos. Ou seja, quando os alunos se
baseiam nos conhecimentos matemáticos que já possuem para aprender novos
conceitos, utilizando uma gama de representações matemáticas, e até quando seu
acesso a tecnologias sofisticadas aumenta, as conexões que se estabelecem
proporcionam-lhes um maior poder matemático. (NCTM, 2000)
Portanto, há que se desenvolver reflexões e implementar ações que possibilitem
tirar partido das conexões para ampliar a compreensão da Matemática pelos alunos.
Canavarro (2017, p. 39) assevera: “Naturalmente, não basta enunciar a sua existência ou
apresentar exemplos esporádicos. As conexões precisam integrar a experiência
matemática dos alunos, de forma intencional e continuada.” Para apoiar a abordagem

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com conexões, a autora sugere o trabalho com representações múltiplas e com
modelagem. No presente trabalho, nós indicamos a Resolução de Problemas.

As conexões e a resolução de problemas

Conforme já destacado neste artigo, as conexões passaram a ter mais destaque


quando os Standards (NCTM, 2000) forneceram os princípios e os padrões a serem
considerados na Matemática Escolar, apontando, em particular, 5 (cinco) padrões de
processo: Resolução de Problemas, Raciocínio e Prova, Comunicação, Conexões e
Representação. Ressalte-se, aí, a atribuição de igual estatuto à Resolução de Problemas
e às Conexões como processos relevantes para a aprendizagem da Matemática Escolar.
Na associação desses dois processos, o usual nos contextos de ensino é que
sejam considerados os contextos de aplicação fora da Matemática. Certamente, a
resolução de problemas “reais” envolve os estudantes e promove o estabelecimento e o
uso de conexões. Esses problemas ilustram como as conexões podem contribuir para
uma maior compreensão de padrões e regularidades em situações problemáticas.
Claramente, os problemas com contextos ricos implicam a existência de conexões com
outras disciplinas (p. ex., as ciências naturais, os estudos sociais, as artes), bem como
com o mundo real e com as experiências da vida quotidiana dos alunos.
Mas isso não é suficiente para torná-los proficientes em seu uso. Os estudantes
precisam refletir sobre seus próprios esforços de envolver-se no estabelecimento e na
identificação das conexões e de seu papel na resolução dos problemas, e explorar o uso
de variadas conexões. Concordando com Hodgson (1995), consideramos que estudantes
capazes de aplicar e transitar entre diferentes representações de uma situação-problema
ou de um conceito matemático, possuem um conjunto de ferramentas flexíveis e
poderosas para a resolução de problemas. É importante que eles construam um
repertório de conexões, como um “kit de ferramentas”, que lhes ofereça caminhos
alternativos e criativos de resolução para os problemas propostos. E, ainda, embora não
seja condição suficiente para o sucesso na resolução de um problema, a habilidade de
estabelecer conexões é necessária para o desenvolvimento da autonomia do estudante
nessa atividade.
Ademais, pela via das conexões matemáticas, os alunos desenvolvem uma
predisposição para utilizarem essas relações na resolução de problemas, que pode ser
estimulada por questões que o professor apresenta, como: Como podemos utilizar, hoje,
neste trabalho com triângulos semelhantes, o que discutimos na semana passada sobre
desenhos em escala? “É necessário que os alunos se tornem explicitamente conscientes
da existência de conexões matemáticas.” (NCTM, 2000, p. 71)
Entretanto, o conhecimento é pessoal e emerge de nossas ativas tentativas de
interpretar o mundo que nos cerca, de modo que as conexões entre processos e
conceitos matemáticos sejam objetos abstratos. Ponte (2010) assevera que o sentido de
uma ideia matemática depende das conexões estabelecidas entre ela e aquelas que já
possuímos, havendo, assim, uma natureza pessoal em qualquer conceito matemático.
Sendo construtos da mente, as conexões conduzem a uma intrigante questão: os
conceitos matemáticos (tais como gráficos e equações) são inerentemente conectados

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ou, de fato, as conexões existem somente na mente dos aprendizes? Hodgson (1995)
considera que, independente da resposta a esta questão filosófica:
Se os estudantes não são capazes de estabelecer conexões, então as conexões
não podem ser utilizadas em situações problema, independentemente de se elas
existem ou não. No entanto, uma vez que elas estão estabelecidas na mente do
aprendiz, as conexões são “coisas” que podem ser recuperadas da memória e, se
necessário, aplicadas nos problemas. É por esta razão que as conexões são
consideradas ferramentas para a resolução de problemas. (HODGSON, 1995, p.
15)

Ainda, alunos com um repertório maior de conhecimentos, como os de Ensino


Médio e Superior, devem desenvolver uma maior capacidade de relacionar ideias
matemáticas a partir da compreensão de que várias abordagens de um problema poderão
conduzir a resultados equivalentes, mesmo que pareçam diferentes. (NCTM, 2000)
Decorre, portanto, que uma vez que as conexões são ferramentas para a resolução
de problemas, as tarefas propostas pelos professores, aos alunos, devem promover o uso
de conexões nas resoluções. Mas, reciprocamente e, para além da concepção de
ferramenta, como qualquer recurso ou objeto utilizado por alguém ou alguma coisa para
atingir um objetivo específico, nós defendemos que a resolução de problemas se constitui
em uma atividade que promove a percepção e a compreensão das conexões – com
situações de fora da ou com elementos internos à Matemática -, pelo estudante. O
exemplo que apresentamos a seguir, ilustra este segundo caso.

Um exemplo

Este exemplo ilustra, conforme já explicitamos, que, em geral, a investigação que


se realiza no decurso da resolução de um problema conduz naturalmente à necessidade
de utilização de conexões. Por sua vez, o uso de conexões para resolver problemas,
conduz à necessidade de seu estabelecimento.

Seja Vc o volume de um cubo de aresta x, e seja V p o volume de um


paralelepípedo com área da base 3 e altura igual à aresta do cubo. Determine
x. de modo que Vc = Vp + 1.

Fonte: Trotta, Imenes e Jakubovic


(1980)

Como Vc = x3 e Vp = 3x, de Vc = Vp + 1 tem-se . Portanto


. Sendo uma função contínua e uma
o
equação do 3 grau sem o termo quadrado, em sua resolução pode ser empregada a
Fórmula de Cardano-Tartaglia.
Em uma publicação de 1545, Cardano (1501 – 1576) mostra que, sob certas
condições, uma das raízes da equação de 3o grau, desprovida do termo em
é dada por

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Sabe-se que, na realidade, essa fórmula foi deduzida por Tartaglia, embora tenha
sido publicada primeiramente por Cardano e, por isso sua denominação como fórmula de
Cardano-Tartaglia.
Para o caso do problema aqui proposto, em que q = -3 e p = -1, usando-se essa
fórmula tem-se que:

logo:

Vê-se, então, que tal resolução depende do cálculo de . Como não existe

número real que ao quadrado seja negativo, essa equação do 3 o grau não tem raízes
reais.
Sendo tem-se que p(1) = -3 e p(2) = 1, de modo que a equação
tem uma raiz real compreendida entre 1 e 2, mais precisamente entre 1,8 e 1,9 pois
p(1,8).p(1,9)<0 e, desse modo, conclui-se que o problema tem solução.
Ainda, vendo de outro modo, quando a aresta x do cubo é pequena, o volume Vc
será menor que Vp + 1(por exemplo, para x = 1, Vc=1, Vp+ 1 = 4 e Vc< Vp+1).
Mas, à medida que x aumenta, todas as arestas do cubo aumentam, o que não
ocorre com o paralelepípedo. Então, o volume Vc se aproxima de Vp+1, chegando até a
ultrapassá-lo (por exemplo, para x=2, Vc=8, Vp+ 1 = 7 e Vc> Vp+1). Assim, se x for
aumentando lentamente de 1 até 2, haverá um momento em que V c=Vp+1 e, então, o
valor de x será uma raiz real da equação .

Ou seja, tem-se uma equação polinomial do 3o grau, sabe-se que ela possui uma
raiz real, mas não se conseguiu obtê-la pela fórmula de Cardano-Tartaglia, pois ela
conduz à raiz quadrada de um número negativo. Como sair desse impasse?
Uma possibilidade de encontrar a saída consiste em:
1. perceber que a impossibilidade de extração de raízes quadradas de números negativos
não é definitiva, mas está relacionada com nossa situação presente, em que só
conhecemos os números reais;
2. criar números que, elevados ao quadrado, possam resultar em números negativos,
para poder prosseguir com a resolução da equação através da fórmula de Cardano-
Tartaglia (esta é maneira de “negar”, de não aceitar tal impossibilidade; é o modo de
libertarmo-nos da situação presente para poder avançar);
3. operar (adicionar, multiplicar, radiciar, etc) com estes novos números; se possível,
inclusive, serão mantidas nestas operações as propriedades operatórias dos números

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reais (como a comutativa da adição e da multiplicação, como a distributiva da
multiplicação em relação à adição, etc.);
4. retomar o problema dado e verificar se, operando com os novos números, é possível
resolvê-lo; e resolvê-lo é obter um número real!
A certeza de que essa equação tem uma raiz real, nos levou a extrair a raiz
quadrada de números negativos, o que levou à criação da unidade imaginária e
aos números complexos, em que i2 = –1. Prosseguindo na resolução da equação
, onde

, recaímos em:

Agora, procuramos calcular . Se x+yi for uma raiz cúbica de , então

. A resolução desta equação leva a um sistema de equações do 3o


grau, gerando um círculo vicioso. Tem-se, aqui, a necessidade da radiciação de números
complexos, que é possível com o apoio da representação geométrica desses números, e
pode ser expressa na forma trigonométrica, onde ) com
, e , com 0 ≤ θ < 2π. Daí se pode deduzir que

que produz n raízes distintas, quando a k se atribuem os valores de k=0, 1, ... , n – 1.


Completando a resolução do problema, temos:

Assim, • e

• os argumentos formam a P.A.: , de razão

As raízes cúbicas de são:

Observa-se que , logo

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Da mesma forma tem-se que , ou seja, as raízes cúbicas de

são .

Substituindo esses valores na expressão a que chegamos através da fórmula de


Cardano-Tartaglia, tem-se:
x1 = w0+ =

x2 = w1+ =

x3 = w2+ =

Portanto, a equação possui 3(três) raízes reais, que são:

x1 =

x2 =

x3 =

Porém, x2 e x3, por serem negativos, não convêm ao problema proposto, uma vez
que a solicitação do problema é a determinação de uma medida, a da aresta do cubo.
Assim, a aresta do cubo mede x1 = .

A resolução deste problema possibilita estabelecer diversos tipos de conexões, a


começar por aquelas entre diversos ramos da Matemática: a Teoria dos Números, a
Álgebra e a Geometria. Também são contemplados diversos tipos de representação – a
algébrica (nas resoluções e manipulações desenvolvidas no decurso da resolução), a
gráfica (por exemplo: na compreensão da necessidade e na visualização do módulo e
argumento de números complexos) e a pictórica (na representação inicial do cubo e do
paralelepípedo). O problema é efetivamente gerador de situações em que há necessidade
de o resolvedor, dependendo da série em que se encontra, resgatar conteúdos diversos
anteriormente estudados fazendo conexões para aprender novos conteúdos. O problema
envolve conexões entre conceitos e procedimentos de cálculo relativos a área e volume,
conjuntos numéricos, raízes de polinômios, potenciação, números complexos – unidade
imaginária, definição, operações (em particular a radiciação), representação geométrica,
conjugado –, ângulos, trigonometria. Na Licenciatura, constitui-se como um problema útil
para que os futuros professores vivenciem a construção de conhecimentos sobre novos
conceitos e conteúdos, percebendo a necessidade de resgatar e/ou estabelecer conexões
entre conteúdos previamente aprendidos, retomando-os e compreendendo-os de forma
mais aprofundada dentro de uma perspectiva de aprendizagem em espiral.

As conexões na formação inicial

Ensinar é um empreendimento bastante complexo. Sabe-se que o conhecimento


básico que sustenta o ensino de Matemática deve incluir o conhecimento do que é
Matemática, do que constitui cada um dos seus ramos, das conexões feitas entre as
ideias matemáticas dos estudantes, da forma como os estudantes aprendem, da cultura

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escolar onde o trabalho está sendo feito, além de outros fatores pertinentes ao contexto
escolar. É um processo intrincado, complexo e delicado, que envolve a criação de uma
comunidade de aprendizagem e o desafio aos estudantes em dar sentido às ideias
matemáticas, promovendo o desenvolvimento de sua compreensão. O processo de
ensino envolve a tomada de muitas decisões importantes como, por exemplo, “quando se
deve falar?”, “quando se deve levantar mais questões?” e “quando se deve,
simplesmente, encorajar os alunos a pensar”. Consequentemente, não é surpreendente
que aprender a ensinar bem é um empreendimento de longa carreira. (NÓVOA; 2001)
O trabalho de ensinar tem raízes na formação inicial dos professores e é mantido,
ao longo de toda a sua carreira, num processo contínuo de aprender o que os estudantes
entendem, como eles entendem e quais atividades de aprendizagem contribuem
eficientemente para que haja uma compreensão efetiva, significativa e útil.
Concordando com Canavarro (2017, p. 38), consideramos que “não basta convocar
a unânime bondade das conexões, é preciso saber como as promover, na teoria e na
prática.” Essa afirmação nos remete às questões ligadas à formação do professor,
adequada e necessária para que práticas docentes eficientes se concretizem. É preciso
coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor. Os
professores precisam aprender para também ensinar. E, nesse sentido, é preciso
considerar uma peculiaridade muito especial na preparação do professor: ele aprende a
profissão num lugar similar àquele em que vai atuar, porém numa situação invertida.
Das discussões promovidas no presente artigo, resulta que os professores devem
promover atividades de sala de aula que desempenhem dupla função: elas devem
preparar os estudantes tanto para o estabelecimento de novas conexões como para o uso
de conexões já conhecidas na resolução de um conjunto de problemas. “Como
professores, nós devemos ser conscientes de tais conexões e sermos capazes de
delineá-las para resolver problemas.” (HODGSON, 1995, p. 18)
Entra em cena, com isso, um conjunto de conhecimentos de que o professor deve
dispor como conhecimento curricular, conhecimento do conteúdo, conhecimento didático
do conteúdo, entre outros (TARDIF, 2002). Para realçar essas conexões, os professores
deverão conhecer as necessidades dos seus alunos, bem como a Matemática que
estudaram nos anos anteriores e a que irão estudar nos anos seguintes. Assumindo que a
compreensão envolve o estabelecimento de conexões, os professores deverão basear-se
nas experiências prévias dos alunos e não as repetir, desenvolvendo práticas em espiral
que, ao mesmo tempo, retomam e avançam, em direção à construção de novos
conhecimentos e ideias. Novas ideias surgem naturalmente como extensões de
aprendizagens matemáticas anteriores.

Considerações finais

Neste artigo, desenvolvemos reflexões acerca das possibilidades do trabalho com


conexões através da resolução de problemas na aprendizagem e na formação inicial de
professores de Matemática, fazendo uso da Metodologia de Ensino-Aprendizagem-
Avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas (ALLEVATO; ONUCHIC,
2014). Apoiadas em diversos autores que abordam essa temática, ratificamos nossa

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posição de que os alunos desenvolvem uma atitude mais favorável relativamente à
Matemática, apreciando o seu valor como explicação das situações de fora da
Matemática e possibilidade de predição/intervenção sobre essas situações, reconhecendo
a utilidade da Matemática. Além disso, os alunos aprendem não somente conteúdos
matemáticos como também assuntos extra matemáticos. Ainda, por meio de um ensino
que enfatize a interrelação das diversas ideias matemáticas, os alunos não só aprendem
Matemática, mas superam visões e percepções estreitas de compartimentalização,
mecanização e falta de significação das aprendizagens. (CARREIRA, 2010)
Ademais, ficou notório que as conexões não devem ser vistas meramente como
interessantes fatos matemáticos, mas como componentes essenciais para o sucesso na
resolução de problemas, assim como a resolução de problemas é atividade essencial
para construção de conhecimento matemático pelas conexões.
É preciso que, em sua formação inicial, os futuros professores vivenciem
intensamente práticas que os coloquem nesse contexto das conexões, enquanto
aprendem a Matemática da Educação Superior e se preparam para sua atuação
profissional futura. Esperamos que este trabalho contribua para as reflexões e mudanças
nesse sentido.

Referências

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por que através da resolução de problemas. In: ONUCHIC, L. R. et al. (Org.). Resolução
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Disponível em: <http://www.sbembrasil.org.br/visipem/anais/story_html5.html> Acesso
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