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Relato de Experiência

Uma Experiência Com Resolução de


Problemas e Demonstração de Um
Fato Matemático no
Ensino Médio
Valmir Roberto Moretti6

Resumo: Neste artigo descrevemos e analisamos uma atividade que foi elaborada com o
intuito de contribuir para o desenvolvimento do raciocínio lógico e da capacidade de resol-
ver problemas, objetivos centrais do ensino de matemática, e de introduzir um trabalho
com demonstração de fatos matemáticos com alunos de Ensino Médio. Em sua aplicação,
em uma turma de segundo ano da escola Centro Municipal de Ensino Médio e Profissiona-
lizante Osmar Passarelli Silveira da cidade de Paulínia (SP), no 1º semestre de 2011, os
alunos foram divididos em duplas e receberam a atividade cujo objetivo era encontrar e
expressar em linguagem matemática a relação entre o número de diagonais e lados de um
polígono convexo. Os dados foram analisados a partir da observação etnográfica, registra-
do em um diário de bordo, e do registro das respostas dos alunos às questões propostas na
atividade. Palavras-chave: raciocínio lógico, resolução de problemas, prática pedagógica,
demonstração matemática.

Introdução requer estratégias que propiciem o


Todo professor de matemática desenvolvimento das capacidades de
concorda que o desenvolvimento do observar, classificar, comparar, levantar
raciocínio lógico é uma das principais hipóteses, conjecturar, tomar decisões,
metas dessa disciplina. Mas, em que enfrentar e resolver problemas.
medida nossa prática pedagógica pode Todavia, sabemos que grande
contribuir ou não para sua aquisição? O parte das aulas de matemática é destinada
desenvolvimento do raciocínio lógico ao ensino de fórmulas, à resolução de

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Rede Municipal de Paulínia - SP

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exercícios e modelos de problemas e à No planejamento de uma


proposição de exercícios de aplicação dos atividade que vise à resolução de
conceitos e técnicas matemáticos, cuja problemas, devemos ter o cuidado de
resolução requer do aluno apenas a busca selecionar problemas que:
na memória de um exercício semelhante. Sejam acessíveis aos alunos, que não
acarretem frustração, que pelo menos
Tal prática pedagógica nos revela que as admitam um tratamento parcial mais
simples, mas que ao mesmo tempo
relações entre professor, aluno e suponham um desafio; valorizando-se a
exposição de ideias, argumentação e o
conhecimento seguem a orientação espírito crítico; fomentando-se o
tradicional, pautada na transmissão de trabalho em grupo, a comunicação de
ideias, o contraste e o diálogo;
conteúdos, sem interação entre o aluno e o envolvendo os estudantes em processos
geradores de conhecimento, como
objeto do conhecimento. definir, fazer-se perguntas e perguntar,
observar, classificar, particularizar,
Uma alternativa a esse paradigma generalizar, conjecturar, demonstrar e
aplicar (VILA e CALLEJO, 2006, p.29-
é a introdução, nas aulas de matemática, 30).
de um trabalho sistemático com Resolução
de Problemas, que segundo Onuchic Após o fracasso da Matemática
(1999) representa uma reação a uma visão Moderna, que utilizava um enfoque
do conhecimento matemático como um excessivamente estruturalista e nada
conjunto de fatos e domínio de natural para os alunos da escola básica,
procedimentos algorítmicos, que pode ser notamos que a preocupação em
obtido por rotina ou por exercício mental. desenvolver o raciocínio dedutivo e a
Um problema é uma situação demonstrar de propriedades e fórmulas
que contém algo de novo e cuja solução matemáticas deixou de fazer parte das
não é imediata, uma vez que não se dispõe aulas de matemática, embora o
de um algoritmo que relacione os dados e desenvolvimento do raciocínio lógico
a incógnita ou de um processo que apareça entre os objetivos incluídos nos
identifique os dados com a conclusão. planejamentos de praticamente todos os
Segundo Brito (2006), sua solução professores dessa disciplina. A
apresenta quatro características básicas: é preocupação com este fato, que não
cognitiva, é um processo, é dirigida a um acontece apenas no Brasil, pode ser
objetivo e é pessoal, posto que depende do constatada com a presença de pesquisas
conhecimento prévio do indivíduo. sobre argumentação e provas no ensino de
matemática em congressos e publicações
de Educação Matemática.

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Este artigo tem por objetivo demonstração de um fato matemático,


apresentar e analisar os resultados de uma poderíamos desenvolver um trabalho com
atividade que foi aplicada em uma turma resolução de problemas com os alunos
de segundo ano, do Ensino Médio, de uma dessa turma.
escola pública da cidade de Paulínia, com A atividade foi planejada tendo
o intuito de contribuir para o Brito (2006) e Vila e Callejo (2006) como
desenvolvimento do raciocínio lógico e da referenciais teóricos. Desse modo,
capacidade de resolver problemas e de procuramos elaborar uma atividade
iniciar o trabalho com demonstrações nas cognitiva, processual, dirigida a um
aulas de matemática. objetivo, e que representasse para os
alunos um desafio, de tal modo que,
Desenvolvimento da atividade durante sua execução, eles tivessem a
A atividade foi desenvolvida em oportunidade de expor suas ideias, de
dupla pelos 28 alunos de uma turma do fazer perguntas, de observar, de
segundo ano da escola Centro Municipal conjecturar, de generalizar e de utilizar a
de Ensino Médio e Profissionalizante linguagem matemática para comunicar
Osmar Passarelli Silveira, da cidade de suas conclusões.
Paulínia (SP), durante duas aulas. Iniciamos a atividade
A questão central da atividade era apresentando a definição de diagonal de
encontrar uma fórmula matemática que um polígono convexo como um segmento
relacionasse o número de diagonais com o de reta que une dois vértices não
número de lados de um polígono. A consecutivos. Mesmo tendo consciência
escolha dessa questão justifica-se ao fato de que a maioria dos alunos dessa turma
de que iríamos iniciar o estudo de Análise não teve a oportunidade de aprender de
Combinatória e a dedução dessa fórmula forma significativa os conteúdos de
seria feita posteriormente, utilizando o geometria no Ensino Fundamental,
conceito de Combinação Simples. No ficamos surpresos com o fato de que
entanto, antes de fazer essa dedução, alguns alunos apresentaram dificuldade na
pretendíamos que os alunos a compreensão dessa definição, pois não
descobrissem por meio do raciocínio sabiam o que era vértice e vértices
indutivo. Acreditávamos que, com essa consecutivos, tendo sido necessária nossa
atividade, poderíamos abordar essas duas intervenção para que pudessem
formas de raciocínio, fazer a compreendê-la e iniciar o
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desenvolvimento da atividade. Em seguida Questão 3: Considere o hexágono ABCDEF:


foram propostas as questões de 1 a 4:

Questão 1: Considere o quadrilátero ABCD


desenhado a seguir:

Figura 3

a) Quantas diagonais desse hexágono partem


Figura 1 dos vértices:
A ?_____ B ?_____ C ?_____ D ?_____ E ?
a) Quantas diagonais desse quadrilátero
_____ F ?_____
partem dos vértices:
b) Quantas diagonais tem esse hexágono?
A ?_____ B ?_____ C ?_____ D ?_____
______
b) Quantas diagonais tem esse quadrilátero?
Questão 4: Considere o octógono
______
ABCDEFGH:
Questão 2: Considere o pentágono ABCDE
representado a seguir:

Figura 4

a) Quantas diagonais desse octógono


Figura 2
partem dos vértices:
a) Quantas diagonais desse pentágono partem
dos vértices:
A ?____ B ?____ C ?____ D ?____ E ?____
A ?____B ?____ C ?____ D ?____ E?____
F ?_____ G ?_____ H ?_____
b) Quantas diagonais tem esse pentágono?
b) Quantas diagonais tem esse octógono?
___________
______

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Propusemos essas questões com o calcular o número de diagonais de um


objetivo de possibilitar aos alunos uma polígono de 30 lados.

exploração inicial com o objeto central de Questão 7: Escreva o que temos que fazer
para encontrar o número de diagonais de um
nossa atividade, de tal modo a levá-los a
polígono de n lados.
perceber que há uma relação entre o
Questão 8: Escreva uma expressão
número de diagonais de um polígono e o
matemática que forneça o número d de
número de lados e a elaborar uma hipótese
diagonais de um polígono de n lados.
sobre qual é essa relação. Surpreendeu-nos
o fato de que algumas duplas não Ao propor as questões 6 e 7
observaram as diagonais traçadas e tínhamos por objetivo que os alunos
encontraram o número de diagonais de um utilizassem a linguagem natural para a
polígono somando o número de diagonais comunicação de uma ideia matemática,
que partia de cada vértice. Assim, por para que, em seguida, comunicassem esta
exemplo, afirmavam que o pentágono mesma ideia em linguagem matemática.
tinha 10 diagonais, pois de cada vértice Com exceção das cinco duplas que não
partiam duas diagonais, mesmo tendo responderam corretamente a questão 5,
traçado apenas cinco. Intervimos todas as duplas conseguiram encontrar
solicitando que nos mostrassem onde uma fórmula que relacionasse o número
estavam essas 10 diagonais. Com essa de diagonais de um polígono com o
intervenção, percebiam o erro cometido. número de lados.
Após essa fase exploratória Chamou-nos a atenção o fato de
propusemos a questão cinco, que consistia que algumas duplas, ao responder a
em calcular quantas diagonais tinha um questão 8, fizeram uso da mesma
polígono de 20 lados. Ao analisar o estrutura utilizada para redigir a resposta
material coletado, percebemos que cinco da questão 7 e, desse modo, necessitaram
duplas não responderam adequadamente a de mais do que uma expressão algébrica
essa questão e, consequentemente, não para a apresentar a fórmula que relaciona
atingiram o objetivo proposto pela o número de diagonais com o número de
atividade. lados. Além disso, várias duplas
Para finalizar a atividade foram utilizaram o número de vértices e não o
propostas as questões de 6 a 8: número de lados do polígono na
construção da referida fórmula, conforme
Questão 6: Escreva como você faria para

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podemos ver pelas respostas apresentadas diagonais de um polígono de n lados é


pelas alunas Bheatriz e Tayná: n . ( n− 3 )
d=
Questão 7: Pega o número de vértices e 2 .
multiplica pelo número de vértices menos três.
O resultado divide por dois, assim encontrará Ao se depararem com essa questão,
o número de diagonais.
alguns alunos disseram que já haviam
Questão 8 : feito isso anteriormente. Ponderamos que
R
=d já tinham descoberto essa relação por
v ⋅ (v − 3) = R 2
;
meio do raciocínio indutivo, mas que para
se ter certeza de que um fato matemático
Concluímos, então, que para
vale em qualquer situação é necessário
alguns alunos a questão 7, proposta com o
que ele seja demonstrado.
objetivo de auxiliar na resolução da
A demonstração dessa relação faz-
questão 8, trouxe como consequência a
se de modo simples ao se perceber que
falta de simplicidade no uso da linguagem
para se encontrar o número de diagonais
matemática.
de um polígono de n lados, tem-se que
Após a análise da atividade
calcular de quantas maneiras pode-se
desenvolvida, fizemos a correção coletiva,
escolher dois vértices desse polígono, sem
na qual apresentamos as diversas respostas
levar em consideração a ordem em que
obtidas para a questão 8 e destacamos a
esses vértices são escolhidos, e em
importância da clareza e da simplicidade
seguida subtrair o número de lados, já que
na comunicação de um fato pela
a diagonal de um polígono une dois
linguagem matemática e que, desse modo,
vértices não consecutivos. Desse modo:
embora todas as respostas apresentadas
n!
estivessem corretas, a expressão d = C n,2 − n ⇒ d = −n ⇒
( n − 2 ) !. 2 !
matemática mais adequada para relacionar
n. ( n−1). ( n −2) ! n . ( n −1)
d= −n ⇒ d = −n ⇒
o número d de diagonais de um polígono (n−2)!.2 2
n . ( n− 3 )
de n lados é d=
2
. 2 2
n − n 2n n − 3n
d = − ⇒ d = ⇒
No decorrer do estudo da Análise 2 2 2
Combinatória, retomamos essa situação n.(n − 3 )
⇒ d=
problema quando propusemos a seguinte 2
questão: mostre que o número d de

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Análise de que, no desenvolvimento dessa


Estávamos finalizando o estudo de atividade, os alunos tiveram a
Progressão Geométrica quando oportunidade de realizar uma atividade
comunicamos aos alunos que na aula cognitiva que lhes possibilitasse observar,
seguinte seria aplicada uma atividade de levantar hipóteses e testá-las, conjecturar,
resolução de problema. Assim que a trabalhar em grupo para a consecução de
atividade foi entregue, alguns alunos um objetivo e, portanto, desenvolver o
questionaram-nos sobre como poderíamos raciocínio lógico. Acrescentamos ainda
propor aquela questão se ela não tinha que a realização desta atividade contribuiu
relação com o que estávamos estudando. para que houvesse uma compreensão da
Procuramos acalmá-los, afirmando que importância da demonstração matemática
tínhamos certeza de que seriam capazes de como instrumento para se validar um
solucioná-la. Tal fato apenas sinaliza que resultado.
esses alunos ainda não haviam tido
experiência com resolução de problemas Considerações finais
nas aulas de matemática e que, portanto, Consideramos que o objetivo da
para eles a resolução de um problema dá- atividade foi atingido e que a forma como
se por meio da aplicação de uma fórmula foi planejada foi adequada, visto que o
ou de um algoritmo, previamente índice de alunos que foram bem sucedidos
estudado. em sua realização foi significativo. Além
À medida que começaram a disso, avaliamos que representou uma boa
desenvolver a atividade, percebemos que oportunidade para se realizar um trabalho
os alunos foram ficando mais calmos e com resolução de problemas e
sentindo-se instigados a encontrar a demonstração matemática, além de
resposta para a questão proposta, já que estabelecer conexões entre matemática
ela continha algo que lhes era desafiador. discreta e geometria.
Cerca de dois terços dos alunos Acreditamos que essa atividade
conseguiram encontrar adequadamente tem potencial para ser aplicada em
uma fórmula que relacionasse o número diversos momentos do processo de ensino
de diagonais de um polígono com o e aprendizagem de matemática, tais como
número de lados. Consideramos um na introdução ao estudo da álgebra e no
resultado satisfatório, sobretudo pelo fato estudo de equação de 2º grau e função nas

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séries finais do Ensino Fundamental, e em propondo-lhes atividades com estrutura


cursos de formação de professores, nos similar à apresentada e, desse modo,
quais a demonstração da fórmula que possam contribuir de forma efetiva para o
relaciona o número de diagonais com o desenvolvimento do raciocínio lógico de
número de lados de um polígono poderá seus alunos, objetivo central do ensino de
ser feita pelo método dedutivo e por matemática.
indução matemática.
Os bons resultados alcançados com Bibliografia
esta experiência motivam-nos a continuar
BRITO, Márcia R. F. Alguns aspectos
o trabalho com resolução de problemas, teóricos e conceituais da solução de
problemas matemáticos. In: BRITO,
visando o desenvolvimento do raciocínio
Márcia R. F. (org.). Solução de
lógico de nossos alunos, e fornece indícios problemas e matemática escolar.
Campinas: Alínea, 2006.
de que é uma alternativa para o
desenvolvimento de um trabalho com ONUCHIC, Lourdes R. Ensino
aprendizagem através da resolução de
demonstração matemática na escola
problemas. In: BICUDO, Maria A. V.
básica. ( o r g . ) . Pe s q u i s a e m ed u c a ç ã o
matemática: concepções e
Sugerimos a nossos colegas
perspectivas.São Paulo: Unesp, 1999.
professores de matemática que comecem a
VILA, Antoni; CALLEJO, Maria L.
trabalhar a demonstração de propriedades
Matemática para aprender a pensar – o
matemáticas com os alunos a partir do papel das crenças na resolução de
problemas Porto Alegre: Artmed, 2006
oitavo ano do Ensino Fundamental,

Professor(a):

O site da Sociedade Brasileira


de Educação Matemática está
repleto de novidades!!

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