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RELATO DE PESQUISA
malsucedido na resolução de problemas matemáticos
Análise da produção de um
aluno considerado malsucedido na
resolução de problemas matemáticos
Rute Cristina Domingos da Palma
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Mostra com as mãos dois grupos de doze, re sorriso. Diante dessa reação de Beto, apresento-
ferindo-se ao mês. Olha para a mesa com as con- -lhe um novo desafio: como explicaria a um
chas dispostas e, com confiança e satisfação, diz: colega a resolução do problema. Ele manifesta
Beto: Puxa! Resolvi o problema! o desejo de fazê-lo por meio de um desenho.
Desse modo, Beto representa com o material
manipulável as suas ações para resolver o pro- O desenho
blema. Primeiro, em relação ao número de ba-
Pesquisadora: Beto, se você tivesse que expli-
nhos, faz dois agrupamentos de quinze e registra
car o que você fez para resolver o problema para
o número de banhos e os meses até completar
um colega aqui da sala, como faria?
os três meses; depois faz seis agrupamentos de
Beto: Eu posso mostrar o que eu escrevi e...
doze. Apesar de ter feito agrupamentos anterio-
Não conclui a frase e fica por momentos pen
res, Beto opta por contar de um em um para che-
sando.
gar ao total de sabonetes utilizados nos banhos.
Concordo com Kalmykova7 que a utilização Beto: Eu posso desenhar? Eu vou desenhar.
de material manipulativo por um longo tempo Pesquisadora: Pode.
pode causar “uma influência negativa sobre a Diante da resposta positiva, começa a de-
generalização e não se estimulará a formação de senhar, dizendo ao mesmo tempo, em voz sus-
formas superiores de análise e síntese”. Mas, no surrada:
caso de Beto, a utilização do material manipu- Beto: Vou desenhar primeiro o elefante, com
lável foi importante na resolução do problema, orelhas compridas porque o Dumbo voa, as es-
pois a mobilidade permitida pelo material deu- ponjas, o balde com água e o tratador de animais.
-lhe o suporte necessário para desenvolver a sua Desenha o elefante, retoma a leitura do pro-
estratégia e representá-la. blema.
Ao constatar que resolveu o problema, Beto Beto: Ele toma banho de quinze em quinze dias.
revela sua alegria através da sua expressão cor- Depois de algum tempo, apresenta o registro
poral e facial: senta-se mais ereto e esboça um apresentado na Figura 4.
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Peço que explique o que fez. alguns minutos em silêncio, Beto pergunta: com
Beto: Primeiro eu desenhei o elefante, a es- os números?
ponja, os sabonetes e o tratador. Aí, como está
falando de mês, eu registrei o número de vezes O uso do algoritmo
de banho e depois escrevi 2, 2, 2. Dois quinze no Pesquisadora: Como você pode registrar o
mês de agosto, dois quinze no mês de setembro que fez?
e mais dois quinze no mês de outubro. Beto: Com os números?
Aponta para o desenho. Pega a folha e, abaixo do desenho, faz o se-
Beto: Depois eu escrevi dois banhos, dois guinte registro apresentado na Figura 5.
banhos, dois banhos. Cada banho gasta doze Beto: Doze, doze. Dois, dois, dois... seis. Um,
sabonetes, coloquei mês de agosto e fiz a mesma um, um... três. Trinta e seis. Doze mais doze mais
coisa com setembro e outubro. Aí foi só contar os doze, trinta e seis. Agora vou somar estes dois
sabonetes. (referindo-se a trinta e seis, mais trinta e seis):
O desenho auxilia Beto a registrar e comuni- setenta e dois. O elefante precisa de 72 sabonetes.
car a sua estratégia de resolução do problema. É Pesquisadora: Há outra maneira de registrar
interessante verificar que, ao utilizar o desenho o cálculo?
para representar aspectos da situação apresenta- Beto: Que eu saiba, não.
da no texto, acrescenta outros elementos. Poderia Pesquisadora: O que você achou de resolver
dizer que, sem alterar os dados quantitativos, ele o problema assim?
cria um novo contexto para o problema e mani- Beto: Do meu jeito? Eu fiz mais fácil e mais rá-
festa isso por meio da oralidade e do desenho. pido. Eu entendi o que eu fiz. Eu consegui resolver.
O elefante Jambo passa a chamar-se Dumbo, Como nos mostra a Figura 5, Beto não utiliza
devido ao fato de este ter orelhas compridas. um algoritmo convencional para a resolução do
Beto ainda acrescenta ao contexto os elementos: problema. Apresenta o registro dos seis agrupa-
balde com água e tratador. Provavelmente isso mentos de doze em duas fileiras com três parce-
revele a necessidade que o aluno tem de atribuir
significado ao texto do problema, fazendo, neste
caso, referência a suas experiências anteriores,
uma vez que a sua turma havia concluído re-
centemente um projeto de literatura que tratava
justamente das personagens de Walt Disney.
Em síntese, o registro produzido por Beto
permite-nos dizer que ele utilizou um desenho
esquemático para representar duas situações: o
contexto do problema e o processo de resolução,
em que é possível perceber as transformações
numéricas. Ao registrar como pensou e explicitar
as ações anteriormente realizadas, ele consegue,
a partir do desenho, expressar suas ideias e co
municar-se.
Continuo a instigar Beto a pensar na possi
bilidade de outros registros. Mostro a ele as suas
produções: a escrita, os agrupamentos com as
conchas e o desenho. Com o desenho em mãos,
indago se ele poderia registrar aquelas infor-
mações de outra maneira. Depois de ficar por Figura 5 – O registro do algoritmo realizado por Beto.
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las, realiza a soma das fileiras separadamente proposto podem influenciar no sucesso ou no
(12+12+12 e 12+12+12) e, posteriormente, soma fracasso do aluno, ao resolver a situação pro-
o resultado das duas fileiras (36+36), chegando blema. No entanto, ao analisar as estratégias
ao resultado final (72). Ao explicar oralmente o e a linguagem matemática utilizadas por Beto,
seu registro, Beto não deixa dúvidas quanto a constato que elas deveriam ser mais elaboradas,
sua compreensão em relação ao procedimento considerando que ele é um aluno de onze anos
adotado. que frequenta o 5º ano do Ensino Fundamental.
Zunino6 afirma que “encontrar uma estraté- Embora a experiência com Beto não tenha al
gia adequada para resolver um problema é algo terado substancialmente o trabalho com resolução
muito diferente de poder representá-lo através de problemas (somente foi proposto aos alunos
de uma conta convencional”. Nesse sentido, é que resolvessem o problema da maneira que de-
fundamental oportunizar o uso de estratégias sejassem), apresentou um novo quadro em relação
pessoais, a fim de inserir o aluno num processo ao desempenho desse aluno, apontando que é
de ensino em que paulatinamente possa apro possível e necessária uma mudança no encami-
priar-se da linguagem matemática e das repre- nhamento dessa atividade no contexto escolar.
sentações convencionais. Concordo com Davidov3 que “a escola deve
ensinar os alunos a pensar, isto é, desenvolver
CONSIDERAÇÕES FINAIS ativamente neles os fundamentos do pensa-
Para iniciar minhas considerações, quero re- mento contemporâneo, para o qual é necessário
tomar as palavras de Beto, transcritas na epígrafe organizar um ensino que impulsione o desenvol-
deste texto “Problemas, eu não gosto não! Porque vimento”. Nesse sentido, o ensino deve basear-
você tem que descobrir a coisa certa, e eu nem -se na passagem do pensamento empírico para
sempre consigo descobrir”. o desenvolvimento do pensamento teórico, cuja
A fala de Beto traduz as práticas escolares de essência consiste em compreender a realidade
resolução de problemas matemáticos até então a partir da análise das condições de sua origem
vivenciadas por ele. Ao acompanhá-lo na resolu- e desenvolvimento, por meio da aquisição de mé
ção do problema citada neste texto, fica evidente todos e estratégias cognitivas. O pensamento
que a proposição de situações que se caracterizam teórico possibilita a sua aplicação em vários
como mero exercício não possibilita ao aluno âmbitos da aprendizagem, dado ser de caráter
aprender Matemática ou usar ideias matemáticas generalizador e de abstração.
já anteriormente aprendidas. Nesse contexto, Para o desenvolvimento do pensamento teóri-
geralmente o aluno não atribui significado aos co, a aprendizagem deve ter um enfoque proble-
conceitos matemáticos e, por não compreendê- matizador que possibilite aos alunos apropriar-se
-los, acaba por estabelecer um vínculo negativo de forma autônoma dos conhecimentos teóricos3.
com a Matemática, como bem retrata Beto. Assim, para além do tipo de problema proposto
É possível inferir que, na resolução do pro- pela professora neste estudo, é fundamental que
blema, Beto, ao ser incentivado, foi capaz de os alunos se percebam em situações problemati-
resolver o problema matemático apresentado, zadoras que desencadeiem a necessidade e ou o
utilizando as suas estratégias e diferentes re- desejo de resolvê-las. Para isso, precisam dispor
gistros (escrita, material manipulável, desenho, de uma atividade cognitiva e metacognitiva in
algoritmo não convencional) que se articularam tensa no processo de planejamento, execução
entre si. Ele conseguiu, mediante suas estraté- e avaliação de suas ações, assumindo, assim,
gias e seus registros, não só resolver o problema, um papel ativo no processo de elaboração do
mas representar e comunicar as suas ações e conhecimento matemático1.
os resultados, o que confirma a nossa hipótese Além dos processos cognitivos e metacogni
inicial de que o problema e o encaminhamento tivos envolvidos nos processo de resolução de
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problemas, os aspectos subjetivos fazem-se pre- senvolvimento o aluno aja com liberdade e seja
sentes. A esse respeito, concordo com Marco8, incentivado a utilizar os seus próprios registros.
que destaca que o aspecto subjetivo do sujeito Como diz Moreno9, “comunicar uma resolução
deve ser considerado no contexto da Resolu- permite tornar explícito o que era implícito e
ção de Problemas, pois, como argumenta essa torna possível o reconhecimento desse conhe-
autora, “o cognitivo não está desconectado das cimento por parte do sujeito”. Os diferentes
sensações, pelo contrário, tem nelas suas bases registros oportunizam a reconstrução da ação
de formação”. realizada; o desenvolvimento da autonomia,
No contexto escolar, a resolução de proble- da criatividade; e a apropriação da linguagem
mas deve ser um processo criativo em cujo de- matemática.
SUMMARY
Analysis of the production of a student considered unsuccessful
in solving mathematical problems
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