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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

LUIS PAULO DOS SANTOS DE CASTRO

PRATOS E PANELAS KONDURI:


UM BANQUETE XAMÂNICO NA AMAZÔNIA PRÉ-COLONIAL

BELÉM
2018
2

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

LUIS PAULO DOS SANTOS DE CASTRO

PRATOS E PANELAS KONDURI:


UM BANQUETE XAMÂNICO NA AMAZÔNIA PRÉ-COLONIAL

Dissertação apresentada em cumprimento


parcial às exigências do Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião da
Universidade do Estado do Pará, para
obtenção do grau de Mestre em Ciências da
Religião.

Orientador: Dr. Ipojucan Dias Campos

BELÉM
2018
3

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)


Biblioteca do CCSE/UEPA, Belém - PA
Castro, Luis Paulo dos Santos de
Pratos e panelas Konduri: um banquete xamânico na Amazônia pré-colonial / Luis
Paulo dos Santos Castro ; orientação de Pedro Franco de Sá, 2018

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade do Estado do Pará,


Belém, 2018.

1. Sítios arqueológicos-Amazônia 2.Xamanismo-Oriximiná. 3. Arqueologia e


religião. I. Campos, Ipojucan Dias (orient.). II. Título.
CDD. 23º ed.299
4

LUIS PAULO DOS SANTOS DE CASTRO

PRATOS E PANELAS KONDURI: UM BANQUETE XAMÂNICO NA AMAZÔNIA


PRÉ-COLONIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências da Religião da
Universidade do Estado do Pará, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em Ciências da Religião.

Dissertação aprovada em ____/____/____ para obtenção do título de Mestre em


Ciências da Religião.

Banca Examinadora

____________________________________
Prof. Dr. Ipojucan Dias Campos (UEPA) – Presidente da Banca

____________________________________
Prof. Dr. Manoel de Moraes Junior (UEPA) – Avaliador Interno

____________________________________
Prof. Dra. Taissa de Luca Tavernar – Avaliador Interno

BELÉM
2018
5

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a CAPES pelo financiamento da pesquisa durante o


mestrado no PPGCR-UEPA, e ao CNPq pelo financiamento da pesquisa realizada em
2014 no Museu Paraense Emílio Goeldi. Agradeço também aos meus orientadores no
museu Marcos Pereira Magalhães e Gizelle Chumbre e aos meus colegas de laboratório
Jéssica, Luiza e Laydeane Silva. Também gostaria de agradecer aos meus familiares,
especialmente à minha mãe, quem me educou e financiou toda a minha carreira (vida), à
minha tia Heloisa Maria, com quem sempre mantive os diálogos científicos e que me
aproximou do Museu Goeldi desde a época do Projeto Pesquisador Mirim. Agradeço
também ao meu tio Paulo José (in memorian) que me motivou a ser quem sou hoje. E
gostaria de agradecer, também, o apoio de Juliana Miranda, pelos debates acadêmicos,
revisões de texto, troca de leituras e experiências de vida.
6

Resumo
Esta pesquisa tem por objetivo analisar a cultura material religiosa de um sítio
arqueológico indígena do período pré-colonial na Amazônia brasileira. O sítio se chama
Greig II e se localiza no topo de um platô no município de Oriximiná, no estado do
Pará. Este sítio foi descoberto e escavado por uma equipe do Museu Paraense Emílio
Goeldi, e por meio de estudo do material em laboratório, foi possível notar que este sítio
se trata de um local cerimonial, pelas características de paisagem e pela cultura material
Konduri encontrada, pois possui muitos pratos, vasilhas e panelas, ricamente decoradas.
Através de estudos de paralelos etnográficos e uma análise iconográfica do material,
com base em métodos de análise semiótica, foi possível constatar que o sítio foi um
local especial para cerimônias xamânicas, onde ocorriam banquetes rituais. A
iconográfica na cerâmica Konduri apresenta forte relação com seres de forma animal e
humana, porém há predominância da forma animal de referência aquática como, rãs,
girinos, cobras e peixes, além do destaque da presença de ícones de morcegos. As
formas humanas apresentam predominantemente um estado metamórfico, uma mistura
de forma animal e humana, e para o entendimento deste aspecto foi utilizada a teoria do
pespectivismo ameríndio proposta por Eduardo Viveiros de Castro. Esta pesquisa pode
demonstrar a viabilidade e a importância do desenvolvimento de uma arqueologia da
religião na Amazônia, que proporcione o melhor entendimento das religiões indígenas e
não indígenas que possuem suas particularidades construídas na Amazônia, local
singular que é falsamente entendido como um vazio demográfico ou uma floresta
virgem. A pesquisa demonstrou que a paisagem da floresta foi moldada de acordo com
as antigas e atuais cosmologias indígenas, que após 1500 entraram em conflito e
influência de cosmologias não indígenas. Assim as Ciências da Religião podem
desenvolver bases próprias para uma epistemologia das religiões na Amazônia antiga e
contemporânea.

Palavras-chave: Xamanismo. Amazônia. Konduri. Arqueologia da Religião.


7

Abstract
This research aims to analyze the religious material culture of an indigenous
archaeological site of the pre-colonial period in the Brazilian Amazon. The site is called
Greig II and is located on top of a plateau in the municipality of Oriximiná, in the state
of Pará. This site was discovered and excavated by a team from the Museu Paraense
Emílio Goeldi, and through study of the material in the laboratory, was It is possible to
notice that this site is a ceremonial place, due to the landscape characteristics and the
material culture Konduri found, because it has many dishes, pots and pans, richly
decorated. Through studies of ethnographic parallels and an iconographic analysis of the
material, based on methods of semiotic analysis, it was possible to verify that the site
was a special place for shamanic ceremonies, where ritual banquets took place. The
iconography of Konduri pottery shows a strong relationship with animal and human
beings, but there is a predominance of aquatic reference animals such as frogs, tadpoles,
snakes and fishes, as well as the presence of bats icons. The human forms present
predominantly a metamorphic state, a mixture of animal and human form, and for the
understanding of this aspect was used the theory of the amerindian pespectivism
proposed by Eduardo Viveiros de Castro. This research can demonstrate the feasibility
and importance of the development of an archeology of religion in the Amazon, which
provides the best understanding of the indigenous and non-indigenous religions that
have their particularities built in the Amazon, a singular place that is falsely understood
as a demographic void or a virgin forest Research has shown that the landscape of the
forest was shaped according to the ancient and current indigenous cosmologies, which
after 1500 came into conflict and influence of non-indigenous cosmologies. Thus the
Sciences of Religion can develop proper bases for an epistemology of religions in the
ancient and contemporary Amazon.

Keywords: Shamanism. Amazon Rain Forest. Konduri. Archeology of Religion.


8

SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 9

CAPITULO I ................................................................................................................ 13

2. INTRODUÇÃO AO UNIVERSO AMAZÔNICO: UMA RENOVAÇÃO DO


OLHAR ......................................................................................................................... 13

2.1. OS DOCUMENTOS EUROPEUS .................................................................. 15

2.2. XAMANISMO NA AMAZÔNIA: CONCEITOS E REFLEXÕES ............... 23

CAPÍTULO II ............................................................................................................... 27

3. AMAZÔNIA ANTIGA E OS KONDURI ........................................................... 27

3.1. A CERÂMICA KONDURI ............................................................................. 30

3.2. UMA ARQUEOLOGIA DA RELIGIÃO NA AMAZÔNIA? ........................ 33

CAPÍTULO III ............................................................................................................. 42

4. O SÍTIO GREIG II E O PROJETO PORTO TROMBETAS .......................... 42

4.1. METODOLOGIA ............................................................................................ 48

4.1.1. SIGNOS NO XAMANISMO DA AMAZÔNIA ..................................... 48

4.2. ANÁLISE ICONOGRÁFICA ......................................................................... 58

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 92


9

1. INTRODUÇÃO

Em 2013-2014, como bolsista no programa PIBIC do Cnpq junto ao Museu


Paraense Emílio Goeldi em Belém do Pará, desenvolvi uma pesquisa de reconstituição
iconográfica da cerâmica Konduri do sítio Greig II junto ao projeto de Cenários Sociais
e Paisagem no Sítio Greig II, realizado pelo pesquisador Marcos Pereira Magalhães.
Sítio arqueológico este, localizado no topo de um platô no município de Oriximiná,
entre os rios Nhamundá e Trombetas.
No projeto PIBIC foi possível reconstituir formas cerâmicas predominantemente
da escavação cinco, entre as quais se destacaram pratos e vasilhas muito ornamentados.
Outros fragmentos interessantes foram analisados, mas não foram bem explorados no
relatório final do PIBIC, o que me levou a elaborar este projeto de mestrado junto ao
PPGCR no intuito de explorar ao máximo os dados levantados, agora dentro de um
recorte de compreensão do fenômeno religioso.
Partindo do problema de como se pode entender o xamanismo indígena na
Amazônia pré-colonial, este projeto acredita que o melhor caminho é o de dialogar a
História-Arqueologia-Antropologia com as Ciências da Religião que é concebida como
ciência interdisciplinar. Desta forma, este projeto não será de arqueologia e sim a usará
como um dos principais pilares para o diálogo teórico e metodológico a luz das Ciências
da Religião.
Como estudar a religiosidade de um grupo social que não existe mais? A
resposta está na arqueologia, que estuda os restos materiais das sociedades que
desapareceram no tempo. Porém, será que pode-se falar de forma profunda sobre uma
sociedade que não deixou uma cultura material escrita? Este é um desafio, que
cientificamente falando, deixa limites muito claros sobre o seu objeto de estudo e forma
de abordagem metodológica. O objeto desta pesquisa se limita a cerâmica de um sítio
arqueológico específico (Greig II), que possui uma paisagem bem característica, já
estudada (MAGALHÃES, 2013).
Sendo a cerâmica produzida pelos Konduri localizada em um sítio específico, as
limitações interpretativas são as relações que podem ser feitas do que há nessa
iconografia cerâmica e a relação que esta tem com o espaço onde foi encontrava, além
da limitação baseada no que se sabe sobre os antigos povos indígenas da Amazônia e os
paralelos etnográficos, que apenas inspiram e mostram um norte a ser seguido para se
entender o xamanismo na Amazônia, não podendo, por exemplo, nos aprofundarmos
10

nos mitos desse povo (Konduri), pois não há como analisar tal aspecto extremamente
complexo e subjetivo a partir unicamente de vestígios arqueológicos cerâmicos.
Numa análise semiológica, dir-se-ia que não será possível analisar os
significados dos símbolos, mas apenas a significância, ou seja, o valor religioso dado a
estes materiais através do tipo de confecção, decoração (repetição ou o destaque de
alguns signos) e possíveis usos em locais especiais ou não.
A principal hipótese desta pesquisa é a de que o sítio Greig II foi uma área
cerimonial xamânica onde se realizavam curas e banquetes rituais, onde entidades que
faziam parte da cosmologia dos Konduri eram acionados ou evocados através de
oferendas especiais, servidas em pratos trípodes decorados; as bebidas eram servidas em
vasos de maiores dimensões e distribuídas individualmente em vasilhas menores, as
substâncias curativas e alucinógenas eram produzidas e servidas no local. Algumas
entidades possuíam formas animais que estão presentes na cerâmica como, morcegos,
peixes e sapos, outras não possuem forma que se possa reconhecer como animais ou
humanas. Há também a recorrência de vasos de porte mediano e pequeno, que são
antropomorfas e zooantropomorfas, o que nos remete aos estados de metamorfose do
xamã. Este espaço cerimonial no topo de um platô foi um local sagrado para este grupo
indígena, que o frequentava em períodos sazonais.
O primeiro passo nesta pesquisa foi de um maior levantamento bibliográfico que
diz respeito às práticas xamânicas de grupos indígenas da Amazônia. Após isto, se deu
um estudo dos documentos coloniais com uma abordagem de desideologizar estas
fontes, através de uma análise discursiva que possibilitou retirar, não apenas a
representação cristã ou eurocêntrica sobre os indígenas nas crônicas e diários de
viajantes e missionários na Amazônia, mais também de dialogar esses documentos com
os achados arqueológicos, no intuito destes servirem como fonte etnohistórica.
Estudamos os relatos de Frei Gaspar de Carvajal (1541), Maurício Heriarte (1662) e
Felipe Bettendorf (1668), com uma abordagem etnohistórica (PORRO, 1996).
Após as leituras, deu-se início a análise semiológica da iconografia da cultura
material (REDE, 1996), ou seja, a cerâmica arqueológica Konduri do sítio Greig II,
disponível no laboratório de arqueologia do Museu Paraense Emílio Goeldi. A etapa de
descrição, desenhos técnicos de reconstituição e fotografias para o banco de dados foi
realizada em 2013-2014, sendo necessária agora uma esquematização do banco de
dados para se aplicar o arcabouço teórico aos dados que se levantaram, e assim realizar
a produção textual da dissertação de mestrado. Lembrando que tudo aqui observado e
11

problematizado está dentro da esfera religiosa, tanto nas descrições de ritos religiosos
presentes nos relatos de viajantes quanto o material cerâmico estudado.
Para a análise iconográfica utilizamos de técnicas da semiologia (FIDALGO,
1998; GEERTZ, 2008) e de uma semiótica mais voltada para a cerâmica arqueológica
amazônica, como a desenvolvida por Denise Schaan (1996) ao trabalhar com a cerâmica
arqueológica do Marajó, e a de Denise Gomes (2012) que utiliza a teoria do
perspectivismo ameríndio de Eduardo Viveiros de Castro para estudar a cerâmica dos
antigos Tapajós, onde elaborou hipóteses sobre uma estética ameríndia. Utilizamos
também de algumas interpretações de estudos etnográficos de grupos indígenas
amazônicos contemporâneos (BARCELOS NETO, 2011; DOLMATOFF, 1971;
FRANCHETTO, 2003; LAGROU, 2007; LÉVI-STRAUSS, 1989; VELTHEM, 1998).
Como estamos falando da cultura material de um povo pré-colonial, utilizamos a
etnografia sobre os povos atuais cruzando-as com as informações das fontes coloniais,
pois mesmo que tenham ocorrido rupturas socioculturais no período colonial da
Amazônia, através dos assentamentos missionários, catequese e políticas escravistas e
civilizatórias por parte do colonizador, alguns aspectos dentro do universo indígena
tiveram continuidade. Procuramos signos e seus significados na cultura material dos
indígenas contemporâneos (PORRO, 2010) e nas suas lendas e cosmogonias.
Utilizamos aqui os mitos Dessana, Tukano (DOLMATOFF, 1971; FERNANDES &
FERNANDES, 1996); dos Wauja e dos Kamayurá (BARCELOS NETO, 2011) por
possuírem riquezas de detalhes e uma bibliografia mais acessível, entre outros que
encontramos ao longo da pesquisa.
A divisão dos capítulos foi elaborada no intuito de se fazer entender
primeiramente o contexto amazônico e a identificar o povo Conduri (Konduri), por isto
o primeiro capítulo é focado nas fontes escritas dos antigos viajantes e missionários. Em
seguida há um breve apanhado historiográfico em relação às pesquisas arqueológicas
realizadas na região amazônica, e o esclarecimento sobre alguns termos e teorias
utilizadas por esta área de estudo, a fim de se fazer mais clara esta pesquisa.
Posteriormente, já no capítulo dois há um foco no que diz respeito ao sítio
arqueológico Greig II e sua cerâmica, o objeto desta pesquisa. Mas também já ocorre o
debate teórico sobre xamanismo, pajelança e banquetes rituais, com um método de
afunilamento, concebendo-se do macro ao micro, que seria o xamanismo em aspecto
global e o na América do Sul.
12

Por fim, no capítulo três expomos com maiores detalhes a metodologia e a


análise de cada artefato, utilizando bastante do recurso de imagens e gráficos para
facilitar a compreensão do leitor.
Esta forma de escrita se fez necessária diante da necessidade de compreensão
dos aspectos arqueológicos e teóricos antes mesmo da visualização dos objetos
cerâmicos e sua análise, pois não há uma produção científica bem desenvolvida no que
diz respeito às práticas religiosas indígenas antigas da Amazônia, inclusive esta é a
justificativa deste trabalho, a de se desenvolver uma base em Ciências da Religião com
raízes numa Arqueologia da Religião, para assim se fazer entender as transformações
ocorridas nas práticas religiosas da Amazônia, partindo do seu passado até a
contemporaneidade.
13

CAPITULO I

2. INTRODUÇÃO AO UNIVERSO AMAZÔNICO: UMA RENOVAÇÃO


DO OLHAR

A historiografia já demonstrou que o contato das sociedades indígenas com os


europeus durante o século XVI e XVII desencadeou mudanças extremas nos modos de
vida dos povos amazônicos, principalmente os de áreas de várzea, próximos ao Rio
Amazonas e seus principais afluentes. Para entendermos como esses povos viviam na
época do contato com os europeus é necessário utilizarmos os relatos de viajantes e
missionários que percorreram a região amazônica nos primeiros anos da conquista como
Carvajal (1541), Acuña (1639), Heriarte (1662) e Bettendorff (1668).
A pesquisadora Laura Souza (2003, p. 29) destaca que a época das grandes
navegações e da conquista1 da América é caracterizada por uma religiosidade
exacerbada, um momento histórico das utópicas buscas por terras ricas em ouro e
especiarias, viagens repletas de monstros e aventuras.
O “homem selvagem” também não era tema novo, tendo suas raízes no mundo
antigo, como sendo uma pessoa que não compartilhava da cultura grego-romana, não
falava grego ou latim e não cultuava as mesmas divindades (Ibidem, p. 54), no contexto
do século XVI até o XIX estes “homens selvagens” estariam num estágio de infância
intelectual em relação ao homem europeu e seriam pagãos, seriam o inverso do modelo
de cavalheiro do repertório cultural inglês, onde portavam essa características os
homens letrados e normalmente de sangue nobre. Este “homem selvagem” antigo e
medieval emprestou muito de suas características aos homens do Novo Mundo, os
ameríndios. O mítico permeava as viagens do século XVI e XVII (UGARTE, 2003),
pois o Novo Mundo estava às margens do Velho Mundo, um mundo “civilizado” e
cristão.
Portanto os ameríndios, devido a sua nudez, guerras e ritos antropofágicos2,
vistos como canibalismo, foram considerados selvagens ou bárbaros, termo este oriundo

1
Segundo CUNHA (1992, p. 12-13) o termo contato não passa de um “eufemismo envergonhado”, por
isso deve-se utilizar o termo conquista no sentido de que houve sim imposição de poder através da
violência e política, houve escravidão e extermínio de muitos grupos indígenas. Porém isto não quer dizer
que os indígenas não foram agentes de sua história e o ainda são, e nem que devam ser vistos apenas na
posição de resistência; não atribuindo a ideia de que foram responsáveis pelo seu destino de sofrimento,
longe disto.
2
Ritos ou cerimônias onde um prisioneiro de guerra era executado e comido para fins simbólicos. Muito
comum em grupos indígenas como os Tupinambás.
14

da antiguidade clássica que classificava assim todo aquele que não conhecia o poder
centralizado, não falava grego e não habitava a polis (cidade-estado grega), estas seriam
características do “homem civilizado” (FREITAS, 2011). O termo bárbaro, também era
muito empregado pelos missionários, pois estes viam além das guerras e nudez dos
indígenas, a adoração de ídolos ou a chamada muitas vezes de idolatria (VAINFAS,
1990). Isto os tornava cultuadores do diabo, mas abordaremos com detalhes esse
aspecto mais a frente.
O mito do El Dorado é um dos mais presentes nos relatos e crônicas de viajantes
do século XVI e XVII. A ideia dos europeus em encontrar nas margens do mundo, ou
seja, nos locais longínquos, cidades repletas de ouro, de prata, pedras preciosas e
riqueza proveniente das especiarias naturais que brotariam da terra em abundância, era
muito motivado por empreendedores e reis/rainhas europeus, pois certos artefatos em
ouro, prata, bronze e jade, produzidos e utilizados pelos ameríndios de áreas andinas
excitou o imaginário do Velho Mundo.
Os vários povos da América Central e do Sul, no Peru e Colômbia, possuíam
enfeites corporais e outros objetos confeccionados com estes materiais3, mas nada
comparado a uma cidade feita de ouro e outros metais preciosos. As regiões mais
próximas do vale amazônico incitavam na mente dos viajantes a possibilidade do mito
ser real, e que se localizava mais ao interior das florestas, o que incentivou, além da
procura por mão de obra escrava e de exploração de novos territórios, buscas pelo El
Dorado (UGARTE, 2003).
A historiografia necessitou de muitos cuidados ao analisar os relatos dos
viajantes e diários de religiosos missionários na Amazônia, pois expressavam um
discurso etnocêntrico baseado em muitos mitos e conceitos greco-romanos e medievais
como o caso das guerreiras amazonas do frei Carvajal, com isto, parece que houve a
rejeição de vários dados apresentados por esses relatos como, grandes populações
indígenas habitando cidades no vale amazônico.
Isto foi o que a historiografia fez durante muitos anos, porém com as contínuas
pesquisas da arqueologia esta noção sobre o passado da Amazônia foi extrapolada para
além das “fontes escritas clássicas”, que são os ditos documentos oficiais (cartas da
coroa, relatórios de carregamento de embarcações, códigos legislativos, relatórios da

3
Haviam artefatos indígenas feitos de ouro, jade, bronze e prata na região da Colômbia e Peru, hoje,
muitos destes expostos no Museu do Ouro em Bogotá. Talvez por isso a busca por mais ouro ao leste dos
Andes, em direção das florestas, como um reino escondido. Ver mais em SHIMADA & GRIFFIN. Os
objetos preciosos do Sicán médio. Scientific American Brasil. Edição especial. Nº 10, p. 36-45.
15

Igreja e missões, relatos de viajantes e outros). Foi necessário um “renovar do olhar”


para com esses documentos, pois avançamos no que diz respeito de acesso a fontes e o
que muito foi dito como simplesmente mítico e fantasioso como, populações
gigantescas vivendo em cidades, estradas que interligavam as aldeias e uma riqueza de
cultura material, com as escavações arqueológicas percebeu-se não ser tão fantasioso
assim (PORRO, 1996). Desta forma, partindo das fontes arqueológicas, etnográficas (de
povos amazônicos atuais) e históricas (relatos de viajantes e missionários) foi possível
elaborar novas interpretações sobre os antigos povos da Amazônia, mesmo para o
período anterior a chegada dos europeus.

2.1. OS DOCUMENTOS EUROPEUS

Comecemos pelo relato do frei Gaspar de Carvajal em busca da “Terra das


Canelas” entre 1541-42. O frei dominicano saiu de Quito, na expedição de Gonzalo
Pizarro, com muitos soldados a cavalo, lhamas e indígenas; porém o grande grupo se
dividiu no rio Coca, com o intuito de conseguirem recursos alimentícios, pois passavam
fome na floresta. Um grupo maior saiu por terra e o outro, liderado por Francisco de
Orellana, por água, em um bergantiu (embarcação) e algumas canoas com 57 homens,
entre eles, soldados europeus e indígenas, descendo o rio Negro e Amazonas até
alcançar o Atlântico. O frei Carvajal se tornou o relator da expedição por motivos de
justificar o desencontro entre os expedicionários, pois estes haviam se comprometido
com Pizarro de voltar com alimentos ao ponto em que se separaram, coisa que não foi
possível. No decorrer da viajem o frei fez diversas observações sobre os povos que
encontraram. A descrição temporal de Carvajal é marcada por datas relacionadas aos
dias religiosos católicos, além de citar algumas coisas encontradas nas aldeias
indígenas, normalmente fez referência a objetos ou até de animais só existentes na
Europa ou na já conhecida África.
O trecho do relato que nos diz respeito no momento é o das “terras dos
Omáguas”, Carvajal faz uma descrição do que hoje conhecemos como as vestimentas
e/ou máscaras cerimoniais, utilizadas por diversos povos indígenas da Amazônia até os
dias de hoje, além de existirem na mesma “casa”, uma grande quantidade de vasilhas
cerâmicas que impressionam os europeus por sua beleza, cerâmicas desse tipo já foram
encontradas em diversos sítios arqueológicos hodiernamente, porém o mais interessante
16

nesse relato é a ideia de que tais vasilhas estavam depositadas dentro de uma “casa”.
Carvajal afirmou que Orellana resolveu invadir um assentamento a procura de
alimentos.
En este pueblo estaba una casa de placer, dentro de la cual había mucha loza
de diversas hechuras, así de tinajas como cántaros muy grandes de más de 25
arrobas, y otras vasijas pequeñas como platos, escudillas y candeleros, desta
loza de la mejor que se ha visto en el mundo, porque la de Málaga no se
iguala con ella, porque es toda vidriada y esmaltada de todas colores y tan
vivas que espantan. Y demás desto, los dibujos y pinturas que en ellas hacen
son tan compasados que, normalmente, labran y dibujan todo como lo
romano. Y allí nos dijeron los indios que todo lo que en esta casa había de
barro, lo había en la tierra adentro de oro y de plata, y que ellos nos llevarían
allá, que era cerca. (CARVAJAL, 2011, p.40)

Porém a motivação pela busca de ouro em localidades “próximas” nos remete a


antiga busca pelo El Dorado. É interessante também dar destaque ao que o frei chamou
de “caminhos”, espécie de estradas que interligavam os assentamentos e aldeias
indígenas, algo que já vem sendo estudada pela arqueologia (SCHMIDT, 2016, p.130-
152), Carvajal explicou:
Deste pueblo salían muchos caminosy muy reales por la tierra adentro, y El
capitán quiso saber adónde iban y por aquesto, tomó consigo a Cristóbal
Maldonado y al alférez y a otros compañeros, y comenzó a andar por ellos; y
no habían andado media legua, cuando los caminos eran más reales y
mayores. Y visto el capitán esto, acordó de se volver porque vido que no era
cordura pasar adelante. (CARVAJAL, 2011, p. 40 e 41).

Mais a frente no relato, os exploradores encontraram outros grupos nativos e


repete-se a informação sobre casas que guardavam vestimentas cerimoniais que eram
utilizadas em danças e para ofertarem bebidas a “senhora das amazonas”, que possuía
uma espécie de recipiente ao meio da praça em sua homenagem.
Neste local, Carvajal entendeu que estes indígenas seriam tributários das
“amazonas” por possuírem insígnias da “senhora das amazonas”, chamada de “Coñori”
(CARVAJAL, 2011, p.57), pois existiam objetos nas casas relacionados a estas
mulheres guerreiras. Parece ser pura fantasia, que há apenas referência às guerreiras
amazonas dos mitos gregos, porém se levarmos em conta a quantidade de artefatos
arqueológicos com formas femininas muito evidentes e o não domínio da língua nativa
se torna mais fácil de notar a relação ou confusão destes europeus em relacionar os
povos nativos as características ou arquétipos da sua própria bagagem mitológica greco-
romana. É muito comum, por exemplo, a procedência de imagens femininas na
cerâmica de Santarém e Marajó (PROUS, 1992; SCHAAN, 1996) tornando totalmente
possível que este povo também possuísse imagens e estatuetas de mulheres dentro de
suas casas cerimoniais ou domésticas. Também é possível fazer relação ao nome do
17

grupo indígena “Conduri” com o nome da dita “senhora Coñori”, pois pode bem ser
“Cunuri” ou “Conduri”, como outros viajantes se referiam ao nome do rio que hoje
conhecemos por Nhamundá, o mesmo nome era dado aos grupos indígenas que viviam
na boca deste rio e mais adentro em terra firme.
Desta forma, percebemos o início da denominação do povo indígena da região
do Rio Nhamundá e Trombetas, os “Conduris”, que em primeiro momento são
representados como sendo subordinados ou aliados às “guerreiras amazonas”. Além do
que, no resto do relato Carvajal destaca as riquezas materiais a forma de reproduzir a
lenda do El Dorado.
Partimos agora para o relato do jesuíta Christóbal de Acuña. Este documento foi
escrito porque em 1637, Pedro Teixeira, juntamente com 70 portugueses e 1.100
indígenas, distribuídos em 47 canoas, saíram de Gurupá até Quito, mapeando a área
percorrida para a divisão das terras de Portugal e Espanha. Na viajem de volta, deveriam
reivindicar terras em nome da Coroa Portuguesa. Os espanhóis com receio de perderem
território para os portugueses, mandaram dois jesuítas com a expedição de regresso,
Acuña e Andrés Artieda (MARTINS, 2007).
Em 1639 Acuña apresenta-nos o relato chamado de O novo descobrimento do
rio das Amazonas, onde descreveu, em linhas gerais, as nações indígenas e seus
costumes, tudo com uma linguajem eurocêntrica e moralista por ser ligado a igreja.
Afirmou que os nativos eram muito inclinados às bebedeiras e faziam vinho de várias
frutas; também explicou sobre o consumo de peixes e tartarugas em grande escala.
Além disso, cita um grupo indígena que vivia no “Rio Cunuris” ou “Conduris”, que
seria também o nome do grupo indígena em sua foz (PORRO, 1996), onde hoje é o Rio
Nhamundá. Rio acima, estavam os “Apantos”, que falavam a língua geral4, os
“Taguaus”, e depois os “Cacarás” ou “Guayearas” em um suposto contato direto com as
“amazonas”.
Acompanhando a viajem de Pedro Teixeira estava também Maurício de Heriarte,
que escreveria somente em 1662 sua crônica. Heriarte também classificou, assim como
Acuña, os indígenas como “selvagens”, “canibais” e “beberrões”. Porém o que nos
interessa aqui é a informação de que no rio Trombetas estavam os Conduris:
(...) esta o rio das trombetas, muy povoado de índios de diferentes nações:
como Sam, Conduris, Bubuis, Aroazes [sic], Tabaus, Cariatos, e outros

4
Nheengatu, uma língua proveniente do Tupi, criada por padres para se comunicaram com os indígenas.
Neste caso pode ser entendido como indígenas que aprenderam a língua geral realmente ou que teriam a
língua proveniente do tronco Tupi, algo que poderia ser entendido pelos portugueses e espanhóis.
18

muitos; e todos tem os próprios Idolos e ceremonias e governo que tem os


tapajós. [Todos elles Sam de pouca vergonha. Vivem nus, assim os homens
como as mulheres, sem cobrirem as partes vergonhozas]. As terras deste rio
das trombetas (que os Portuguezes lhe deram este nome pellas muitas
trombetas de que seu moradores uzam com que fazem suas festas e
borracheiras, a que Sam mais inclinados) Sam mais fartas de mandioca que
as dos tapajós, e he de muita caça. [Aproveitam se todos do grande rio das
Amazonas]. Tem muita pescaria pella muita abundancia que tem de peixe de
todo gênero, e muito peixe boy e tortugas. [As armas que uzam, Sam arcos e
frechas]. [No destrito deste rio a cantidade de lagos grandíssimo, a onde se
cria grande cantidade de arros sem se semear. He bom, mais algu tanto
vermelho por dentro, de que os índios se aproveitam. Fazem delle vinho, e
contratam com outras nações. Tem estes índios e os Tapajos finíssimo barro,
de que fazem muita e boa louça de toda a sorte, que entre os Portuguezes he
de estima, e a levam a outras Provincias por contrato.
Da Provincia dos Tapajos pello rio das Amazonas assima athe o rio dos
Tupinambaranas avra 50 legoas de caminho. [Nam há mais de quatro
povoações pella beira do rio de Orurucuzes e Condurizes: suposto que pella
terra dentro há cantidade de nações de bárbaros que comunicam com estas
aldeãs, que estam beira mar, para alcançarem da nossa ferramenta.
(PAPAVERO et al. O Novo Éden, 2002, p. 256).

A descrição acima confere o nome “Condurizes” a um grupo indígena do


Trombetas, o uso de estatuetas semelhantes aos dos Tapajós, chamadas de ídolos na
concepção cristã, pois caracteriza a prática da idolaria do diabo europeu. Além disso,
observa a produção de belas cerâmicas, a relação de comércio entre os povos da região,
além de nos dar uma particularidade da produção de bebida fermentada proveniente de
arroz selvagem presente nas áreas dos lagos, há informação sobre a utilização de
trombetas em cerimônias, produção de mandioca e a prática da pescaria em abundancia,
principalmente de tartarugas. O relato de Heriatre aponta à existência de aldeias
“Condurizes” ao lado Sul do Rio Amazonas, já na província dos “Tapajós”, e a
utilização das terras às margens do rio e mais ao interior, ocorrendo uma possível
relação interaldeias. A presença de cerâmica Konduri na região do Rio Tapajós,
próximo a Santarém já vem sendo estudada por alguns arqueólogos (MARTINS, 2010;
PANACHUK, 2016).
No seu relato, Heriarte informa que os índios do Tapajós, “Teem ídolos pintados
em que adoram, e a quem pagam dizimo das sementeiras, que sam de grandes
milharadas”, e também descreve o que se parece com uma prática festiva cerimonial:
Estando maduras as sementeiras, dá cada um a décima, e tudo junto o mettem
na casa que teem os ídolos, dizendo que aquilo he Potaba de Aura, que, na
sua lingoa, he o nome do diabo; e d’este milho fazem todas as semanas
cantidade de vinho, e à 5º feira de noute o levam em grandes vazilhas a uma
eira, que detraz da sua aldeia tem muito limpa e aceada, na qual se juntam
todas d’aquella nação, e com trombetas e atabales tristes e funestos, e
começam a tocar por espaço de uma hora, athé que vem um grandíssimo
terremoto, que parece vem derrubando as arvores e os montes, e com elle
vem o Diabo e se mette, em um corpo que os Indios tem feito paraa elle, e
19

logo todos com a vinda do Diabo começam a bailar e cantar na sua lingoa, e a
beber o vinho athé que se acabe, e com isto os traz o Demonio enganados.
(HERIARTE, 1874, p.36).

Portanto, essas fontes nos dizem que existiam casas cerimoniais que possuíam
em seu interior estatuetas para fins religiosos, no caso dos “Tapajós”, essas casas se
encontravam um pouco afastadas da aldeia, e que em determinada época havia
cerimônias de oferta de milho para as divindades que compunham a cosmologia desse
grupo, e que eram verdadeiras festividades com muito consumo de bebidas fermentadas,
dança e música, além de que essas bebidas eram transportadas em grandes vasilhas,
acredito que eram de barro, como as que já foram encontradas em escavações na região
hodiernamente. Claro que tudo isto, na visão dos europeus era visto como culto ao
diabo, como se pode ver, em outros trechos do relato de Heriarte e do Padre Daniel,
certa retaliação dos missionários a estas práticas, com a destruição de alguns corpos
mumificados preservados no interior de tais casas cerimoniais, e até com a destruição
dos famosos muiraquitãs, que eram pedras, em maioria esverdeadas, com formas de rã e
sapo, utilizadas como “amuletos” (Ibidem, p. 37-38)
Entre os anos de 1660 e 1698, com algumas interrupções, o jesuíta João Felipe
Bettendorff atuou nas províncias do Grão-Pará e Marahão. Em suas crônicas detalha
sobre os indígenas com quem mais entrou em contato, os Tapajós; porém aborda os
“Conduris” brevemente; informa que em 1658 o padre Manoel de Souza, juntamente
com o padre Manoel Pires foram enviados como missionários para catequizar, na região
setentrional, os “Aruaquis”, “Tupinambaranas” e os “Condurizes”; até que o padre
Souza veio a falecer:
(...) em uma aldêa dos barbaros Condurizes (...) Foi enterrado em uma egreja
que os indios mesmo lá fizeram, em reverencia de seu corpo (...) morreu e se
enterrou em os Condurizes, donde depois de muitos annos trouxe os seus
ossos Simão dos Santos, sendo subprior da casa de Santo Alexandre do
Grãopará, onde se enterraram na ermidazinha velha de S. Francisco Xavier
(...). (GUAPINDAIA, apud BETTENDORFF, 2008, p.15).

Os padres, Salvador do Valle e Paulo Luiz, ficaram no aldeamento dos Pauxis,


na zona onde depois se levantou a Vila de Óbidos (BETTENDORFF, 1910). Entre 1669
e 1674, Bettendorff foi superior da Missão da Companhia de Jesus do Maranhão e Grão
Pará; e visitou a aldeia dos “Condurizes”:
(...) fui-me aos Condurizes, da banda de além, pois pertenciam á visita do
Padre Antonio da Fonseca. Muito me agradou a entrada para aquelle rio, e o
rio não é só por grande e claro, mas por muito alegre, por suas bellas praias
de arêa e lindos outeiros, que de uma e outra banda o acompanham. Queria ir
velo até as cabeceiras, mas como achei ausente o principal, ido com a tropa
20

do cabo João de Seixas, e a aldêa desamparada toda, sem egreja, por andarem
os indios continuamente divertidos, fiquei obrigado a dizer missa em praia a
alguns brancos, que lá achei, os quaes me fizeram presentes de uns passaros
de muita variedade, de bellisimas cores, chamados aráras, que se acham
naquella terra dos Condurizes, mais engraçados que em outras terras, e por
isso os levei commigo, mui contente, para o Grãopará, donde mandei sete
delles ao illustrissimo senhor Nicolaini, o qual os tinha pedido com muito
encarecimento, estando eu com elle em Lisboa, e me escreveu de Pariz que
os não recebera por terem feito todos naufragio pelo mar, porém ficava muito
agradecido, esperando que outros que viessem não teriam a mesma desgraça
.Continuei minha viagem pelo bello rio das Trombetas, e percorrendo as
aldêas principais pelo rio das Amazonas abaixo e pelas ilhas dos Ingaybas,
dei commigo em Parijó, aldêa principal da Capitania de Cametá. (Ibidem, p.
16).

Nota-se que surge aos poucos o aldeamento dos “Conduris” da região, onde
foram catequizados, observa-se que o principal não estava presente, tendo se ausentado
na companhia do cabo Seixas, pois buscavam mais indígenas para levarem ao
aldeamento que surgiu. Em 1693 os capuchos da piedade se tornam responsáveis pelas
missões do Tombetas e Jamundazes (Rio Nhamundá), nome deste último dado em
homenagem a um cacique daquela região. Os assentamentos religiosos foram efetivados
onde se ergueu o forte dos Pauxis (Óbidos) fundado em 1697 e a missão dos
Jamundazes em Faro ou chamada de missão São João Batista.
Estes aldeamentos consistiam em aglomerar indígenas de diferentes etnias a fim
de catequiza-los, o que desarticulou tradições sociais, hábitos e crenças desses grupos.
Tornavam-se ainda trabalhadores como carpinteiros, oleiros, agricultores, soldados
entre outras atividades, tudo como parte do discurso civilizatório cristão (SOUZA
JUNIOR, 1993) e para o desenvolvimento dos vilarejos e fortes que cresciam na região
amazônica como um todo. A cidade de Óbidos se destacou pela posição estratégica, o
ponto mais estreito do Rio Amazonas e possui um terreno elevado, sendo a famosa
“sentinela” da Amazônia. A respeito do forte, sabe-se que foi construído para proteção
do território e fiscalização de embarcações holandesas e francesas que costumavam
transitar na região, passando também a servir de órgão fiscalizador de entradas e saídas
comerciais como das drogas do sertão (canela, cravo, ervas medicinais, tabaco, etc).
Segundo Arthur Cezar Ferreira Reis, em seu livro História de Óbidos (1979); em
1693 os padres Capuchos da Piedade foram à região do Rio Trombetas a pedido de
Manuel Guedes Aranha, Capitão-Mor de Gurupá. Montaram aldeamento ao estilo das
outras ordens evangelizadoras; segue a informação de Reis:

Em 1697, dois frades da Piedade, cujos nomes não constam da documentação


de que nos temos valido, organizaram o aldeamento dos Pauxis e de outros
21

grupos que foram sendo buscados para aumentar o povoado, nascente a


sombra do forte, a meia hora de distância do qual foi instalado. (REIS, 1979,
p.26).

Fazendo referência a Ferreira Pena, Arthur Reis nos da informação que “Só em
1727, com a ajuda do comandante do forte de Pauxis, converteram 15 tribos no
Trombetas” (Ibidem, 1979, p. 26). Também nos coloca que na correspondência oficial,
“Pauxis-aldeia” era chamada de “aldeinha”, para diferenciar o aldeamento dos
missionários dos assentamentos indígenas comandados pelos militares que os
utilizavam como força de trabalho nas proximidades dos presídios.
Segundo frei Venâncio Willeke (1978, p.149) em 1720, o forte e seu aldeamento
(aldeinha) era povoado pelos índios “Pauxis, Arapiu, Coriati e Candori”, ou seja, ainda
existiam quatro grupos indígenas distintos no aldeamento, possivelmente entre eles os
“Conduris”, chamados nessa fonte de “Candori”. João Barbosa de Faria explica a
concentração de indígenas “Uaboí” no “baixo-Jamundá” como tendo sido provocada
pelos “Pauxis”, que em sua missão resistiram aos abusos cometidos pelos militares e
missionários, refugiaram-se entre os “Uaboí”, tendo originado a vila de Faro, respeitada
no comércio por sua produção de olaria.
O arqueólogo Peter Hilbert (1955) observou que Curt Nimuendajú, apresenta o
nome “Pauxis” como sendo de origem caribe, que significaria mutum (um pássaro do
tamanho de um pavão, comum na região) e que segundo Bettendorff, seriam indígenas
que falavam a língua geral e haviam sido retirados do Rio Xingu e transportados ao
forte no rio Trombetas. Diz-nos também que havia duas aldeias próximas ao forte que
se fundiram. O arqueólogo também destaca uma informação do Padre Fritz sobre o
grupo dos “Cunurizes”, que os localizou em seu mapa exatamente onde seis anos depois
se construiu o forte dos Pauxis (HILBERT, 1955).
As políticas de desenvolvimento dos aldeamentos em vilas no século XVIII,
implantadas através da força pelo Governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
retirou o poder das instituições religiosas e elegeram diretores responsáveis pelos
indígenas, o que causou grande conflito por estes diretores e militares abusarem dos
indígenas como força de trabalho (não que os missionários também não o fizessem),
desta forma os aldeamentos foram desfeitos por conflitos e em 1754 muitos indivíduos
da Vila dos Pauxis refugiaram-se entre os indígenas do Rio Negro ou se deslocaram
para outras áreas formando mocambos (REIS, 1979).
22

Antônio Porro (2008) publicou um artigo que apresenta uma relação


(documento) do frei Francisco de São Manços que em 1725 foi responsável pelo
aldeamento dos “Jamundás”, onde seria mais tarde a vila de Faro, com 162 indígenas da
nação “Bahui” (Uaboí) e 70 da nação “Nhamundá” do rio homônimo. Em 1728 relata
empreitadas em busca de indígenas incógnitos nas regiões do Rio Trombetas e
Mapuera, onde este frei foi instigado por indígenas “Uaboí” sobre a existência de cerca
de 50 nações, das cachoeiras do Trombetas em direção ao Rio Mapuera.
O mais interessante está em alguns detalhes sobre a estrutura política desses
grupos, por exemplo, Antônio Porro destaca que o líder dos Parukotó Teumigé, ao ser
convocado por São Manços a ir para o aldeamento do Nhamundá com os seus
principais, mandou dizer que os de membros de doze aldeias mais remotas não haviam
chegado, e suas decisões eram compartilhadas e realizadas segundo a vontade de seus
“vassalos”. Retirando a linguagem medieval do frei, somada ao que já se construiu na
etnografia e antropologia indígena e indigenista, podemos perceber que a visão
eurocêntrica acredita que a liderança indígena é uma chefia hierárquica dominadora, por
isso a ideia de “vassalos”, porém sabe-se que as lideranças indígenas são formadas pelo
merecimento e aceitação do grupo, sendo aquele indivíduo representante dos interesses
da coletividade. O autor ressalta que São Manços levou 40 indígenas Parukotó, sendo
dois, líderes de “subgrupos” ou grupos familiares, além de que, o frei andou muito mais
pelo Rio Mapuera do que o Trombetas.
Estes detalhes foram destacados como forma de demonstrar a quantidade e
diversidade de grupos indígenas na região trabalhada e em suas proximidades ao longo
do tempo, além de explicitar as missões com o intuito de absorver mais grupos
indígenas aos aldeamentos, demonstrando também o esfacelamento dos grupos nativos
ao longo do tempo, além da mistura de muitos dos que sobreviveram nos aldeamentos
que deram origens aos municípios da região. A discussão sobre as estruturas políticas e
de liderança dos diversos grupos indígenas no passado ainda precisam ser mais bem
elaboradas e mais dados são necessários. A arqueologia vem construindo teorias que
expliquem as estruturas sociopolíticas das várias sociedades amazônicas que
abordaremos melhor no próximo tópico.
23

2.2. XAMANISMO NA AMAZÔNIA: CONCEITOS E REFLEXÕES

A palavra xamã, sendo um termo genérico, tem sua origem nos grupos Tungus
(ou Evenkis) da Sibéria (LARAIA, 2005, pág. 08). Acredita-se que no processo
migratório dos povos asiáticos através da Beríngia, a prática do xamanismo chegou ao
continente americano. O xamã seria o que é portador e ou receptor de habilidades de
cura, premonição, metamorfose e agenciamento entre planos cosmológicos, além de
portador de saberes tradicionais, sendo assim normalmente dirigente de cerimônias e
rituais. Porém o que caracteriza o xamã, o diferenciando de outras categorias como
curadores ou magos, é a habilidade do êxtase ou do voo mágico, quando este
especialista deixa o corpo em forma de espírito, podendo se deslocar em outros mundos
e se comunicar com outros espíritos (humanos, animais ou outras categorias de
entidades), onde este pode dominar ou ser dominado por entidades de diversas espécies
diferentes, inclusive se tornar uma destas (ELIADE, 2002, p. 15-17). O xamã também
pode ser entendido como um negociador que transita diferentes mundos e realidades,
visita entidades não humanas e retorna pra relatar o que viu ou vivenciou (VIVEIROS
DE CASTRO, 2011, p. 357). No caso dos indígenas brasileiros, costumou-se chamar
este sujeito de pajé, palavra oriunda do tupi-guarani pai’é (LARAIA, 2005, pág. 08).
Os xamãs precisam passar por treinamentos e iniciações diversas que incluem
mortes simbólicas e transformações comportamentais, esses processos normalmente são
cheios de provas físicas, restrições alimentares e aprendizagem de cânticos e
conhecimentos medicinais, sendo que as práticas de curas entre os xamãs sul-
americanos são intensas, utilizando tabaco, massagens e técnicas de sucção dos
patógenos para fora do corpo dos doentes, sendo que a causa da maioria das doenças
tem origem espiritual ou feitiçaria (ELIADE, 2002, p. 361; TAUSSING, 1993, p.421).
Vários tratamentos tem por base o uso de uma bebida feita a partir de cipós,
comumente conhecida como Ayahuasca, Yagé ou Caapi, que possui efeito alucinógeno.
Entre os Marúbo, grupo indígena da Amazônia brasileira, a Ayahuasca, depois de
receber “encantamentos” é ingerida pelo xamã para purificar ou limpar o seu corpo e
espírito, também é ingerida pelos doentes e pode ser passada na superfície do corpo
destes como tratamento (MONTAGNER, 1996, p.86-87). Muitas doenças envolvem a
presença de seres no corpo do doente como, espíritos malevolentes da minhoca, que
pode se alojar dentro do estômago de uma pessoa ou espírito malevolente do morcego,
entre outras entidades (Ibidem, p. 70). Só o xamã pode lidar com estes seres, pois este
24

consegue localizar as doenças e extraí-las com o auxilio de espíritos da natureza,


divindades celestes ou dos mortos. Os xamãs dos Andes também se utilizavam de vários
recursos para a cura, mascavam folhas de coca, cantavam e usavam maracás,
massageavam o corpo dos doentes, além de possuírem como auxilio espiritual alguns
pássaros e jaguares, fica muito evidente esta prática na cerâmica Mochica (SOARES,
2015, p. 126, 127, 168, 190 e 191).
Os pássaros são recorrentes em narrativas xamânicas, principalmente quando os
xamãs precisam vencer uma prova ou quando precisam viajar ao mundo espiritual
procurando por conhecimento ou a resolução de algum problema ou doença. Os xamãs
podem solicitar a ajuda desses animais-espíritos para cura e transporte ou ele mesmo
pode se tornar um animal (ELIADE, 2002, p.107-108). As águias são as criaturas mais
poderosas nas cosmologias dos povos asiáticos Iacuto e Buriate (Ibidem, p. 85-87). Para
os vários grupos indígenas da América do Norte, as águias, lobos, ursos e coiotes estão
presentes em vários mitos e normalmente são espíritos guardiões de grupos inteiros ou
de xamãs individualmente, entre os Esquimós existem espíritos auxiliares com formas
humanas, forma de tubarão, ursos, corujas e raposas (Ibidem, p. 108-109). A arqueóloga
Denise Schaan (2007, p. 53) destacou a decoração de coruja nas urnas funerárias do
Marajó, essas aves podem ser ligadas ao mundo noturno, feminino e a cemitérios.
Nas cosmologias amazônicas se destacam os gaviões e os urubus como
habitantes do mundo celeste, auxiliares dos pajés ou mesmo heróis míticos, como se
pode constatar em uma narrativa do povo Dessana do Rio Negro. No princípio da
criação os humanos não existiam, e sim formas metamórficas como os chamados gente-
peixe, que viviam em um mundo subterrâneo, e que depois de pedirem à mãe criadora a
oportunidade de sair daquele mundo escuro, a mãe lhes presenteou com duas trombetas
feitas do osso de sua coxa; estes assopraram e furaram a parede ou estrutura onde
permaneciam presos, estrutura esta que lembra o útero da mãe criadora. Ao furarem a
parede do “útero”, a gente-peixe conheceu a superfície e juntamente com outros seres
como o Sol e o Morcego, saíram povoando a terra ao percorrerem o rio com outro ser
mítico chamado cobra-canoa, que levava a todos no seu interior. Estes seres
primordiais ou chamados de Trovões, criaram as malocas, casas de enfeites ou
cerimoniais, além dos seres humanos; também originando as mulheres especificamente.
Muitos dos aspectos culturais como, as flautas sagradas, danças, plumagens, trançados
de cestaria, leis e armas, foram ensinados pela gente-peixe e pelos outros Trovões, seres
ou heróis míticos indígenas, como Abé que é o Sol, ou o Sol/Lua. Tais ensinamentos
25

foram passados aos humanos mortais para que estes pudessem ser “civilizados”
(FERNANDES & FERNANDES, 1996; KUMU & KENHÍRI, 1980, p. 116-118).
O mundo dividido em camadas também existe em cosmologias de vários lugares
do mundo, em várias tradições xamânicas existem descrições das descidas aos infernos
que muitos xamãs e profetas fazem (ELIADE, 2002, p.155 e 207). Em grupos indígenas
brasileiros como os Marúbo, entende-se que cada camada possui natureza diferente, só o
xamã pode transitar entre todas ou na maioria delas (MONTAGNER, 1996, p.21-26),
estas camadas possuem malocas, plantações, rios e animais (principalmente pássaros);
em algumas camadas vivem espíritos curadores e cantores chamados espíritos
benfazejos, que normalmente tomam o corpo dos pajés durantes os ritos. Em outras
camadas chamadas de Céu da Fumaça ou Terra da Fumaça encontram-se vários
espíritos malévolos que causam doenças (MONTAGNER, 1996, p.21-26).
Pesquisas arqueológicas na Amazônia já relacionaram os vasos da cerâmica
Tapajó com estruturas cosmológicas de camadas e a presença de pássaros nas camadas
superiores (Figura 01), além da representação de outros animais míticos como onças e
jacarés, que demonstram possíveis relações da cerâmica cerimonial com temas
mitológicos (GOMES, 2002).
Figura 1: Animais míticos representados em antigas cerâmicas e material lítico na Amazônia. Urubus na
parte superior do vaso de cariátide; vaso com mulher sentada em um jacaré; cabeça de uma onça e uma
estatueta lítica com uma onça montada em uma tartaruga/pessoa.

Fonte: GOMES, 2002 e PORRO, 2010.


26

No vaso de cariátides5, na figura acima, é notável a presença dos pássaros na


parte superior do vaso, enquanto existem mulheres agachadas na parte inferior. Na outra
imagem é possível notar uma mulher sentada em um jacaré, talvez retratando um vôo
mágico, pois nos mitos da América do Sul, principalmente os amazônicos, é comum os
xamãs se deslocarem em camadas ou mundos subterrâneos, quase sempre na profundeza
dos rios, como vimos no mito Dessana e Tukano do Rio Negro e como constatou o
antropólogo Heraldo Maués (2013, p.8) em pesquisas sobre práticas atuais de pajelança
cabocla na Amazônia, sua pesquisa demonstrou que mesmo os curadores não indígenas,
mas que vivem em áreas predominantemente rurais, que muitas vezes se reconhecem
como católicos (catolicismo popular), nas suas práticas rituais dançam, cantam, usam
tabaco para defumações e evocam seres da natureza chamados de “caruanas” que vivem
nos “encantes”, moradias no fundo dos rios ou no fundo da terra, estes muitas vezes
tomam o corpo do curador e realizam os tratamentos fazendo baforadas com o cigarro
Tauari e receitam garrafadas (poções) de ervas medicinais. Esse é o nível da influência
das culturas indígenas na medicina popular amazônica.
Assim como Lévy-Strauss (2004a; 2004b) destacou a forte presença do jaguar
(ou onça) e dos pássaros nos mitos indígenas da América do Sul, sendo que estes
sempre estão relacionados com os xamãs, isso também é notado na cerâmica e nos
ídolos de pedra da Amazônia, como se pode visualizar na imagem acima.

5
Palavra de origem grega, que se refere a imagens femininas que servem de suporte ou substituem uma
coluna em uma estrutura arquitetônica.
27

CAPÍTULO II

3. AMAZÔNIA ANTIGA E OS KONDURI

Os estudos para fins científicos dos povos da Amazônia e sua cultura material
começaram no século XIX e início do XX com João Barbosa Rodrigues, Ferreira Pena e
Emílio Augusto Goeldi, que apresentam ricos relatórios de pesquisa com destaque para
vasos cerâmicos, poços funerários, além de descrições e ilustrações dos grupos
indígenas que habitavam ao longo do Rio Amazonas, estudos estes que cresceram
concomitantemente com o Museu Paraense Emílio Goeldi que até hoje é uma referência
em pesquisas sobre a região amazônica (FERREIRA, 2009).
Os primeiros modelos teóricos arqueológicos mais sistemáticos surgiram nos
anos de 1940 a 1960 com vários pesquisadores norte-americanos, mas Betty Meggers e
Clifford Evans se destacaram em 1960 com o Programa Nacional de Pesquisas
Arqueológicas (PRONAPA); já nas décadas de 1970 e 1980 os pesquisadores formados
pelo casal de americanos deram continuidade com os estudos a partir do Programa
Nacional de Pesquisas Arqueológicas na Bacia Amazônica (PRONAPABA). Para
explicar a existência dos povos pré-colombianos na Amazônia, alguns destes
pesquisadores baseavam-se no determinismo ecológico, ou seja, os grupos indígenas na
floresta tropical, que possui baixa fertilidade de solo, não poderiam desenvolver
sociedades muito complexas autóctones e não poderiam ter um número demográfico
elevado, além de terem uma duração temporal curta, sendo que isto foi estabelecido a
partir de uma ênfase na classificação da cerâmica, estabelecida cronologicamente e
estilisticamente como fases e tradições (MAGALHÃES, 2016, p.97; NEVES, 2000, p.
89).
Com novas evidências e o crescente debate teórico que se seguiu nos anos de
1990 e 2000 o determinismo ecológico foi sendo cada vez mais criticado e se passou a
explicar a ocupação humana na floresta tropical de outras formas. As críticas
culminaram com a defesa de que na Amazônia surgiram sim sociedades complexas, a
Terra Preta Arqueológica (TPA) ou Terra Preta de Índio (TPI) é uma dessas evidências,
é uma terra de coloração escura por possuir rica presença de elementos como magnésio,
cálcio e manganês que tornam a terra propícia ao cultivo e dão sua coloração escura,
quase sempre acusando a presença de artefatos arqueológicos das populações indígenas
antigas, como resultado de áreas de descarte de material orgânico e inorgânico, que no
28

processo de decomposição mudou as qualidades nutritivas do solo ao longo do tempo,


essas manchas pretas no solo da Amazônia já eram apontadas por pesquisas desde o
século XIX, mas não estudadas com profundidade (SCHMIDT, 2016, p.121). As
características e a grande quantidade desse solo explicaria a possibilidade da
sustentação nutritiva (a partir da agricultura) de populações autóctones de grande
densidade demográfica, espalhadas por grandes áreas da floresta.
Nos anos de 1970, Donald Lathrap, Robert Carneiro, Clifford Evans e Betty
Meggers começaram a discutir as possibilidades e causas do surgimento dos cacicados
na Amazônia, ou seja, que estas sociedades indígenas se desenvolveram continuamente
com aumento populacional e de exploração de recursos de fauna e flora, principalmente
em áreas de várzea ao longo do Rio Amazonas, sendo que no ápice de desenvolvimento
tecnológico e complexidade social esses grupos passaram a ter um modelo político de
chefaturas, onde uma liderança estaria acima de outros pequenos chefes devido às
disputas por recursos (CARNEIRO, 2007, p.123-125).
Além disso, as pesquisas de Anna Roosevelt na década de 1980 e 1990 passaram
a propor um uso mais expressivo dos solos no Marajó por essas populações indígenas,
com a construção de tesos artificiais, cultivo de milho como fonte de proteína,
complexidade estilística da cerâmica e datações mais longas. Com isso, a região do
arquipélago do Marajó teria sido um centro de estrutura política de cacicado. Mas vários
relatos de viajantes e missionários, além de dados etnográficos atuais, demonstram que
a principal fonte de proteína não era o cultivo do milho e sim a pesca (Ibidem, p. 135-
137). Porém os cacicados ainda não ficaram bem definidos, ainda estão em discussão e
por certo tempo esse debate silenciou-se, pois parecia ser um estigma neo-evolucionista
(SCHAAN, 2007, p.55).
A existência de aterros monumentais na Ilha de Marajó, no Xingu, em llanos de
Mojos na Bolívia e nas planícies costeiras das Guianas, também demonstra bem a
modificação que vários desses povos antigos fizeram na paisagem (NEVES, 2006). O
Projeto Amazônia Central também localizou e estudou diversos sítios de terra preta
arqueológica com incrível diversidade de material cerâmico e lítico, principalmente nas
proximidades dos rios Negro e Solimões, ajudando a repensar as classificações
cerâmicas e a mapear a distribuição e datação dos diversos grupos na Amazônia antiga
(LIMA, 2008).
Mas há teorias que as sociedades nativas desde um tempo muito recuado
manejaram grandes espaços da floresta, desde caçadores-coletores até as sociedades
29

ceramistas agricultoras, e que esses grandes grupos humanos compartilhavam o espaço


em estratégias de intercâmbio cultural, longe de uma visão hierárquica como as
estruturas políticas de cacicados que, segundo alguns pesquisadores, estão mais
relacionadas aos povos andinos (MAGALHÃES, 2006; 2010).
As pesquisas mais recentes apontam um povoamento pré-Clovis na América do
Sul, impulsionando uma revisão do modelo Clóvis que acusa datação de povoação da
América através do Estreito de Bering até 11.400 anos AP, pois as evidências
demonstraram a presença humana num tempo superior a 12 mil anos AP no Chile
(MAGALHÃES, 2009, p. 6). Na Amazônia os sítios mais antigos que se conhece são de
Pedra Pintada, com idade máxima de 11.200 anos AP, e existem datações entre 8.140
anos a 9.000 anos AP na região de Carajás (Ibidem). Isto também demonstrou uma
grande habilidade de manejo florestal por parte dos grupos ameríndios de caçadores-
coletores do período holocênico na Amazônia, que já domesticavam algumas plantas
úteis de ecossistemas diversos, demonstrando a adaptação desses grupos aos recursos de
florestas úmidas, como se pode verificar na Serra Norte de Carajás. Isso também reforça
a ideia de continuidade de hábitos sociais e alimentares entre os grupos de caçadores-
coletores muito antigos, com os grupos agricultores das áreas de várzea que os europeus
encontraram no século XVI (Ibidem, p. 8).
Dessa forma, as pesquisas demonstram que o processo de cultivo e uso dos
recursos naturais modificou a paisagem, isto começou nas áreas de terra firme e depois
se desdobraram para área de várzea, passando a integrar diferentes espaços ecológicos
(MAGALHÃES, 2016, p.113). Este debate cresce ao longo dos estudos arqueológicos
relativos a Porto Trombetas no município de Oriximiná (PA), que se destacou por
apresentar diversos sítios com terra preta arqueológica espalhada por diferentes áreas,
tais como ribeirinhas, terra firme, base e topo de platôs, ou seja, os antigos indígenas
utilizavam vastas áreas em períodos do ano diferentes, com objetivos diferentes, os
vestígios materiais encontrados nessas áreas são os mais diversos, cerâmica, lâminas de
machados de pedra (líticos), restos de fogueiras, sementes carbonizadas e etc, mas todos
possuem algo em comum nessa região, os estilos das cerâmicas, a Konduri, Pocó e
Globular (GUAPINDAIA, 2008). Outros pesquisadores já demonstraram a diversidade
no uso dos espaços ecológicos e a organização espacial das antigas aldeias indígenas
que se interligavam por estradas (figura 02), como é o caso da Ilha de Marajó e das
aldeias Kuikuro na região do Xingu e até no Acre (SCHAAN, 2007;
HECKENBERGER, 2010; NEVES, 2015).
30

Figura 02: Montículos e estradas que interligavam aldeias. Imagem da esquerda é no Xingu, a da direita
são as evidências de uma aldeia e uma estrada, região do Acre.

Fonte: SCHIMIDIT, 2016; NEVES, 2015.


Pode-se observar nos relatos de viajantes e missionários na Amazônia um grupo
indígena recorrente nas margens de onde hoje é o Rio Nhamundá e Trombetas, afluentes
do Rio Amazonas, próximos de onde hoje estão os municípios de Óbidos e Oriximiná
no Estado do Pará, ao norte do Brasil. Este grupo foi denominado de várias formas
pelos viajantes, porém são nomes similares como “Condurizes”, “Cunurí” e
“Cunurizes”; hoje a arqueologia amazônica denomina Konduri os artefatos encontrados
nessas áreas (Oriximiná, Óbidos, Faro, Terra Santa e até nas proximidades de Santarém)
e que possuem uma similaridade estética e tecnológica.

3.1.A CERÂMICA KONDURI

As cerâmicas tradicionais na Amazônia são feitas da seguinte maneira, o barro é


coletado normalmente nas áreas de várzea, são misturados à massa alguns elementos
para fortalecerem a pasta, para que o vaso não quebre no momento da queima, os
elementos (antiplástico) aplicados à pasta são os mais diversos, areia, cauixi, cacos de
outras cerâmicas e é muito comum o uso do caripé, uma árvore da família das licânias,
comum na região. São retiradas e queimadas as cascas dessas árvores e os restos são
adicionados a pasta. A técnica de modelar a pasta é chamada de acordelado, ou seja,
vários roletes de argila são feitos e colocados um acima do outro, suas dimensões vão
variando de acordo com a forma que se quer dar ao vaso, depois da forma desejada ser
alcançada, as paredes do vaso são alisadas e são feitos os adornos (decoração)
modelados nas bordas ou na própria parede do vaso, também são acrescentados apliques
31

modelados com formas das mais variadas, também pode-se decorar com furos (pontos),
incisões e vários tipos de grafismos geométricos; depois disso o vaso vai para o
processo de queima e pintura, além do usos de algumas substâncias para dar brilho e
impermeabilizar a peça (CHMYZ, 1966).
A cerâmica Konduri (Figura 03) é enquadrada em uma classificação
arqueológica chamada de “tradição”6 inciso-ponteda, que se caracteriza por uma
decoração complexa feita com incisões combinadas com pontuações, entalhados com
modelados biomorfos, sendo estes antropomorfos (forma humana), zoomorfos (forma
animal) e zooantropomorfos (formas humanas misturadas a animais), ou seja,
ambivalentes, de acordo com o ângulo de visão, percebe-se feições diferentes, em um
ângulo parece um animal e em outro um rosto humano ou dois animais simultaneamente
(RIBEIRO& RIBEIRO, 1986). A decoração também é feita com engobo7 vermelho e
branco, além de bases cônicas (bulbos) trípodes (HILBERT, 1955; PROUS, 1992). A
cerâmica Konduri também se destaca pelo uso do antiplástico cauixi, que é um
espongiário de água doce presente na região, fazendo com que a cerâmica fique cheia de
pequenos “espinhos” para reforçar a resistência da pasta para que esta não fissure no
momento da queima (Figura 04), a pasta da cerâmica possui uma dureza relativamente
baixa, entre 2 e 3 na escala de Mohs. Entre as representações animais (zoomorfas) há
maior presença de sapos e pássaros, mas a variedade de espécies é grande (PROUS,
1992, GOMES, 2002).
Figura 03: Cerâmica Konduri.

Fonte: GUAPINDAIA, 2008, p.115; HILBERT, 1955, p. 63.

6
Este termo está entre aspas por ainda existir um grande debate sobre o modelo teórico de “fases” e
“tradições”, ver mais sobre isso em (SCHAAN, 2007).
7
Revestimento superficial de barro fino.
32

Figura 04: a) Espongiário cauixi encontrado na natureza; b) Cauixi visto por uma lupa binocular presente
na cerâmica; c) Esponja; d) Espículas de cauixi isoladas em escala microscópica.

A B

C D
Fonte: Peter Hilbert, 1914. J. Venom. Anim. Toxins incl. Trop. Dis vol.17 no.1 Botucatu 2011.

As pesquisas mais sistemáticas nessas áreas foram feitas por Peter Hilbert nos
anos de 1950 e posteriormente com seu filho Klaus Hilbert nos anos 1970, seguindo
referências deixadas por Curt Nimuendajú e Frei Protásio Frickel que apontou 41 sítios
de terra preta nas proximidades de Oriximiná, Óbidos e Faro, os cruzamentos das
informações desses autores totalizaram 120 sítios na região do Rio Trombetas e
Nhamundá.
Entre 1871 e 1874 o botânico João Barbosa Rodrigues, a mando do Governo
Imperial, foi explorar as regiões do Rio Tapajós, Trombetas e Nhamundá, relatou ter
encontrado na serra dos “Canurys”, artefatos que este atribuiu aos indígenas “Cunurys”
e “Uaboys”. As análises de Peter e Klaus Hilbert (HILBERT, 1955; HILBERT &
HILBERT, 1980) estabeleceram três tipos de cerâmica na região do Trombetas e
Nhamundá, a Konduri, a Pocó e a Globular. A Konduri aparece em menor profundidade
no solo, e datação entre o século XIII e XIV, já a Pocó está mais profunda e possui
datação entre 160 a.C a 200 d.C.. Pesquisas mais recentes mostram que existe cerâmica
Pocó na região da Amazônia Central e as novas datações chegam a 2.300 A.P.
(GUAPINDAIA, 2008, p. 10-11). A cerâmica Globular não possui uma definição muito
clara para além da quantidade de cauixi e das formas arredondadas dos apliques
modelados.
33

Denise Gomes (2002) ao estudar as coleções tapajônicas do Museu de


Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, propôs a existência de material
Konduri, de influência Konduri e a Globular, confirmando o uso do antiplástico cauixi
em abundância no estilo Konduri e de cauixi e areia no Globular, na decoração
observou, no estilo Konduri, o uso de técnicas de aplicação, modelagem, incisão e
ponteado, além de pequenas incisões em profusão, o uso de engobo branco, pintura
vermelha e preta. Uma iconografia de representações de pássaros como o urubu-rei,
cobras, jacarés, macacos e tartarugas. Posteriormente a cerâmica Pocó (figura 05) se
tornou recorrente nas escavações na mesma região, porém se encontra em níveis mais
profundos do solo, com uma datação mais antiga, uma combinação de antiplástico de
cauixi com caripé, engobo vermelho e branco, decoração escovada, inciso-escovada,
ponteado, marcado com corda e raspado zonado, além de pintura vermelha sobre
engobo branco (Ibidem, p. 66).

3.2. UMA ARQUEOLOGIA DA RELIGIÃO NA AMAZÔNIA?

A arqueologia da religião é uma área de pesquisa que vem crescendo nos últimos
anos, porém no Brasil não é a mesma realidade que no resto do mundo. As religiões e as
práticas religiosas sempre foram estudadas em arqueologia, principalmente devido a
quantidade de pesquisas de ambientes funerários e de templos diversos, mas não havia
pesquisas suficientes que refletissem sobre métodos ou desenvolvessem teorias
específicas para se entender o recorte religioso dentro desta área.
No que diz respeito da recente Archeology of Religions, existe uma subárea que
trabalha com práticas xamânicas, porém algumas pesquisas são apontadas como
mantendo um paradigma evolucionista ou ideia de primitivismo em relação às antigas
práticas religiosas (ROWAN, 2012, p. 4). Outras pesquisas que se destacam no mundo
acadêmico são voltadas para religiões mundiais, principalmente cristianismo e
islamismo (INSOLL, 2004, p. 1), isso parece entrar em concordância com o que Yorke
M. Rowan argumenta sobre as pesquisas que ainda pensam nas práticas xamânicas
como primitivas, como cultos ou práticas mágicas, se distanciando das religiões
mundiais que são entendidas como religiões verdadeiras (INSOLL, 2004, p. 5;
ROWAN, 2012, p. 2).
Alguns autores clássicos nos estudos sobre religiões, de forma geral, carregam o
problema do paradigma evolucionista em suas teorias como o caso de Émile Durkheim,
34

Rudolf Otto e Mircea Eliade, como podemos visualizar em suas principais obras com
forte carga eurocêntrica. No caso de Rudolff Otto, este conceituou que a ideia de
Sagrado é algo complexo que evolui progressivamente, começando pelo primordial e
irracional que é o numinoso; algo que pode causar terror e êxtase, que possui estágios
com formas selvagens e bárbaras (OTTO, 2007, p. 45). Na perspectiva de Otto essa
emoção que cresce e arrebata pode levar a coisas “boas” ou “ruins”, as boa se devem à
evolução desse numinoso a um processo de racionalização, um “enobrecimento” ou
“refinamento” que leva ao “moral” e ao que é “bom”, refinando o pensamento e
sentimento para a crença em um único deus todo poderoso; já o aspecto ruim é
selvagem e demoníaco, mistério e temor que sempre vem do medo do fantasmagórico,
típico das “sociedades primitivas” (CASTRO, 2017, p. 80). Ou seja, o numinoso é algo
irracional que pode ser sentido dentro de uma experiência religiosa, e que possui
estágios, começando pelo “receio demoníaco” presente nos “homens primitivos”, que
passam num processo de racionalização e moralização para uma manifestação do
sagrado “bom” ou “santo” que se vê no cristianismo (OTTO, 2007, p. 45, 48, 50 e 155).
O autor parte do pressuposto que as práticas de culto aos ancestrais, as forças da
natureza, crença em espíritos dos mortos, feitiços, contos e mitos não são religiões, são
uma ante-sala da “religião verdadeira”, porém já possuem o numinoso na forma
rudimentar (Ibidem, p. 155). O alemão classificou os “homens primitivos” como
ingênuos, compartilhando da ideia geral da sua época (século XIX), de que indígenas
e/ou aborígenes são pessoas na infância da humanidade e que não conseguem
racionalizar, portanto fantasiam (Ibidem, p. 156-157).
A obra de Durkheim chamada As Formas Elementares de Vida Religiosa: o
sistema totêmico na Austrália, um marco nas Ciências Sociais no século XX. O objetivo
desta empreitada era o de tentar compreender o que faz uma religião ser religião, quais
as causas da religiosidade entre os seres humanos? O francês, influenciado pelo
empirismo alemão, acreditava que a etnografia era o melhor instrumento para conseguir
compreender o comportamento de povos como, os nativos da Austrália ou da América
do Norte, partindo da premissa que tais grupos humanos, afastados do turbilhão da
modernidade, da complexidade das instituições religiosas judaico-cristãs e mulçumanas,
poderiam fornecer informações sobre um suposto comportamento religioso elementar;
nativos estes que nas palavras do autor seriam primitivos ou bárbaros. Podemos
visualizar bem esta estrutura de pensamento no trecho:
35

Eis porque procuramos nos aproximar das origens. Não é que pretendemos
atribuir às religiões inferiores virtudes particulares. Elas são, ao contrário,
rudimentares e grosseiras; não se poderia, portanto, pensar em fazer delas
espécies de modelos que as religiões ulteriores deveriam simplesmente ter
reproduzido. Mas a própria simplicidade as torna instrutivas; porque elas
constituem experiências cômodas onde os fatos e suas relações são mais
fáceis de se perceber. (DURKHEIM, 2002, p. 37).

O sociólogo francês, por mais que criticasse muitos estudos sobre culturas e
religiões demasiadamente generalistas, sem um rigor profundo e metódico, ainda assim
propôs linhas gerais para o comportamento religioso como sendo um instrumento de
coesão social. Devido a sua formação erudita baseada nos estudos ocidentais clássicos e
tendo vivido boa parte do século XIX, foi muito influenciado pelos pensamentos de
linearidade histórica (CASTRO, 2017, p. 82-83).
Mircea Eliade estudou a fundo os clássicos da área como, Max Muller,
Durkheim, Hume e vários outros, devido a formação como filósofo e historiador. Por
mais que o romeno tenha tido diversas experiências em realidades periféricas, ou seja;
fora do padrão cultural europeu imperialista, este não deixou de carregar com sigo
valores eurocêntricos e evolucionistas, por mais que tenha tentado se distanciar deles
algumas vezes, utilizando aspas em termos como “primitivo” para se distanciar das
ideias de progresso linear nas sociedades, dando a entender que o termo era utilizado
para se referir ao arcaico ou algo recuado no tempo, mas fica bem clara a sua percepção
evolucionista logo ao início da obra Aspectos do Mito, no primeiro capítulo, onde
esclarece a relevância de se estudar os mitos: “Compreender a estrutura e a função dos
mitos nas sociedades tradicionais em questão não é apenas explicar uma etapa na
história do pensamento humano, é também compreender melhor uma categoria dos
nossos contemporâneos” (ELIADE, 2000. p.10). Ou seja, entende que os mitos são
valorizados num estado “atrasado” humano e em culturas tradicionais, afastando o
pensamento mítico de sociedades modernas, urbanas e industrializadas (CASTRO,
2017, p.84).
Logo em seguida, na mesma obra, demonstra como entende a evolução do
pensamento mítico nas sociedades africanas: “Poder-se-á supor que o ‘comportamento
mítico’ desaparecerá com a independência política das antigas colônias.” (Ibidem, p.11).
Também demonstra certa crença de que existe, de alguma forma, uma narrativa mítica
original quando diz:
Tal como as Grandes Mitologias, que acabaram por ser transmitidas como
textos escritos, também as mitologias “primitivas”, conhecidas pelos
primeiros viajantes, missionários e etnógrafos no estado oral, têm uma
36

“história”: por outras palavras, elas foram transformadas e enriquecidas ao


longo dos tempos, sob a influência de outras culturas superiores ou graças ao
gênio criador de certos indivíduos excepcionalmente dotados.
Todavia, é preferível começar pelo estudo do mito nas sociedades arcaicas e
tradicionais e abordar mais tarde as mitologias dos povos que
desempenharam um papel importante na história. Isto porque, apesar das suas
modificações ao longo do tempo, os mitos dos “primitivos” refletem ainda
uma condição primordial. (Ibidem, p.12).

Por mais que Eliade continue sendo uma grande referência e seus méritos não
diminuam, pois também ajudou a quebrar outros paradigmas preconceituosos como a
crença de que os mitos seriam abstrações ou fantasias irrelevantes para as sociedades, as
caracterizando como algo muito real para as diversas culturas antigas ou
contemporâneas, o europeu foi influenciado por sua própria cultura e suas referências
teóricas (CASTRO, 2017, p. 85). Portanto, não devemos deixar de nos preocuparmos
com os detalhes de como determinadas concepções podem levar a estruturas teóricas
com sérios “buracos” ou equívocos, perigos ideológicos muito abordados pelos
pesquisadores que trabalham com uma arqueologia da religião (FOGELIN, 2008, p.
132; INSOLL, 2004, p. 6).
O antropólogo Claude Lévy-Strauss trabalhou em sua obra O Pensamento
Selvagem a complexidade dos pensamentos e das linguagens indígenas para classificar
variedades de plantas, animais, fenômenos meteorológicos, tecnologia e sua própria
cosmologia, como sinais que estes grupos, muitas vezes entendidos por cientistas e
filósofos como selvagens portadores de uma inteligência e linguagem limitada, são
possuidores de uma linguagem complexa sim e tem uma ciência própria, fruto de
muitos séculos ou mesmo milênios de experimentação, curiosidade e racionalidade
(LÉVY-STRAUSS, 1989, p. 29-39). Então como entender essa ciência específica deste
povos tradicionais? Aqui pensamos que uma via para este entendimento seja a cultura
material, pois esta pode demonstrar muito da sofisticação tecnológica, o que aponta uma
sofisticação de racionalidade e linguagem.
Talvez a literatura sobre os povos andinos seja mais volumosa que a de povos do
Brasil, devido a riqueza material conservada quantitativamente e qualitativamente, pois
o clima tropical dificulta a conservação de alguns materiais arqueológicos na Amazônia,
principalmente em áreas alagáveis. Mas os povos andinos possuem regiões
montanhosas e muitas estruturas em rocha, diferentemente dos povos das áreas de
várzea que construíam e constroem estruturas em madeira e palha, e isso levou também
a uma espécie de hierarquização evolutiva entre os próprios grupos ameríndios, na visão
37

dos intelectuais ocidentais. Não quer dizer que, povos usarem madeira e palha em suas
construções os façam menos sofisticados intelectualmente ou culturalmente que povos
que utilizam rocha, mas que são apenas opções culturais diferentes e também feitas
diante da escassez de matéria prima de cada região, além das condições climáticas.

3. 3 A CURA E OS ALIMENTOS NOS XAMANISMOS

Alguns pesquisadores se debruçaram sobre as práticas xamânicas ameríndias


pré-coloniais andinas, a cultura material arqueológica dos Mochica, do Norte do Peru é
um exemplo. Com datação entre o século I e VIII d.C., possui material que apresenta
uma rica iconografia e morfologia da cerâmica, apresentando vários vasos e estatuetas
antropomorfas que ilustram cerimônias e rituais, e ingestão de substâncias alucinógenas,
além de processos de cura com as mãos ou instrumentos cirúrgicos para tratar de
patologias como, lábio leporino e outros males, esse material viabiliza o entendimento
dessas práticas xamânicas e de cura dessas sociedades ameríndias (SOARES, 2015,
p.100-105 e 138).
No Brasil, a pesquisadora Denise Schaan procurou se aprofundar em análises
mais teóricas a respeito da iconografia na cerâmica ameríndia da Amazônia brasileira
pré-colonial, principalmente as de contexto ritualístico/religioso, estudando artefatos do
Marajó e Santarém, utilizando-se de aporte teórico de paralelos etnográficos e do
conceito de cultura de Clifford Geertz, realizando análises semiológicas interessantes
sobre a cultura material (SCHAAN, 1996; 2007).
Mais recentemente a arqueóloga Denise Gomes (2002, 2012) também começou
a trabalhar o aspecto do xamanismo, utilizando o pespectivismo ameríndio de Eduardo
Viveiros de Castro como aporte teórico para analisar a cerâmica dos antigos Tapajós,
estudando a coleção do Museu da USP, pois estas cerâmicas sempre apresentam em sua
iconografia momentos de metamorfose entre animais-animais, humanos-humanos,
animais-humanos e outras entidades da cosmologia desse grupo, assim como a cerâmica
Konduri também apresenta essa característica metamórfica.
A arqueóloga Cristina Barreto (2008, p. 25 e 43) também tem se especializado
em análises mais teóricas sobre a relação da arte indígena com seus elementos
ritualísticos e religiosos, principalmente em contexto funerário, tomando por base a
perspectiva de arte para Lévy-Strauss, que é uma manifestação privilegiada para o
entendimento de como os povos compreendem a natureza, e também “a economia
38

simbólica da predação” de Eduardo Viveiros de Castro, onde as ontologias ameríndias


sempre são agenciamentos entre os vários grupos de seres que transitam no cosmos.
O etnohistoriador Antônio Porro (2010) possui um artigo que retoma uma antiga
discussão na arqueologia da Amazônia, os chamados ídolos de pedra, que são artefatos
líticos normalmente esculpidos em esteatita ou serpentina de diferentes formas, bem
polidas e acabadas, mas que não possuem contexto arqueológico, foram achados por
antigos viajantes sem referência cultural/étnica ou procedem de doações de coleções
particulares. Vários desses objetos são associados à região do Rio Tapajós, Trombetas e
Nhamundá. Porro destaca a hipótese destes artefatos terem sido instrumentos xamânicos
(inaladores) utilizados para aspirar paricá (Piptadenia spp.) com o intuito do xamã
entrar em êxtase, para ter visões ou para fins terapêuticos (Ibidem, p. 134).
Claude Lévy-Strauss (p.53 e 398-400) também destacou o uso do tabaco para
fins rituais e ou religiosos nas sociedades indígenas da América, seja o tabaco aspirado
na forma de pó, algumas vezes associado ao paricá, seja mastigado ou fumado como
charuto, o uso da fumaça normalmente é para purificar um candidato à iniciação de
curador ou sacerdote, e também para curar doenças. Também se usa as folhas e a
fumaça como oferendas para evocar espíritos que se apresentam normalmente na forma
de aves, seres normalmente presentes nos mitos de origem do tabaco.
Eduardo Viveiro de Castro, em Arewete: Os deuses canibais (1986 p. 234)
caracterizou todas as cerimônias coletivas dos Arewete, do tronco Tupí-guarani, como
sendo praticadas com banquetes místicos dos deuses-comedores, onde os alimentos
eram oferendados às divindades invocadas em períodos sazonais ou não.
Dolmatoff (1971) também abordou sobre os símbolos e atividades xamânicas
dos Tukano, o uso de alimentos (frutas, ervas e caça) como recurso invocatório de seres
ou entidades espirituais, entidades essas em sua maioria com forma animal. Cada
alimento possui uma faculdade invocatória de determinados seres para fins de cura,
proteção ou fertilidade.
Os Enawene-Nawe, um grupo indígena do sul da Amazônia, de tronco
linguístico Arawak, com aproximadamente quinhentos indivíduos, vivem em aldeias
circulares com uma casa cerimonial ao centro (casa dos homens), onde há flautas
sagradas proibidas as mulheres, essas flautas são associadas aos espíritos iakayreti, que
são espíritos com formas grotescas aos Enawene, são preguiçosos e carrancudos, não
sabem sorrir ou chorar, e estão sempre na dependência dos humanos para alimenta-los
no dia a dia e nos grandes banquetes. Eles moram em ilhas, morros, no subsolo, lagos e
39

cachoeiras. Essas entidades são “donos” de importantes espécies vegetais e os peixes


são seus animais de “estimação”, por isso aos iakayreti são ofertados parte da produção
agrícola de milho e mandioca, além de sal vegetal, pois eles auxiliam na pesca coletiva
dos membros da aldeia, empurrando os peixes para as armadilhas (SANTOS; SANTOS,
p. 42-43).
Sempre preocupados em produzir e oferecer comida a esses espíritos, os
Enawene-Nawe organizam, exclusivamente para eles, fartos banquetes, em
que grandes quantidades de bebidas são vertidas ao chão, e que, segundo
contam, seguem diretamente para suas imensas panelas de pedra já bem
posicionadas sob a terra. Esses seres também marcam presença na aldeia,
durante os rituais, onde aparecem ladeados com os homens dançarinos,
portando os enfeites mais exóticos, como o uso de cobras enroladas na
cintura. São assim vistos apenas pelo xamã e, de olho nos comes-e-bebes, são
capazes de se incorporar aos homens e nutrirem-se através deles (Ibidem, p.
43-44).

Além dos iakayreti existem os enore-nawe, que são deuses celestes, belos e
cheirosos que estão sempre jovens e habitam os céus, “a essas divindades são
organizados os rituais de salumãe kateokõ, marcados pela oferta de mel e alimentos à
base de peixe, milho e mandioca” (Ibidem).
Estes exemplos etnográficos servem para demonstrar o valor dado aos processos
de trocas rituais entre os indígenas e suas divindades, espíritos ancestrais e outras
entidades que compõem suas cosmologias.
Na tentativa de entender essa dinâmica no passado dos povos indígenas da
região amazônica, Denise Schaan notou um padrão de sepultamento relacionado ao
status social dos indivíduos nos tesos do Marajó. Há tesos com maior número de urnas
funerárias bem decoradas do que em outros, Schaan acredita que esses tesos eram
ocupados pela elite local que controlava alguns recursos naturais. As urnas desses tesos
eram enterradas em templos ou casas, acredita-se que eram periodicamente manuseadas,
pois o prato/tampa das urnas ficava na superfície, nivelado com o solo, e ao redor das
urnas foram encontradas tigelas decoradas para fins ritualísticos, talvez como oferendas
de alimentos (SCHAAN, 2007, p. 52).
Devido a alta quantidade de pratos e tigelas encontradas em superfície no sítio
Greig II, aquele que estudamos aqui, além de vestígios de fogueiras e restos de sementes
carbonizadas, é possível inferir que esses pratos eram utilizados em banquetes
cerimoniais e rituais xamânicos. Com isso, entende-se que os diversos seres com formas
animais, humanas e animais-humanas na decoração desses pratos e tigelas, poderiam
identificar determinadas entidades na cosmologia “Conduri” ou Konduri, porém iremos
40

elaborar esta lógica mais a frente no próximo capítulo, pois acreditamos ser necessário
este entendimento prévio das artes e das lógicas indígenas para que a análise
iconográfica seja compreendida.
As pesquisas em relação a iconografia das cerâmicas da Amazônia tem ganhado
força com o tempo, sendo analisadas com mais rigor em relação ao seu contexto, ou
seja, as pesquisas de novos sítios arqueológicos e a revisitação a coleções ou sítios já
estudados, tem ajudado na compreensão dos símbolos existentes nas cerâmicas, o
contexto geográfico e geológico, e o estudo da paisagem tem aberto novas janelas de
possibilidades interpretativas.
Isso fica mais fácil de compreender quando observamos as recentes pesquisas
sobre os geoglifos do Acre, onde a hipótese até o momento acredita no objetivo
ritualístico da construção das valas e muretas com formas geométricas interligadas por
caminhos, que se localizam sempre na proximidade de fontes de água (SCHAAN;
RANZI; BARBOSA, 2010).
Segundo Mircea Eliade (2008, p.295) os locais cerimoniais em um momento
foram profanos, e através de uma hierofania geram uma cratofania, ou seja, através de
um ou mais eventos especiais num espaço, este passa a se tornar local sagrado. Para os
grupos indígenas a sacralidade do espaço nunca se faz por si só, isoladamente, mas pelo
seu contexto, pois este sempre faz parte de um complexo que inclui as espécies vegetais
e animais, além dos lugares onde nasceram ou caminharam heróis míticos.
Eliade também se utiliza do arquétipo do “centro do mundo” para estabelecer a
compreensão de espaços sagrados, e o centro do mundo normalmente está associado a
cumes e montanhas, como o caso de Sião e Jerusalém, sendo que muitas vezes são
locais que sobreviveram a grandes catástrofes e dilúvios. Além de representar um pilar
de conexão entre Céu e Terra (Ibidem, p.302). Como já vimos anteriormente, o sítio
Greig II é localizado no topo de um platô.
Já no sentido cerimonial ou de cura, que envolve banquetes ou recursos naturais
curativos, os ensaios sobre a dádiva são bem vindos para esclarecermos o quanto as
práticas de trocas rituais foram e continua sendo estudadas. Marcel Mauss nos entregou
algumas reflexões gerais e outras específicas sobre os “Esquimós”, demonstrando os
contratos estabelecidos nas práticas de trocas entre “homens e homens”, e “homens e
deuses”:
As relações desses contratos e trocas entre homens, e desses contratos e
trocas entre homens e deuses, esclarecem todo um aspecto da teoria do
Sacrifício. Em primeiro lugar, compreende-se perfeitamente que elas
41

existam, sobretudo em sociedades das quais esses rituais contratuais e


econômicos se praticam entre homens, mas homens que são encarnações
mascaradas, geralmente xamanísticas, possuídas do espírito do qual têm o
nome: na verdade, eles agem apenas enquanto representantes dos espíritos.
Sendo assim, essas trocas e esses contratos arrastam em seu turbilhão não
apenas homens e coisas, mas os seres sagrados que estão mais ou menos
associados a eles (MAUSS, 2003, p. 205).

Então quando a ideia de banquetes cerimoniais se junta a locais especiais, temos


o conjunto de práticas que podem ser entendidas como sacrifícios, que podem ser
realizados para inúmeros fins, porém um dos mais recorrentes está relacionado a
fertilidade e subsistência, ou seja, semeadura e colheita. Para Marcel Mauss e Hubert
(2005, p.72):

Os sacrifícios agrários constituem excelentes exemplos nesse sentido, pois,


ainda que, essencialmente objetivos, têm efeitos não menos importantes
sobre o sacrificante.
Esses sacrifícios têm uma dupla finalidade. Em primeiro lugar, são
destinados a permitir trabalhar a terra e utilizar seus produtos, revogando as
interdições que os protegem. Em segundo lugar, são um meio de fertilizar os
campos que se cultivam e de conservar sua vida quando, depois da colheita,
se mostram despojados e como que mortos. Com efeito, os campos e seus
produtos são considerados eminentemente vivos. Há neles um princípio
religioso que adormece durante o inverno, reaparece na primavera e se
manifesta na colheita, o que o torna de abordagem difícil aos mortais.

Segundo Mauss e Hubert (2005, p.32), existem os locais e os instrumentos


especiais para as práticas de sacrifícios, e vários elementos alimentares estão presentes,
seja apenas de origem vegetal ou carnes diversas, e para essa afirmativa os autores
utilizaram de vários exemplos culturais recorrentes entre os antigos gregos, romanos,
hindus, judeus e até assírios. Reforçam a necessidade dos sacrifícios serem realizados
em locais especiais, sejam estes templos erguidos ou não, mas o local deve ser especial
e consagrado de alguma forma, assim como os sacrificantes também devem possuir um
caráter especial, devem estar purificados antes e durante os ritos. No caso dos exemplos
oferecidos pelos autores, os banhos com água ou óleo são recorrentes, além do uso do
fogo. No caso dos indígenas da América do Sul, o processo de purificação para um rito
normalmente se da pela ingestão de algumas bebidas fortes que provocam o vômito, e
as baforadas com tabaco dos xamãs pelo corpo do enfermo ou iniciado.
Muitas vezes o poder e aspectos do sacrifício são tão profundos que causam
verdadeira metamorfose, e o exemplo que os autores dão para isto é o de um indivíduo
tocar o sacrifício consagrado a Zeus, este indivíduo tomava a forma de lobo (Ibdem, p.
56).
42

CAPÍTULO III

4. O SÍTIO GREIG II E O PROJETO PORTO TROMBETAS

A arqueologia e a história apresentam a área de interflúvio entre o Rio


Trombetas e o Nhamundá como uma região que foi densamente povoada e que estavam
distribuídos ao longo de todo aquele território ou “província”, como diriam os
documentos europeus. Segundo Vera Guapindaia (2008), na região entre o Rio
Trombetas e o Nhamundá, existem 38 sítios de terra preta com material arqueológico
em regiões de lagos; 9 a margens rios; 26 em terras baixas e 5 em topo de platô,
totalizando 78 sítios arqueológicos de grandes dimensões, como podemos visualizar na
imagem abaixo (Figura 05), onde há triângulos estão os diversos sítios identificados no
Projeto Porto Trombetas, os principais sítios são Bela Cruz I, Bela Cruz II, Araticum,
Cipoal do Araticum, Greig I e Greig II.

Figura 05: Área de pesquisa do Projeto Porto Trombetas no Rio Trombetas, afluente do Rio Amazonas.

Fonte: Google Maps, 2017.


43

Figura 06: Localização dos sítios arqueológicos ao longo do Lago Sapucuá e do Rio Trombetas
pesquisados desde 1950 a 2012. É indicado como branco e avermelhado as maiores altitude do terreno
(hipsometria).

Fonte: FONSECA JÚNIOR, boletim MPEG vol.8, 2013, p. 678.

Além disso, a autora apresenta diferentes funções para os diversos sítios como,
os ribeirinhos com características de habitação, os de terra firme como habitação e
acampamento, ou seja, locais utilizados temporariamente (para caça talvez) e os em
topo de platô como acampamentos, porém um deles possui características especiais, o
sítio Greig II. O arqueólogo Marcos Magalhães (2010; 2011; 2013) foi quem estudou
melhor este sítio e o caracterizou como local de natureza cerimonial, devido suas
evidências de cultura material e botânica, que indicam a presença de um número
considerável de plantas úteis como a bacaba, o cacauí, o jatobá (Himenaea courbaril), a
sapucaia (Lecythis pisonis), o pequiá; a copaíba, a quina (Coutarea hexandra), uxi-
amarelo (Endopleura uchi), sara-tudo (Byrsonima japurensis), marapuama
(Ptycopetalum olacoide), e o caripé (Couepia sp.) usado na fabricação da cerâmica.
Também foram encontradas contas de bauixita, duas lâminas de machado gastas, muito
carvão e sementes carbonizadas no sítio (MAGALHÃES, 2013).
É possível visualizar através das imagens dispostas abaixo, o platô se encontra
afastado dos outros sítios/habitações e que na ponta sudeste do platô, onde se encontra o
sítio, já existe um declive que é possível observar na imagem topográfica (Figura 07), as
manchas em azul são as indicações de localização dos fragmentos cerâmicos distribuído
pelo terreno. O arqueólogo Marcos Magalhães atribuiu à cerâmica Konduri da região de
44

Porto Trombetas uma datação entre os séculos X e XV, ao cruzar informações da


arqueologia e dos dados etnohistóricos (MAGALHÃES, 2013).

Figura 07: Distribuição dos sítios arqueológicos na área pesquisada em Porto Trombetas.

Fonte: MAGALHÃES, MPEG, 2014.


45

Figura 08: Platô Greig e indicação da localização do sítio Greig II a sudeste do platô.

MRN Mineração Rio do Norte

Fonte: MAGALHÃES, MPEG, 2014.


46

Figura 09: Recorte topográfico do sítio arqueológico localizado na ponta sudeste do platô Greig.

ESTAQUEAMENTO

CURVAS DE NIVEL

Fonte: MAGALHÃES, MPEG, 2014.


Um dos problemas ainda em discussão se refere a um modelo teórico que
explique a relação entre as similaridades da cerâmica Konduri e Tapajônica, pois as
duas apresentam uso de cauixi, estão próximas no tempo/espaço (região e datação), uma
estando em predominância no lado direito do Rio Amazonas e a outra do lado esquerdo;
as duas possuem decoração inciso-ponteada (Konduri carrega mais ponteados e cauixi
47

que a Tapajônica), iconografia semelhante, vasilhas de bases trípodes, engobo branco e


vermelho, pintura vermelha sobre engobo branco e grafismos com motivos em zig e zag
(como pode ser visto na imagem abaixo), além de serem encontradas juntas em
escavações na região do Rio Tapajós, fora do que foi o centro tapajônico, que hoje é a
cidade de Santarém (MARTINS, 2012; MARTINS, 2010; PANACHUK, 2016).

Figura 10: Cerâmica Konduri e Tapajônica, pratos decorados.

Fonte: Fotografia de acervo pessoal (esquerda) e imagem retirada de GOMES, 2002, p. 230.

Betty Meggers e Lathrap reconheceram uma ligação histórica do estilo cerâmico


da Venezuela com a de Santarém, explicada por migrações. Vera Guapindaia em sua
tese de doutoramento (2008) expõe a hipótese de Erland Nordenskiold que publicava
em 1930 um estudo da cerâmica encontrada por Nimuendajú na área do rio Trombetas-
Nhamundá, como sendo de origem ou teria forte influência Arawak; propõe que a
evolução da cerâmica demonstra uma transição entre a decoração modelada à pintada.
Anna Roosevelt aposta na aculturação, explicando a difusão dos estilos por interação
inter-regional. Ela propõe uma relação do Orenoco com a região caribenha, da
Colômbia e Venezuela, não descartando a origem autóctone de cacicados, porém sem
conseguir estabelecer em que nível essas relações se deram (GUAPINDAIA, 2008;
GOMES, 2002).
Denise Gomes acredita na existência de cacicados na região do Tapajós e do
Nhamundá-Trombetas com intensas redes de relações, que se interligavam de forma
parietal, ou seja, grupos familiares, com uma ligação cultural entre si, seja na língua,
religião ou outras formas, compartilhando uma mesma iconografia, explicando a
existência de cerâmicas com influência Konduri e influência Tapajônica, ou seja,
imitadas por grupos menores, colocando Santarém, por exemplo, como o núcleo do
48

cacicado para a cultura tapajônica, também visto como uma espécie de núcleo
ideológico (GOMES, 2002). Porém não descarta totalmente a possibilidade de serem
sociedades independentes se relacionando.
Desta forma o conceito de “fase” ou “tradição” dentro do debate epistemológico
da arqueologia está se dissolvendo, sendo utilizado não mais como uma ideia
generalizada ou como um horizonte cultural, e sim como o entendimento de culturas
simultâneas no espaço/tempo que se relacionam. Ao utilizarem termos como “Cultura
Tapajós ou Santarém”, também se desfaz a visão temporal linear. Na perspectiva linear
entende-se que a mudança na cerâmica é reflexo de mudanças nas sociedades, onde o
simples fato da cerâmica ser diferente significa que foi produzida por outro grupo
posterior, fato que não se diferencia muito da ideia de “fases” (SCHAAN, 2007). Porém
é necessário esclarecer que apesar dessas críticas e fragmentações por classificações,
não se perdeu a noção de globalidade na região amazônica, devido às relações
estabelecidas e saberes compartilhados. Isto pode ser entendido como:
(...) o todo é constituído de partes, mas um todo nunca é “o todo”, porém um
fragmento de um todo muito maior. Enfim, o todo é um múltiplo, composto
de múltiplos de múltiplos de múltiplos. Portanto, não é porque as antigas
teorias não conseguem explicar a realidade existente além desses fragmentos,
que vamos ignorar a capacidade conectiva que a construção das grandes
narrativas tem para entendermos a história. Essa história não é meramente
global. Deve-se entender que o regional também é um espaço do universal,
mas que se subdivide em territórios particulares agrupados num conjunto
maior, para cuja construção histórica todos contribuem. Ou seja, da
perspectiva do espaço regional, não só temos o particular, como também o
sentido global compartilhado. (MAGALHÃES, 2010, p.22-23).
Tendo isto em mente, os novos modelos teóricos que explicam as possíveis
complexas redes de interação entre os vários grupos indígenas que viveram na
Amazônia ao longo de milênios ainda estão se estabelecendo e se difundindo,
principalmente com mais dados encontrados a cada escavação.

4.1. METODOLOGIA
4.1.1. SIGNOS NO XAMANISMO DA AMAZÔNIA

Partindo para uma fase mais prática, se começa a análise da cerâmica Konduri
coletada no sítio Greig II, focando-se na escavação cinco em 2013. Porém, para o
melhor entendimento de algumas peças foi necessário o estudo de fragmentos de outras
escavações e de superfície, o que ocorreu em 2014. Partindo da reunião de fragmentos
49

de uma mesma peça, colando-se os fragmentos no intuito de visualizar o possível de sua


forma original, para depois partir ao desenho técnico em papel milimetrado.
Figura 11: Desenho técnico em papel milimetrado.

Fonte: Acervo pessoal, 2014.


A execução do desenho técnico seguiu alguns princípios gerais e convenções
para facilitar a leitura, como luz e sombra, pontilhados, perfil de bordas, entre outros. O
trabalhado aqui é denominado desenho de materiais, no caso, cerâmico. Primeiramente
foram desenhados em papel milimetrado A3 (para os fragmentos maiores) e A4 (para
fragmentos menores), para reconstituir em escala 1/1 os fragmentos que demonstram
possibilidade de reconstituição, ou seja, fragmentos de borda e base, avaliando sua
inclinação e diâmetro; os fragmentos de corpo/parede compatíveis nem sempre foram
encontrados, porém pela forma da base e da borda pode-se obter hipóteses sobre o corpo
da peça, sempre consultando outras reconstituições do mesmo universo cultural da
cerâmica estudada (DOBIE & EVANS, 2010).
Adotou-se na reconstituição o modelo “americano”, que consiste em demonstrar
o perfil principal do objeto em um ângulo de cima, de lado ou verso para melhor
visualização da peça, além da utilização do traçado que corresponde a uma continuidade
do objeto, porém sem representar algo concreto (CASTRO & SEBASTIAN, 2003).
Para fins mais específicos existirão legendas instrutivas para melhor leitura dos objetos.
Fotografar certas peças também foi necessário para demonstrar o estado atual
dos fragmentos e principalmente por alguns ainda apresentarem cores, comentadas
anteriormente como característica da cerâmica Kondurí. A observação dessas se fez
50

necessária para a análise iconográfica. Foram realizadas 36 fotografias para o banco de


dados, priorizando os fragmentos bem decorados (principalmente os apliques) e as
vasilhas coladas. Relativo ao desenho técnico, foram reconstituídas 14 formas, e foram
feitas 35 pranchas de desenho dos fragmentos.
Figura 12: Colagem de fragmentos em laboratório do MPEG.

Fonte: Acervo pessoal, 2013.


Cada artefato reconstituído possui descrição como espessura: tipo de borda e
lábio; tipo de base e decoração; entre outros, tudo de acordo com a terminologia
arqueológica brasileira para cerâmica (CHMYZ, 1996), detalhando a forma e as
técnicas de manufatura e decoração. Utilizaram-se também hipóteses sobre a função do
material reconstituído, assim como Cristina Martins (2012 apud RICE, 1987, p. 88)
usou a partir dos modelos de Rice para sua análise da cerâmica do baixo Tapajós.
Colocando da seguinte forma:
a) Armazenamento: recipiente com abertura constrita sendo comum a
presença de apêndices com função de suspensão e deslocamento.
Apresentam engobo e tratamento de superfície que objetivam reduzir a
permeabilidade. Baixa frequência de reposição.
b) Cocção: formas arredondadas, globulares ou côncavas, sem mudança de
ângulo no bojo. Geralmente possuem paredes finas. Alta de frequência de
reposição.
51

c) Tostar ou secar: peças planas com pouca curvatura na borda, de formato


circular ou quadrado.
d) Preparo de alimentos: forma simples e aberta, que geralmente não é levada
ao fogo. Possui paredes espessas e de pasta densa, a fim de resistir ao atrito
ocasionado por atividades mecânicas como triturar, misturar, socar, etc.
e) Servir: é comum possuir dimensões pequenas caracterizando seu uso
individual. Possui base plana ou com pedestal, modelado para aumento de
estabilidade. A forma é aberta, geralmente com alças. Decorações com
motivos simbólicos.
f) Transporte de alimentos ou bebidas: possuem alças, são leves e com
formas fechadas.
Porém, por a cerâmica Konduri apresentar certas particularidades, utilizamos
outras pistas (como marcas de fuligem por cima do engobo e a própria paisagem como
cenário social) que indiquem possíveis funções, adaptando os termos acima.
Iniciou-se por uma análise da forma e dos modelados nas bordas, seguida da
identificação dos signos decorativos como marcadores culturais e da relação das cores.
Por fim, quando possível, uma relação de objetos entre si e com o manejo do ambiente
(o sítio) utilizando informações das etapas de campo realizadas pela equipe de
arqueólogos do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Partindo dos fragmentos analisados da escavação cinco, começou-se a busca
para organizar todos os fragmentos espalhados em caixas no laboratório, relacionando
cada fragmento através da forma; decoração; setor (localização no sítio) e nível de
profundidade. As peças que demonstravam ser fragmentos de um mesmo artefato,
foram reunidas e coladas, um verdadeiro quebra-cabeça, sendo alguns artefatos
reconstituídos, possibilitando uma visualização da forma parcial, porém apenas
possibilitando uma reconstituição virtual, ou seja, em desenho e não física.
No aspecto teórico da metodologia, pode-se começar pela reflexão de Pedro
Paulo Funari (PINSKY, 2006, p. 81-107), que apresentou a problemática de se trabalhar
com fontes de cultura material arqueológica, sendo que a sociedade a ser trabalhada não
deixou vestígios escritos sobre ela mesma, deve-se proceder de início da pesquisa pela
busca de ferramentas interpretativas, diz que as teorias sociais são imprescindíveis para
tal, onde as fontes só se tornam úteis como fatos históricos quando o pesquisador as
submeter ao aporte teórico que este possua.
52

O estudo teórico deve seguir em direção ao entendimento de sociedades


humanas em contexto semelhante a que a fonte propõe, seguindo-se o estudo sobre o
que já foi produzido (informações) sobre a sociedade trabalhada, por outra sociedade,
como exemplo o autor fala sobre a escrita dos europeus em relação aos indígenas no
Brasil do período colonial. Também se torna necessário o uso de paralelos etnográficos,
pois por meio da observação de grupos vivos, formularam-se conceitos que poderiam
ser aplicados a sociedades mais recuadas no tempo. Além disso, o que o autor aponta de
mais intrigante é certa “obrigação” que o pesquisador tem em abordar contradições
entre as fontes, se estas apresentarem tal situação, ou seja, uma não se torna exatamente
auxiliar da outra com o intuito de complementar e sim de trabalharem juntas.
Assim como os pesquisadores da Arqueologia da Religião e os da Arqueologia
da Amazônia, se utilizou aqui o trabalho de Clifford Geertz (2008), onde a cultura pode
ser entendida como uma teia de significados, suas conexões criam padrões próprios de
significância que podem ser interpretados por um observador, os valores ou significados
dos símbolos podem ser herdados historicamente, um sistema de concepções herdadas
expressas simbolicamente. Com isto, Geertz entende que religião é um sistema de
símbolos também, que atua para estabelecer poderosas e duradouras disposições e
motivações nas pessoas através da formulação de conceitos de uma ordem de existência
geral, vestindo essas concepções com uma forte aura de factualidade. Portanto,
entendendo os valores simbólicos em seus devidos contextos históricos, se torna
possível uma interpretação da cultura de um determinado grupo. O uso da semiótica na
arqueologia existe desde 1960, com trabalhos dos arqueólogos André Leroi-Gourhan,
James Deetz e Annette Laming-Emperàire. Em 1980 com Ian Hodder e mais
recentemente Roger Preucel.
Essa semiótica transitou entre o estruturalismo e pós-restruturalismo, tem bases
em Ferdinand de Sassure, Charles Pierce e Lévy-Strauss, porém o uso desta em
arqueologia foi para além desses pensadores, ou seja, não foi frutífero o uso dos padrões
matemáticos/filosóficos, e de oposições do estruturalismo mais rigoroso, atualmente se
utiliza uma semiótica “suave”, onde escreve-se um texto sobre uma imagem, pois
quando se possui um conhecimento prévio da cosmologia e cultura de uma sociedade
antiga, por meio da etnohistória, é possível fazer um estudo iconográfico com bases
científicas sólidas. Pode ser que o pesquisador nunca venha a compreender a totalidade
dos significados dos signos e símbolos, porém é possível compreender como os
sistemas simbólicos veem a existir e atuar dentro de um contexto específico (BARS,
53

2010, p.21-26). Denise Schaan (1996, p. 30) também destacou como os estudos de
iconografias a partir de uma semiótica de Nancy D. Munn contribuíram para o
entendimento dos sentidos e as bases comunicativas e significativas das artes indígenas.
Antônio Fidalgo (1998) especialista em semiótica entende que o signo é uma
linguagem em código que está dentro de um sistema semiológico. Desta forma, existe
uma “função signo”, ou seja, todo o signo possui uma função utilitária do objeto e seu
sentido, existindo sentidos primeiros e segundos como:
a) Prato = depositar comida. Prato + fogueira = Aquecer comida, servir ou
comer.
b) Muitos pratos reunidos = Banquete. Banquete + local especial = festa ou
ritual.
Toda a conotação precisa de uma denotação, a questão é a ideologia por trás
disso, ou seja, o modelo de pensamento cultural é a chave semiológica. Para o presente
trabalho, se tem como chave a etnografia sobre os indígenas da Amazônia.
Como foi exposto anteriormente, entende-se que a forte presença de pratos e
restos de fogueiras no sítio Greig II está vinculada a prática de banquetes cerimoniais no
local. Assim como a presença de várias espécies vegetais para fins medicinais implicam
em práticas de cura no local, essa manipulação da paisagem e os vestígios cerâmicos
levaram o arqueólogo Marcos Magalhães a apontar o Greig II como um local
culturalmente construído para fins cerimoniais. Com isto, parto para uma análise mais
profunda, observar a decoração da cerâmica deste local para estabelecer uma
compreensão dos usos deste espaço com estes artefatos, de como a arte nesses pratos e
tigelas podem nos comunicar uma cosmologia antiga.
Para isso é importante entendermos que se o signo caracterizar o objeto
denotado, demonstrando semelhança com o objeto reconhecível, ou seja, o objeto real,
este é um ícone. Se não for esse o caso, trata-se de um símbolo. O significado se dá
quando decodificam-se os signos, encontrando o seu sentido, sejam estes símbolos ou
ícones. Porém a significância se dá quando descobre-se a importância destes signos
numa cadeia semiológica e na cultura como um todo. Denise Schaan sintetizou:
Um signo é, em princípio, tudo aquilo que possui significado para alguém,
que diz ou comunica alguma coisa. Os vestígios materiais de uma sociedade
pré-histórica são signos que informam algo sobre o comportamento social e
cultural daquele grupo. Os signos podem ser arbitrários ou artificiais, e nesse
sentido a compreensão de seu significado depende de uma convenção
estabelecida e socialmente aceita (...).
(...) Alguns signos não necessitam de convenções para que sejam
compreendidos e são chamados signos naturais ou índices. Um exemplo
54

disso seria o carvão disposto em meio a um conjunto de pedras assim


encontrado arqueologicamente, indicando que ali havia um fogão. A
compreensão do fenômeno através do índice depende não de uma convenção,
mas de um conhecimento ou hábito culturalmente adquirido e que se
expressa através de uma inferência. Há, portanto, uma relação de causalidade
entre o índice e seu objeto (SCHAAN, 1996, p.36).

Um exemplo para se observar as possibilidades interpretativas da iconografia na


cerâmica pode ser visto abaixo.
Figura 13: Exemplo de execução da metodologia.

Fonte: Autoral, 2017.

Partindo do entendimento que cultura material é a materialidade sendo um


atributo inerente da cultura, porém essa materialidade não esgota o objeto culturalmente
considerado. O universo material não se situa fora dos fenômenos sociais de um grupo,
e sim fazendo parte dele como uma de suas dimensões (REDE, 1996, p. 265-282).
A materialidade é tão dinâmica quanto os costumes, a língua ou outras
dimensões culturais, a forma dessa materialidade é fluida mesmo quando expressa
conceitos aparentemente sólidos ou contínuos, demonstrando na fluidez dos signos os
momentos de ruptura históricas ao longo do tempo.
55

Denise Schaan abordou a significância da cerâmica marajoara com relação ao


xamanismo e a práticas funerárias, não só apenas o uso da cerâmica, mas da sua
iconografia, seja na forma, cores ou grafismos.

Nas comunidades indígenas, a arte se expressa invariavelmente em objetos


que possuem utilidade: em utensílios, artefatos ou ainda adornos pessoais
carregados de significado para o grupo. Não existe o objeto artísticos sem
função social. O artesão decora plasticamente objetos que possuirão utilidade
para o grupo e a decoração ocorre em função dessa utilização. Essa relação
entre arte e função se dá logicamente num contexto cultural em que não há
também separação entre indivíduo e grupo social, entre lazer e trabalho, entre
direitos e obrigações e, principalmente, onde não existe a propriedade
privada. A estética do artista é a estética do grupo. Os padrões estéticos do
grupo, que se perpetuam pelas tradições, devem ser preservados e difundidos,
uma vez que comunicam sobre a cosmologia e mitologia do grupo, sobre sua
organização social e sobre seu status de grupo social diferenciado em relação
ao universo das outras comunidades e seres da natureza. (SCHAAN, 1996, p.
8).

Segundo Barreto (2008, p. 27-29) o antropólogo Barcelos Neto ao utilizar a base


teórica de Alfred Gell, que considera obras de arte como pessoas (índices), entende que
na Amazônia a distribuição das pessoas se dá por meio de rituais que mobilizam corpos,
espíritos ou pessoas através da produção e do uso de determinados artefatos, pois
Barcelos Neto teria identificado uma “compulsão decorativa” na fabricação de artefatos
rituais entre os Wauja, assim como Els Lagrou identificou também entre os Kaxinawá.
Assim, Barreto realiza que a complexidade decorativa na antiga cerâmica do Marajó
indica um agenciamento dos artefatos, ou seja, estes seriam entes por si mesmos. Então
os objetos possuem funções sociais para além da sua materialidade.
Dentro do aspecto indígena que estamos discutindo é necessário perceber que os
mitos também ganham materialidade nos objetos e na arte, como nos coloca Schaan ao
citar o trabalho de Velthem:

(...) Em seu trabalho de campo junto aos Wayana, Velthem observa que os
padrões decorativos utilizados, apesar de sua temática “abstrata”,
representam uma visão cosmológica socialmente compartilhada e são
condição de valorização étnica. Para esse povo, não só a pintura corporal
representa humanidade e socialização, como os objetos, para se tornarem
sociais, devem ser decorados com os desenhos, que são tidos como
“sobrenaturais” (SCHAAN, 1996, p.27).

É necessário entender que “sobrenaturais” faz referência a nossa compreensão


sobre este aspecto da vida indígena, sendo que para os indígenas não há fronteira entre
natural e sobrenatural.
Mesmo os grafismos e cores representando uma identidade cultural/étnica e
cosmológica, é importante não ignorar a criatividade do artista, principalmente quanto
56

esses signos e significados são colocados em perspectiva temporal, pequenas


modificações em relação ao que possa ser tradicional dentro de um determinado grupo
podem surgir espontaneamente; além disto, o traço do artista pode permanecer igual ao
de gerações anteriores, porém seu significado e significância possam ter mudado.
Entre os indígenas Wauja do Alto Xingu, as mulheres se destacam em relação a
outros grupos por possuírem altas habilidades na arte da olaria, pois são detentoras de
qualidades simbólicas do grupo, isto sendo também entendido como uma posição social,
pois segundo as observações de campo de Maria Mello (1999, p.38) sua informante ou
interlocutora, por ser reconhecida como uma excelente ceramista possui vizinhos que ao
fazerem referência à casa de sua família citavam o nome dela e não do marido, como
seria de costume. Vemos ai uma pequena alteração do costume do grupo devido algo
individual que se destacou de forma espontânea.
Ou seja, o signo permanece, mas seu significado é alterado. Assim os mitos,
cosmologias e rituais vão se resignificando ao longo do tempo, sofrendo rupturas e/ou
continuidades, contraditórias ou não, sendo as identidades sociais, culturais e
principalmente estéticas de um grupo, muito fluidas.
A respeito da identidade humana na concepção ameríndia, podemos entender
como uma construção de si mesmo e do se tornar o ‘outro’. Dessa forma ela está de
acordo com contextos, fazendo uma linha fronteiriça entre o “eu” e o “outro”. Dentro da
visão indígena, a noção de identidade humana confronta a identidade animal ou de
presa, e de categorias de outros seres espirituais, além dos outros grupos indígenas ou
dos não indígenas. Para isso utilizamos o perspectivismo ameríndio de Viveiros de
Castro (2011) onde existe uma relatividade perspectiva entre os indígenas da América
do Sul, sobre vários tipos de seres humanos e não humanos de acordo com quem “olha”.
Esta concepção ameríndia suporia a unidade do espírito e a diversidade dos corpos:

Tipicamente, os humanos, em condições normais, vêem os humanos como


humanos e os animais como animais; quanto aos espíritos, ver estes seres
usualmente invisíveis é um signo seguro de que as ‘condições’ não são
normais. Os animais predadores e os espíritos, entretanto, vêem os humanos
como animais de presa, ao passo que os animais de presa vêem os humanos
como espíritos ou como animais predadores. (VIVEIROS DE CASTRO,
2011, p. 350).
O xamã ou pajé, nos diversos grupos indígenas da Amazônia, possui o papel de
se deslocar nessas perspectivas múltiplas, tornando os procedimentos ritualísticos e
cerimoniais inteligíveis. Possui a qualidade da metamorfose, consegue ver além da
“roupa” que o outro usa, como se o animal vestisse uma roupa de animal, porém, este é
57

humano, mas só pode ser visto como tal por outro animal, desta forma o xamã veste
diversas roupas no intuito de reconhecer os seres que lida, e para traduzir seus dizeres
aos outros durante o rito.
Lagrou (2007) para falar sobre a fluidez das formas entre os xamãs, utilizou de
um relato sobre o processo de iniciação de um xamã através de um yuxin (ser
espiritual):

Pajé dá e tira vida. Para virar pajé, vais sozinho para mata e amarra o corpo
todo com Envira. Deita numa encruzilhada com os braços e as pernas abertos.
Primeiro vêm as borboletas da noite, os husu, elas cobrem seu corpo todinho.
Vem o yuxin que come os husu até chegar a tua cabeça. Aí você o abraça com
força. Ele se transforma em murmurú vai se transformar em cobra que se
enrola no seu corpo. Você aguenta, ele se transforma em onça. Você continua
segurando. E assim vai, até que você segura o nada. Você venceu a prova e
daí fala, aí você explica que quer receber muka e ele dá. (LAGROU, 2007, p.
58).

Os yuxin são seres que possuem a capacidade de metamorfose, e não são


limitados a forma que tomam, possuem intencionalidade, agenciam as formas e as
imagens. Este aspecto é imprescindível à análise iconográfica que é feita nesta
dissertação, pois a cerâmica Konduri apresenta essa característica de metamorfose,
apresentando mais de uma forma animal ou humana simultaneamente. Com isto,
podemos dizer que a identidade é uma construção cultural muito fluida, dinâmica e viva
nas sociedades indígenas.
Em relação à cerâmica ou outros objetos produzidos e utilizados pelos indígenas,
cabe também o perspectivismo, ou seja, o vaso cerâmico quando ornado, pintado e
dotado de uma utilidade específica, adquire uma identidade e se torna um agente que
pode ter forma e qualidade animal ou humana, ou as duas simultaneamente, lembrando
que os animais e humanos nas cosmologias ameríndias são entes cósmicos também,
assim como muitas vezes não é possível identificar se uma forma ou figura na cerâmica
é animal ou humana, ela pode ser outra categoria de ser que pode misturar várias formas
animais, ou não se parecer com nenhum animal e nem com humano, como o caso dos
yuxin que vimos anteriormente e dos apapaatai do Alto Xingu (BARCELOS NETO,
2005, p. 92).
58

4.2. ANÁLISE ICONOGRÁFICA

Para a análise da iconografia utilizou-se o termo “motivos decorativos


geometrizantes” e “naturalista”. Ou seja, a decoração pode possuir motivos com formas
geométricas, que seriam formas abstratas como, círculo; quadrado; losango; triângulo;
ou motivo naturalista, porém este último termo está mais para icônico, por naturalista
suscitar a ideia de que os motivos zoomorfos e antropomorfos seriam realistas,
possuindo perfeita semelhança com seus modelos originais, humanos ou animais.
Porém, a maioria das formas zoomorfas ou antropomorfas estão muito estilizadas,
apenas uma zoomorfa possui uma forma realista.
A figura abaixo demonstra os motivos decorativos geometrizantes encontrados
nos artefatos pesquisados, estas ilustrações foram feitas para facilitar a leitura das
descrições que seguem ao longo do texto da pesquisa.

Figura 14: Padrões gráficos encontrados no material.

Pintura de linhas paralelas Incisões e entalhes de linhas em zig e zag.


horizontais grandes. e zag.

Pintura de linhas horizontais Entalhe de linhas onduladas em


paralelas pequenas. zig e zag.

Incisão de linhas paralelas verticais


Incisão de linhas em triângulos
intercaladas com horizontais.
em zig e zag.
paralelas

Pintura de linhas horizontais paralelas pequenas combinadas com


triângulos duplos pintados, formando losangos.

Fonte: Autoral, 2014.


59

A figura 15 demonstra uma vasilha da escavação cinco (05), que foi encontrada
entre 0-5 cm de profundidade no solo. A reconstituição demonstrou que se trata de uma
vasilha de contorno simples, pasta amarelada e densa, base circular plana de 15
milímetros (mm) de espessura, a borda de 11 milímetros (mm) é reforçada
internamente, possui 46 cm de diâmetro, indicando a possível função de preparo de
alimentos por possuir uma dimensão de médio a grande porte, o que possibilita a
mistura de várias espécies de produtos no mesmo recipiente, sendo útil assim para o
preparo de bebidas ou alimentos complexos. Além de possuir um motivo decorativo
icônico zoomorfo, uma rã em relevo na parede externa e borda da vasilha.
Na imagem há uma relação dos períodos de metamorfose no processo de
desenvolvimento fisiológico do anfíbio, que será útil para esta e próximas análises
iconográficas. A fotografia de campo localizada no canto abaixo, foi realizada pela
equipe de escavação do Museu Emílio Goeldi, que apresenta como os fragmentos da
vasilha foram encontrados in loco. Ao lado na imagem, é possível observar a
reconstituição virtual da forma da vasilha a partir da análise dos fragmentos em
laboratório, a reconstituição apresenta apenas o perfil, como é de costume em pesquisas
arqueológicas.
Figura 15: Esquema de vasilha de grande dimensão com iconografia zoomorfa de rã.

Fonte: Material cerâmico e fotografia de campo do MPEG; fotografia de laboratório e reconstituição de


autoria própria, 2017.
60

As rãs e os sapos são recorrentes na iconografia indígena na Amazônia, como


por exemplo, na cerâmica Tapajônica (GOMES, 2002) em diversos vasos, apêndices e
os próprios muiraquitãs relatados como provenientes dos rios Nhamundá e Trombetas, e
possivelmente instrumentos de prestígio e trocas entre os indígenas, usados como
colares ou amuletos com condições mágico-religiosas de fertilidade e ou cura
(FREDERICO BARATA, 1953; GOMES, 2002).
Figura16: Muiraquitãs da Amazônia.

Fonte: Pedra verde (LIMA, 2010, p.346). Mapa (COSTA; SILVA; ANGÉLICA,2002, p.476).

Na cerâmica Marajoara (SCHAAN, 1996) e Cunani também procedem


decorações com representações estilizadas ou realistas de sapos e rãs (COIROLO at all,
1997), além da própria cerâmica Konduri, como os apliques de batráquios encontrados
no sítio Aviso I (GUAPINDAIA, 2008). A etnografia demonstra que normalmente os
sapos possuem conotação feminina assim como os peixes (DOLMATOFF, 1951 apud
LEGAST, 1987).
É importante lembrar que a área geográfica do rio Trombetas possui muitos
lagos e igarapés, sendo comum a existência de numerosos sapos e rãs neste habitat;
além de que este animal sofre metamorfose, possuindo diversas formas no decorrer de
seu desenvolvimento fisiológico. Este fator metamórfico parece ter sido observado
pelos indígenas, por existir na iconografia Konduri as várias formas que estes anfíbios
adquirem, desde uma fase como girino até a forma de um grande batráquio. Muitas rãs
são usadas entre os indígenas por possuírem glândulas que secretam toxinas, essas
61

utilizadas como alucinógenos ou veneno usado em flechas, dependendo da quantidade


utilizada.
Mircea Eliade na obra Tratado de História das Religiões possui um capítulo
completo dedicado a sintetizar a forte ligação de religiões de várias partes do mundo ao
universo aquático, sejam elas de chuvas, rios, mares, lagos e poços, a água é entendida
como princípio de vida, da geração de divindades, oráculos, objetos e seres humanos e
animais, algo que Eliade chamou de hilogenia (ELIADE, 2008, p.157).
Existe ai também o poder purificador das chuvas e dilúvios, o que leva o autor a
relacionar os mitos e rituais ao aspecto purificador das águas como um mito ou ritual
iniciático, onde o indivíduo é purificado e renasce das águas como um novo ser, tocado
pelas divindades aquáticas, num processo simbólico de quase morte, no caso por
afogamento. Muitas vezes essas divindades aquáticas são dragões ou serpentes.
Para visualizar tal presença dos gênios ou divindades aquáticas relacionadas com
fertilidade, podemos observar um mito Dessana e Tukano. Na língua Tukano, por
exemplo, “Taló manlá mashá nomé” significa “Sapo, plural, gente, mulher”. O mito
onde o nome “cunuri” é citado se passa quando uma mulher grávida, filha de Diá-pirõ
(um heróis mítico dos Tukano) vai à procura de uma fruta chamada cunuri, próximo ao
igarapé de mesmo nome, sendo no mito um afluente do rio Uaupés.
A moça conversa com seu filho ainda no ventre, que possui a forma de uma
cobra, e este se chama Iño, a mãe rejeita sua cria por este ser muito “tagarela” (fala
muito, sem parar), ela pede ao filho para pegar a fruta no topo do cunurizeiro, o garoto
sai pela vagina da mãe na forma de cobra, porém sem soltar-se do ventre, apenas
mantendo a cauda ligada à genitália materna. A mãe querendo fugir da cria, o engana
colocando a cauda de Iño em um sapo moldado por ela mesma com saliva, e uma folha
põrãpu, que simularia o calor e a umidade de uma vagina, e responderia as diversas
perguntas que Iño “tagarelava”.
A serpente percebe a troca e segue a mãe que fugiu até uma maloca, onde esta se
escondeu de baixo de uma bacia de Tuiuca, de coar caxiri8, por um dia e uma noite. A
serpente fica no teto da maloca gritando pela mãe, que os parentes presentes na casa
acobertaram. Após o dia passar, os parentes viraram a bacia e a mulher havia se tornado
um peixe pirarara, que rastejou até o igarapé e Iño a seguiu (FERNANDES &
FERNANDES, 1996).

8
Uma bebida fermentada ou alucinógena produzida a partir da combinação de alguns cipós.
62

Os indígenas Cunuris ou Cunurizes, assim foram chamados pelos viajantes por


estes se localizarem na boca do rio Cunuri (Nhamundá). É muito interessante que estes
indígenas Dessana do Rio Negro possuam um mito que fala sobre uma fruta com este
nome e de um rio de mesmo nome, será que os indígenas do Nhamundá, possíveis
produtores da cerâmica estudada aqui. Mas é notável as relações feitas entre fertilidade,
serpente, rio, sapo, bebida fermentada (caxiri) e uma vasilha no mesmo mito. Isso fica
mais nítido enquanto analisamos as outras peças aqui.
A figura 17 apresenta um fragmento de borda (A) de pasta amarelada-alaranjada
(a parte externa do prato apresenta vestígios de engobo vermelho); borda direta e
expandida com lábio redondo; contorno simples e base plana simples. Podemos
visualizar outro fragmento de borda com aplique de motivo icônico zoomorfo (C),
estilizado com formas que lembra um girinos perto da fase adulta no processo de
metamorfose típico destes animais. Além de um aplique fragmentado aparte de mesmo
estilo. A borda fragmentada e o aplique modelado provavelmente formavam pares, o
que se repete nos apliques e modelados em bordas do sítio Greig II, que veremos
adiante. Pela forma de prato acredita-se que tenha a função de servir alimento.
Ainda sobre os apliques, observemos os olhos em forma de “rosquinha”, as
discretas patas com quatro dedos (incisões), a cauda e corpo estilizado com incisões e
ponteados, além de existir um furo na borda abaixo do aplique. Também foi encontrado
um fragmento de alça com aplique estilizado semelhante e um aplique isolado (D) que é
idêntico ao aplique da alça, o que demonstra que este objeto solto fazia parte da alça
também, mais uma vez formando pares. A alça também apresenta uma decoração
inciso-ponteada interessante.
Fazendo um paralelo etnográfico, os girinos para o povo Tikmu’un-maxakali, do
tronco linguístico Macro-Gê, no nordeste de Minas Gerais, são um “povo”; ou seja, são
girino-gente, e ensinaram aos humanos vários cantos. Um mito interessante destes
indígenas diz que duas mulheres ao pescarem em um lago foram levadas por rãs
(yãmiyxop) para o fundo deste. Lá aprenderam várias cantos (músicas) especiais e
depois de confeccionarem colares com os girinos, retornaram às aldeias (TUGNY,
2011, p.49). Muito semelhante ao mito dos muiraquitãs na região norte do Brasil. Desta
forma podemos entender que por menor que seja o ser espiritual em questão, ele pode
corresponder a papéis cosmológicos significativos de um povo.
63

Figura 17: Fragmento de borda e alça com aplique de girinos.

Fonte: Desenho autoral e fotografia do material do MPE.

Nas bordas do prato9, ao lado interno, existem motivos geometrizantes, sendo


incisões contínuas como linhas em zig e zag, que lembram uma decoração também com
incisões nas bordas, a chamada tradição arqueológica Jauarí, que utiliza de cauixi como
aditivo também, pesquisado por Peter Hilbert (1914) e Alberta Zucchi (2010, p. 130).
Esta autora associou tal estilo decorativo, onde é típico o uso de incisões em zig e zag,
como as circuladas na figura abaixo, a antigas migrações Caribes. Poderia a recorrência
desses motivos decorativos, ter sido resultado de intercâmbio cultural entre os diversos
povos dos rios Nhamundá e Trombetas com povos do litoral brasileiro e caribenho?
Pois os motivos decorativos Konduri já foram relacionados com o de grupos Caribe ou
Arawak, abordados anteriormente aqui.

9
Onde há listras pequenas paralelas nos desenhos técnicos, normalmente na diagonal, simboliza a área
fragmentada da peça, local onde o material se partiu ou está erodido.
64

Figura 18: Motivos decorativos geometrizantes da fase Jauarí (acima) e Apostadero (abaixo).

Fonte: Adaptado do artigo de Zucchi (2010, p.130).

A figura 19 apresenta mais um prato da escavação cinco. Com 28 cm de


diâmetro com borda inclinada, expandida com aplique, lábio apontado, corpo simples e
base plana simples (apresenta marca de possível encaixe de bulbo, porém não
arriscamos esta hipótese na reconstituição). A borda apresenta engobo vermelho,
incisões de linhas em zig e zag, aplique não identificável a princípio, com muitos
ponteados e incisões. Na base, do lado interno do prato, apresenta pintura vermelha
sobre engobo também vermelho.

Figura 19: Reconstituição de prato vermelho.

Fonte: Autoral, 2014.


Posteriormente, comparando tal decoração com outras peças da escavação do
Greig II e até com outros fragmentos de outras escavações em outros sítios de cultura
65

Konduri, foi possível chegar a conclusão que tal aplique estilizado é uma repetição da
forma do girino, já abordado anteriormente neste texto. Mas em outra pesquisa,
realizada pela arqueóloga Lilian Panachuk (imagem B), o fragmento encontrado por ela
é menos estilizado e mais fácil de observar, por tanto, de identificar, mas a população
local, que vive aos arredores do sítio escavado pela pesquisadora, identificou a
decoração zoomorfa como um lagarto, o que realmente parece possível, se visto de
forma mais isolada, porém mantém-se aqui a interpretação iconográfica como sendo um
girino, devido as outras formas existentes no mesmo sítio e devido a observação que
existem formas mais detalhadas e outras mais estilizadas, quase abstratas, todas sendo
uma variação das com formas anatômicas mais claras. Também ficando clara a relação
que esta iconografia tem com os pratos.
A figura 20 apresenta um prato de 40 cm de diâmetro, borda dobrada e lábio
plano, corpo simples e base plana simples. A decoração encontra-se na borda, do lado
interno, que consiste em incisões em zig e zag, que se cruzam, formando triângulos ao
centro do cruzamento das linhas.

Figura 20: Pratos com decoração incisa em zig e zag.

Fonte: Autoral, 2014.


66

Nestes fragmentos de pratos acima, não foram encontrados seus respectivos


(possíveis) apliques, porém há repetição das incições em zig e zag de vários outros
pratos, mas aqui vemos uma variação no prato A, pois este possui formas triangulares e
não retangulares, como é o caso do prato B e outros analisados nesta pesquisa. Mais
uma vez a presença destes pratos indica a prática de servir alimentos.
A figura 21 apresenta outro prato raso, de 48 cm de diâmetro, pasta acinzentada,
borda direta e lábio redondo, corpo simples e base plana simples. Na borda estão
presentes incisões de linhas paralelas horizontais intercalando com linhas verticais, e um
aplique estilizado, mais uma vez uma variação do motivo zoomorfo de girino. Além da
continuidade do grafismo na borda do prato, porém com uma variação na forma do
grafismo, com linhas verticais e horizontais se intercalando, tal modificação pode ter
sido feita por uma individualidade do ceramista ou uma modificação na identidade da
entidade evocada na oferenda deste prato, ou mesmo na identidade de quem porta ou
usa o prato, uma liderança ou sacerdote talvez. Este aspecto de continuidades e
modificações foi debatido no tópico anterior.
Figura 21: Grande fragmento de prato e reconstituição.

Fonte: Autoral, 2014.


Na prancha 22 encontra-se um prato raso trípode, com 36 cm de diâmetro, borda
reforçada internamente com dois apliques e com lábio redondo expandido, engobo
67

vermelho por todo o prato, inclusive vestígios desse nos bulbos (C e E) que não
estavam conectados as bordas, mas estavam no mesmo local e profundidade.
Há linhas em zig e zag entalhadas nas bordas logo abaixo dos apliques. Estes por
sua vez, são duas cabeças, que haviam sido chamadas por Hilbert (1955) de “caretas
duplas”. Possuem engobo vermelho e branco, com muitas incisões e ponteados
decorando as cabeças.
Nestes apliques é notável o processo metamórfico xamânico, a decoração
zooantropomorfa salta aos olhos do observador. Na peça A é possível identificar um
rosto com, dois olhos, boca aberta em forma elíptica e um nariz, este que é nariz e ao
mesmo tempo a cabeça de outro ser, onde as narinas do ser maior podem ser
identificadas como os olhos do menor. Na peça B se repete o conjunto do A, mas com
um acréscimo, por trás da cabeça antropomorfa há a cabeça de um jacaré, que é possível
de ser identificado como tal, devido a sua coluna em relevo, o focinho alongado, os
olhos sobre o focinho e a grande incidência de tal animal na região. A posição é como
se a cabeça antropomorfa estivesse sendo abocanhada pelo jacaré.
Figura 22: Fragmentos de prato trípode decorado.

Fonte: Material do MPEG e reconstituição autoral, 2014.


68

O arqueólogo Peter Hilbert (1955, p.44-48) ao observar a cerâmica Konduri da


região do Trombetas e Nhamundá, principalmente a do Lago Sapucuá, identificou os
orifícios nos bulbos cônicos, que formam a base trípode, como sendo ligados a uma
pequena câmara, ou seja, os bulbos são parcialmente ôcos. Tal atributo faria parte de
uma técnica de cozimento e de preservação da estrutura cerâmica quando esta for levada
ao fogo. A câmara proporcionaria o espaço para a dilatação da peça quando aquecida,
fazendo com que esta não rachasse, além de proporcionar a circulação do ar quente,
melhorando o processo de cozimento.
Porém, Hilbert apenas encontrou no Lago Sapucuá um bulbo cônico, conectado
a base e um pedaço do corpo de um alguidar com aproximadamente 45 cm de diâmetro
(figura 23), sendo que o bulbo possuía decoração antropomorfa em alto relevo, mas há a
declaração da falta de outros exemplares que ajudariam nessa análise. Portanto, nossa
pesquisa faz a contribuição de apresentar tais materiais encontrados in loco, e não em
coleções particulares. Além disso, o material encontrado no sítio Greig II apresentou
pratos trípodes de forma bem clara, ainda com pintura e marcas de fuligem provocadas
pelo contato dessas peças com o fogo, sendo encontradas tais fogueiras, com vestígios
de carvão e sementes carbonizadas in loco.
Figura 23: Exemplares com desenhos técnicos de bulbos de Peter Hilbert.

Fonte: HILBERT, 1955, p.46.


Existe outro aplique aparte semelhante a uma das cabeças (B) exposto na figura
24, porém este está menos sofisticado e de proporção um pouco menor, além de o
entalhe das linhas em zig e zag na borda não estarem simétricos e bem ordenados, como
69

é o caso do prato reconstituído; isto pode caracterizar a produção do material por um


(ou uma) possível aprendiz de ceramista.

Figura 24: Desenho técnico de fragmento de borda com aplique modelado.

Fonte: Autoral, 2014.


O artefato da figura 25 é outro prato raso, com 44 cm de diâmetro, borda
reforçada externamente e lábio redondo; corpo simples e base trípode (bulbo com 13 cm
de comprimento). Apresenta vestígios de engobo vermelho e muitas manchas de
fuligem, comum nestes pratos. Há linhas onduladas entalhadas em zig e zag na borda,
parecendo ser uma variação mais fluida do zig e zag retangulares e triangulares em
outras bordas de pratos do mesmo sítio. Aqui temos mais uma evidência da conexão que
esses pratos tripodes possuíam com tal ornamento iconográfico com incisões em zig e
zag, além da recorrente cor vermelha nos engobos ou pinturas.
Figura 25: Fragmento de prato trípode com bulbo.

Fonte: Material do MPEG e reconstituição autoral, 2014.


70

A figura 26 baixo, apresenta um desenho técnico feito de um fragmento de borda


encontrado na superfície, ao lado norte do sítio. O fragmento possui decoração inciso-
ponteada-modelada, com dois apliques estilizados acima das incisões triangulares em
zig e zag, possuem engobo branco e pintura vermelha, além de repetir a presença do
orifício abaixo dos apliques zoomorfos. Acredita-se assim que se trata de um fragmento
de borda de um prato, mas não foi feita uma reconstituição por não ter sido possível a
verificação do diâmetro. Os apliques possuem semelhanças estilísticas com os
anteriores, mas não foi possível identificar se são uma variação dos girinos ou se são
outra categoria de ser anfíbio ou não, pois estão muito estilizados, mas foi possível
identificar cabeças, olhos, bocas, tronco e caldas, com possível coluna vertebral, além
de um orifício no topo da cabeça.
Figura 26: Fragmento de borda de prato com aplique encontrado em superfície.

Fonte: Autoral, 2017.


As figuras 27 e 28 apresentam outro aspecto interessante, a variedade de formas
e tamanhos dos bulbos, alguns sendo pequenos, porém que possuem o interior ôco e
com o típico orifício na lateral. As vasilhas com bulbos pequenos poderiam ter uma
utilidade especial por se diferenciarem dos pratos trípodes de média e grande dimensão,
talvez para servir crianças ou alimentos específicos que deveriam estar separados dos
demais.
71

Figura 27: Bulbo cônico de diferentes dimensões.

Fonte: Material do MPEG, fotografia autoral, 2014.


Figura 28: Bulbos cônicos Konduri.

Fonte: Material do MPEG, fotografia autoral, 2014.

Os fragmentos de um pequeno prato trípode foram encontrados e reunidos


(figura 29), o que possibilitou a visualização de parte da borda, base e os três bulbos. Os
fragmentos estão completamente oxidadas, possuem pasta alaranjada e leves ponteados
na borda, para se mais preciso 8 ponteados divididos em 5 cm de comprimento de
borda, esta que possui 5 mm de espessura. Todos os três fragmentos são provenientes da
escavação cinco, encontrados entre 0-10 cm de profundidade.
72

Outro fragmento de base com marca de encaixe de um pequeno bulbo foi


encontrado também na escavação cinco, além do pequeno bulbo em questão, muito
semelhante ao da peça anterior. Mas neste caso os dois apresentaram oxidação
incompleta e foi possível identificar o engobo vermelho.
Figura 29: Pequeno prato trípode incompleto, perfil inferior.

Fonte: Autoral, 2014.


A figura 30 é de um prato simples de 40 cm de diâmetro, borda com dobra e
lábio plano; base plana simples. Decoração apenas com pintura vermelha bem
preservada, não possui incisões ou ponteados, parece ser um prato para um individuo se
servir individualmente de alimento.
Figura 30: Prato vermelho simples.

Fonte: autoral, 2014.


73

A presença recorrente dos pratos no faz questionar as funções do alimento


sacralizado em ritos para os banquetes cerimoniais, Segundo Mauss e Hubert (2005,
p.68), “Ao comer a coisa sagrada onde o deus supostamente reside, o sacrificante o
absorve, é possuído por ele, como a sacerdotisa do templo de Apolo na acrópole de
Argos depois de beber o sangue do cordeiro sacrificado”.
A figura 31 abaixo apresenta artefatos interessantes da escavação cinco, foi
possível reconstituir um dos vasos de 20 cm de diâmetro, borda de 8 mm de espessura
cambada internamente, lábio apontado; contorno composto e base circular plana, todo
com aditivo de cauixi como é comum em todas as peças. Decoração com aplique
modelado icônico zoomorfo; morcego bem estilizado com incisões e ponteados na parte
superior (cabeça) e ponteados em fileiras nas laterais e abaixo do aplique.
Existe outra borda com o mesmo aplique (C), porém apenas em um desses existe
pintura com engobo vermelho e pintura preta na parte externa (A); o outro aplique (B)
possui a mesma forma, incisões e ponteados, porém o fragmento está muito oxidado e
erodido, não apresenta coloração alguma além da pasta amarelada.
A interpretação da forma da vasilha pode nos levar a entender que os dois
apliques (A e C) estariam em uma mesma vasilha em posições opostas, ou seja, cada
uma em respectiva extremidade oposta das bordas, ou pode-se entender que o aplique
sem coloração (C) fazia parte de outra peça de mesma forma, o que nos levaria a pensar
que tais vasos possuíam apenas um aplique em cada.
O outro aplique (B) de forma semelhante, com incisões e ponteados na cabeça,
porém na fronte do aplique, existem quatro incisões pequenas, coisa que não existe no
aplique da vasilha que foi possível reconstituir a forma.
Sobre a iconografia do morcego, é recorrente sua aparição em artefatos de
cerâmica em sítios arqueológicos na Colômbia e Venezuela, e no repertório religioso
entre o povo Kogi, que relaciona o morcego ao ato de menstruar (LEGASTE, 1987,
p.39). Em um trabalho de Peter Hilbert (1914, p. 329) é possível visualizar um aplique
modelado semelhante a uma cabeça de morcego estilizada, forma icônica, na chamada
fase arqueológica Itacoatiara. Porém, o autor não detalha tal fragmento, este apenas
possui semelhança com o próximo modelado que vamos trabalhar e possui duas
incisões no topo da cabeça.
74

Figura 31: Fragmentos de bordas com apliques de morcegos.

Fonte: Autoral, 2014.


A figura 32 apresenta um vasilhame também da escavação cinco, de forma
elipsoidal, por tanto foi difícil ter exatidão no diâmetro com os fragmentos encontrados,
estipulou-se que a base possui entre 28-30 cm e a borda 42 cm. Com borda direta e
lábio redondo, base plana simples, com dois apliques icônicos zoomorfos de morcegos
estilizados, porém sem incisões ou ponteados como decoração, o que ocorreu nas peças
anteriores.
Existe apenas a coloração preta em todo o vasilhame. Os dois apliques, por seu
ângulo em comparação com o ângulo das bordas, indicam que estariam em posições
opostas na área mais estreita da elipse.
75

Figura 32: Fragmento de borda com aplique icônico de morcego e base do vaso.

Fonte: Material do MPEG e reconstituição autoral.

Na figura 33, temos uma vasilha de contorno simples, borda levemente


expandida e de lábio arredondado com 30 cm de diâmetro; base simples e plana.
Aplique zoomorfo, com forma de morcego estilizado, com incisões na cabeça (linhas
paralelas acima do que seriam as orelhas), ponteados abaixo do aplique em fileiras e
incisão geometrizante em forma de X ao meio de um pequeno botão em relevo na fronte
do aplique, o que sugestiona estar na posição de onde seria a boca. Engobo vermelho na
parte interna e pintura preta na externa, demonstrando que a fronte do aplique estaria
voltada ao lado externo do artefato. Possível função de armazenamento de alimentos (a
partir das classificações demonstradas na metodologia).
76

Figura 33: Vasilha decorada e fragmento de borda com aplique de morcego.

Fonte: Material do MPEG, reconstituição autoral, 2014.


O que trona esta peça muito interessante é que existe uma relação entre os signos
de decoração indígena de grupos atuais com a decoração deste artefato. Os indígenas
Wauja do Alto Xingu possuem um motivo decorativo em forma de X chamado Aluwa
Tapa que significa “pintura de morcego” (BARCELOS NETO, 2005, p. 92), grafismo
esse visto por xamãs em visões nos corpos ou “roupas” de seres chamados apapaatai,
que seriam entidades, espíritos, monstros, heróis culturais entre outras possibilidades
qualitativas; neste caso, causadores de doenças nas pessoas que estavam sendo
assistidas pelos xamãs.
Entre os Dessana do rio Negro, Dolmattoff (1975, p. 179); analisou que os
morcegos vampiros espirituais oyó uahti são invocados pelo pajé para carregar o sangue
de enfermos com problemas normalmente de diarreia ou hemorragia. Outra coisa
interessante é que a fruta Jatobá, muito rica no Greig II, possui faculdades medicinais,
contra diarreia, tosse e outras mazelas. A principal forma de dispersão das sementes de
Jatobá é através dos morcegos, quando estes dispersam as sementes no chão quando
estão se alimentando entre as árvores. Existiria alguma ligação entre a representação
iconográfica dos morcegos na cerâmica Konduri e a sua condição de seres míticos?
77

Seriam eles invocados pelos xamãs para ajudarem no cultivo das sementes ou na cura de
problemas de saúde no Greig II? É notável nas três análises que foram realizadas com
iconografia de morcegos, que as core preta e vermelha possuem forte relação com a
coloração comum do animal e da relação deste com a cor do sangue. Sabe-se que a
maioria dos morcegos se alimenta de frutas ou insetos, porém parece ser comum a
ligação morcego-sangue feitas entre os grupos indígenas.
Um rito de iniciação xamânica entre os Ikpeng, relata que os neófitos devem
mergulhar à meia-noite de lua cheia, em um córrego. Precisam afundar até segurarem-se
em um tronco submerso. De lá devem voltar seu olhar para a superfície, vendo o
exterior através do fluído disforme que é a água, e desta forma aprenderam a ver os
sons, igualmente ao morcego-cego. Esta é uma habilidade imprescindível ao xamã, pois
as visões são sons, os sons estão nos olhos. O instrutor à margem do rio queima uma
resina presente no Jatobá e a despeja na água. Isto faz com que o aroma do jatobá atraia
e paralise diversas espécies aquáticas, que flutuam ao redor do iniciado em estado de
semitorpor. Essas espécies enchem os ouvidos do iniciado com suas vozes
ininteligíveis. A resina se mistura a outros elementos dos corpos dos peixes, dos seres
espirituais e no corpo do noviço, desta forma seu corpo é construído como um
receptáculo dos sons.
Para os Tikmu-un-maxakali, o morcego-espírito é um dos grandes transmissores
dos cantos da sua gente, sendo que oferecem bananas em troca de cantos e da faculdade
de ver como o morcego, ver os sons. Por isso, entre este grupo, os iniciados como
xamãs devem passar resina com mel nos olhos, para ficarem “cegos” como os morcegos
(TUGNY, 2011, p. 96, 97 e 98). Isso demonstra o conhecimento que estes povos
indígenas possuem do processo de eco-localização que os morcegos utilizam ao
realizarem os ruídos em pleno voo no escuro.
O artefato abaixo, uma pequena vasilha inteira, foi encontrada ao lado dos
fragmentos da vasilha anteriormente trabalhada. Possui engobo vermelho e algumas
manchas de queima; possui o tamanho aproximado de um punho e tem duas figuras
modeladas nas extremidades opostas das bordas, figuras idênticas muito estilizadas,
com apenas três orifícios. Foi classificado como tendo a função de transporte de líquido
de forma individual e já que não possui tanto rigor na ornamentação, pode ter sido
produto de um (ou uma) aprendiz de ceramista ou destinado a uma criança.
78

Figura 34: Pequena vasilha individual.

Fonte: fotografia da equipe de pesquisa de campo do MPEG, 2007. A foto de laboratório é autoral, 2014.

Nas figuras 35; 36 e 37, consta um artefato interessante de 28 cm de diâmetro,


borda direta, lábio redondo, contorno simples. Decoração com dois apliques modelados
zooantropomorfos (peixe e humano) estilizados, com muitas incisões e ponteados em
fileira, além de pinturas na parte interna e externa. A pintura externa possui motivo
geometrizante com três linhas pretas horizontais paralelas contornando o vaso todo;
internamente há pintura com motivo geometrizante também, losangos intercalados e
seis linhas pretas horizontais paralelas e finas acima dos losangos.
Os motivos geometrizantes entre indígenas do Alto Xingu caracterizam a forma
geométrica do losango, que é um duplo triângulo, como o “motivo peixe” ou “motivo
do peixe pacú”. Franchetto (2003, p. 20) analisou que o peixe é um símbolo importante
por ser o alimento fundamental associado à plenitude da vida social. Os seres míticos
“gente-peixe” estão em vários mitos indígenas sul americanos, foram responsáveis por
ensinarem diversos bens culturais. Segundo Gilton dos Santos e Geraldo dos Santos
(2008, p.45):
Segundo os Enawene-Nawe, no começo dos tempos os peixes dominavam a
língua dos humanos, a arte do canto, da composição, da instrumentação e da
dança; tinham a habilidade do benzedor, hoenaytare, isto é, de soprar e
proferir textos mágicos; obedeciam a certas regras de parentesco e de
hierarquia, viviam em aldeias e praticavam rituais, tais como os humanos. A
condição social e antropocêntrica primeira dos peixes definia, de antemão, a
natureza e o grau de interação entre eles e as demais espécies e criaturas do
universo. Tais relações se apoiavam em estatutos de eqüidade entre sujeitos
com semelhantes posições sociais e compromissos jurídicos.
79

Ainda sobre os seres aquáticos nas cosmologias indígenas, Velthem destacou


que entre os Wayana existem seres sobrenaturais chamados de ipó, que seriam entidades
de tamanho descomunal, com odor ruim e praticariam canibalismo, estes seres viveriam
em águas profundas e seriam muito numerosos, possuindo forma de animais como,
piranha, sucuri, peixe tucunaré e alguns animais terrestres. Além disso, podem possuir
forma de artefatos como, peneiras, pentes e lamparinas. Outros seres sobrenaturais
também são resultado da combinação de espécies diferentes como, serpente/coruja e
peixe/papagaio, mas a presença das águas é de extrema importância na cosmologia
Wayana, o universo para eles é composto de água e a terra é apenas uma ilha no meio
deste (1990, p. 108-109).
Em relação ao artefato cerâmico que estudamos, se destaca a semelhança da
forma dos apliques aos peixes como pacú e tucunaré, devido a pintura das linhas
horizontais paralelas na parte externa dos fragmentos da vasilha e no caso do tucunaré a
protuberância acima da cabeça, estes peixes são abundantes no Rio Trombetas e
comumente possuem três listras pretas nas costas, além da própria forma alongada da
boca e a pequena crista nas costas.
Figura 35: Fragmento de borda com aplique modelado.

Fonte: Material do MPEG, fotografias em laboratório autorais, 2014.


A ideia de que os apliques seriam zooantropomorfos viria pela observação do
nariz com narinas e dos orifícios representando ouvidos. Ou seja, algumas
80

características humanas na forma predominante zoomorfa (peixe). Também é


interessante observar que tais narinas, se vistas de perfil lateral é possível entende-las
como a protuberância comum em cabeça de tucunarés.
Outra coisa observada é os dois furos abaixo dos apliques, na mesma direção das
cabeças zooantropomorfas; não foi possível reconhecer alguma função para tal, porém é
recorrente em diversos outros artefatos do sítio, pois em bordas de pratos com apliques,
esses furos também aparecem. Aliás, esta é uma característica recorrente na cerâmica
Konduri.
Figura 36: Listras na parte externa e interna.

Fonte: autoral, 2014.


É importante ressaltar que não estamos dizendo que estes mitos ou signos de
outros grupos possuam o mesmo significado para o não mais existente povo Konduri,
possível produtor desta cerâmica, e sim que utilizavam de signos e ícones semelhantes,
porém não necessariamente com o mesmo significado, porém sim a mesma
significância ritual e cosmológica.
81

Figura 37: Motivos geometrizantes de peixe.

Fonte: Autoral, 2017.

A figura 38 apresenta uma espécie de taça pequena totalmente oxidada,


encontrada na escavação cinco, com 16 cm de diâmetro, pasta alaranjada, borda
inclinada internamente, lábio expandido, corpo com forma de meia esfera e de base
anelar, tudo indica que era um recipiente para líquidos e para ser servido
individualmente. A decoração apresenta apenas algumas incisões e ponteados no lábio
da borda, caracterizando um focinho com narina e boca, nas laterais existem duas
pequenas patas com três dedos de um lado e no outro somente duas, feitas com
ponteados.
Observando a posição e forma, parece ser uma tartaruga, a forma arredondada
do cálice seria o seu casco. Segundo Frederico Barata (1953, p.192) os quelônios são
favoritos em lendas indígenas e uma de suas principais fontes de proteína; existem
motivos decorativos recorrentes na cerâmica dos povos da Amazônia, principalmente a
Tapajônica.
82

Figura 38: Cálice de quelônio.

Fonte: autoral, 2014.

A figura 39 contém uma vasilha de pequenas dimensões, tendo 20 cm de


diâmetro de boca, borda vertical, lábio apontado, corpo composto e base (hipotética)
plana simples. A decoração apresenta apenas um inciso contínuo em volta da borda, ao
lado externo do artefato, extensa mancha de queima. Possível função de armazenar
líquido servido individualmente.
Figura 39: Vasilha pequena.

Fonte: autoral, 2014.

A figura 40 apresenta um vaso com 10 cm de diâmetro de boca, corpo simples


esférico, que afunila um pouco próximo à boca, e com base levemente côncava circular.
83

A decoração é apenas uma incisão contínua contornando o lábio na parte interna. A


função possível seria a de armazenamento e transporte de líquido.
Figura 40: Pote.

Fonte: autoral, 2014.


Nos relatos de viajantes como Maurício Heriarte, podemos perceber que certas
cerimônias religiosas eram realizadas em períodos sazonais, com oferta de frutas e
milho a divindades ou seres míticos. Além de falar sobre o consumo de bebidas
fermentadas em festas realizadas “atrás” das aldeias, um local limpo segundo o viajante,
e que transportavam as bebidas e comidas em grandes vasilhas. Claro que devemos
descartar aqui a linguajem etnocêntrica e cristã do europeu ao apontar os indígenas
como beberrões ou adoradores do diabo. “Estando maduras as sementeiras, dá cada um
a décima, e tudo junto o metem na casa em que tem os ídolos, dizendo que aquilo é
Potaba de Aura, que na língua deles, é o diabo” (HERIARTE, 1874, p. 36).
A figura 41 é apenas para apresentar vários fragmentos com decoração
antropomorfa interessantes, que podem indicar alguns possíveis marcadores culturais
decorativos. Os vários fragmentos apresentam faces humanoides, com olhos, bocas e
nariz. A maioria dos olhos apresenta o padrão de “rosquinha”, e alguns com pequenas
variações. Porém, a característica mais marcante estaria nas bocas, pois todas estão
inclinadas para baixo (figuras 39 e 40), uma possível expressão de tristeza ou algo
semelhante. Característica esta, também presente nas faces antropomorfas Konduri
identificadas nos trabalhos de Peter Hilbert (1955), Denise Gomes (2002) e André Prous
(1992).
Além da “boca triste”, também é possível ver que há recorrência das “caretas
duplas” ou até “triplas” em faces antropomorfas, zoomorfas e zooantropomorfas, ou as
84

de aparência não identificável. Normalmente a segunda “careta” surge no nariz, testa ou


por cima da cabeça. Sendo assim, o pespectivismo ameríndio de Viveiro de Castro cai
como uma “luva” neste aspecto decorativo, onde o xamã muda de perspectiva, ou “troca
de roupa” de acordo com a necessidade mágico-religiosa. Os fragmentos que compõem
a imagem A são duas “caretas” antropomorfas mais nítidas, sendo que o desenho
técnico ao lado foi feito depois que um dos fragmentos teve uma parte mais
fragmentada ainda, possivelmente ao ser transportado do campo para o museu. A
imagem B possui 16 cm de diâmetro de borda e 12 cm internamente, decoração com
duas faces, uma em cada lado, composto de incisões e ponteados, olhos de “rosquinha”,
um “nariz” como outra “careta” e uma boca. Apresenta fragmentos que sugerem uma
continuidade em direção para cima, formando a borda.
Figura 41: Fragmentos com iconografia antropomorfa, “caretas”.

Fontes: Material do MPEG, reconstituição autoral.


85

Figura 42: Outros fragmentos antropomorfos.

Fonte: Material MPEG e desenho autoral, 2014.

Em outro grupo de fragmentos de cerâmica ornamentada nota-se mais uma vez


os elementos de transformação zooantropomorfa e zoomorfa, modelados com formas
não identificáveis como animais conhecido (figura 43), podendo ser criaturas
cosmológicas específicas, mas é possível identificar a repetição dos padrões decorativos
como, as linhas paralelas na parte interior das peças, o uso do modelo de olhos em
forma de rosquinha e da presença de uma criatura ou entidade brotando do nariz de
outra maior. Além do típico padrão inciso-ponteado.
86

Figura43: Fragmentos de bordas e modelados zoomorfos e zooantropomorfo bifaciais.

Fonte: Material fotografado no MPEG e desenhos autorais, 2014.

Foram encontrados ao lado da grande vasilha com a rã, dois apliques modelados
estilizados de pasta marrom-amarelada, com decoração zoomorfa não identificada, onde
há a cabeça de um ser e outro menor sobre a cabeça do maior. Inferiu-se que são “alças
pegadeiras” decoradas, como Peter Hilbert (1955, p. 63) classificou outras semelhantes
provenientes de Oriximiná e Faro. As do sítio Greig II são bem estilizadas e são ôcas,
não é possível saber com certeza se são as alças da vasilha com decoração de rã.
Outro artefato similar, porém menor e mais erodido, foi encontrado na escavação
seis, o que parece ser um tema repetido dentro da iconografia Konduri.
87

Figura 44: Alças-pegadeiras.

Fonte: Material fotografado no MPEG e desenho autoral, 2014.

Segue abaixo a imagem (figura 45) de dois artefatos fragmentados, o primeiro é


um pedaço de pequeno prato raso completamente oxidado, proveniente da escavação
cinco, outros fragmentos pequenos de pratos como este foram encontrados neste sítio,
mas não estudados de forma mais detalhada. O outro artefato é uma pequena vasilha da
escavação cinco também, com decoração inciso-ponteada nas bordas e em dois botões.
Existem outros fragmentos como este, mas é de difícil identificação, por isso não foi
estudado a fundo, não sendo possível sua reconstituição e identificar sua função, mas
que conste aqui a sua existência e recorrência no sítio.
88

Figura 45: Fragmento de prato e vasilha não identificada.

Fonte: Material do MPEG, fotografia acervo pessoal, 2014.

Outros dois pratos finalizam esta pesquisa, um se trata de um fragmento de prato


com borda decorada com triângulos feitos com incisões. Infelizmente só foi possivel
observa-lo por foto de campo, pois não se encontrava disponível no laboratório no
tempo de pesquisa.
O segundo fragmento de prato é interessante devido as marcas de ranhuras de
fixação ou aderência para um bulbo, ou seja, um possível prato trípode, coisa que foi
observada por Peter Hilbert (1955) em material de Oriximiná. O que mostra mais uma
vez o nível de sofisticação tecnológica dos (as) ceramistas Konduri.
Figura 46: Pratos.

Fonte: A equipe de campo do MPEG; B autoral, 2014.

Na reserva técnica e laboratório de arqueologia do Museu Paraense Emílio


Goeldi, ainda há muitos fragmentos de vasilhas, bulbos e apliques, mas esta pesquisa se
89

limitou aos artefatos mais bem conservados e os possíveis de realizar reconstituições e


análises iconográficas, a maior parte deste material estava presente na escavação cinco,
que foi a maior escavação realizada. No material estudado foi possível identificar um
determinado número de pratos, potes e vasilhas, o que é necessário para
compreendermos que realmente havia banquetes completos no local, já que é possível
inferir que os potes transportavam e serviam líquidos, os pratos eram úteis para servir e
consumir alimentos, sendo que os pratos trípodes eram utilizados para aquecer tais
alimentos, e as vasilhas para transporte e armazenamento tanto para líquidos como para
alimentos sólidos. O gráfico abaixo deixa a quantificação e classificação dos objetos
mais clara:
Gráfico 01: Quantidade e classificação dos artefatos do Greig II.
18
16
14
12
Vasilhas
10
Pratos
8
Potes e Taças
6
Apliques
4
2
0
Cerâmica

Gráfico 02: Classe de apliques dos artefatos do Greig II.

Apliques
18
16
14
12
10
8 Apliques
6
4
2
0
zoomorfo antropomorfo zooantropomorfo zoomorfo não
identificaveis identificado
90

Gráfico 03: Motivos geometrizantes decorativos.

Motivos geometrizantes
9
8
7
6
5
4
3 Motivos geometrizantes

2
1
0
Zig e Zag Losangos Linhas Outras
paralelas
horizontais

Com os dados acima é possível identificar que há maior recorrência de apliques


de pratos, apliques zoomorfos e motivos decorativos geometrizantes de linhas em zig e
zag, além da coloração vermelha ser predominante. Podemos dizer que estas são as
iconografias que marcam a arte Konduri no sítio Greig II. Mas dentro dos motivos
zoomorfos também foi possível identificar que a maior recorrência animal é de espécies
aquáticas, mais uma vez reforçando a hilogenia que abordamos anteriormente. Também
é possível associar o motivo decorativo geometrizante em zig e zag com o movimento
das cobras, animais comuns na região Amazônia e que povoam as diversas cosmologias
indígenas da América do Sul e até a Central, sendo encaradas como seres aquáticos
também. Serpentes com padrão ondulado ou em zig e zag são identificáveis na cerâmica
tapajônica, sendo possível visualizar tal fato na figura 10.
Em um sítio arqueológico chamado Cipoal do Araticum, que faz parte do
conjunto de sítios encontrados pela equipe do Museu Goeldi, existe um aplique
zoomorfo muito interessante que pode auxiliar nesta hipótese. Trata-se de um possível
fragmento de alça Konduri que possui a forma modelada de uma rã e algo que parece
uma cobra de frente para a rã, com o corpo em forma de zig e zag. Sendo assim, a
maioria dos pratos possui um signo de serpente nas bordas, possivelmente a entidade
mais evocada nos banquetes rituais.
91

Figura 47: Aplique Konduri no sítio Cipoal do Araticum.

Fonte: Laydeane Silva, 2011.

Com isto, podemos analisar a incidência de plantas medicinais e alucinógenas,


com a grande quantidade de cerâmica de decoração elaborada, além de o local se
localizar em terreno alto, demonstram a natureza especial do local de práticas
xamânicas, já que a iconografia da cerâmica faz referência à fauna, podendo ter ligação
da imagem destes animais com os seres míticos dos grupos produtores dessa cerâmica,
talvez seres ligados à fertilidade (no caso dos peixes, tartarugas e rãs ou sapos) e curas
xamânicas (morcegos), que simbolizem a fertilidade e faculdades medicinais das plantas
úteis do local.
O óleo de copaíba (presente no sítio), por exemplo, possui propriedades
medicinais anti-inflamatórias, e sua extração mais tradicional se da pelo corte do tronco;
isto nos remete ao fato de que foram encontradas duas lâminas de machado (lítico)
gastas no sítio. O que sugestiona o uso destes para manejo do local, talvez para extração
da copaíba e seu uso em práticas de cura xamânica.
Como foi dito anteriormente, os viajantes do período colonial na Amazônia
observaram que os indígenas se deslocavam, em períodos sazonais, para áreas fora das
aldeias transportando alimentos e bebidas em grandes vasilhas, alimentos estes
derivados das colheitas de milho, mandioca e outras espécies para fins especiais,
principalmente religiosos ou políticos. Além da existência de casas cerimoniais onde
eram guardadas roupas, instrumentos e estatuetas de cerâmica, as chamadas “casas de
ídolos”.
Desta forma, o Greig II por ser um sítio que não possui características de
habitação, e os artefatos cerâmicos muito ornamentados terem sido encontrados em
92

superfície (maioria), apresenta todos os requisitos de espaço sagrado com objetos


xamânicos consagrados.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho foi possível reconstituir um cenário cultural especifico dos


Konduri ou Condurizes no Greig II, um local cheio de evidências de banquetes rituais.
Para uma análise mais profunda o material cerâmico de outras escavações e de
superfície foram analisados, quando estes apresentavam algum tipo de relação com o
material da escavação cinco, que foi a maior e a principal escavação, com um bom
volume de material preservado e que possibilitasse a reconstituição iconográfica.
Relações com mitos e paralelos etnográficos foram utilizadas no intuito de
vislumbrar possíveis sentidos para as decorações dos artefatos arqueológicos em relação
com a paisagem, principalmente os signos icônicos, que apresentam características
reconhecíveis de animais ou humanos. Desta forma, a semiótica aplicada à análise
iconográfica de material cerâmico arqueológico se mostrou muito promissora ao
levantamento de hipóteses de significados e significâncias simbólicas na arte religiosa
indígena.
Concordamos com a hipótese de que o sítio Greig II é de natureza cerimonial,
pois somando a ocorrência de carvão, sementes carbonizadas, plantas medicinais e até
alucinógenas, além de cerâmica de complexidade decorativa, com iconografia marcada
por características da fauna local e grande incidência de pratos decorados, pode-se
concluir que o local era cerimonial, e possivelmente estas cerimônias e ou rituais se
caracterizavam, pelo menos em maioria, por banquetes de fins xamânicos, tendo como
base entidades cosmológicas aquáticas predominantemente, e uma categoria de entidade
mítica ameríndia pouco estudada, os morcegos.
Com isso, acreditamos ter contribuído para o desenvolvimento em pesquisas
sobre religiões na Amazônia, principalmente diante de uma pobreza na literatura
cientifica brasileira sobre essa temática na área de Ciências da Religião. O entendimento
das práticas religiosas indígenas é de extrema importância para a compreensão de outras
religiões existentes na Amazônia, pois no processo de cristianização de índios e negros
no período colonial, houve todo o tipo de resistência cultural, sendo todas as religiões
que adentram em território amazônico, afetadas pelos imaginários, cosmologias e
93

saberes tradicionais indígenas. Além de que ficou constatado que as práticas religiosas
indígenas interferiram em muito a paisagem da própria floresta tropical. Para estes
povos nenhum rio é só rio, nenhuma pedra é só pedra, e nenhuma panela de barro é só
uma panela.

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