Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Lílian Panachuk
Fazeres e saberes:
as cerâmicas arqueológicas e os mitos sobre a olaria
Belo Horizonte
Março de 2017
2
LÍLIAN PANACHUK
Fazeres e saberes:
as cerâmicas arqueológicas e os mitos sobre a olaria
Banca examinadora:
Sumário
Apresentação ........................................................................................................................... 6
Figura 37: Marcas de desbastador de cuia, no pote experimental 6, Lilian Panachuk ................ 62
Figura 38: Morfologia dos potes e termos tupii .......................................................................... 68
Figura 39: Porções do pote em Tupi ........................................................................................... 69
Figura 40: Nomeação das mãos e suas partes em Tupi (Fonte: Montoya) .................................. 69
Apresentação
O texto aqui apresentado será submetido à banca para a primeira etapa do Exame de Qualificação
realizada no prazo mínimo de 24 meses após o ingresso no Curso, conforme artigo 60 do
Regulamento do PPGAn/UFMG. Essa etapa, de acordo com o mesmo artigo em seu parágrafo
terceiro, “consistirá numa avaliação, a cargo do orientador e mais dois professores do Curso, sobre
o projeto de tese e plano de pesquisa do discente”. Além das duas professoras do Departamento
de Antropologia e Arqueologia, Érica Souza e Mariana Cabral; convidamos o professor do
Departamento de Ciência do Esporte, Rodolfo Benda, e também a ceramista Laila Kierulff para
a composição da banca.
André Prous, orientador dessa pesquisa, me sugeriu apresentar o texto iniciando com a minha
trajetória acadêmica e o interesse no tema, acrescido de um balanço do que realizei durante o
período da pesquisa no doutorado. Propôs também a exposição dos avanços da pesquisa,
retomando o plano de trabalho, anteriormente avaliado para a seleção de doutorado com a
produção de alguns capítulos.
Segui a sugestão feita, mas certamente é um texto ainda em desalinho em vários pontos,
certamente me perdi em alguns labirintos intelectuais, e voltei a temas passados. Mas o momento
atual é mesmo de expansão, de leituras que levam a novas perguntas derivadas, que abrem novas
portas e janelas. Não seria possível sintetizar, então lanço ideias dispersas que se conectam,
mesmo que ainda por um fio invisível.
O texto foi dividido em duas partes, na primeira discutirei minha trajetória, o plano de trabalho e
mudança implementadas; na segunda parte apresentarei o esboço de alguns capítulos, apontando
com mais aprofundamento a pesquisa desse doutorado.
7
Interessa aqui percorrer os caminhos que me levaram a pensar nesse projeto de pesquisa, ao
mesmo tempo apresentar um balanço das minhas tarefas até o presente momento, bem como o
panorama do estudo, suas mudanças e proposições gerais.
Ao revisitar esses lugares do passado percebo a verdade do que disse Leminski, o barro tem me
levado a ver o mundo, diferentes mundos, em visadas macroscópicas e infinitesimais. Tenho
também me modelado por ele.
8
Crescemos, meu irmão Igor e eu, inseridos na produção e comercialização de peças artesanais.
Durante o decênio de 1980 estávamos sempre percorrendo os corredores movimentados da feira
na Praça da Liberdade sem supervisão de adultos. Os dedinhos fluíam pelos suportes e texturas
de diferentes formas de artes, os olhos se deslumbravam com cores e brilhos, os ouvidos captavam
fragmentos de músicas regionais, o nariz era inundado por temperos inimagináveis.
Contemplávamos detalhes de uma vida em intenso movimento. As comidas eram um ingrediente
à parte e provávamos temperos “outros”, nessa combinação mestiça das feiras abertas. Éramos
pequenos e percorríamos toda “Feira Hippie” aos domingos desde o amanhecer até o meio da
tarde; muitos sabiam quem éramos: “filhos de jovens feirantes”. Era uma aventura, tínhamos
amigos em toda a feira de artesanato, degustávamos o belo, aprendíamos sobre diferentes artes,
fazíamos pequenos favores (levávamos recados, comprávamos comidas, trocávamos dinheiro),
escutávamos diferentes sotaques e expressões, puro estímulo aos nossos corpos infantis. Víamos
de tudo, falávamos com todo mundo, descobríamos o mundo, experimentávamos objetos, nos
encantávamos, choramingávamos algo novo e corríamos soltos na multidão.
Cresci não somente vendo todo o processo produtivo, mas também sendo convocada a opinar
sobre as peças, os experimentos, os novos modelos. Isso fez florescer uma consciência reflexiva
sobre a arte, em amplo termo. Ainda pequena me tornei boa em vendas, sabia explicar aos clientes
sobre os processos técnicos que diferenciavam nossos produtos e assim treinava a retórica para
criar uma narrativa coerente e convincente, mesmo que ingênua.
Em 1987 estava então com 9 anos e já não bastaria uma sala de pintura, foi preciso uma nova
casa, era todo um Atelier. A arte cresceu em casa; meu pai dedicou-se a produção cerâmica
integralmente e foram trabalhar juntos, pai e mãe com dois pequenos ajudantes. Passamos a ter
dois modelos diferentes de “corpos artesanais” como exemplo de postura, gesto e maneirismo.
Oficialmente nossa família passava a se sustentar com o artesanato cerâmico. Nos finais de
semana e feriados, meu irmão e eu assumíamos tarefas (nem sempre desejadas) no atelier e íamos
ainda à feira com nossos pais.
Em 1989 minha mãe me incentivou a pintar e vender pequenas peças em gesso, eu estava com 11
anos. Ganhei dela um conjunto de materiais para começar a pintar e comercializar minhas próprias
peças, achei uma boa ideia e por um longo tempo tive boas vendas. Os materiais incluíam pincéis,
tintas, estopa e avental; ganhei também cerca de 20 peças em gesso para começar. Além disso,
obtive acesso sem supervisão a produtos tóxicos (como thinner e betume) e fui instruída na forma
de uso. As responsabilidades da vida adulta me animavam muito, e eu agia com muita seriedade
como jovem artesã. As peças já prontas em gesso eram, inicialmente, de duas Coleções de Frades
Franciscanos, bem populares na época; depois diversifiquei um pouco minha produção mantendo-
me no artesanato tradicional. Desde o início minha mãe me explicou que eu deveria me organizar
9
e ter controle de minha produção: cuidar e repor o estoque, manter meus instrumentos de trabalho,
repor os materiais antes de acabarem; da mesma forma deveria zelar pela minha sala de pintura
(de fato uma mesa). Tudo isso era minha responsabilidade. Minha mãe me ensinou sobre as peças
de gesso. Eu verificava o acabamento e consertava as imperfeições, pintava com as cores
apropriadas, na sequencia operatória especificada por minha ela: primeiro as cores escuras, depois
as claras, por fim os retoques dourados. Depois de prontas, levava para a feira e vendia minha
mercadoria na barraca de meus pais. Certamente o apelo infantil atraia mais clientes do que a
qualidade de meus traços.
http://personalita-atelier.blogspot.com.br/2007/12/coleo-de-frades-franciscanos.html
Figura 1: Exemplo da Coleção de Frades Franciscanos
Minha mãe foi minha primeira professora de artes plásticas em uma tarefa mais complexa.
Lembro vividamente de suas instruções demonstrativas: seu jeito de corpo, dos seus muitos “olha
como eu faço... agora faz você... deixa eu ver o resultado”, “tem que corrigir ali, você está
vendo?”. Minha mãe sempre foi uma professora exigente e uma pessoa com grande capacidade
de trabalho. Com a voz firme ela me apontava os defeitos de minha pintura e me explicava como
arrumar, demandava sempre minha atenção voluntária. Como artífice me ensinava a buscar a
perfeição através da técnica bem aplicada. Sua honestidade e energia me ajudaram a prosseguir.
Ela revelava segredos da arte: a perfeição não era possível, contudo era o que deveríamos buscar
em cada peça: o impossível. Certamente essa perspectiva prepara o espírito para as perdas e
fracasso, inevitáveis na arte (e na vida).
Essa é minha história com a arte, uma história familiar de aproximação com o artesanato, com o
trabalho manual, um contexto de “fazer coisas”, o despertar pelo “outro”. Talvez isso tenha me
atraído para a arqueologia e o estudo da relação entre coisas e pessoas, que se modelam
reciprocamente, como disseram Rosemary Joyce (2000) e Hodder (2012).
Conto essa história antiga pois ela se conecta diretamente com minha vida acadêmica nesse
processo do doutorado cujo objetivo é pensar os gestos de produção dessa habilidade motora, a
olaria e suas marcas, experimentar a olaria sem perder de vista os objetos arqueológicos. No bem
da verdade, tenho pensado na experimentação arqueológica e a vivenciado já faz algum tempo;
antes de qualquer interesse acadêmico me consumir. Certamente, meus pais me ensinaram pensar
com as mãos e a admirar cada arte que encontrei pelo caminho.
Conexão acadêmica
Na graduação de Ciências Sociais, já nos anos 2000, comecei a trabalhar com análise de material
cerâmico tupiguarani como estagiária do Setor de Arqueologia do Museu de História Natural e
Jardim Botânico da Universidade Federal de Minas Gerais (MHNJB/UFMG). Ao mesmo tempo,
10
me matriculei em aulas de cerâmica como aluna de João Cristelli na Escola de Belas Artes
(EBA/UFMG). Infelizmente a preocupação com o fazer foi maior que a preocupação com o
registro documental. Assim, esse aprendizado ficou no corpo e não nas letras e imagens.
Felizmente, André Prous e minha colega Débora Duarte se lembram dos potes que consegui
levantar com a técnica do acordelado, com quase 80cm de altura. Nunca mais parei de
experimentar, de forma pontual, as questões que percebia nas análises das cerâmicas
arqueológicas, de contextos diversos.
Em 2004, na Universidade de São Paulo (USP) fui aluna de Norma Grinberg, da Escola de
Comunicação e Arte (ECA) e visitei seu atelier algumas vezes, na Vila Madalena. Fiz uma
imersão nos processos contemporâneos, em especial louças e argilas especiais.
Entre os anos de 2007 e 2014 reencontrei os experimentos de forma mais sistemática, em Juruti
extremo oeste do estado do Pará, com mestras ceramistas do lugar, tendo como professor
convidado Levy Cardoso, de Belém (Panachuk, 2017 –texto anexado nessa qualificação).
Tenho como marco inaugural do meu interesse pela problemática acadêmica dos gestos
produtivos uma conversa com André Prous no Museu Histórico de Conceição dos Ouros, Minas
Gerais. Era no ano de 2002, contemplávamos a decoração intrincada de uma tigela tupiguarani,
absorvidos por suas curvas. O orientador orientava o olhar. André chamou atenção para algumas
irregularidades e distorções nos grafismos, e também para o ritmo e a constância dos pontos. Eu
estava fascinada. Nesse momento ecoaram vozes de antigas instruções familiares, despertando
definitivamente meu interesse para os gestos inscritos no artefato e os processos de ensino e
aprendizagem.
A decoração interna da tigela de Conceição dos Ouros foi reproduzida por decalque (colocamos
um plástico na área pintada para copiar sem distorcer as figuras, com anotações de distâncias) o
que nos forçou a adotar diferentes posturas e nos obrigou a observar contemplativamente cada
traço de tinta. Foi a primeira vez que percebi os gestos do passado de forma tão clara e desde
então persisti nesse caminho (Panachuk, 2004, 2006, 2007, 2013, 2014, 2017; Panachuk e
Carvalho, 2003, 2005, Jácome, Carvalho e Panachuk, 2010).
Perceber esses gestos nas vasilhas pretéritas me lembrava minha família. Conhecíamos os traços
e trejeitos de cada um que trabalhava no atelier. Havia observado aqueles corpos centenas de
vezes, desde de tenra idade, de diferentes alturas e posições. Muitas vezes tentei imitar posturas
e maneirismos para melhorar meu desempenho nas tarefas que me eram designadas; mas também
para debochar de algum deles às escondidas tendo como cumplice meu irmão mais jovem. Ainda
posso escutar a demanda por atenção voluntária às minhas peças de outrora “não faça assim, olha
como o seu está ficando”, “olhe o trabalho, veja seu braço”.
11
Acervo: Museu Histórico de Conceição dos Ouros/MG. Desenho digital: Marcos Brito. Decalque da peça: Lílian
Panachuk e Camila Jácome. Ano: 2002
Figura 2: Pintura em tigela tupiguarani, que inspirou a observação dos gestos
Voltei a Belo Horizonte depois de ser aceita no processo de seleção para o doutorado como
orientanda de André Prous, vinda de Belém, onde morei por 7 anos (entre 2008 e 2014). É de se
frisar que, desde quando retornei para Belo Horizonte moro justamente na casa que abriga o atelier
dos meus pais, ainda em funcionamento. Esse ambiente no qual um dia aprendi processos e
técnicas, é novamente o cenário para experimentação, desta vez sistemática e com outros
propósitos. Escrevo esse texto na minha antiga sala de pintura, e certamente isso me traz
lembranças diversas.
Mas voltemos a Belém. Morar em Belém por alguns anos me fez mergulhar ainda mais nesse
mundo da olaria. Durante minha estadia no Norte trabalhei com arqueologia preventiva na
Scientia Consultoria Científica, coordenando diferentes projetos em diferentes locais. Tanto
pesquisei os sítios arqueológico quanto divulgava-os junto às comunidades (Panachuk, 2011). Foi
um momento de grande expansão de domínios, de novos entendimentos e uma abertura em
relação ao estudo cerâmico. A diversidade de objetos e matérias-primas me forçava a refletir, a
buscar explicações sobre o material, então inédito para mim e também bastante assombroso e
artístico. Durante esse período em território amazônida pude trabalhar com dezenas de grandes
cientistas do barro. Ceramistas que me fizeram pensar o barro de outro lugar, obedecendo outra
temporalidade - o “tempo da argila”, assumindo um outro ponto de vista - que inclui o corpo, e
especialmente o pensar com as mãos. Isso só foi possível pelos ensinamentos de grandes
12
ceramistas, em especial Dona Hortência e Levy Cardoso, e tantas outras pessoas que me
ensinaram o barro (Panachuk, 2017 no pelo). Em Belo Horizonte, já durante o doutorado, tornei-
me aluna da ceramista Laila Kierulff, dando continuidade ao estudo da cerâmica com as mãos.
Foi então que comecei a vislumbrar a proximidade nesse fazer ser ceramista, que conecta
diferentes locais e estilos, tempos e espaços.
Trabalhar com tantos ceramistas me remetia novamente à minha própria família, aos meus
processos de ensino e aprendizagem. Isso fazia ecoar questões trazidas de aprendizados reiterados
no (então) Setor de Arqueologia do MHNJB-UFMG durante minha graduação em Ciências
Sociais. Retornando à Belo Horizonte para o doutorado, em 2015, entrei em contato com Rodolfo
Benda (que conheci primeiro como referência bibliográfica, ainda em Belém), pois me interessava
pensar a técnica da olaria com as chaves da Ciência do Esporte, refletindo sobre o que agora
entendo como aquisição, desenvolvimento e controle da habilidade motora. Então já não era o
mesmo problema da graduação, que se limitava a ver diferenças qualitativas nos gestos alheios,
embora pudesse escutar alguns ecos do passado.
O fato de meus pais serem artesãos me permitiu, desde a primeira infância, acompanhar os traços
dos grafismos alheios; esse conhecimento implícito (Sennett, 2009) fruto da observação direta
(Carroll & Bandura, 1990) foi relevante para perceber os gestos de um passado mais distante: os
retoques, as sobreposições, as linhas que não se fecham, o tremor, a rapidez, a precisão e a
imprecisão, o ritmo e a força. Eu podia ver os gestos através de sua materialização. Fui modelada
com essa forma artesanal de entender e construir coisas e textos, em “ver com as mãos”, em
gesticular e tocar o “outro” durante a fala. Desde a infância, aprendi que o tato é mesmo o instrutor
de todos os sentidos e o único que pode revelar de forma radical o limite entre os corpos (Le
Breton, 2016).
O foco do meu trabalho de doutorado é traçar uma metodologia adequada para análise dos
artefatos cerâmicos tendo como ponto de partida a materialização dos gestos produtivos. Como
objeto de análise iremos estudar artefatos advindos de diferentes sítios arqueológicos; vasilhas
arqueológicas depositadas em coleções; peças produzidas por ceramistas. Interessa também
focalizar as histórias indígenas sobre a olaria, muito expressivas na América, conforme indicou
Lévi-Strauss (1985); e os termos linguísticos nativos associados aos processos produtivos, pois
certamente eram utilizados durante o aprendizado técnico. Com tal atrelamento pretende-se
reconhecer que “não há de um lado o abstrato e de outro o concreto” (Almeida, 2013:164); há um
emaranhado de relações (Ingold, 2012, Hodder, 2012), há intencionalidades complexas (Gell,
2001, 2010) e são justamente elas que queremos elucidar, lançando alguma luz na “vida oculta
dos objetos” (Santos-Granero, 2009) do passado e do presente. Intenta-se deslocar o ponto de
vista para o corpo, sendo auxiliada pela Ciência do Esporte e a pela Arte Cerâmica, para além das
disciplinas das Ciências Humanas.
Por tudo isso, além de pensar o corpo que modela o corpo reciprocamente, interessa conhecer
esse corpo habilidoso na aquisição, desenvolvimento e controle do desempenho motor. Pensar
13
Nessa ciranda fui acolhida pela equipe do Grupo de Estudos de Desenvolvimento e Aprendizagem
Motora (GEDAM) da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO)
da UFMG, especialmente através da direção do professor Rodolfo Benda, desde 2015. Em 2016
conheci a ceramista Laila Kierulff, que tem me ensinado (junto com suas alunas) a arte do barro
(e da vida).
As disciplinas foram previstas para o primeiro ano, mas foram realizadas nos primeiros três
semestres, totalizando 8 cursos de diferentes áreas do conhecimento: antropologia, arqueologia e
ciência do esporte. Todas elas aproveitei para realizar leituras e escrever sobre meus interesses de
pesquisa. Esses trabalhos disciplinares serão retomados nesse exame de qualificação.
14
O estudo das histórias indígenas sobre a origem da olaria foi adiado em relação ao cronograma
indicado no plano de trabalho; foi retomado durante a disciplina da professora Érica Souza,
quando me dediquei à leitura das obras de Lévi-Strauss, que chamamos no Brasil de “Mitológicas
maiores e menores”. O processo de ensino e aprendizagem nas oficinas e atelier vem sendo
realizado, especialmente com a ceramista Laila Kierulff, minha professora. Além disto realizamos
intensas experimentações com o objetivo de fazer a réplica de algumas vasilhas cerâmicas do sítio
arqueológico Florestal 2.
O levantamento de dados linguísticos foi adiantado em relação a previsão inicial e foi realizado
nos três dicionários de Guarani formulados por Montoya. Recentemente tomamos conhecimento
de novas revisões linguísticas feitas por Bartolomeu Meliá nos dicionários, e por isso pretendemos
retomar este trabalho.
A primeira etapa do Exame de Qualificação da tese está ocorrendo no prazo mínimo, de 24 meses,
conforme planejamento inicial.
No primeiro semestre de 2015 cursei três disciplinas ofertadas pelo Programa de Pós-Graduação
em Antropologia e Arqueologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
(PPGAn/FAFICH), sendo uma obrigatória e duas optativas. A disciplina obrigatória “Seminário
de Estudos Avançados em Antropologia Social e Arqueologia” e a optativa “Tópicos Especiais
em Antropologia: Etnografia e Comparação”, ambas ministradas conjuntamente pelos professores
Eduardo Vargas e Ruben Caixeta, foram importantes para avaliar a reciprocidade entre
arqueologia e antropologia no cenário contemporâneo. A disciplina optativa “Teoria
Arqueológica” ministrada pelo professor Luís Symanski, permitiu leituras aprofundadas sobre
algumas escolas teóricas que serão relevantes para o trabalho aqui apresentado, em especial sobre
arqueologia comportamental.
período que ministrei, no âmbito do Estágio Docente, a disciplina “Análise cerâmica: teoria e
prática”, que será detalhada na próxima secção.
Em todas as disciplinas cursadas no âmbito da UFMG, sumarizadas a seguir, fui aprovada com
conceito A.
DISCIPLINA PROFESSOR / INSTITUIÇÃO SEMESTRE
PROFESSORA
Seminário de estudos avançados em Eduardo Vargas, Ruben Caixeta FAFICH-UFMG 1/2015
antropologia social e arqueologia
Etnografia e comparação Eduardo Vargas, Ruben Caixeta FAFICH-UFMG 1/2015
Teoria arqueológica Luís Symanski FAFICH-UFMG 1/2015
Seminário de estudos avançados em Andrés Zarankin, Pablo Alonso, FAFICH-UFMG 2/2015
arqueologia José Pellini, Alfredo Ruibal
Aprendizagem motora Rodolfo Novellino Benda EEFFTO-UFMG 2/2015
Antropologia de gênero Érica Renata Souza FAFICH-UFMG 1/2016
Desenvolvimento motor Rodolfo Novellino Benda EEFFTO-UFMG 1/2016
Estágio docente Lílian Panachuk e André Prous MHNJB-UFMG 1/2016
Tabela 2: Disciplinas cursadas até o presente momento
O estágio docente foi realizado através da disciplina “Análise cerâmica: teoria e prática”,
integralmente ministrada por mim, com o apoio e orientação do professor André Prous, conforme
plano específico.
Para ministrar essa disciplina foi necessário organizar o Mostruário Cerâmico do (atual) Centro
Especializado em Arqueologia Pré-Histórica (CEAPH) do MHNJB/UFMG. Este conjunto de
artefatos cerâmicos, provenientes de contextos diversos (peças arqueológicas escavadas ou
doadas; peças experimentais), foi utilizado para permitir aos estudantes conhecer a prática
laboratorial do trabalho em arqueologia e despertar seu interesse para o conhecimento
experimental. Ao mesmo tempo, os objetos permitiram discussões teóricas mais pungentes ao
colocar em paralelo questões abstratas e questões concretas, ambos domínios relevantes para os
estudos arqueológicos.
Além disso, foi importante preparar o conteúdo de cada aula, tanto em seu domínio teórico,
incluindo a bibliografia utilizada, quanto os experimentos práticos, para a reflexão sobre o
cotidiano de análise cerâmica, em especial nos estudos arqueológicos. Ao todo foram ministradas
15 aulas, sempre às segundas-feiras, no turno vespertino (14:00 às 17:40), realizadas no
MHNJB/UFMG. O uso desse espaço permitiu aos estudantes conhecer e se familiarizar com o
local, importante centro de pesquisa em arqueologia.
16
Como metodologia de ensino optamos por associar as discussões teóricas às análises práticas do
material arqueológico, concretizando assim a teoria. Somamos a isso apresentações de fontes
diversificadas (textos, experimentos, objetos, xilogravuras, imagens de época, vídeos) para cada
tema abordado, em uma metodologia construtivista.
17
O interesse dessa disciplina foi apresentar aos estudantes a cadeia operatória na qual se insere o
artefato cerâmico, e as conexões que este domínio artefatual aciona em outras cadeias operatórias.
Estes processos incluem a produção (coleta das matérias-primas, preparação de instrumentos e
implementos a serem utilizados, e toda execução do objeto), seu uso (envolvendo usos primários
e secundários, a reciclagem e os reparos), seu descarte (abandono do objeto por algum motivo).
Ainda são afetados pelos processos pós-deposicionais pelos quais passou o sítio arqueológico. O
objetivo deste curso de análise cerâmica foi refletir sobre estes processos e identificar suas marcas
específicas. Para sua realização foi imprescindível lançar mão de objetos cerâmicos, experimentos
e todo o aparato analítico acionado pela arqueologia para a análise artefatual.
A experiência com esse estágio docente foi marcante e contribuiu para minha formação de
maneira global. Refletir e implementar os diferentes assuntos e práticas para a classe - com 19
estudantes regularmente matriculados e 2 ouvintes com participação contínua - tornou claro
alguns dos desafios da educação: compor material didático que apresente ao estudante múltiplas
facetas sobre o tema, equalizar os interesses da disciplina e dos estudantes, equalizar as diferenças
de conhecimento entre os estudantes apresentando o tema de forma que todos possam entender.
Ao mesmo tempo, é preciso sensibilidade para perceber em cada estudante seu potencial
driblando as idiossincrasias individuais, somar os interesses da classe, despertando o melhor de
cada um.
O contato semanal com os estudantes permitiu que eu mesma refletisse sobre a cerâmica
arqueológica de um ponto de vista diferente: como ensinar sobre ela para jovens da graduação?
Como despertar o interesse pelo tema? Como agregar jovens a essa pesquisa? O caminho
escolhido, entre a teoria e a prática, foi fundamental para aguçar a curiosidade, despertar interesse,
construir um conhecimento sedimentado no corpo, experimentado na prática e construído em
conjunto. A prática fez com que cada um se colocasse no lugar do artesão ou artesã que produziu
o objeto cerâmico. Experimentando as etapas operatórias puderam avaliar por si os desafios e
limites que cada tarefa implica. Os experimentos obrigaram, de minha parte, abertura para o
inesperado; já que muitas alterações poderiam ocorrer e precisavam ser explicadas. Eu nem
sempre sabia todas as respostas, mas tentava ajudar a pensar.
Como pessoa e cientista social (formada por essa instituição) é impossível não se dispor a refletir
também sobre as relações e sensibilidades envolvidas na docência. É preciso conectar pessoas a
um tema de interesse, mas elas são diversas em seu modo de ser, em suas experiências, em sua
forma de estar no mundo. É preciso entender essas diferenças individuais e construir caminhos
ou pontes para uma relação afetiva e encorajadora, para que cada estudante possa expressar, de
sua forma, o conhecimento construído. Compartilhar os questionamentos, anseios e descobertas
dos estudantes, acompanhar a construção do conhecimento em cada um foi produtivo para avaliar
a eficácia de cada estratégia adotada.
Ler cada uma das fichas de experimentos redigidas por cada estudante e cada trabalho realizado
foi uma boa forma de entender como prosseguir, servindo para direcionar e redirecionar a forma
de abordar cada tema.
As instruções e reflexões junto com meu orientador, André Prous, foram úteis para calibrar meu
próprio modo de falar (muito rápido), e os temas a serem tratados em cada aula, apontando os
pontos fundamentais de cada item. Por muitas vezes, ele me ajudou a entender a forma de
apresentar alguns conceitos e temas, compartilhando experiências.
Depois de encerrada a disciplina, alguns estudantes percorreram alguns dos caminhos apontados:
adotando a metodologia experimental nas pesquisas de final de curso (Marina Costa, Talita
Oliveira), refletindo sobre os aspectos metodológicos da pesquisa que realizam (Nathália
Rodrigues, Leonardo Pimenta), aplicando as discussões debatidas em sala em pesquisas em
andamento (Lara Passos, Talita Oliveira). Um dos resultados coletivos dessa disciplina foi a nossa
participação da Exposição Fotográfica durante a 6ª Reunião Regional da Sociedade de
Arqueologia Brasileira (SAB) - Regional Sudeste, realizada na FAFICH, em outubro de 2016,
apresentando as atividades praticadas nessa disciplina.
online do artigo pode ser consultada no sítio do Museu de História Natural1, com o título
Habilidade na variabilidade gráfica: comportamento motor das oleiras Borda Incisa
(Parintins/AM), nos Arquivos do Museu de História Natural (v. XXIII, nº1, p. 135-177, 2014).
Essa publicação mostra a aplicação da metodologia que esboçamos, e que será melhor definida
nesse doutorado.
Em parceria com a estudante de mestrado Ana Fuduric e o professor Luís Antônio Souza,
associados ao Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais (CECOR) da EBA/UFMG,
participei no segundo semestre de 2015, da seleção de tipos diferentes de vasilhas tupiguarani, do
sítio arqueológico Florestal 2 para análise de material orgânico. Os resultados parciais indicaram
funções específicas e outras compartilhadas entre os tipos de pote. Foram encontradas cadeias de
resina, gorduras saturadas e insaturadas, compostos de álcoois, alcalinos e esteroides, entre outros.
1
Acesso à publicação pelo elo https://www.ufmg.br/mhnjb/revista-arquivos/volume-23-n-1/
21
pelo corpo na produção técnica, e portanto se associa diretamente a essa pesquisa de doutorado,
por isso foi anexado a esse Exame de Qualificação.
Juntamente com três colegas, Adriano Carvalho, Ângelo Pessoa e Talita Barbara Oliveira;
ministrei o curso de curta duração intitulado Cerâmica arqueológica: análise desde o campo até
o laboratório, entre os dias 13 e 15 de setembro de 2016 na V Semana de Antropologia e
Arqueologia: diálogos interdisciplinares. O objetivo era atingir estudantes de graduação em
arqueologia e áreas afins, para despertar o interesse pela cerâmica arqueológica e suas facetas.
Entre os dias 24 e 28 de outubro de 2016 ministrei um curso de curta duração, Análise de cerâmica
Arqueológica, no Laboratório de Arqueologia, na Universidade Federal do Maranhão (UFAM),
junto à equipe liderada pelo Professor Alexandre Navarro. Foi um excelente momento para
conhecer outro grupo de pesquisa e poder compartilhar e dialogar sobre os estudos cerâmicos.
Em 2016 participei da publicação organizada por Cristiana Barreto, Helena Pinto Lima, Carla
Jaimes Betancourt, Cerâmicas Arqueológicas da Amazônia. Rumo a uma nova síntese, com o
artigo Cerâmicas Pocó e Konduri no Baixo Amazonas (Panachuk, 2016).
Em janeiro de 2017 saiu a reimpressão dos três volumes da obra Os Ceramistas Tupiguarani,
editada por André Prous e Tania Andrade Lima. Participei com quatro artigos, e foi uma felicidade
ver meus artigos reimpressos (desnecessário dizer que pela primeira vez!). No mesmo dia foi o
lançamento do DVD Catálogo das Pinturas em Cerâmica Tupiguarani, obra inédita, de autoria
de André Prous, Mara Chanoca, Lílian Panachuk, Camila Jácome e Rachel Rocha (2017). Para
esta obra trabalhamos com quase 500 vasilhas inteiras e 3.000 fragmentos.
Por fim, gostaria de destacar minha participação na formação e orientação na pesquisa da
estudante de graduação Talita Barbara Oliveira, com quem compartilho agora a análise do sítio
Florestal 2, retomado por ela em uma bolsa concedida pelo Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica (PIBIC/CNPq) em vigência durante o período de agosto de 2015 a agosto de
2016. Entre março de 2017 e março de 2018 auxiliarei meu orientador na condução de outra bolsa
de pesquisa fomentada pelo PIBIC/CNPq à estudante de graduação Flávia Costa. Essas
experiências com apoio de André Prous são fundamentais para me conduzir no caminho da
orientação dos mais jovens, refletindo sobre didática. Tem sido muito proveitoso e animador esse
compartilhar.
Iniciei no MHNJB/UFMG um grupo de estudo sobre cerâmica no segundo semestre de 2016 com
uma turma muito interessante (incluindo professores, estudantes de graduação e pós-graduação),
realizamos reuniões muito promissoras, mas nos desorganizamos. Seria uma boa meta retomar
esses encontros.
22
O interesse geral é o mesmo, forjar uma metodologia que permita inserir o corpo como eixo da
análise cerâmica, com chaves conceituais da Ciência do Esporte e da Ciência do Barro, para além
das Ciências Humanas. Nessa forma de incluir o corpo reside a originalidade dessa futura tese,
além de deslocar meu ponto de vista submetido à temporalidade do barro, com as experimentações
cerâmicas constantes. Esse é o alicerce dessa discussão: focalizar o corpo humano e o corpo
cerâmico em sua modelagem recíproca. Mostrar que através do estudo arqueológico podemos
perceber e deflagrar a pessoa no artefato, descrever graus de habilidade e assim argumentar
solidamente sobre processos de ensino e aprendizado no passado, pensar na aquisição,
desenvolvimento e controle da habilidade motora.
Da Amazônia trouxe a ideia de estudar dois sítios amazônicos das tradições Barrancóide e Borda
Incisa Ponteada, por mim analisados entre os anos de 2008 e 2013.
Contudo, em Belo Horizonte, estava sendo analisado para publicação sítio de cuja escavação eu
tinha participado, e acabei me envolvendo novamente com o Catálogo de Pinturas em Cerâmica
Tupiguarani (Prous, Chanoca, Panachuk, Jácome e Rocha, 2017). O trabalho de Talita Barbara
sobre o sítio Florestal 2, me trazia lembranças de minha própria graduação; rever o sítio trazia
novos interesses. As análises químicas de resíduos orgânicos colhidos no interior de quase 10
fragmentos de vasilhas cerâmicas deste sítio, resultavam em dado interessantes sobre o uso
(pesquisa de mestrado de Ana Fuduric orientada pelo professor Luís Antônio Souza,
EBA/UFMG). De alguma forma os Tupiguarani pareciam se impor novamente como objeto de
pesquisa para mim. Esta impressão foi reforçada na Amazônia, para cada sítio arqueológico
característico de lá, pesquisei uma dezena se sítios tupiguarani.
O novo direcionamento do material arqueológico aumentou o volume de dados a ser tratado, que
comporta a cerâmica de 21 sítios arqueológicos no total, com 84.847 vestígios cerâmicos,
conforme sumarizado abaixo. Todo esse universo já foi analisado, proporcionando um amplo
conjunto que permite comparações inter-regionais.
Estado Nome do sítio (Município) Quantidade de
material analisado
Pará Barcarena 7, 8 e 9 (Barcarena); Alpa 9, 10, 11, 12, 13, 14, 25 20.751
(Marabá)
Maranhão Itapera, São Brás, Da Mata e Maracujá (São José de Ribamar) 23.132
Minas Florestal 1 e 2 (Ituêta), Caretinhas (Andrelândia), Creche e Lico 29.174
Gerais (Conceição dos Ouros)
Espírito Rio Preto Oeste (São Mateus) 10.870
Santo
Paraná Ibiporã (Ibiporã) 920
Tabela 4: Sítios estudados nesse projeto de doutorado
Outras vantagens podem ser apontadas em relação a escolha do material tupi: uso do material
constante no acervo da UFMG, participação efetiva nas pesquisas realizadas atualmente, ampla
bibliografia sobre diversos aspectos tanto de tupi-guarani (grupo cultural) quanto de tupiguarani
(cultura material) e o interesse revigorado pelo tema nos últimos anos.
Nesse estudo meu interesse passa a refletir o desenvolvimento motor a partir dos fragmentos e de
diferentes recipientes da tralha cerâmica Tupiguarani, doméstica ou/e ritual. Esse grande conjunto
material denominado Tupiguarani está datado entre 2.500 e 500 BP em diferentes locais das terras
baixas da América do Sul.
Por essa conexão indicada, interessa aproximar essa pesquisa dos estudos tupiguarani, recorrendo
aos dados de viajantes e religiosos (focalizando em especial dicionários do tronco Tupi) e dados
etno-históricos (especialmente sobre a história da origem da olaria entre os Tupi).
Os estudos sobre as populações Tupi são antigos. Von Martius (1838) foi o primeiro a pontuar
um local de origem entre o Paraguai e o sul da Bolívia, possível porta de entrada para o leste da
América do Sul a partir dos Andes. A expansão deveria ser recente, pouco antes da chegada dos
europeus; haja visto a degeneração cultural derivando várias línguas de uma língua original, na
explicação do autor. O termo Tupi-guarani foi cunhado mais tarde, em 1886 por Karl von den
Steinen, que indicou a cabeceira do rio Xingu como ponto central da irradiação Tupi. Ehrenreich
(1891) argumentou através da linguística e etnografia de forma mais explícita, sugeriu como
24
possível origem dos Tupi o Paraguai e vizinhanças, onde na época estava aglomerada a maior
população falante destas línguas.
O decênio de 1920 foi marcado pelos trabalhos antropológicos de Alfred Métraux, e linguísticos
de Paul Rivet. Métraux comparou geograficamente elementos materiais e tecnológicos, propôs
que o centro de origem seria em uma região vizinha da Amazônia – algum lugar da bacia do
Tapajós ou do Xingu (área limitada ao norte pelo Amazonas, sul pelo Paraguai, leste pelo
Tocantins e oeste pelo Madeira). Rivet, através da comparação de várias línguas, propôs o centro
de origem entre os rios Paraguai e Paraná, na altura do Paraguai.
Influenciado por Rivet, Aryon Rodrigues (1964) propôs através do método léxico estatístico
(comparação lexical entre famílias de um mesmo tronco) e considerando a maior concentração de
famílias do tronco linguístico Tupi em uma mesma área no rio Madeira, que o centro de origem
seria em uma região do Guaporé. Essa é uma das explicações mais robustas ainda hoje, baseada
em modelos teóricos linguísticos, embora a preservação da diversidade em Rondônia possa
decorrer apenas do isolamento da região e dos indígenas até o século XX.
Um primeiro modelo arqueológico para explicar a origem e expansão Tupiguarani foi proposto
por Lathrap e Brochado (1970), e apresentado como um modelo histórico regional por Brochado
em seu doutoramento (1984). Para eles, a cerâmica sul-americana teria surgido dentro da
Amazônia, centro de origem do tronco Tupi na confluência do Rio Madeira com o Amazonas.
Por pressão dos Arawak os Tupi teriam subido o Madeira em direção a Serra dos Parecis onde
ocorreram fissões que culminaram na individualização das famílias linguísticas do tronco Tupi.
O modelo foi testado pelo arqueólogo Eduardo Góes Neves, mas a Amazônia central não forneceu
datas antigas para esse grupo de ceramistas. Estudos recentes na região do Guaporé, publicizados
pelo arqueólogo Daniel Cruz (2008) apontaram datações antigas (4.500 anos), associadas a
possível material Tupi. Identificação esta que, se confirmada, comportaria o modelo linguístico.
Depois disso, foram feitas novas pesquisas na região de Rondônia, sem datações antigas para
esses ceramistas, uma revisão da situação atual foi apresentada por Corrêa (2009), Almeida e
Neves (2016).
Área com sítios arqueológicos Tupiguarani. Almeida e Área com registros históricos e proto-históricos do
Neves, 2016 tronco Tupi (grupo linguístico). Fonte: Daniel Cruz,
2008 adaptado de Nimuendaju, 1981
Há uma coincidência espacial entre as áreas geográficas identificadas nos estudos linguísticos e
etnográficos como ocupados por grupos falantes de Tupi-guarani (como se nomeia uma das dez
famílias linguísticas do tronco Tupi) e as regiões onde se encontram vestígios cerâmicos
Tupiguarani. Como meu interesse é entender a arqueologia como história indígena de longa
duração, através da cerâmica, interessa saber a cultura material tupi-guarani e os falantes
tupiguarani pertencem ao mesmo universo histórico. O desenvolvimento e o desempenho motor
entram aqui nessa ciranda, através da ciência do esporte e da ciência do barro.
Os sítios arqueológicos selecionados para nossa pesquisa forneceram quase 85 mil fragmentos
cerâmicos, que permitem observar a diversidade do desempenho motor. Além desse material, será
possível consultar o catálogo das pinturas lançado esse ano (Prous e colaboradoras, 2017) que
comporta quase 500 potes inteiros e quase 1.500 fragmentos decorados.
Por exemplo, na peça abaixo podemos supor o envolvimento de duas pessoas na produção da
decoração pintada; pois o mesmo campo decorativo apresenta diferentes soluções gestuais para
aplicação do grafismo. Os vértices encaixados foram realizados com feixes cruzados e também
“ziguezagues em oposição de fase (que) produzem o mesmo tipo de desenho a partir de gestos
diferentes” (Prous e colaboradoras, 2017:142TG). A diferença de gesto resulta, respectivamente,
em estratégias diferentes, a primeira usa como limite o traço paralelo à boca do pote e a carena
externa, a segunda opõe os vértices, criando uma divisão mental do campo decorativo. A primeira
estratégia resultou em menor simetria, a segunda dependeu de conhecimento espacial sobre o
corpo do pote. Essas minúcias permitem refletir sobre detalhes técnicos, e talvez implique em
uma peça usada para ensinar a pintura no vaso.
Acervo do Museu do Homem do Sambaqui "Pe. João Alfredo Rohr, SJ"/Colégio Catarinense. Florianópolis, Santa
Catarina. Itapiranga/SC. Fonte: Prous e colaboradoras, 2017:142TG. Fotos: Jefferson Garcia. Croquis: Lílian Panachuk
Figura 7: Uma peça, dois movimentos decorativos
26
Observaremos agora duas peças do Catálogo de Pinturas Tupiguarani, uma do Piauí e outra de
Santa Catarina. Ambas apresentam a forma de tigela e mesmo tema decorativo na face interna.
No entanto, apresentam diferenças no tratamento do tema e no desenvolver do traço. Caso estas
duas vasilhas sejam representativas do que ocorre em suas respectivas regiões, isto constituiria
um novo meio de diferenciação entre as respectivas populações.
Acervo do Laboratório de Arqueologia Pré-histórica da UNIVASF. Acervo do Museu do Homem do Sambaqui "Pe. João Alfredo Rohr,
Fonte: Prous e colaboradoras, 2017:443TG. SJ"/Colégio Catarinense. Florianópolis, Santa Catarina.
Itapiranga/SC. Fonte: Prous e colaboradoras, 2017:147TG.
Nos textos de Kluckhohn e Wyman (1940) e Kluckhohn e Kelly (1945) podemos vislumbrar a
grande mudança de paradigma conceitual entre a cultura como norma e a cultura como
comportamento. Para esses autores a arqueologia buscava o entendimento do comportamento
humano através de processos intelectuais explícitos que envolviam testes empíricos. Os autores
achavam discutível a cristalização da tradição como dogma, a tipologia foi vista como redução
do comportamento humano, muito embora essas premissas continuassem ainda sendo aceitas (e
ainda o sejam). Para esses autores a cultura era um conceito abstrato, como construção mental,
ideacional. Eles apontavam o artefato como produto cultural, como Taylor ([1948] 1983), que se
aproximava pela definição de inferência e de indução pelo método do postulado, e também por
certa atenção à testabilidade. Neste sentido a cultura material é reflexo direto de normas, mas não
reflete o concreto das relações, mas tipos ideais.
Taylor (1983) esteve entre os primeiros a questionar explicitamente o termo cultura para a
arqueologia, como conceito holístico e partitivo, fenômeno mental que implicava em traços
compartilhados e idiossincráticos. O artefato, o comportamento e a cultura eram para ele
fenômenos mentais. No entanto, os dois primeiros podem ser observados, sendo o comportamento
não material e o instrumento, resultado do comportamento material e não material. A cultura, ao
ser encarnada pelo corpo do produtor tem como resultado observável objetos materiais e não
materiais dos quais podem-se inferir comportamentos, culturalmente ensinados. Neste sentido
27
cultura é pura inferência através de categorias de segunda e terceira ordem. A cultura material
para Taylor é o reflexo do comportamento, sua materialização: a objetivação do subjetivo.
Binford (1965) também falou sobre comportamento, mas como mecanismo adaptativo, que
implicava na interação com o meio ambiente através dos sistemas econômico, social e ideológico.
Para ele a cultura material não era reflexo direto do comportamento, mas era mediado pelo sistema
adaptativo, representava a estrutura do sistema cultural total (Binford, 1962). Criticou a visão
ideacional de Taylor, especialmente a visão subjetivista de cultura como sendo transmitida por
gerações. Esta concepção ideacional não se ligava com a regularidade no comportamento, que
seria objetivo e materialista quando observado pela interação com o meio ambiente, sendo apenas
adaptação comportamental. Cultura para Binford está como um fenômeno multivariado, pessoas
participam da cultura de forma variada. Como a cultura está integrada de forma sistêmica envolve
diferentes elementos integrados, contendo heterogeneidade, variabilidade e variação.
Ao debater a especificidade dos humanos, Schiffer (1999) apresentou sua premissa ontológica: as
pessoas estão imersas em meio material. Assim ele conceituou o comportamento como interação
pessoa-artefato-ambiente. LaMotta & Schiffer (2001) apresentaram como princípio do programa
da arqueologia comportamental que a variação formal e a distribuição dos artefatos são produtos
do comportamento humano, e não de cultura, estágio mental ou imperativos adaptativos.
O comportamento corporal será o foco da nossa investigação, através dos correlatos materiais
existentes na cerâmica (arrastes, sobreposições, entre outros) iremos pensar os gestos e suas
diferenças, a fim de auxiliar a arqueologia no entendimento do comportamento motor do passado.
Se para essa qualificação interessa focalizar na decoração, para a tese o interesse é criar estratégias
para pensar a produção completa do artefato.
28
Nessa segunda parte interessa apresentar a pesquisa propriamente, os caminhos que tenho tomado
e as intenções ainda por fazer. O intento é pensar o barro por dentro dele, e com ele produzir
corpos novos e diferentes.
29
Meu empenho nesse capítulo é entender a olaria como atividade feminina conforme amplamente
indicado nos dados antropológicos, etnográficos e etno-históricos sobre a população nativa das
terras baixas da América do Sul.
Atualmente, estudos etnográficos mostram que a olaria continua como uma atividade familiar
feminina, na quase totalidade dos casos. Tania Andrade Lima (1987) em seu estudo sobre a
cerâmica ameríndia apontou poucas exceções nesse domínio. Os homens são produtores
exclusivos de cerâmica entre os Yanomâmi e os Yekuana, e também entre os Urubu Kaapor.
Compartilham com as mulheres a técnica, fazendo peças específicas e pequenas entre os Juruna
(modelagens em forma de canoa), e também entre os Tapirapé e Guarani Mbya (cachimbos).
Mudanças históricas também podem ser rastreadas. Entre os Wauja a olaria era uma técnica
feminina exclusiva, no âmbito da produção regional (Coelho, 1981); passou a contar com
expressiva participação masculina para atender uma demanda de produção quase industrial
(Barcelos Neto, 2008).
Os mitos sobre a origem da olaria sistematizados por Lévi-Strauss (1985) informam sobre as
técnicas e seus procedimentos específicos, apresentam demiurgos femininos associados
diretamente à produção cerâmica (Lévi-Strauss, 1985). Certamente esses mitos eram utilizados
para instruir jovens ceramistas durante o processo de ensino e aprendizagem. Já que para aprender
30
uma habilidade motora especializada, como a olaria, é preciso coordenar as mãos e suas
desigualdades, o que se faz com treinos e experimentos; mas também com instruções e
capacitações, implícitas e explícitas (Senett, 2009). Neste sentido incluiremos as narrativas
ameríndias para demonstrar a participação das mulheres nos mitos de origem; sistematizando as
informações sobre os processos produtivos e matérias-primas, além das precauções ordinárias e
extraordinárias. Nos mitos ameríndios a argila e a arte da olaria são invenções femininas.
Segundo Overing (1995) o mito envolve o tempo e os processos sociais devem ser entendidos de
acordo com sua própria historicidade. Assim, interessa aqui entender o mito como teoria e prática
social, e o evento mítico como significação social, moral e histórica.
Desde o título da obra La Potière jalouse as mulheres estão relacionadas diretamente à olaria.
Lévi-Strauss (1985) reitera a relação entre a olaria e a mulher: os demiurgos relacionados à
atividade oleira têm gênero marcado, feminino em geral.
Os Jivaro contam em um de seus mitos que o Sol e a Lua, que eram humanos, viviam
antigamente na Terra e dividiam a mesma casa e a mesma mulher. Ela se chamava Aôho,
isto é, Engole-vento, e gostava do abraço quente do Sol, mas tinha medo do contato com
Lua, cujo corpo era muito frio. Sol resolveu fazer ironias sobre essa diferença. Lua,
humilhado, subiu para o céu agarrando-se a um cipó, e ao mesmo tempo soprou sobre
Sol, eclipsando-o. Quando os dois maridos desapareceram, Aôho se sentiu abandonada.
Tentou seguir Lua até o céu, levando um cesto cheio da argila que as mulheres usam para
fazer cerâmica. Lua percebeu, e para se ver livre dela de uma vez por todas cortou o cipó
que unia os dois mundos. A mulher caiu com o seu cesto, a argila se espalhou sobre a
Terra, e hoje pode ser encontrada em vários lugares. Aôho se transformou no pássaro que
tem o seu nome (o Noitibó ou Engole-Vento), e a cada lua cheia, pode-se ouvir o seu
lamento, chorando pelo marido que a abandonou.
Mais tarde, o Sol também subiu para o céu, usando um outro cipó. Mas, mesmo lá no alto,
a Lua continua a fugir dele, os dois nunca caminham juntos e não podem se reconciliar.
Por isso o Sol só pode ser visto de dia, e a Lua de noite.
31
"Se", diz o mito, "o Sol e a Lua tivessem entrado em acordo para compartilhar a mulher,
em vez de cada um querê-la só para si, entre os Jivaro os homens também poderiam ter
uma mulher em comum. Mas, como os dois astros ficaram com ciúmes um do outro e
brigaram pela mulher, os Jivaro sempre sentem ciúme e não param de se desentender por
causa das mulheres que querem ter." (Levi-Strauss, 1985:21-22)
Existem muitas variações dessa narrativa que para Lévi-Strauss reitera a mesma estrutura, por
toda América, o que sem dúvida é instigante como reflexão para um entendimento futuro dessas
“coincidências”. Dentre centenas de mitos apresentados, em todo o continente americano, o
Noitibó (gênero de ave que tem mais de 60 espécies na América do Sul, mas somente 6 na
América do Norte) aparece como demiurgo feminino associada, entre outras coisas, à olaria.
As narrativas nativas apresentadas por Lévi-Strauss (1985) sobre a origem da olaria na América
partem geralmente de um triângulo amoroso entre uma mulher e dois homens em um tempo em
que todos os diferentes corpos eram humanos e habitavam o espaço terrestre, podendo se
locomover para o espaço celeste. Do conflito sexual nasce o rompimento amoroso. Lua sobe ao
mundo celeste motivado por um embaraço causado pelo comportamento sexual, e rompe a ligação
entre os mundos. A mulher que vai atrás de Lua, cai ao chão e se torna os bancos de argila
existente: seu corpo/cesto/alma são as argilas que encontramos hoje (com variações na qualidade
das argilas, derivadas de corpos diferentes).
Por vezes o pote preexiste no próprio demiurgo, ilustrando o fato de que na cosmologia ameríndia
a cultura preexiste à natureza. Vejamos outro mito Jivaro: Mika (a Pote de cerâmica), casa com
Unushi (o Preguiça) e juntos têm um filho, Ahimbi (o Serpente). Preguiça foge ou some para
cuidar de sua mãe, Nantu, a Lua. Ahimbi corre o mundo. Depois de passado muito tempo, tem
relações sexuais com Mika, e desse incesto nascem vários filhos. Eles matam o avô Preguiça, o
decapitam e reduzem sua cabeça, à moda Jivaro. Mika mata os filhos com Ahimbi, vingando o
marido e apagando a marca do incesto. A saga continua e Lua e Sol, avós de Ahimbi retornam ao
32
mundo terrestre. Ahimbi combate Mika e assim as lutas familiares apareceram como a origem
das guerras, uns partidários de Mika, outros de Ahimbi, outros do Preguiça.
Para Lévi-Strauss (1985:82), nas narrativas indígenas sobre a olaria a transposição entre o conflito
cósmico e o político se dá de forma mais direta: de um lado a desordem entre o céu e a terra, e
sua (eventual) separação; de outro as divergências de ponto de vista.
Mika (a Pote de barro) e Unushi (o Preguiça) aparecem na versão de Stirling (apud Lévi-Strauss,
1985:78) como casal primordial. Desde o início dos tempos a divisão do trabalho é desigual,
salientam as narrativas, com maior carga de trabalho para as mulheres, porque o esposo de Mika
era preguiçoso (Lévi-Strauss, 1985:77). Com efeito, a conduta animal no bestiário mítico é
metáfora para o comportamento social. Fica claro nesse ponto a relação entre problema doméstico
que desemboca em um problema cósmico e um problema político, tudo isso mediado pela dádiva
da olaria (enquanto técnica). Mika, ao ser o próprio pote, reitera a relação preexistente da cultura:
antes da argila estar disponível ela já era o recipiente, conforme a narrativa Jivaro.
Mãe da Argila, Avó do Barro, Namatu, Aôho, Mika, Senhora das Panelas, Senhora da Louça de
Barro, Serpente Boyuna, Dona do Barro, Patrona da Argila, Mulher-Pote, Mulher-Bilha; a
nomeação remete insistentemente a uma mulher, que ensina outras mulheres sobre a olaria. Em
todos os casos, a dádiva alcançada (através do acesso à argila, do ensino sobre as técnicas de
manufatura ou decoração) obriga a relação compulsória com a Criadora, e uma adequação técnica
da produção oleira. As aprendizes devem respeitar os preceitos e as prestações dessa “oleira
ciumenta”.
Na prática da olaria, desde a coleta “o barro de olaria nunca se arranja sem grandes dificuldades”
(Lévi-Strauss, 1985:19). O trabalho para produzir cerâmica é árduo e prescinde de cuidados
múltiplos (Prado, 2016). Entre os Tanimuka, na Colômbia, é preciso agraciar a Senhora das
Panelas (Namatu) com um pote com folhas de coca, antes de retirar a argila. Entre os Tacanha,
na Bolívia, a Avó da Argila não gosta que perturbem seu sono (Lévi-Strauss, 1985:31-35). Talvez
isto indique a necessidade de descanso do próprio barro, já que a argila e o pote, durante a
manufatura, precisam descansar também.
Entre os Yurucare é preciso observar o silêncio e evitar o sexo antes da coleta da argila. Durante
a produção oleira o sexo é interdito para as ceramistas da Guiana e Colômbia, e também para os
ceramistas do Maranhão. As ceramistas Hidatsa, da América do Norte, aprenderam com a
Senhora da Argila como usar pedra da fogueira para incluir como carga2 na argila para a olaria, e
devem seguir à risca a orientação (Lévi-Strauss, 1985:37). Em todos os casos a pena pela
desobediência é a quebra das peças, a morte de doentes e epidemias na aldeia. Para as ceramistas
ameríndias os resultados indesejáveis são explicados como problemas de origem moral e não
técnicos. Os Jivaro relataram expulsão de mulheres por não saberem fazer cerâmica (Lévi-Strauss,
1985:33-34).
Entre ceramistas ameríndias, geralmente a Lua é observada para definir o dia adequado para a
coleta da argila, para a produção e a queima das peças. Na Guiana Inglesa "a argila deverá ser
2
Carga, antiplástico, tempero: elementos diversos pulverizado e inseridos na argila para fortalecer sua
estrutura (como carvão, cinza de árvore, concha, pedra, areia, etc).
33
apanhada na primeira noite de lua cheia. Em caso contrário não só a louça se torna muito
quebradiça, como também produz doença e morte naqueles que se servirem de alimentos nela
preparados" (Cruls, 2000:156). A secagem das peças pode ser feita ao Sol, para algumas
comunidades; outras o evitam durante toda a produção como os Waiwai na Amazônia brasileira
(Yde, 1965). De toda forma, esses procedimentos trazem à baila personagens apontados nas
narrativas míticas e os procedimentos considerados adequados os inclui.
A olaria neste contexto implica em gerações de mulheres que aprendem técnicas de corpo
específicas e tradicionais (Mauss, 2003). O gênero entra aqui como um sentido de comunidade
que define performance e o fazer política, a forma de experienciar o sensível e o concreto, numa
partilha estética (Ranciere, 2009). Estudos etno-arqueológicos mostram que a produtora está
mimetizada em sua obra e a reconhece (Silva, 2000, Santos-Granero, 2009). Cada peça cerâmica
conta a história de uma rede de mulheres, processos de ensino e aprendizagem, realizações
pessoais. Sendo a olaria uma técnica de corpo que objetiva produzir um corpo novo e diferente
de si, é comum que potes sejam tratados como filhos.
As narrativas sobre a olaria colocam em paralelo critérios éticos e técnicos, apontando a expressão
moral e prática para a produção de artefatos. Convém admitir como postulado que todo esse
conjunto mítico específico deveria ser relevante para pontuar a forma adequada de fazer ser
ceramista. Por isto, para pensar os processos de ensino e aprendizado, iremos considerar os mitos
como fonte de instrução da técnica e assim conectar as instruções à prática, as narrativas indígenas
à cultura material.
A olaria como atividade feminina implica, como se pode observar em tupi antigo, metáforas e
metonímias para a relação entre a mulher e o pote. Para o doutorado revi todo o conjunto de
Montoya e coletei 1.226 termos linguísticos ligados à cerâmica e habilidade manual em geral, arte
decorativa, bem como nomeação das partes do corpo. Em breve esse material coletado será
organizado e classificado.
Se observarmos os termos linguísticos coletados por Montoya, aparece também barriga do pote,
posição (acima, abaixo), exposição (barriga ao sol), barriga de panela, barriga como recipiente,
barriga que contém o ventre (gestação), barriga e seu conteúdo, tamanhos diferentes (grande e
pequeno). A possível metáfora remete a barriga do pote, a barriga gestante e a barriga e seu
conteúdo (seria o alimento?). Vejamos os termos coletados no dicionário de Montoya (1893:209).
34
Mesmo sem grandes conhecimentos linguísticos, é possível observar o termo comum, hebé, que
aproxima a barriga da panela com a barriga que contém o ventre. Ao mesmo tempo, o termo tié,
parece pôr em relação a barriga (do corpo e da panela) com seu conteúdo (alimento). No primeiro
caso, associa a cerâmica com a mulher, no segundo, a cerâmica com o alimento. A escolha do
termo aproxima três elementos, a panela, o ventre e o alimento, trata-se de uma relação
paradigmática, que escolhe relacionar esses termos através de signos linguísticos comum (hebé,
tié). Ao colocar em relação paradigmática os termos homólogos acionam necessariamente
relações sintagmáticas, ou combinatórias, deixando entrever o significado da olaria por seus
processos relacionais. E mais uma vez aponta para uma técnica feminina.
Fernandes (1989) apontou uma relação entre as classes de idade femininas e as tarefas relativas à
olaria para os grupos Tupinambá. Segundo o autor, até a idade de 7 anos (Kugnatim-miry) as
meninas somente amassavam o barro; aprendiam as técnicas relativas às atividades domésticas
entre os 7 e 15 anos (Kugnatim) quando passavam por rituais de iniciação; entre os 15 e 25 anos
(Kugnammuçu) auxiliavam com mais vigor nas atividades femininas. A partir dos 25 até os 40
anos (Kugnam) assumiam as obrigações culturais e depois dos 40 (Uainuy) dedicavam-se à
cerâmica, algumas de beleza incomum.
Lévi-Strauss (1985:177) reitera essa associação metafórica citando exemplos etnográficos, entre
os Desana, Pira-Tapuya e Tukano: a “mulher-pote”; os homens que ficam a “cozinhar” as
mulheres ao adiar um compromisso amoroso formal; a gravidez associada a forma do pote. Para
o autor, a mulher e o pote são corpos fisicamente externos e relacionáveis (como nas metáforas
indicadas) e a olaria e a mulher estão simbolicamente integradas (com a marca do ciúme e da
técnica exigente). Van Velthem (2003) e Santos-Granero (2009) apontam a relação metafórica
entre potes e filhos: nas sociedades ameríndias manufaturam-se ambos.
3
Em Tupi, açu ou oaçu é o sufixo para o superlativo, grande; enquanto o sufixo ati é para o diminutivo,
pequeno.
35
Tomando-se como base a ampla bibliografia etnohistórica e antropológica sobre a olaria como
indústria de produção feminina entre os indígenas das terras baixas da América do Sul, por
extensão o presente texto aponta, ao tratar a cerâmica, a relação de ensino aprendizagem entre
gerações de mulheres (Gilchrist, 2004), interessa entender o gênero e suas relações internas de
prestígio e de conhecimento sobre uma técnica especializada (Swelly, 1999). Com algumas
exceções, nas sociedades ameríndias, a olaria é, em geral, ensinada pela mãe ou irmã,
consanguínea ou classificatória, como ocorre entre as ceramistas Asurini (Muller, 2000).
Assim desenhada esta pesquisa se alinha às discussões sobre o local do objeto nas ontologias
ameríndias debatidas através das diversas contribuições antropológicas mais recentes sobre
estética e ética (Santos-Granero, 2009; Barcelos Neto, 2008; Lagrou, 2007; Van Vethem, 2003).
Pensar as histórias indígenas sobre a origem da olaria é em si colocar em questão o entendimento
da cerâmica nos estudos arqueológicos aqui focalizados.
Pode-se dizer que a aprendizagem não ocorre em um local neutro, pois as unidades domésticas
não são imparciais, insinuam intrincadas relações sociais (Hendon, 2007) que em sociedades
horticultoras definem o compartilhar (Hegmon, 1998).
Para Sennett (2009) a atividade produtiva do artífice está imersa em uma estrutura complexa, que
desperta um interesse em si próprio em seus mecanismos múltiplos, que são pelo menos técnicos,
estéticos, filosóficos e morais. Transformar as matérias-primas em um artefato cerâmico (ou de
qualquer outro tipo) é um ato técnico, físico, mágico, espiritual e real, como apontou Mauss
(2003) a respeito de outras técnicas corporais. Estes atos se somam e formam um emaranhado de
relações (Ingold, 2012, Hodder, 2012), já que acionam uma interconexão de cadeias operatórias,
de saberes e fazeres (Leroi-Gourhan, 1964), despertam conexões e intencionalidades (Sthratern,
2006, 2013, 2014, Gell, 2001).
36
Considerar que estilos de pensamento refletem estilos formais e que critérios morais reverberam
critérios estéticos (Sthratern, 2006: 405) implica que o barro molda o corpo em sua própria
temporalidade. Nessa pesquisa o objetivo é aproximar a arqueologia tupiguarani do mundo
concreto e o mundo simbólico, ambos entendidos como artefatos. Interessa mostrar o empenho
consciente em fazer ser ceramista (Prado, 2016), já que na arte do barro há uma relação recíproca
entre moldar e ser moldado (Branquinho, 2010, Leminski, 2008).
Se o recipiente tem uma função definida (armazenagem de líquido e grãos, cocção, fermentação
alcóolica, dentre outras), sua história de vida e as diversas intenções que aciona, as ideias que
incorpora, os significados que veicula, extrapolam a “mera função do artefato”. Em toda América
o pote metaforiza a mulher, e é também uma pessoa. A peça cerâmica “é fundamentalmente social
e complexa” (Gell, 2001:184). O recipiente cerâmico evoca a intencionalidade entre
processamento alimentar e relações sociais de comensalidade, do partilhar coletivo, do alimento
e do sensível.
A produção de um objeto físico “(...) é efetuada numa série de atos montados no indivíduo não
simplesmente por ele próprio (o agente), mas por toda sua educação, por toda sociedade da qual
faz parte, conforme o lugar que nela ocupa” (Mauss, 2003:408); assim objetos situam pessoas
com quais se interacionam, e reciprocamente pessoas situam objetos. Para Diana Taylor (apud
Schechner, 2013:40) essa performance “constitui um repertório de conhecimento encorporado,
uma aprendizagem no e através do corpo, bem como um meio de criar, preservar e transmitir o
conhecimento”.
Os gestos de produção e a coleta de matéria-prima para a cerâmica são pensados não somente em
relação aos outros vivos, mas em relação aos sobre-humanos, demiurgos que exigem
comportamentos e protocolos específicos de atuação, gestos, horários e procedimentos (Mauss,
2001, 3002). Nestes casos, como na produção cerâmica, toma-se uma série de regras para que os
vivos e os espíritos possam ver (gestos, protocolos e produtos) e avaliar a adequação da atividade.
O artefato pode ser visto como um tipo de obra de arte, mesmo não sendo essa a intenção dos seus
produtores (Gell, 2001). A fruição estética não seria um atributo do artefato para essas populações
ameríndias, seja do passado ou do presente? Se muitas sociedades não dispõem de uma palavra
equivalente à nosso o termo “arte”, conforme o definimos desde o século XIX, não significa que
a fruição do belo estará ausente.
Em uma rápida consulta ao banco de dados de termos em Tupi Antigo (revisto para meu
doutorado) foi possível observar que diferentes termos indicam o interesse pela fruição estética
do maravilhoso, admirável, charmoso e bem feito, que se aplicam à apreciação do objeto (o sufixo
mbae pode ser traduzido como coisa material). Não seria a fruição estética também atributo do
objeto?
37
Como a obra de arte, artefatos apontam ideias completas, autossuficientes. O artefato aqui,
seguindo Gell (2001), aparece como a armadilha Zande: pode ser encarado como obra de arte,
por seu apelo visual e sua beleza. Se os ameríndios não cunharam o termo arte, nomearam
diferentes atividades técnicas e seus produtos, a execução e a idealização da obra foram
denominadas.
Termo tupi Termo em português
Biapó A obra, o artefato, o produto do trabalho
Camutimonhangara O que fabrica camutins. Oleira
Mbaemonhangara Artesão
Monhangara Artífice
Apohará Autor
Quatiabara Aquele que desenha
Baèmonhangara Artífice, artesão, trabalhador
Cuatiaçara Escrivão, pintor, desenhista
Cuatiçaba Desenho, pintura, cousa escrita.
Tabela 7: Termos em Tupi sobre atividades técnicas e produtos
Neste conjunto material podemos ver, por exemplo, a persistência da técnica de decoração plástica
conhecida como corrugado, que aparece de norte a sul com especificidades estéticas.
Sítio Canãa 4, Pará Sítio Florestal 2, Minas Gerais Sítio do Rio Grande do Sul
Fonte: Cruz e Panachuk, 2014 Foto: Talita Barbara Foto: Schmitz
Nas peças tupiguarani observa-se manutenções e rupturas, e nos interessa nessa pesquisa auxiliar
na caraterização destes estilos regionais nesse grande universo espaço-temporal. Por isso também
incluímos na pesquisa uma quantidade expressiva de sítios arqueológicos e artefatos de coleções
diversas.
Nos sítios em estudo há um compartilhar da técnica, dos atributos morfológicos e decorativos,
funcionais e simbólicos. Há um empenho na realização técnica que é seguida como uma receita,
uma marca de pertencimento. Contudo, há diferenças gestuais em uma mesma peça, e esse é
caminho pode ajudar a delinear uma biografia mais acurada do objeto.
Para discutir sobre essa análise gestual e suas vantagens, seguiremos com outra peça de Conceição
dos Ouros, Minas Gerais, encontrada em uma estrutura funerária escavada por uma equipe
liderada pelo arqueólogo Marcelo Fagundes.
Essa peça, analisada durante minha pesquisa de doutorado, indica alguns caminhos assumidos no
presente estudo. A peça é composta por fragmentos remontáveis, apresenta vestígio de tinta
vermelha na face externa, muito erodida. A face interna apresenta uma demão de tinta branca,
como fundo para receber e destacar a decoração vermelha e preta. Faixa vermelha larga e linhas
pretas dividem dois campos decorativos, que receberam motivos gráficos diferentes.
Na tigela as linhas delimitadoras pretas e a faixa vermelha dão algumas pistas sobre a aplicação
da tinta. A própria tinta vermelha apresenta possíveis marcas de cerdas, em movimento oblíquo
de baixo para cima, da esquerda para a direita. O brilho e o toque suave sugerem a uma (possível)
tinta a óleo.
As linhas delimitadoras pretas foram executadas por uma sequência de traços curtos e retos que
se tocam nas extremidades (nem sempre), executados da esquerda para a direita, a julgar pelas
sobreposições (seria uma oleira destra?). Os traços não foram feitos em obediência à curvatura do
pote, mas em pequenas tangentes que dão a sensação de curva. É possível que os traços retos
sejam resultados de um pincel rígido, como uma tala?
43
O desenho do campo principal mostra um domínio total da aplicação da tinta, com traços
contínuos e tracejados, retoques, encontros perfeitos entre os traços; e também ultrapassagens,
sobreposições, traços duplos. O traço do campo principal é curvo, obedece à distância e o ritmo
com grande maestria. Seria um pincel com mais flexibilidade que uma tala?
Em geral, os traços foram feitos da esquerda para a direita, e de baixo para cima (denotaria o uso
da mão direita?), o que pode ser visto pelos acúmulos e o esmaecer da tinta.
Apreciando cada milimetro de tinta depositada é possível (mesmo pelas fotos com ampliação)
observar a constância na espessura da tinta no campo principal dessa peça. A oleira teve controle
da quantidade de tinta no instrumento e da correta aplicação da força, com pegada digital do
instrumento. Não é certamente uma habilidade desenvolvida “do dia para noite”, requereu treino.
A peça no campo principal não apresenta nenhum gotejamento de tinta e nenhum escorrimento;
os desencontros dos traços no grafismo somente podem ser notados com uma inspeção atenta.
Deveria tratar-se de uma ceramista já experiente na arte da olaria.
44
Este exemplo permitiu levantar muitas hipóteses sobre instrumentos utilizados como pincéis,
qualidade das tintas, lateralidade e até o envolvimento de mais de uma pessoa para produzir o
pote. Com os gestos notamos então a temporalidade e a sequência dos elementos gráficos
marcados na peça. Com esta análise é possível descrever a estratégia técnica e iconográfica, a
ordenação e a direção dos gestos executados para imprimir a decoração. Toda uma biografia da
produção pode ser traçada, esse é o potencial da arqueologia dos gestos.
A análise gestual permite esmiuçar as escolhas técnicas de produção, revelando-se muito potente
para conhecer sobre a história das pessoas que produziram os artefatos. Justamente porque a peça
é uma pessoa, é possível revelar uma pela outra, um corpo pelo outro.
Em um dos sítios arqueológicos estudados nessa pesquisa, é possível ver peças de mesma
morfologia e decoração com controle motor distinto. Os fragmentos pertencem ao sítio
arqueológico Barcarena 8, no Pará, atribuído à tradição tupiguarani. Estavam associados a
enterramentos diferentes e próximos um do outro (2m), em cada caso servindo como tampa de
uma vasilha carenada. Ambos pertenciam a vasilhas de morfologia semelhante (tigela), mas
tinham tamanho distinto (25 e 40cm de boca). A decoração aplicada foi a incisão formando
grafismos triangulares preenchidos por traços oblíquos internos. Contudo, há diferença em
relação ao desempenho da executante, denotando graus diferentes de habilidade e possivelmente
diferenças etárias. Nesse sentido a hipótese é que os iniciantes serão também indivíduos mais
jovens, e os mais experimentados serão mais velhos.
46
em cada um dos módulos, ritmo da decoração. Conforme apresentei anteriormente, são as regras
gerais de execução da morfologia e decoração. Neste ponto é possível traçar as escolhas culturais
para o espaço da vasilha, a própria divisão espacial e as sucessivas ações (a temporalidade) para
realizar a tarefa, remetem à espacialidade do pote e do corpo. A estrutura seria um aspecto mais
rígido da produção do artefato, com uma sequência ordenada de ações.
A geometria dos elementos gráficos pode ser observada através da forma geral da figura e sua
proporção, o fechamento da figura e o eixo, bem como o espaçamento entre os elementos gráficos.
A composição dos grafismos é o que importa neste atributo, e permitirá entender a expressão
formal dos elementos gráficos, e por extensão o motivo gráfico desejado culturalmente.
A cinemática pode ser avaliada através do tamanho de cada traço, trajetória do movimento,
número de traços, ritmo e força (estimados).
Observemos os dois potes abaixo apresentados, ambos pertencentes à Tradição Arqueológica
Tupiguarani (Prous e colaboradoras, 2017) identificados no Rio Grande do Sul em diferentes
sítios. Os potes apresentados são considerados “igaçaba” ou “cambuchí” (La Salvia e Brochado,
1989), apropriados à armazenagem de líquido, especialmente bebidas fermentadas (Almeida,
2015). Comumente apresentam decoração pintada na superfície externa, aplicada em sequência:
uma base branca, faixas vermelhas e linhas finas (preto ou vermelho). Neste caso, a morfologia e
a decoração mantém a estrutura dessa classe de recipientes.
Foto: Lílian Panachuk. Acervo: PUC/RS Foto: André Prous. Acervo: Unisinos/São
Leopoldo/RS
Figura 23: Potes com mesma morfologia e decoração, Rio Grande do Sul
Se a morfologia geral e o tema decorativo são os mesmos, pode-se notar assimetrias na forma da
peça do acervo da PUC/RS. A geometria dos elementos gráficos difere entre os objetos: distância
entre os traços encaixados, fechamento da figura e eixo, jogo de cores. E também a cinemática
dos gestos: a largura e tamanho do traço, o acúmulo de tinta, direção do traço e a quantidade de
elementos gráficos.
Toda essa multiplicidade de aspectos evidencia diferentes níveis de maturação e experiência. Para
delimitar o problema, interessa propor alguns testes experimentais para refletirmos sobre os
gestos, tendo como base os estudos de desenvolvimento motor.
48
Mesmo introduzindo suporte no qual que os participantes não são (muito) acostumados, os gestos
para o quadrado e para a grega (tanto direita quanto esquerda), têm predomínio de traços
horizontais para a direita, verticais para baixo nos dois primeiros motivos (a1, b1), e vertical para
cima para o último motivo (b2).
Placa de argila com crianças. Teste assistemático. Placa de argila. Teste assistemático.
Heitor (mais novo) e Antônio (mais velho) Sérgio e Harley, ambos praticam artes
especializadas (pintura e desenho)
4
Especialmente depois da demonstração de Patrick Ribeiro e Marcelo Duarte, em palestra do dia 20 de
março de 2016, na UFOP.
49
Para os motivos triangulares com preenchimento para a direita (c1), os traços oblíquos alternaram
a direção para cima e para baixo. No triângulo com preenchimento oblíquo esquerdo (c2), os
traços são predominantemente oblíquos para baixo.
Esse teste inicial permitiu observar gestos regulares na execução dos grafismos, em um grupo de
participantes bastante homogêneo em sua maioria no que toca escolaridade, faixa etária, acesso a
informação arqueológica, e todos participantes eram destros.
A aplicação simultânea dos participantes, em duplas, tornou o registro da informação um pouco
confuso. Com base neste experimento assistemático, foi possível verificar um padrão de traço, e
também variantes.
50
5
Disciplina “Aprendizagem motora”, EEFFTO-UFMG, no dia 28/08/2015.
6
Palestra ministrada no dia 27/11/2015, na EEFFTO-UFMG, “Avaliação da coordenação motora em
crianças”, durante o VII Seminário Mineiro de Comportamento Motor.
51
sequência e direção do traço. Como na proposta de Roberton (1978), aqui iremos dar somente
instruções mínimas, de reproduzir com fidedignidade o grafismo, sem nenhuma demonstração,
somente apresentação da imagem computadorizada. Será apresentado cada elemento gráfico, de
forma individual, e o espaço a ser utilizado também será delimitado.
Cada participante fará os desenhos primeiro em uma folha de papel com caneta, que talvez
possamos considerar como treino ou pré-teste, e posteriormente cada participante irá receber uma
placa de argila, pronta para ser usada, e um instrumento adequado (esteca para a decoração
plástica e pincel para a decoração pintada e acesso a tinta) para executar a tarefa; e deverá
reproduzir novamente os desenhos. O tempo será ilimitado, mas haverá registro do tempo total
de cada sequência. Interessa entender o encadeamento de traços e a precisão do elemento.
Neste teste inicial iremos utilizar papel e placas de argila como suporte, mesmo sabendo das
diferenças em relação ao volume do pote. O teste com desenhos no próprio pote será pensado
posteriormente. A escolha do uso de papel como suporte para o treino (pré-teste) deve-se ao fato
de ser uma forma de registro conhecida para todos os participantes, sejam indígenas ou euro-
americanos. A argila deve ser razoavelmente conhecida aos dois públicos. Existem grupos
indígenas que não possuem cerâmica como tralha cotidiana, e igualmente, existem artistas que
não usam argila, mas outros suportes para as artes. No entanto, é inegável que ambos desenvolvem
de forma diferenciada ao longo da vida a habilidade motora fina, por inúmeras questões (remete
a Teoria dos Esquemas essa sugestão).
Durante o teste será feita anotação em uma ficha específica que irá conter os dados gerais: Nome
completo, idade, sexo, data da coleta, responsável. Posteriormente a identificação do grafismo, e
tempo total de execução, registrado com auxílio de cronômetro.
Observações sobre a relação entre corpo e suporte verificando a posição preferencial, se em pé
ou sentado. Posição do corpo em relação ao suporte, se é o corpo que movimenta ou o suporte. A
manipulação é relevante no que toca o uso da mão dominante no instrumento, bem como o tipo
de pegada, e também a atividade executada pela contramão: segura o objeto completamente, apoia
52
o objeto, segura a mesa, dentre outros. Outros componentes corporais também serão relevantes,
como o movimento de punho, cotovelo, ombro e antebraço.
Em relação ao grafismo serão observados o traço e o grafismo. Em relação ao traço será observada
a direção e sequencia. Em relação ao grafismo: forma básica, fecho, bordas, orientação,
sobreposição, dimensão global.
É preciso avaliar aspectos da própria tinta: quantidade de carga no pincel poderia gerar
escorrimentos e pingos na peça. Ou da decoração plástica, como aplicação da força, profundidade
do traço, ritmo da limpeza ao instrumento.
Posteriormente a ficha de coleta será avaliada em relação à geometria dos grafismos (precisão da
forma e tamanho geral dos elementos, fechamentos das figuras, bordas, espaçamento entre elas),
a cinemática empreendida (a sequência do traço para cada figura, orientação, sobreposição, força,
harmonia e ritmo). O tempo de execução para cada conjunto será anotado. Claro que serão
cabíveis comparações etárias e de gênero, dentre outras.
Será interessante observar se os grafismos serão mesmo copiados corretamente, visto que alguns
deles variam de forma sutilmente, com abertura alternada para a direita e esquerda, para cima ou
para baixo. É possível supor que os mais jovens não perceberão algumas dessas alterações na
forma dos grafismos, e também os mais velhos, em menor quantidade.
Poderia ser interessante solicitar aos participantes que reproduzam um alinhamento grande de
elementos, com 120 grafismos, para medir o tempo em que se chega a exaustão e a possível
alteração gráfica causada no desenho.
Depois de coletada, a ficha será lacrada, e serão realizadas análises de gesto, conforme
metodologia traçada em minha pesquisa de doutorado, construída em artigos anteriores
(Panachuk, 2013, 2014). Aqui, o objetivo é realizar um teste cego, analisando as peças que terão
registro de execução do grafismo, a fim de calibrar o olhar em relação ao comportamento motor
registrado, realizado por uma diversidade amostrada; na análise arqueológica.
Para o teste de pintura será necessário disponibilizar tinta com a mesma consistência, o que exclui
os experimentos que venho realizando. Seria necessário disponibilizar uma tinta atóxica
específica, e ainda uma placa já queimada de mesmo tamanho. O pincel pode variar, e será feito
o registro do objeto escolhido, por tamanho e tipo. A disposição dos objetos na mesa deve
obedecer a uma mesma ordenação. Para o teste de decoração plástica será preciso disponibilizar
estecas com diferentes partes ativas, e será registrada a escolha do instrumento (talvez dar uma só
escolha pode reduzir as variáveis). As placas deverão estar úmidas e manter a espessura e
tamanho.
Para registro do teste seria pertinente filmar com uma câmara lateral ou oblíqua, podendo variar
com a mão de dominância. Futuramente, seria interessante pensar em testes envolvendo a
decoração de potes.
A tarefa solicitada no teste e a tarefa de decorar potes cerâmicos com decoração plástica e pintada
são distintas pois a posição do desenho será em uma superfície plana (a placa de argila), para o
primeiro; e em uma superfície tridimensional (o pote), para o segundo caso. Não é o mesmo
53
agrupamento muscular para desenhar em um ou outro suporte, mas será possível uma primeira
abordagem experimental sistemática.
Essa diversidade de sujeitos poderia nos ajudar a pensar sobre hipóteses apontadas pelos teóricos
da motricidade sobre consolidação da pegada e do movimento (Connolly & Dalgleish, 1989): os
mais jovens terão menor controle e gastarão mais tempo para executar a tarefa, a lateralidade irá
afetar a escolha da direção do traço do desenho, meninas apresentam maior desempenho que
meninos por ser uma atividade de habilidade motora fina já que são incentivadas a treinar mais
essas tarefas. Uma das questões a ser tratada seria se a sequência de traços varia por grupo, ou
ambos escolhem opções semelhantes, que poderíamos imputar às restrições da tarefa, por
exemplo. Mas, caso haja semelhanças, outras explicações devem ser buscadas. Quais as variantes
e quais as invariantes nos traços?
Depois de aplicar o teste poderemos descrever com maior critério essa tarefa especializada, com
auxílio do comportamento motor, que em muito nos ajudará a entender os movimentos ao longo
do desenvolvimento motor, por exemplo, e suas relações com a aprendizagem. Esses testes podem
ajudar a arqueologia, de forma experimental, a refletir sobre seu próprio conjunto de dados, já
que o artefato é a materialização desse desempenho motor, a objetivação do comportamento. Será
possível observar e descrever a tarefa, analisar os resultados em relação à idade e ao gênero,
observando possíveis padrões de desempenho.
Ter o registro material desse grupo experimental será de grande valia para entendermos, por
comparação os vestígios arqueológicos encontrados. Assim é possível falar da pessoa que
materializa seus gestos, e com eles informações sobre sua vida em um momento específico. Isso
permitirá à arqueologia refletir sobre a infância nas aldeias. Infância de poucas narrativas nos
estudos contemporâneos.
No material arqueológico as sobreposições de traços, ajudam a entender a sequência temporal,
com amostras materiais do resultado da prática será possível ter um banco de dados para consulta.
A análise da motricidade pode ajudar a entender pormenores técnicos da olaria, refletindo sobre
processos de ensino e aprendizagem também no passado mais remoto. Ao mesmo tempo, pelo
controle motor, talvez seja possível recuar no tempo sobre a lateralidade no uso das mãos, já que
parece haver um predomínio de uso da mão direita também no passado. Ao avaliar o uso da mão
de dominância é possível pensar o comportamento motor ao longo do tempo, avaliando que a
lateralidade de hoje também é fruto de história de longa duração.
54
Nessa pesquisa iniciei meus experimentos no segundo semestre de 2015, e desde então não parei
mais. A produção cresceu até o final do segundo semestre de 2016, especialmente com o
acompanhamento da ceramista Laila Kierulff.
Nesse ano e meio foi possível produzir pouco mais de três dezenas de peças, desde miniaturas até
peças maiores. Quero apresentar brevemente essa experiência, que ainda precisa de maturação.
Comecei a formar uma ideia do que precisaria para a produção oleira, e como uma bricoleur
comecei também a reunir objetos com essa finalidade. Nesse momento inicial a “caixa de
ferramentas” estava muito ampliada, e tudo que eu via parecia ter utilidade para a produção
cerâmica. Andando no MHNJB-UFMG coletava semente, algodão de paineira, vagens, galhos,
negociava lascas líticas experimentais. Almoçando em família guardava ossos de animais para
tratar em casa e transformar em estecas. Este interesse expandido, me fez perder o foco.
55
Figura 28: Ossos de costela de Tambaqui limpos com água e auxílio de formigas, dezembro de
2015
Utilizei uma gama de fontes de informações: plataforma de vídeos diversos e vistos de forma
assistemática, conversas com meus pais sobre a olaria, estudos em livros de arte e cerâmica,
tentativas de reproduzir peças arqueológicas em miniatura. O objetivo passou a ser entender como
funcionam cada tipo de argila, instrumentos, cada movimento de dedos e punho que ia
descobrindo e reforçando em meu próprio hábito motor. Importou nesse momento deixar cada
dedo sentir o peso dos diferentes instrumentos, de metal ou madeira. Importou entender o corpo
do pote no espaço físico, suas limitações e as minhas também; o entrelaçar desses corpos que
tentam uma equalização. Claro que a animação dos estudantes de graduação (narrado na primeira
parte dessa qualificação) foi um estímulo à parte, que me ajudou a prosperar. A melhora no
desempenho também era uma motivação.
Aos poucos conseguia executar meus planos. Progressivamente melhorava o diálogo com o barro,
e entendia as opções e caminhos que poderia tomar em cada caso. Muitas vezes não consegui
produzir o que tinha idealizado. Tomei por precaução registrar, em meu caderno de experimentos,
56
a intenção inicial e o resultado final, que muitas vezes foram divergentes. Ao final produzi 10
peças pequenas (entre 5cm e 15cm de diâmetro de boca) e o resultado de um progressivo controle
me animou.
Comecei com peças pequenas para poder relacionar o meu corpo ao corpo argiloso, entendendo
aos poucos o cálculo da força, tentava harmonizar os meus dedos e coordenar as articulações
(ombro, cotovelo, punho). Treinava a harmonia e complementação das duas mãos.
O segundo semestre de 2016 foi um marco, em grande parte, pelo duplo empreendimento em
experimentar as réplicas de peças do sítio arqueológico Florestal 2 junto com Talita Barbara, e
cursar as aulas de cerâmica no Atelier de Laila Kierulff, juntamente com outras alunas. Estar em
um curso semestral me permitiu receber instruções verbais e demonstrativas que potencializaram
minha formação. A responsabilidade em instruir corretamente a estudante Talita (qual uma oleira
mestra) me deixava ainda mais atenta aos gestos de corpo da maestria para ensinar corretamente
à jovem oleira.
Entre os meses de agosto e novembro de 2016 fiz mais 8 potes, a maioria de grande e médio porte;
Talita fez outros 6, a maioria pequenos. A produção de potes médios (até 30cm de boca e de
altura) e grandes (mais de 40cm de boca e de altura) foi um desafio. Comecei com o menor, e
gradualmente fui aumentando a relação entre a altura e a boca do recipiente, tentando reproduzir
os potes identificados no sítio Florestal 2. O maior pote (pote 5) que produzi não ficou
propriamente como deveria, mas chegou a 60cm de altura e 40x39cm de boca.
Figura 31: Parte do conjunto replicado do sítio Florestal II, ituêta-MG, 2º semestre de 2016
57
A produção dos objetos foi fundamental para pensar e refletir sobre minha própria aquisição,
desenvolvimento e controle dessa habilidade motora. Trata-se de um novo pensar sobre o corpo
e sobre a olaria. Ser submetida ao “tempo do barro” foi (e ainda é) um processo que certamente
exigirá mais tempo, e mais peças danificadas. Para cada peça correta, muitas peças abortadas, e
aqui lembrava de Tarde (2007) e Branquinho (2010): na vida e na cerâmica aprende-se a abrir
mão, negociar, e inutilizar a obra, refazer fazendo já outra coisa.
Revendo as fotos desse processo de produção, no início meu punho aparece em ações pouco
prováveis, torcido em supinação para alcançar uma parte do pote.
No primeiro pote médio que consegui produzir, e que ficou bastante próximo do artefato
identificado no sítio Florestal 2, mãos e punhos, na verdade todo o corpo estava ainda sem jeito.
Testava gestos que hoje, vendo o arquivo fotográfico, me parecem improváveis.
Punho esquerdo em supinação, obliteração dos roletes na face Forma final do Pote 3
interna, de baixo para cima. Pote 3. Foto: Talita Barbara
Figura 32: Movimento assumido com a mão esquerda, para o Pote 3
Atualmente consigo utilizar alternadamente as duas mãos, para evitar locomover o pote úmido, e
consigo utilizar os pés e joelhos para conter os potes grandes. Em pouco tempo foi possível
modificar meu jeito de corpo; moldando o outro, fui também moldada a novos gestos. Claro que
não eram gestos que eu inventava, mas via outros fazerem, seja na memória ou no cotidiano com
ceramistas mais experientes.
Figura 33: Processo de produção com todo o corpo, alternância de mãos Pote 8
58
Mas há uma diferença crucial entre ver e entender cognitivamente e realizar uma tarefa com o
corpo. Nos últimos potes produzidos todo o meu corpo estava trabalhando pela tarefa, havia
menos tensão e competição corporal, e mais cooperação das diversas partes em ação. As
articulações e os membros se coordenavam com o grande corpo argiloso formatado, mas ainda
plástico o suficiente para “desandar”.
Aos poucos fui controlando o barro, pois ele havia moldado meus gestos. Aos poucos vou
entendendo melhor a espacialidade dos corpos, sabendo como e quando me mover, quando e
como mover o pote úmido. Meus pais foram uma presença constante, dando opiniões, sugestões,
soluções e rindo da minha falta de conhecimento sobre alguns processos, sofrendo comigo pelo
desarranjo de algum pote.
No dia 18 de agosto de 2016 entrei em contato com algumas ceramistas por correspondência
eletrônica, e Laila respondeu prontamente. Alguns dias depois nos encontramos, no dia 24 de
agosto em sua casa atelier. Ela estava curiosa em desvendar o interesse de uma arqueóloga pelo
barro e ávida por conhecer as ceramistas do passado. Foi muito animador para mim. A conversa
fluiu com muita delicadeza e um início de caminhar promissor. Ela me convidou para participar
do curso semestral de cerâmica, que havia começado pouco antes. Alcançava a meta de ter uma
mestra ceramista para me ensinar o barro, não poderia estar em um caminho melhor.
59
No meu primeiro dia no Atelier fui recebida com muita simpatia, conheci muita gente: Mônica
Cunha, Edith Rocha Uchoa, Rafael Rodrigues, Ana Telles, Breno Lavalle, Matilde Haas, Lúcia
Ferolla e Litza Libelo. O Atelier estava a todo vapor, cada pessoa entretida com seus afazeres, e
também aberta ao outro, com incentivos, sorrisos, admirações. Trata-se de um lugar de afeto, de
acolhimento, de valorização do ponto de vista criativo do outro. O grupo forma um coletivo
heterogêneo em relação à cerâmica, com profissionais e amadores, mas certamente todos ali
somos grandes amantes da olaria.
A convivência no Atelier me fez perceber ecos das falas de Hortência, ceramista com quem
trabalhei em Juruti (Panachuk, 2017, no prelo): a vontade do barro, a língua do barro, suas
indicações, seu diálogo. Era importante entender a “linguagem da cerâmica” me disse Laila na
primeira aula, “a cerâmica fala o trinques”. Como Hortência e Leminski, Laila me ensinava a
respeitar a argila, estando atenta a suas instruções.
Nesse primeiro dia Laila falou da importância da repetição como processo para harmonizar o
corpo, as mãos, os olhos e a peça. Quanto mais treino, mais harmonia, “menos lugares onde os
olhinhos param”, disse ela usando o tato para ver a peça. A multisensoralidade era a obrigatória
para a aproximação com a argila e a produção do objeto, nesse contexto o tato era o instrutor (Le
Breton, 2016).
A olaria é uma atividade corporal rítmica. Para aplicar uma decoração incisa, por exemplo, é
preciso repetir um movimento similar mantendo a distância desejada entre os desenhos, a
inclinação e a aplicação do instrumento devem ser regulares. Em grande medida essa tarefa é
também repetitiva.
Estar no atelier de forma regular, em contato com ceramistas, me permite entender não somente
a postura técnica, mas certa postura de vida. A repetição da tarefa (de decorar por incisão, para
manter o exemplo) é vista pelas ceramistas como algo que de fato nunca ocorre, ou acontece
pouco. No Atelier, Laila Kierulff me explicava que deveria aplicar a decoração regularmente,
repetindo o mesmo gesto. Mas me tranquilizou de que não haveria monotonia, já que “repetir é
sempre fazer outra coisa”. Todas concordaram. Litza Libelo sentenciou “repetir é fazer algo
inteiramente novo”. Cada traço é uma aventura em si, não há garantias estabelecidas previamente.
60
Uma impureza do barro pode desviar o traço da direção desejada, uma leve mudança de ângulo
na aplicação do instrumento na superfície da peça pode deixar o traço fora do alinhamento.
Fragmentos de Minas Gerais: Sítio Florestal 2. Foto: Rachel Rocha / Sítio Florestal 1. Foto:
Wagner Marin
Figura 36: Fragmentos com decoração tipo “ungulada”
Naquele dia inaugural para mim e nos demais que se seguiram fui entendendo sobre a importância
da cerâmica para aquelas pessoas, a importância da cerâmica para mim. O cotidiano do Atelier,
aos poucos, vai se tornando conhecido.
A rotina é a mesma em cada aula, mas nem por isso é igual semanalmente. Nos encontramos no
Atelier da Laila Kierulff, em Brumadinho/MG, uma vez por semana durante a tarde. Todas as
pessoas são muito gentis e delicadas umas com as outras e esse é o clima do lugar,
invariavelmente. O momento inicial é marcado pela avaliação de cada peça já realizada nos dias
anteriores, e cada resultado (seja ele desejado ou inesperado) é festejado pois é em si uma
descoberta. Neste momento inicial todas escutamos as explicações de Laila, perguntamos sobre
as técnicas utilizadas na peça para a produtora, somos convocadas a tocar a peça e a ver com
atenção. Na cerâmica a atenção voluntária é essencial.
No Atelier há momentos de silêncios profundos, com cada uma metida em seus afazeres, e seu
objeto do dia; e também de conversas as mais diversas, sobre nossas visões de mundo e a vida,
sobre ser mulher e fazer cerâmica. É um clima de muito carinho, com as peças e as pessoas.
Durante a aula as peças são analisadas a todo instante, mutuamente, e há um clima de incentivo à
autoestima e ao crescimento individual e criativo. As escolhas individuais são valorizadas e
apreciadas, o clima é de muita simpatia e nenhum pudor em se envaidecer com a própria produção.
Digo isso pois é um momento muito íntimo de satisfação pessoal, em ter avançado nessa arte, em
melhorar a relação com a argila. É impossível não comemorar os resultados alcançados.
Ao longo dos dias de aprendizado no Atelier ganhei várias instrutoras, especialmente Edith,
ceramista profissional com quem mantive uma relação de proximidade por diferentes razões. É
revelador o aprendizado com o corpo. Nas aulas elas demonstravam cada etapa, como posicionar
corpos, mãos e dedos, ombros e cotovelos. Nesse tipo de aprendizagem a postura de corpo e a
postura de vida se embaralham. Elas me instruíam, em especial Laila e Edith, sobre aprender a
esperar, sobre o “tempo das coisas”, sobre lidar com a perda, como repetir sem fazer a mesma
coisa. Trata-se de um balanço entre “fazer o que precisa ser feito” (entender as vontades do barro
e sua temporalidade) mas “de forma individual” (gestos são sempre particulares). Meu corpo foi
reposicionado algumas vezes, sempre com delicadeza. Outras vezes me indicaram um modelo
61
gestual a ser seguindo para maior eficácia e controle gestual, “olha como ela está fazendo, e veja
como você está fazendo”; “olha o movimento que deve ser feito”. Trata-se de uma coordenação
entre os sentidos, coordenação entre os membros do corpo e o objeto. É a sutileza entre entender
o gesto e conseguir produzi-lo com o corpo. É mais complicado do que parece, repetir o gesto
alheio.
Aqui, como em Juruti/PA, muitas ceramistas conversam com as mãos, gesticulam bastante, tocam
as pessoas e as peças. Não é possível ver as peças apenas com os olhos. E no Atelier (como em
todos que participei) não é possível ver a peça sem tocá-la (insistentemente, às vezes), sem investir
uma atenção voluntária, sem refletir sobre os processos de produção.
No Atelier, embora muitas ceramistas tenham feito cursos formais alhures, em escolas de arte, e
ser este um curso também formal; no processo de ensino e aprendizagem os argumentos são
sempre sensíveis; e não há constrangimento em contrariar um livro consultado. A prática
sobrepuja a teoria. O barro nesse contexto precisa de alguma ação especial, a tradicionalidade no
fazer, atestada na prática e não nos livros tem a palavra final. Isso porque há muito tempo elas
aprenderam que é plástica a relação com o barro e que ele se expressa dentro de mudanças
pequeninas, infinitesimais, minúsculas - 1g de um elemento qualquer pode fazer toda a diferença
no produto final.
Participar de um atelier é observar muitos corpos ativos, voluntariosos, que se expõem através de
seus processos produtivos. No Atelier vemos cada etapa, conversamos sobre processos e escolhas,
com muita delicadeza no trato.
Se é um diálogo liderado pela relação mestre e aprendiz, também relaciona e cria laços entre
aprendizes, que, convém lembrar, têm graus diferentes de desenvoltura e motivação. Há uma
habilidade outra em Ateliers e Cooperativas de Artesanato pois é preciso abertura à expressão
alheia, à opinião de outrem, muitas vezes demandadas. Meus pais outrora e ainda hoje requisitam
minha opinião sobre composição de cores e o resultado de um experimento, e esperam que eu
seja honesta. Ao ser honesta devo levar em conta o empenho envolvido, pois é também o que
esperam de mim. É um momento de exposição mútua.
As orientações de Laila são sempre generosas em gestos e demonstrações, uma narrativa que
entrelaça a técnica e sua experiência, critérios estéticos e éticos, vida doméstica e profissional.
Tudo isso junto fez ela ser ceramista. Muitas vezes são explicações complexas que envolvem um
emaranhado de relações, já que a própria composição do barro envolve em si uma mistura de
elementos em pó e água, que com mínimas variações na dosagem podem resultar em produtos
distintos.
desbastador de metal. Para me mostrar ela me solicitou a peça com a mão esquerda e a segurou
com firmeza; a mão direita tomou o instrumento que pareceu se acoplar a ela, em um movimento
rápido de dedos tornava-se um “ciborgue” (Haraway, 2011). Com os olhos fixos em mim, ela me
instruía verbal e demonstrativamente. Com o rosto todo me contava como proceder, ao mesmo
tempo – e ainda olhando para mim – a mão dominante agia (como que por conta própria)
orquestrando em sintonia cotovelo, punho e dedos. Delicadamente a mão direita mediu o espaço
entre o instrumento e a peça, o dedo mínimo controlava a distância milimetricamente. Acertava a
peça sem a ferir, o que era justamente sobre o que chamava minha atenção. O controle entre os
corpos é mediado pelo instrumento, e eles se harmonizam, sem contar (necessariamente) com a
visão atenta já com o corpo ativo e inconsciente. “Saber é esquecer”, como disse Serres (2004:43).
“Sou onde não penso”, já escutei Laila dizer no Atelier.
Lembro-me também de um outro dia no Atelier quando fui aplicar o vidrado em uma pequena
peça. Laila e Edith sugeriram que eu usasse o isolante líquido para experimentar duas formas
diferentes de fazer a mesma coisa: isolar uma parte da peça para não fixar a tinta. Havia feito
anteriormente um pote isolando a peça com papel, ainda em ponto de couro, antes de aplicar o
engobe azul cobalto. A peça daquele dia já havia recebido a primeira queima, sendo, portanto, um
biscoito, receberia o vidrado.
Neste dia tive duas instrutoras, em um fino dueto. Prontamente Edith veio mostrar o resultado do
vidrado escolhido em uma peça dela, delicada flor em negativo (feita com o isolante) com vidrado
escuro (falso Temoku7) recobrindo toda a face externa. Belíssima.
Talvez preocupada com meus movimentos maquínicos e conscientes: como pegar o pincel,
mergulhá-lo no isolante, tudo avaliado, raciocinado e compreendido, expresso em movimentos
duros, Edith me mostrou como proceder, com o corpo todo, verbal e demonstrativamente. Com
uma peça de prova na mão, em pé, Laila sentada à sua esquerda eu à direta, assim que teve certeza
de minha atenção voluntária, o corpo de Edith parecia entrar em um movimento involuntário ou
natural, tamanha a graça e precisão. Sabemos bem que é efeito de prática, mas por vezes parece
ser acionado qual mágica como atletas de alto desempenho. Ao mesmo tempo, como que me
puxando novamente à técnica, Laila quase exclamou, “olha o gesto dela, olha como ela faz”. Em
pé, Edith tomou a peça com a mão esquerda de forma a estabilizá-la; com a mão direita pegou o
pincel digitalmente, cotovelos colados ao tronco, ombros imóveis. Com movimentos milimétricos
7
É um vidrado oriental normalmente utilizado em queima com fogo direto que resulta em aspecto
escuro e brilhante.
63
de dedos e punho fez várias flores diminutas em segundos, traço por traço. Depois de sua
demonstração, saudada pela elegância dos gestos precisos, me instruiu com exatidão. Eu
certamente sorria com a boca, os olhos e todo o corpo.
Laila foi solicitada por Mônica, e borboleteou-se pelo Atelier com dosagens de incentivos gerais.
Edith tomou as rédeas de minha instrução naquele dia. As duas são talentosas e experientes
ceramistas, mas são pessoas diferentes em relação a arte que produzem, o que reflete em suas
produções. Certamente Edith é uma professora parecida com minha mãe (são inclusive de mesma
idade). Me explicou como cobrir com o isolante e a espessura que deveria atingir, esclareceu
sobre os cuidados com o pincel, me mostrou seus próprios experimentos, mostrou as diferenças
dos resultados e explicou seus motivos. Aproximou sua cadeira da minha e me solicitou que
fizesse a tarefa; naquele momento me senti sua aprendiz. Eventualmente ela vinha conferir o
resultado de minha ação e me apontava o que corrigir, me ensinando a ver. Como minha mãe ela
esperava traços adequados, queria ver esforço e atenção.
Meus gestos eram pesados (e ainda são) porque conscientes, nesse esforço de criar memória de
corpo. Os gestos de Edith eram leves porque já enraizados no corpo, repetidos inúmeras vezes,
dia a dia, por anos, é uma memória profunda, não precisa de esforço para ser lembrado.
Inúmeras vezes Edith, e também meus pais e Hortência, me diziam que eu ia errar muito ainda
para conseguir fazer o que realmente eu desejava, que nada daria propriamente certo de primeira.
Confesso meu incomodo inicial. Depois de ter perdido a terceira peça e ter me sentido desiludida
e desencantada, passei a entender melhor qual instrução realmente recebia. Ninguém duvidava de
minha capacidade (como pensei em um primeiro momento) mas me preparavam para suportar a
perda e a frustração intrínseca ao trabalho na cerâmica. O barro nos ensina essa perda
(Branquinho, 2010) e também as ceramistas mais experientes nos preparam a alma. Laila é mais
aberta aos resultados inesperados, meus pais, Hortência e Edith são mais obstinados em realizar
exatamente como planejaram.
Outro ponto que gostaria de apontar (e lembro-me de Ângela Buarque me fazendo essa questão
durante a SAB Regional) é sobre a saúde dos ceramistas. Meus pais disseram que todos os artistas
de torno têm graves problemas lombares, citaram muito Senhor Nunes, já falecido, que foi
proibido pelos médicos de usar o torno. No Atelier de Laila é comum a mesma reclamação,
especialmente daquelas que se detêm de forma mais intensa na tarefa, ou que também o fazem na
vida profissional. É preciso força para usar o torno. Não é como uma cena do filme norte-
americano Ghost: Do Outro Lado da Vida, dirigido por Jerry Zucker em 1990. É mesmo uma
técnica rude (Prado, 2016).
Eu e Talita, realizando nossos experimentos pela técnica dos roletes, sentadas ao chão, sentimos
dores especialmente na porção posterior do abdômen, entre a costela e a pelve. Manter potes
médios e grandes estabilizados e a mesma posição do corpo por quase uma hora é cansativo; mas
não senti nenhuma dor impeditiva ou limitante. Talita fez potes menores e sentiu dores maiores.
Para a arqueologia seria apropriado observar nos esqueletos das oleiras pretéritas doenças e
inflamações ligadas à região lombar, por exemplo. Mas é justo observar que as horas demandadas
na produção oleira entre ceramistas ameríndios e urbanos não se equivalem. Esse aumento das
64
horas trabalhadas e a necessidade de produção para atender a demanda externa podem ser
mudanças cruciais para o impacto na saúde dos artífices.
Pretendo seguir essa experiência em conjunto, e alguns planos já foram traçados para dar
continuidade aos estudos cerâmicos: queima aberta das peças, replicando as formas tradicionais;
produção de uma peça por Laila Kierulff para exposição. E certamente preciso de mais tempo
para digerir essa vivência e poder melhor me expressar. Trata-se de uma prática muito intensa e
cheia de nuances. Com o aprendizado do barro, a espera é uma necessidade.
Relendo o texto percebo que as palavras estão sujas de barro, ainda não foi possível cuidar da
limpeza de cada uma. Talvez seja mesmo o momento de lambuzar tudo de barro, de deixar
expandir, para que em uma próxima etapa tenha tempo de colocar as palavras certas para quarar
ao sol do meio-dia, sabendo que algumas manchas serão persistentes, e irão ecoar os experimentos
de corpo e alma.
Palavreando em Tupi
La Salvia e Brochado (1989) foram os primeiros arqueólogos a sistematizar os termos êmicos
para nomear os recipientes cerâmicos, utilizados na arqueologia Tupiguarani ainda hoje, como
yapepó (panela que vai ao fogo) e cambuchí (vasilha para fermentar o cauim). Inspirada por eles,
retomei essa coleta de palavras. Infelizmente não consegui ainda organizar os termos linguísticos
que coletei em três dicionários de Montoya sobre a língua Guarani, da família Tupi-guarani,
tronco Tupi, resultando em 1.226 palavras relativas à técnica da olaria e afins. Restam ainda
muitas informações a serem compiladas, especialmente com a revisão e atualização feita na obra
de Montoya por Bartolomeu Meliá em 2011. Para que possam avaliar o alcance deste tipo de
trabalho, aponto a seguir alguns termos associados às cores e outros exemplos relevantes para a
olaria.
A palavra para a cor vermelha, em tupi rorú (substantivo) pode ser encontrado nos dicionários. A
matéria-prima para a produção de tinta com tal cor pode ser tanto vegetal - urucum (lorú, urucu)
e outra planta não determinada (caatayguá), quanto elementos minerais obtidos através da argila
e da terra (tapitã e ybipitanga). Foi possível encontrar verbos específicos que indicam a ação de
tingir com tinta vegetal (pituba, guanga) e tinta mineral (mopiranga). Matérias primas diferentes,
de uma mesma cor, são nomeadas e ditas com termos distintos
67
A cor amarela em geral (dito em tupi juba) e seus tons mais claros (jutinga, yut~i) foram
registrados por Montoya. O processo de aquisição da cor se faz através do caule de uma árvore
(tarajuba) que deve ser a tatajuba ou amarelão (Bagassa guianensis) utilizada em tinturaria ainda
hoje. Não faltaram verbos para este gesto de tornar amarelo (em tupi mojuba, morojuba).
As palavras para as cores verde e azul são moroby, oby; tons mais escuros para o verde e o azul
são respectivamente designados por obyuna e tumby. Encontramos referência a uma planta que
tingiria de azul (caaçuguy), que não foi possível identificar. E a ação para tornar verde ou azul se
expressa pelos termos moroby, mooby, nhembòóbi. Nota-se que vários autores consideram que
não haveria entre os Guarani e Tupi distinção entre o azul e o verde. De fato, os dois termos são
muito próximos entre si, compartilhando a raiz by. Talvez Montoya tenha forçado seus
informantes a diferenciar “cores” lá onde eles pensavam o que poderiam considerar “tons”.
O branco também com a denominação tinga e diferenças de tons: como o branco azulado
(tingaby), branquíssimo (tingatu) e o falso branco (tingarã/tingarana). A produção de tinta branca
se restringe a pigmentos minerais: concha de ostra calcinada, argila branca e pó de pedra branca
(respectivamente bericuí, tabatinga/tabaguatinga, ytaticui). A ação de tingir de branco é dita em
tupi motinga/morotinga.
A cor preta (moroúna, una, u) tem diversas nomeações que indicam tonalidade (preto azulado,
uobi), coloração (muito preto e fortemente preto, tungatu, umbatã) e exclusividade da cor (umbá).
A única forma de produção de tinta preta que pude identificar nos dicionários está relacionada ao
jenipapo e a um líquido preto (mas que nada impede de ser do próprio jenipapo), em tupi
genipapo, yandipaba, tiv. O termo mouna está relacionado ao verbo “pintar de preto”.
Por fim coletei dois termos para indicar bicromia preto e branco (apetinga e unapitinga), e um
termo para o multicor (paraba). O desbotar das cores foi também nomeado (gueb), bem como o
cansaço gerado pela tarefa de pintar (pitubara).
Para ensinar a arte cerâmica é preciso pontuar acontecimentos concretos. Nos dicionários foi
possível identificar nomeação de processos de decantação para a argila e para a tinta (umbog) e
instrução culinárias ou oleira, “remexer para ficar bem misturado” (apamõa).
A variação da matéria-prima da olaria, a argila, aparece com a qualificação e nomeação de tipos
distintos. A argila branca pode ser identificada nos dicionários (ayapayuca, tabatinga) e também
a fonte dessa qualidade de argila aparece como lugar denominado (tabatinguera, tabatinguy). O
barro negro também foi nomeado (namu) e o barro comum de olaria, a terracota (taguá, nháu-
uma, nhauma, inhauma).
As diferentes formas de recipientes também foram designadas, conforme indicado em La Salvia
e Brochado (1989), mas será importante retomar todo esse conjunto de dado.
68
Cada recipiente apresenta nomeação para as partes do seu corpo, e também para diferença de
tamanho.
69
A nomeação das mãos e de cada dedo está também contemplada, bem como o uso destro ou
canhoto (Chepoácatua e Chepoaçu) e a ambidestria (Ypocatua yobay). Para ministrar uma técnica
de habilidade manual, nomear cada dedo pode ser uma vantagem comunicativa.
Figura 40: Nomeação das mãos e suas partes em Tupi (Fonte: Montoya)
Os termos indicam diversificados procedimentos para obtenção de tintas, nomes para as cores,
verbos específicos para a ação de pintar com esta ou aquela tonalidade, a combinação de duas
cores específicas (preto e branco... o escuro e o claro) são contemplados, bem como a combinação
de mais cores. Por tudo isso penso que investir nesse ponto será proveitoso para a arqueologia,
para pensar em matérias-primas, produtos, procedimentos, técnicas, metáforas e metonímias que
aproximam e colocam em relação
Em continuidade aos trabalhos de campo, manterei meu aprendizado no Atelier da Laila e também
começarei o estudo com ceramistas de Guarapari e Vitória no segundo semestre de 2017.
Nessa narrativa que fiz espero também ter convencido sobre a relevância para a arqueologia em
observar os objetos sob a perspectiva do corpo, que aciona gestos e palavras; e o ineditismo em
acionar ao mesmo tempo as chaves da Ciência do Esporte e das Artes da Olaria, para além das
Ciências Humanas.
71
Siglas utilizadas
Bibliografia
ALMEIDA, F. O. 2015. A arqueologia dos fermentados: a etílica história dos Tupi-Guarani.
Estud. av. [online]. vol.29, n.83, pp.87-118. ISSN 1806-9592. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-
40142015000100006.
ALMEIDA, F. O.; NEVES, E. G. 2016. Evidências arqueológicas para a origem dos Tupi-
Guarani no leste da Amazônia. Manuscrito não publicado. [ Links ]
ALMEIDA, M. A. 2013 A fórmula canônica do mito. In: QUEIROZ & RENARDE (Org.). Lévi-
Strauss. Leituras Brasileiras. 1ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, p.161-199.
BARCELOS NETO, A. 2008. Apapaatai. Rituais de Máscaras no Alto Xingu. São Paulo. Editora
da Universidade de São Paulo, FAPESP. 328p.
BARREIROS, J. 2015. Palestra ministrada em 18 de setembro de 2015, na Escola de Educação
Física e Esporte, Universidade de São Paulo.
BARREIROS, J. e NETO 2016. O Desenvolvimento Motor e o Género
https://www.researchgate.net/publication/266467598
BAXTER, 2010. Los niños como actores culturales en las interpretaciones arqueológicas:grafitis
del siglo XIX en San Salvador, Bahamas. In: Complutum. Infância e cultura material na
arqueología. Volume 21. N1. Publicaciones Universidad de Madri. Pp.181-196
BINFORD, Lewis R.1962. Archaeology as Anthropology. American Antiquity, v. 28, n. 2, p.
217-25.
BINFORD. 1965. Archaeological systematics and the study of cultural process. American
Antiquity, v. 31, n. 2, p. 203-10.
BRANQUINHO, F. 2010. Quem disse que não existe a ciência do ceramista? PROA. Revista de
Antropologia e Arte, n°3. http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/proa/issue/view/136
FERNANDES, F. 1989. A organização social dos Tupinambá. Editora UnB. Editora Hucitec.
São Paulo. 325p.
GALLAHUE, D. 2002. A classificação das habilidades de movimento: um caso para modelos
multidimensionais. Revista de Educação Física/UEM. Maringá, v. 13 (2): 105-111 (2. sem.).
GALLAHUE, D.; OZMUN, J., GOODWAY, J. 2013. Compreendendo o desenvolvimento motor:
bebês, crianças, adolescentes e adultos. Tradução Denise Regina de Sales. Revisão técnica
Ricardo Petersen. 7ªedição. Porto Alegre: AMGH. 487p.
GEBER, M.; DEAN, R. F. A. 1958. Psychomotor Development in African Children: the Effects
of Social Class and the Need for Improved Tests. Bulletin of the World Health Organisation.
18(3):471-6.
GELL, A. 2001. “A rede de Vogel, armadilhas como obras de arte e obras de arte como
armadilhas”. Arte e Ensaios: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Rio de
Janeiro: Escola de Belas Artes da UFRJ, ano 8, n. 8, p. 174-191.
GELL, A. 2010. Art and Agency – an anthropological theory. Oxford, Clarendon Press. 271p.
GILCHRIST, R. 2007. Archaeology and the life course: a time and age for gender”. In: Meskell,
S. & Preucel, R (ed). A companion of social archaeology. Blackwell Publishing Ltda, p.142-160.
GOSDEN, C. 1999. Anthropology and Archaeology: a changing relationship. London.
Routledge. 228p.
GOSSELAIN, O. 2012. D’une histoire à l’autre. Retoursur une théorie des liens entre langues et
techniques en Afrique. In: Schlanger, N. e Taylor (eds.). La préhistoire des Autres. Perspectives
archéologiques et anthropologiques. Paris: INRAP/La Découverte. pp. 83-97.
GREBER, E. 1938. Tratado de cerámica. Barcelona. Gustavo Gili Editor. 622p.
HARAWAY, 2001. Manifesto ciborgue - ciência, tecnologia e feminismo socialista no final do
século XX. Autêntica. 142p.
HAYWOOD & GETCHELL. 2016. Desenvolvimento Motor Ao Longo Da Vida. Editora:
ARTMED. Edição: 6ª. 434pg.
HEGMON, M. 1998. Technology, Style And Social Practices: Archaeological Approches. In:
STARK, M. (ed). The archaeology of social boudaries. Washington. Smithsonian Institution
Press.
HENDON, J. 2007. Living and working at home: the social archaeology of household production
and social relations. In: Meskell, S. & Preucel, R (ed). A companion of social archaeology.
Blackwell Publishing Ltda, p. 273-286.
HÉRITIER, F. 1996. Masculino Feminino. O pensamento da diferença. Instituto Piaget.
Epistemologia e sociedade. 302p.
HODDER, I. 2005. Creative thought a long-term perspective. In: Mithen, S. (ed). Creativity in
the evolution and the prehistory. London and New York: Ed. Routledge, p. 44-56.
75
HODDER, I. 2012. Entangled. An Archaeology of the Relationships between Humans and Things.
Blackwell Publishing. 252p.
HUGH-JONES, S. 2009. The fabricated body: objects and ancestor in Northwest Amazonia. In:
SANTOS-GRANERO, F. (Org.). The occult life of things: native Amazonian theories of
materiality and personhood. Tucson. The University of Arizona Press. Pp. 33-59.
INGOLD, T. 2000. The Perception of Environment. Essays on livelihood, dwelling and skills.
London: Routledge. 465p.
INGOLD, T. 2012. Trazendo as coisas de volta à vida: Emaranhados criativos num mundo de
materiais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 18, n. 37, p. 25-44, jan./jun.
JÁCOME, C; CARVALHO, A; PANACHUK, L. 2010. Os gestos na decoração de vasilhas
Tupiguarani em Minas Gerais. In: Prous, A. & Lima, T.A. (ed). Os Ceramistas Tupiguarani.
Volume 2. Editora IPHAN/Sigma. Belo Horizonte, p. 37-56.
JOYCE, Rosemary. 2000. Girling the girl and boying the boy: the production of adulthood in
Ancient Mesoamerica. Wordl Eachaeology. Vol. 31. N3. HUman Lifecycles. Feb. Pp.473-483.
KAMP, 2010. Entre el trabajo y el juego: perspectivas sobre la infancia en el suroeste
norteamericano. In: Complutum. Infância e cultura material na arqueología. Volume 21. N1.
Publicaciones Universidad de Madri. Pp.103-120.
KLUCKHOHN, C., & KELLY, W.H. 1945. The concept of culture. In R. Linton (Ed.). The
Science of Man in the World Culture. New York. Pp. 78-105.
KLUCKHOHN, Clyde; and WYMAN, Leland C. 1940. An Introduction to Navaho Chant
Practice. American Anthropological Association, Memoirs, No.53.
LA SALVIA, F. & BROCHADO, J.P. 1989. Cerâmica Guarani. 2ªEd. Porto Alegre: Posenato
Arte e Cultura, 175p.
LAGROU, E. 2007. A fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica
(Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro. TopBooks. 565p.
LAGROU, E. 2009. Arte Indígena no Brasil: agência, alteridade e relação. Belo Horizonte:
ComArte. 127p.
LAMOTTA & SCHIFFER. 2001. Behavioral Archaeology: toward a new synthesis. In: Hodder
(ed) Archaeological Theory Today. P. 14-64
LANGDON, J. 2000. Alucinógenos: fonte de inspiração artística. In: VIDAL (Org.). Grafismos
Indígenas. Estudos de antropologia estética. São Paulo. Edusp. Pp. 67-88.
LATHRAP, D. 1977 "Our father the cayman, our mother the gourd: Spinden revisited or a unitary
model for the emergence of agriculture in the New World", REED, C. A. (ed.), Origins of
agriculture, the Haque, Mouton, PP. 713-751. [ Links ]
LE BRETON, D. 2009. As paixões ordinárias. Antropologia das emoções. Petrópolis. Rio de
Janeiro. Editora Vozes. 276p.
LE BRETON, D. 2016. Antropologia dos sentidos. Petrópolis. Rio de Janeiro. Editora Vozes.
546p.
76
MULLER, R. 2000. Tayngava, a noção de representação na arte gráfica. In: VIDAL (Org.).
Grafismos Indígenas. São Paulo. Edusp. 231-248.
NASCIMENTO FILHO, R. 2012. A Teologia da Libertação em Juruti. Universidade Federal do
Pará. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Núcleo Universitário de Oriximiná. Faculdade
de História. Monografia de Graduação. 38p.
NEVES, E. G. O Velho e o Novo na Arqueologia Amazônica. Revista USP, Brasil, v. 44, p. 87-
113. 1999.
ORTON, C., TYERS, P.; VINCE, A. 1993. Pottery in Archaeology. United Kingdom: Cambridge
University Press. 269p.
OVERING, J. 1995. O mito como história: um problema de tempo, realidade outras questões.
Mana. 1(1):107-135.
PANACHUK, L e CARVALHO, V. 2005. Variabilidade dentro do padrão: análise gestual de
fragmentos com decoração plástica (Sítio Rio Preto Oeste 1 - São Mateus/ES). In: XIII Reunião
da Sociedade de Arqueologia Brasileira. 03 a 08 de setembro. Campo Grande/Mato Grosso do
Sul.
PANACHUK, L. 2004. Fragmentos da Tradição Tupiguarani em Minas Gerais. Monografia do
curso de Ciências Sociais. Belo Horizonte. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
Universidade Federal de Minas Gerais. 160p.
PANACHUK, L. 2006. Os gestos na produção de particularidades no universo cerâmico
Tupiguarani (Sítio Ibiporã-1, Norte do Paraná). In: V Encontro da Sociedade de Arqueologia
Brasileira/Regional Sul. Período: 20 a 23 de novembro. Rio Grande/RS. Resumo expandido em
CD.
PANACHUK, L. 2007. O produzir cerâmico Tupiguarani e Jê: as técnicas, os gestos e as escolhas
sociais pretéritas. In: XIV Reunião da Sociedade de Arqueologia Brasileira. Florianópolis, Santa
Catarina. Texto em mídia digital.
PANACHUK, L. 2011. Arqueologia preventiva e socialmente responsável! A musealização da
arqueologia e meu mundo expandido. Baixo Amazonas, Juruti/Pará. Dissertação (Mestrado em
Arqueologia) – Universidade de São Paulo. 266p.
PANACHUK, L. 2013. Análise gestual: apontando caminhos e trilhas para o corpo e para a mente.
In: Fonseca, D. & Zimpel, C. (org). Caderno do CPARQH – Centro de Pesquisas em Arqueologia
e História. Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho-RO: EDUFRO. Pp. 91-116.
PANACHUK, L. 2014. Habilidade na variabilidade gráfica: comportamento motor das oleiras
Borda Incisa (Parintins/AM). Arquivos do Museu de História Natural. Belo Horizonte. Volume
23, nº1. Pp.135-177. https://www.ufmg.br/mhnjb/revista-arquivos/volume-23-n-1/
PANACHUK, L. 2016. Cerâmicas Pocó e Konduri no Baixo Amazonas. In: Barreto, Lima,
Betancourt. (Org.). Cerâmicas Arqueológicas da Amazônia. Rumo a uma nova síntese.
1ªed.Belém: IPHAN, Museu paraense Emílio Goeldi, v. 1, p. 279-287.
78
TILLEY, C. e outros, 2000. Nature, Culture and Clitter. Journal of Material Culture 5(2) 197-
224.
VALSINER, J. 1987. Culture and the development of children's action. Chichester: John Wiley
& Sons, p. 75-115.
VAN VELTHEM, L. H.2003. O Belo é a fera. A estética da produção e da predação entre os
Wayana. Museu Nacional de Etnologia. Assírio & Alvim. Lisboa. 446p.
80
VIDAL, L. 2000. A pintura corporal e a arte gráfica entre os Kayapó-Xikrin do Cateté. In: VIDAL
(Org.). Grafismos Indígenas. Estudos de antropologia estética. São Paulo. Edusp. Pp.143-190.
VIVEIROS DE CASTRO, E.2002. A inconstância da alma selvagem. São Paulo. Cosac & Naify.
551p.
WAGNER, R. 2010. A Invenção da Cultura. São Paulo, Cosac Naify. 253p.