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SÃO PAULO
2011
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SÃO PAULO
2011
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BANCA EXAMINADORA
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Resumo
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Abstract
The research suggests a study of the creation processes by the Bahian plastic artist and
architect Juraci Dórea who has dedicated himself to the arts since the 1960s. The study has as
object one of his works, the multi faceted Projeto Terra (Project Earth). With the creative
basis in paintings and sculptures produced and fixed in the hinterland, the TERRA is also
composed of photos, audio recordings, videos, books and a diary that register not only the
works , but also the presence and testimony of native people at the exhibition sites. The goal
of this paper is to discuss the relations of interaction and communication of the Projeto Terra
with the geographical and socio- cultural environments where it is inserted, highlighting the
diversity of the resources used for its documentary register in a collection of multimedia
character. Such goal reflects in the assumption that the work is boosted by a force of
expression that seeks to unite memory and tradition with renewal and invention and especially
by a desire of communication that reaches from the aesthetic to the anthropological, from
discourse to dialogue, from representation to self-exposition, forming a complex network.
Thus, the methodological approach adopted is set in a case study based on the perspective of
the critique of a semiotic base process that discusses the creation as a network in
construction.
Key Words: communication, creation networks, critique of process, memory, Juraci Dórea,
Projeto Terra.
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SUMÁRIO
PRÓLOGO .................................................................................................................... 10
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PRÓLOGO
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esse era o único estado em que ele não vivia. Depois da minha primeira visita ao
ateliê do artista, passei duas noites sem dormir. Mergulhei nos sertões que ele
apresentava na sua obra e voltei à superfície, quase morrendo de falta de ar... Decidi,
então, sobrevoar. Este site é, portanto, o resultado deste “sobrevôo”, buscando
mostrar, minimamente, algumas das várias facetas que esse artista assume: artista
plástico, poeta, arquiteto, escritor e ensaísta. Bem-vindo aos sertões de Juraci Dórea.
Bom vôo, e, se tiver fôlego, bom mergulho! (Texto de abertura do website).
Disponível em: <www.uefs.br/nes/juracidorea>.
Por conta da pesquisa, ele reviu antigos papéis e comentava: “Isso é um projeto que
penso em fazer”; “esse eu comecei, mas não acabei”; “aqui são os registros da obra tal que
ainda vou organizar”... Descobri que não se tratava de arquivos no sentido de passado. Tudo
aquilo eram possíveis obras – ou possíveis transformações de obras em outras.
Ali era um mundo.
Figura 1. “Por mim, eu não saía mais daqui”, Juraci Dórea – sobre o seu ateliê.
De fato, naquele momento eu não tinha fôlego nem tempo para mergulhar nos seus
arquivos, muito menos uma teoria que desse conta dos registros e daquelas obras
inacabadas. Fiz o sobrevoo, como proposto.
Mudemos de palco. Graduações concluídas. Hora do mestrado. Escolha do curso.
Semiótica era o que eu queria. Tinha na PUC/SP. Mas o que estudar em semiótica? Fui a
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Para este trabalho, teremos como base os estudos da Crítica Genética, originados em
1968, quando pesquisadores franceses (Louis Hay e Almuth Grésillon) se uniram a
pesquisadores germânicos para organizar os manuscritos do poeta alemão Heinrich Heine
(SALLES, 2008). Já num segundo momento (1975 a 1985), este grupo começou a dialogar
com outros estudiosos que se interessavam igualmente por manuscritos – até aí, apenas os
literários. A Crítica Genética surge, então, a partir da necessidade de compreender o processo
de criação de artistas, a princípio, escritores, através de registros deixados pelos mesmos.
Em 1985, acontece em São Paulo o “I Colóquio de Crítica Textual”, organizado por
Philippe Willemart, que na ocasião estudava os manuscritos do escritor Gustave Flaubert.
Nesse colóquio, foi fundada a Associação de Pesquisadores do Manuscrito Literário (APML)
que, em 1990, lançou a revista Manuscrítica visando a divulgação dos estudos em Crítica
Genética. Já nos anos 90, os estudos passaram por uma expansão, possibilitando a
transdisciplinaridade.
Na terceira fase da Crítica Genética, já se permite estudar não apenas manuscritos
literários, mas outros processos comunicativos: cinema, música, dança, artes plásticas,
arquitetura, jornalismo, publicidade... E a lista não acaba. Assim como os objetos de estudo se
multiplicaram, os registros também ganharam outra materialidade. Vídeos, livros, negativos
fotográficos, croquis, maquetes... Cada processo com seu modo de registro.
A questão central da Crítica Genética é compreender como é criada uma obra. Para
isso, utiliza-se da análise dos documentos de processos – como são chamados os registros
deixados pelos artistas. Nestes, o crítico genético procura por procedimentos que ajudaram a
construir tal obra de arte. Rascunhos, anotações, materiais aparentemente deixadas de lado,
fotografias, recortes de jornais – tudo isso pode ser considerado documento de processo.
Observa-se todo o registro para se ter uma pista de como as ideias do criador foram evoluindo
e se transformando até culminar na obra em questão.
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DÓREA, Juraci. (Diário, 1987, p.50)
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Porém, independente do tipo de obra ou de registro, uma questão que é geral, no que
se refere ao percurso da criação, é o pensamento em processo, a cadeia de pensamentos e
ideias que vão aparecendo e se interligando: de fatos que surgem ao acaso e viram pedaços de
obra; insatisfações que se resolvem em outra parte da obra; restrições de toda ordem que
estimulam a busca de soluções; a escolha da matéria-prima que mais traduz a necessidade do
autor. Enfim, são muitos os caminhos que podemos percorrer para refazer a trilha da criação.
Tudo isso nos leva a crer que o processo de construção da obra de arte é um percurso humano
– desmitificando, assim, o mito da criação.
Com base nesses estudos, passamos a encarar o processo de construção da obra como
resultado de um trabalho complexo que incluem pesquisas, planos, desistências, erros... ou
seja, a obra é um processo progressivo que definitivamente não “nasce pronta”. Ao nos
depararmos com o percurso criador, “as camadas superpostas de uma mente em criação vão
sendo lentamente reveladas e surpreendentemente compreendidas” (SALLES, 2008, p. 26).
Isto não significa que temos a ilusão de ter acesso a todo o processo criador e sim a alguns de
seus índices.
Figura 2. “Escultura de Mané Acarí”, 1988. Estrada que liga Feira de Santana a São Gonçalo.
No início da década de 80, o artista plástico baiano Juraci Dórea foi um dos
vencedores, com o Projeto Terra, do concurso instituído pela Fundação Cultural do Estado da
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Conforme já foi dito, as etapas do projeto foram sendo documentadas por meio de
fotografias, vídeos, livros e mais um documento que não foi publicado: um diário. A
relevância deste material para nossa pesquisa está no fato de que, baseada na Crítica Genética,
“o olhar científico procura por explicações para o processo criativo que esses documentos
guardam” (SALLES, 2004, p. 19). Percebemos através das anotações não só a construção da
obra de arte em si, como arcabouços ideológicos e socioculturais que compõem o projeto –
desde a escolha do material e das locações, passando pelas reações do público-alvo até a
exposição das obras, em meios artísticos tradicionais, já nos suportes de documentação, como
vídeo, fotografia e livros.
Os documentos que registram o processo de criação do Projeto Terra nos dão a
possibilidade de compreender o trabalho criativo do artista, bem como sua relação com o
meio, a partir da perspectiva da identidade cultural e do ponto de vista da comunicação, uma
vez que comunicar-se com o público parece ser um dos fatores impulsionadores de sua
criação. Percebe-se, então, que esse processo criativo pode ser abordado por diferentes
vertentes, já que o Terra é uma obra que permite múltiplas possibilidades de leitura,
construindo, assim, uma conexão entre a arte e a comunicação, “uma indissociação que veio
crescendo através dos últimos séculos para atingir um ponto culminante na
contemporaneidade” (SANTAELLA, 2005, p.7). Por se tratar de uma obra de arte que é
construída e reconstruída, o Projeto Terra evoca inúmeras possibilidades de análises,
cumprindo, assim, seu papel sócio-comunicativo, como toda arte que vise a partilhar ideias e
ideologias.
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Termo característico do interior, “quarar” significa deixar a roupa exposta ao sol para clarear, geralmente
tecidos brancos.
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Identificamos uma escolha do artista, já em 1965, que vai se repetir em toda a sua
obra: a confecção de séries.
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Apenas em 1968 o couro aparece nas suas obras, a princípio sob forma de mala –
aquelas malas antigas, artesanais, armadas, feitas em couro. Ele as reconfigura mudando seu
status de utensílio para obra de arte.
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Em 1970, Juraci Dórea faz uma obra intitulada Criação da Feira. Nela, ele se apropria
de um espaço existente e faz uma interferência artística. Outro índice que nos ajuda a
compreender o percurso da vida profissional do artista: produzir obras no seu lugar de
inspiração – como vai fazer mais tarde com o Terra.
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Com a madeira mais tosca e o couro mais cru, identificamos que a ideia de perfeição
simétrica foi abandonada. Como confirmam os documentos de processo abaixo.
A Série Terra vai emprestar (ou doar?) ao Projeto Terra o nome, o couro, a madeira e
exposição longe dos museus, em lugares inusitados.
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Transcrição da anotação: 05 objetos/ 1 – Trincheira (beira) TANQUE – Tapera/ 2 – meio de Feira/ Festa
popular (Tapera/ Santa Rosa)/ 3 – Terreiro (Edwirges)/ 4 – Cancela – Tapera/ 5 – Encruzilhada (Tapera/ Monte
Santo)/ Trincheira de um tanque/ Beira de um rio/ riacho/ 1 – Tanque (água)/ 2 – Festa/ Feira/ Terreiro/ 3 peças/
3 – Encruzilhada Terra Estrada/ Caminhos de Terra/ Ar/ água */ terra */ fogo/ Homem/ Homem/ Fogo/ Vida/
Ar/ Fotos/ Fogueira/ Iluminar com fogueiras/ O trabalho avança pelos ares (AR/ Céu)/ Cruzeiro de Beira de
estrada/ Animação com chocalhos/ Jurema – na aera da feira ou similar/ pau fuso [tipo de madeira].
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Figura 20. Detalhe do trabalho tendo uma casa simples como base de exposição4.
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Figura 22. No projeto de Juraci, em 1982, um umbuzeiro é o suporte para suas pinturas5.
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Transcrição: Quebrar a simetria/ 1 – encruzilhada/ 2 – umbuzeiro/ 3 – parede / 4 – cancelar/ 5 – cerca/ 6 –
apenas desenho/ Caco de telha/ 04 – umbuzeiro/ Espalhar pelo sertão em (ilegível) e documentar/ Sinalizar/
Água/ Estrada/ Monte/ Rio/ Seca/ Umbuzeiro/ Sinalização/ Fonte/ Água
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Figura 23. Exatamente assim acontece na exposição do São Pedro, três anos mais tarde.
Na figura abaixo temos alguns esboços do que viriam a se tornar as esculturas que
compuseram o Projeto Terra. Como se pode perceber, os primeiros desenhos e perspectivas,
assim como as esculturas-quadros, são bidimensionais, mudando, porém, quando há a
apropriação de um símbolo cultural do sertão nordestino (tema central do autor) – o balão,
estrutura por si, tridimensional.
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Figuras 25 e 26. Rascunho sem data, encontrado junto aos de maio de 1982,
e “Escultura de Zé Botocó”, 1988.
O artista plástico Juraci Dórea escreve um diário ao longo de 21 anos (1983 a 2004)
sobre o Projeto Terra. Inicialmente manuscrito, o artista passa a limpo datilografando.
Posteriormente, nos últimos anos, as páginas passam a ser impressas a partir de um
computador. Com 115 páginas, o texto conta histórias do projeto. Aí Dórea fala da tessitura
das esculturas, revela a busca por novas ideias, demonstra angústias e insatisfações, faz
reflexões sobre o fazer artístico, desdobramentos do projeto em bienais, exposições e a
transformação em outros suportes (fotografias, livros, vídeos), narra histórias sobre “o pessoal
do sertão”, e da cidade de Feira de Santana, enfim, o texto conta um pouco do processo de
criação e construção do Projeto Terra.
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Figura 27. Capa da pasta que guarda o diário de Juraci Dórea. À esquerda, detalhe da etiqueta.
Figura 28. Páginas amareladas pelo tempo. Ainda assim, conta com revisões à caneta posteriores a
datilografia (assinalado com a seta).
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Figura 29. Em 1998, as páginas passam a ser digitadas num computador e impressas.
Entrar por uma porta deixada entreaberta, propositadamente. Essa é a sensação de ler
um diário. Fatos, reflexões e pensamentos íntimos. O ato de registrar é a permissão implícita
para se entrar nesse mundo, a princípio, particular. Ler um diário de processos é como
percorrer novamente o caminho trilhado para a criação. Temos, então, a narração de histórias,
acasos, medos, satisfações e insatisfações da busca do artista que somados resultam na obra.
E, mais do que isso, o diário registra problemas do cotidiano e da cidade, revelando assim
memórias. Nele, Juraci disserta, descreve, explica, se justifica, desabafa. Extremamente
organizado (datas, locais, dimensões das esculturas e até legendas explicando “personagens”),
percebemos no diário índices do nascimento do projeto e das origens das escolhas – desde
locações às formas.
E se a obra é justamente o resultado de todas essas etapas de produção, por que
ler/ver/ouvir/ apreciar apenas a obra e não seu percurso? Ressaltamos que ao estudar,
perscrutar e conhecer o percurso, não se exclui ou minimiza a obra. Ao contrário, Cecília
Salles (2004) explica que a ênfase dada ao processo não ocorre em detrimento da obra. Na
verdade, só nos interessamos em estudar o processo de criação porque essa obra existe. E
buscaremos realçar tais experiências registradas, perseguindo “a constatação de que uma
possível morfologia do gesto criador precisa falar da beleza da precariedade de formas
inacabadas e da complexidade de sua metamorfose” (SALLES, p. 160), pois é comum o
hábito de ao ver-se uma obra exposta encará-la como acabada. Embora, se nos ativermos ao
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seu processo de criação de forma mais ampla, veremos que tal resultado é, em geral, uma das
muitas etapas do projeto poético da vida de um artista.
Uma rês enfeza durante uma viagem: carece de ser abatida. Dias depois, o seu couro
aparece na beira da casa, junto de uma cerca, ou pendurado numa velha aroeira. Para
mantê-lo espichado, uma trama irregular de madeira é posta na parte de trás. Ali, o
couro permanece meses, estendido sob o sol abrasador e – até que se transforme em
bruacas, arreios, etc. propicia, a quem passa, uma visão de grande significado
plástico. Esta é uma imagem muito comum no sertão. (DÓREA, projeto escrito para
o concurso público da Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1982).
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Juraci Dórea se utiliza de materiais que “antes de um processo determinado, não têm
status artístico. São escolhidos, saem do seu contexto de significação primitivo e passam a
integrar um novo sistema direcionado pelo desejo daquele artista” (SALLES, 2006, p. 72). O
significado estético está então na sua transformação de materiais do cotidiano em artístico.
No que se refere ao conteúdo, o artista plástico lista algumas questões que lhe são
importantes: para ele o sacrifício do animal revela a sobrevivência do homem numa região
agressiva e inóspita; a vida e a morte, por se tratar do couro de um animal morto; ossadas e
couros ressequidos ao sol, segundo Juraci Dórea, reflete a visão da seca – constante na região;
por fim, ele relata uma visão mística, totêmica, que acreditamos se tratar de questões da
subjetividade do artista.
Os outros itens complementam um ao outro: o reconhecimento dos materiais do local
pela população é justamente a identificação cultural com a região, e por estarem integradas ao
meio, as esculturas não agridem a paisagem. Compreendemos assim a interação entre forma e
conteúdo, como exemplifica Van Gogh: “Em minha opinião, seria um erro dar a uma pintura
de camponeses um polimento convencional” (apud SALLES, 2002, p. 155).
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A princípio surgiu uma dúvida: ocupar-me do tema do espaço num item específico ou
inseri-lo na discussão sobre a materialidade, já que o Terra trata-se de uma atuação artística e
não apenas uma produção específica? E mais, a feitura das esculturas nos remete a uma
instalação, sendo assim, o entorno imediato da obra é “espaço” ou ainda materialidade?
Consideremos que o cenário faz parte do projeto de visualização da obra, conforme o artista
relata em seu diário sobre uma das esculturas, em Monte Santo: “Comecei a olhar a região
(...) a lagoa me parece mais interessante: posso fazer o trabalho na trincheira, ou numa parte
que se projeta para a água. Escolho a segunda hipótese” (Diário, p. 10). Conforme
verificamos no acervo fotográfico.
Figura 31. “Escultura da Lagoa das Bestas”, 1984. Saco Fundo, Monte Santo.
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Porém, foi lendo a epígrafe escolhida pelo autor para compor o texto do projeto, que
decidi encarar o espaço como mais um item na sua construção:
Esta escolha começa a demonstrar a motivação do artista em sair das galerias e expor
em pleno sertão. Ele se angustia com o fato do circuito tradicional da arte ser essencialmente
urbano e, por isso, geralmente refletem “problemas e expectativas típicas das grandes
cidades”, como escreve no seu projeto. E continua: “Mesmo a arte que não quer ter como
proposta este referencial, está destinada a um circuito que é essencialmente urbano”. Juraci
Dórea explica que sai em busca de um “novo espaço, um novo público” e especifica de quem
se trata:
Perdidos nos ermos do sertão, eles não tiveram escola, não sabem o que é um
museu, uma galeria de arte, e outras invenções mais que são privilégios dos homens
da cidade. A arte, para eles, tem outro significado. É algo que se identifica com
coisas práticas, com o quotidiano, com o dia a dia. Algo que, às vezes, se confunde
com o próprio ato de viver. Potes, panelas, quadros com imagens de santos, ex-
votos, selas... (DÓREA, projeto, 1982, p. 4).
Conforme já foi dito, a escolha do material (madeira e couro) teve como um dos
objetivos criar uma identificação com o público local, por fazer uso destes materiais no seu
cotidiano, visando o contato e a interação. Posteriormente, o couro e a madeira das esculturas
passam a ser objetos de uso da população-público. Virando, por exemplo, gibões, arreios e a
armação de madeira, base para amarrar cavalos. Assim, Juraci propõe um universo de
exposição, onde o enfoque da obra de arte seja ligado diretamente ao relacionamento com a
comunidade, ao seu cotidiano através de um espaço que passa a ser museográfico. Selma
Soares utiliza o conceito de “ecomuseu” de Mathilde Bellaigne para explicar a proposta do
artista:
Um museu fundado sobre uma realidade cotidiana, que comporta ao mesmo tempo
um “território” e uma “população”, não somente como objeto de estudo do
ecomuseu mas como agente deste. E há, ainda, a dimensão do “tempo”, quer dizer,
toda essa ação pode se desenrolar num longo período, pode tomar muito tempo, e
depende muito de momentos favoráveis e da oportunidade de conduzir certas ações
de acordo com a necessidade e os desejos das pessoas (BELLAIGNE, 1993, p.75
apud SOARES, 2003, p. 68-69).
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Esse conceito de museu é adequado ao que se propõe o Projeto Terra, pois consegue
fazer com que a população local interaja com o espaço da escultura, ou seja, a locação,
construindo assim, uma relação de interação e integração com o meio, fazendo com que o
cenário, no caso, faça parte da obra. Tomemos como exemplo a “Escultura do Campo do
Gado”. Em julho de 1984, Juraci projetava a mesma: “Eu já vejo os vaqueiros usando a
escultura para amarrar os animais” (Diário, p. 4). Depois de pensar, visitar o espaço mais uma
vez e refletir, decide: “Não tenho mais dúvidas: o trabalho tem que ser no meio da feira dos
cavalos” (idem, p. 8). Encontramos o desejo dessa interação desde os rascunhos do artista,
onde, em 1981 – três anos antes – já apresenta animais próximos às esculturas.
Por fim, o trabalho é feito no local escolhido. Olhando mais de perto a relação do
propósito do artista com as matérias por ele escolhidas, compreendemos a interdependência
desses elementos (SALLES, 2004, p. 63). Três meses depois, a estrutura de madeira sobrevive
e acontecem as interações como Juraci Dórea havia previsto: “Os vaqueiros usam o que
sobrou da escultura para amarrar os cavalos. Faço algumas fotos” (Diário, p.21). Percebemos
como o percurso criador deixa transparecer o conhecimento guiando o fazer, ações
impregnadas de reflexões e de intenções de significado (SALLES, 2004, p. 122). Significados
esses que se explicitam na documentação do processo.
Nas suas andanças pelo sertão, Juraci Dórea se depara, por acaso, com um pé de
jurema caído. Incorpora a imagem e a transpõe para seu trabalho, ao horizontalizar a
escultura, sendo as demais, até então, verticalizadas.
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Quando o artista diz: “As formas vão surgindo” ou “a escultura se desenvolveu”, numa
primeira leitura desatenta, nos sugere que a arte aí tem vida própria e é capaz de gerir a si
mesma, dando-se formas e transformando-se. Esse recurso estilístico nos dá a impressão de
que o artista, praticamente, não interfere nas formas – o que contribui para a mitificação da
criação. Enquanto as camadas internas do texto, se é que podemos chamar assim, nos revelam
que o acaso não está no “nascer” das formas e sim no encontro com o componente gerador da
mudança. Cecília Salles explica que o artista “coloca-se, nesses casos, em situação propícia
para a intervenção do elemento externo, como se fosse um fotógrafo que visita um mesmo
local várias vezes, aguardando por uma luminosidade inusitada. Há, portanto, nesses casos,
uma espera pelo inesperado” (2004, p.35), como confirma o próprio Juraci em seu diário:
“Fico às vezes perambulando pela fazenda, tentando descobrir um local apropriado, uma
pedra, um tronco de árvore, algo que me indique uma futura obra” (p. 81). Desta forma,
percebemos como “o artista escolhe o acaso e a obra em processo incorpora os desvios”
(SALLES, 2004, p. 34). Um exemplo desta incorporação é a pintura denominada “Mural de
Edwiges”, ao assumir acasos como partes integrantes da obra.
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“A parede é de taipa e aparecem as rachaduras normais nesse tipo de parede. Fica até
um efeito interessante” (Diário, p. 28). Estas rachaduras poderiam ser consideradas erradas e
impedir o processo, porém, “o artista aciona determinados princípios que balizam essa
avaliação” (SALLES, 2006, p. 133). Ao considerar que tem um efeito interessante, as
rachaduras são incorporadas à pintura, por ser justamente seu objetivo usar como base a “casa
tosca” da região.
Assim como o acaso, vemos que os erros também são incluídos no processo gerando
mudanças, inclusive favoráveis ao projeto do artista. No diário, Juraci Dórea conta sobre o dia
que encomendou couro de bode e veio couro de carneiro. “Fiquei um tanto chateado (...).
Surge então a idéia de usarmos o couro como empréstimo” (Diário, p. 33). Assim acontece.
Porém, como o couro era emprestado, todo o arranjo da escultura foi alterado em função dessa
restrição. “Como eu pretendia devolver o couro, não fiz nenhum corte no material. Usei
apenas de efeito usando a amarração do material. Alguns detalhes interessantes” (Diário, p.
34), analisa o artista.
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Este caso foi feliz, porém, nem sempre as situações geradas pelos erros agradam ao
artista. Muitas vezes, por causa do desconhecimento da técnica ou do material, são criadas
produções que não o satisfazem, fato que gera a necessidade do artista estudar sobre a
manufatura de sua matéria-prima, assim, não correria mais riscos de erros e teria domínio
sobre a técnica, para materializar a escultura tal qual ele imagina: “Outro dado que eu
precisaria pesquisar é que existe mais de uma maneira de espichar o couro. O pessoal que
trabalha nisso tem uma prática danada” (Diário, p. 35). Essa necessidade de dominar a técnica
não é uma preocupação específica do artista em causa. É, ao contrário, uma questão geral da
criação. Van Gogh, por exemplo, relata sua dificuldade em manusear algumas substâncias,
porém, insistia no aprendizado porque não conseguia esquecer das coisas bonitas que viu,
feitas a partir de tais matérias (SALLES, 2006, p. 135).
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Comparar com o desenho de 1981 (Figura 30, página 38).
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A busca por novos públicos, projetos, formas, aprendizados e espaços nos revela uma
inconstante insatisfação por parte do artista. No seu diário, Juraci Dórea questiona não só a
sua, como a arte de uma maneira mais ampla, o sentido da vida, relata suas angústias artísticas
e pessoais contando como a arte o “salva”, mesmo que temporariamente de tais angústias.
A semana passou arrastada, cheia de problemas, não tenho ânimo para nada. Às
vezes me pergunto se todo esse trabalho, essa vontade de criar, criar, criar, sem
descanso, tem algum sentido. E a arte, essa força maior que move e, no final das
contas, é a coisa mais essencial da minha vida, é tão importante assim? Mas o que
posso fazer? Juntar dinheiro, dedicar-me às coisas materiais, pensar em fazer
fortuna? Não, sei que não é esse o meu caminho, não é. Mas o caminho que escolhi
não está fácil, não é tarefa fácil tentar esse equilíbrio entre uma atividade que me
rende o suficiente para a sobrevivência e o que realmente me realiza. (...) E o diabo
dessa crise econômica numa hora errada! Bem, nada disso vem ao caso agora, o fato
é que estou pensando em fazer amanhã o trabalho do Campo do Gado. (Diário,
p.17).
A partir dessas anotações, podemos inferir teorias sobre o fazer criativo ou mesmo
encarar essas reflexões subjetivas como fatores que, como diz o próprio artista, “não vem ao
caso agora”, mas que fazem tão parte do processo, como um dos pedaços de couro da
composição. Esse desabafo nos revela como a questão da criação é abordada por seu criador –
no caso, vital, essencial. Prova disso, é o que acontece depois: “Saio do campo com um pouco
mais de entusiasmo” (Diário, p. 18). Através desse registro, podemos perceber a relação do
processo criativo com a obra em construção, bem como, se não a sensação de completude,
pelo menos o alívio temporário, vivenciado pelo artista ao concluir mais uma de suas
esculturas.
O alívio é apenas temporário, uma vez que a insatisfação é uma das forças propulsoras
da criação. Como explica Stanislavski (1983, p.65), há uma satisfação estética, que nunca
chega a ser totalmente completa e isto desperta nova energia. Tal energia o artista deixa
transparecer ao continuar estudando novas formas e seguir no seu processo de busca, como
relata em diferentes momentos: “Mais uma tarefa concluída. Mas tenho outros locais aqui
perto para novos trabalhos” (Diário, p.35). A busca pode ser representada também pela
procura externa, como no exemplo: “Vou apenas colher subsídios para a próxima etapa”
(idem, p.35) ou “fico matutando, fazendo novas fotos, estudando alguns ângulos da escultura.
(...) Penso, sobretudo” (idem, p.69). Desta forma, a “criação vai acompanhando a mobilidade
do pensamento” (SALLES, 2004, p. 30). Mobilidade que permite divagações não só relativas
à obra, mas a respeito de seu entorno, promovendo uma reorganização da realidade do artista.
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2 – PACTOS DA MEMÓRIA
Figura 37. Arquivos: arte, cidade, amigos e mais... Figura 38. Muitas obras, depois, viram arquivos.
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Dona Ana, seu Domingos, uma fazenda e alguns olhos d’água. Assim começou Feira
de Santana. Entre 1705 e 1710, o casal de ascendência portuguesa – Ana Brandoa e Domingos
Barbosa de Araújo – compram a fazenda Olhos D’Água. Ela, devota de Senhora Sant’Anna,
providencia uma capela próximo a Estrada Real, onde hoje é a BR 324 – que liga o interior à
capital da Bahia.
A propriedade ficava situada num lugar estratégico e agraciada com muitos olhos
d’água – como é chamada a água que brota da terra, vindo a originar rios e lagoas. Seus donos
pareciam cordiais, pois permitiam que ali os viajantes se abastecessem, descansassem e
matassem sua sede – eram vaqueiros e boiadeiros responsáveis por levar o gado para ser
vendido em Salvador, Cachoeira e Santo Amaro da Purificação.
Pela abundância de água e estratégica localização (hoje, um dos principais
entroncamentos rodoviários do Brasil), a fazenda vira ponto obrigatório de parada. Logo se
instaura ali um posto de trocas e abastecimentos. As casas ao redor da sede não demoram a
aparecer. Em 1819, torna-se povoado. E a “feirinha” da região ganha fama.
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Cf. SALLES, Cecília Almeida. Redes da Criação – construção da obra de arte. Ed. Horizonte: São Paulo,
2006, p. 71.
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Pouco depois, em 1933, o povoado se torna vila – com um longo nome: Villa do
Arraial de Feira de Sant’Anna; em 1846, recebe a Paróquia de Sant’Anna e em 1873 é
finalmente elevada à categoria de cidade Comercial Cidade de Feira de Santana. Chamo a
atenção para este nome, pois a questão comercial vai marcar definitivamente a história da
cidade, bem como a obra de Juraci Dórea. Segundo Alessandra Araújo (2006), devido à
atividade econômica da região, em 1860, Feira de Santana recebeu o título de “Empório do
Sertão Baiano”.
Nesta época a cidade fica conhecida por seu forte apelo comercial e sua feira de gado
tão famosa que o Imperador Dom Pedro II, em passagem pela Bahia, foi conhecer a “feira de
Feira de Santana”. O comércio faz história a ponto de em 1931, no governo de Getúlio
Vargas, a cidade passar a ser chamada simplesmente de “Feira”. Porém, em 1938,
provavelmente por conta de protestos populares, voltou a se chamar Feira de Santana, como
permanece. Mesmo sem o “Comercial” integrando seu nome ou sendo simplesmente “Feira”,
a cidade tem marcadamente seu aspecto mercantil.
50
Quanto aos cantadores da feira livre de Feira de Santana, podemos atestar através
dos depoimentos e jornal a presença deles de várias formas, chamados de camelôs
da viola (...); temos o sanfoneiro, o embolador de coco que realizava o desafio
tocando pandeiro; e os violeiros ou cantadores que faziam a cantoria nos bares.
(OLIVEIRA, 2000, p. 35).
51
uma vez que, conforme explica Cecília Salles, “os procedimentos criativos estão, igualmente,
ligados ao momento histórico, em seus aspectos social, artístico e científico em que o artista
vive” (2004, p. 108). Juraci deixa claro que o trabalho se alimenta de suas memórias: “Nessa
região, cenário de minha infância e de minhas leituras, povoada por roceiros, vaqueiros,
poetas populares, cantadores e, no passado, por beatos e cangaceiros, sempre encontrei as
referências para o meu trabalho” (DÓREA, 2003, p. 17).
ESCUSA
8
“Num desses encontros [de Dival Pitombo com Manuel Bandeira] referiu-se ao poema e perguntou-me por
Eurico. Disse-me que gostara muito dos versos que escrevera para ele. Mas que Eurico nunca o procurara, nem
mesmo lhe dera notícias, depois do convite poético que lhe fizera. De volta a Feira de Santana, transmiti a Eurico
a queixa de Bandeira. Ele rindo, respondeu-me com aquela rispidez com que camuflava a grande ternura de sua
alma: Diga a ele que sou assim mesmo: muito mal educado”. (PITOMBO, Dival, 1972, p.2).
52
Juraci Dórea (1978) descreve Eurico Alves como “grande cronista de Feira de Santana
preocupado em compreender as mudanças da cidade e estudar seus problemas”. Juiz de
Direito, mas poeta por vocação, Eurico Alves Boaventura deixou uma grande obra sobre Feira
de Santana: declarações de amor, queixas, análises, crônicas e contos acerca da cidade natal –
que sua filha, Maria Eugênia, tem transformado em livros; entre os quais destaco Fidalgos e
Vaqueiros (1989) – com desenho de capa de Juraci Dórea – e A paisagem urbana e o homem:
Memórias de Feira de Santana (2006) – dedicado, entre outros, a Dival Pitombo.
É ele, Dival Pitombo, literato e amigo, que explica o amor de Eurico por sua terra:
“Quase furioso, intransigente e indomável. Para ele qualquer restrição feita à Grande Amada é
uma ofensa pessoal capaz de reação que atinge os limites da agressividade” (1976, p.2). Já
sabendo desse amor ardente à Princesa do Sertão (título dado a Feira de Santana por Rui
Barbosa em 1919), Dival Pitombo brinca com Eurico Alves:
Um dia, para provocá-lo, eu disse demagogicamente num discurso de comício que
esta cidade não tinha história. Que sua história estava sendo feita agora, por aquela
juventude, à qual me dirigia, que estava construindo o seu grande futuro. Foi a
conta. O menor insulto que me fez foi dizer que eu não passava de um ignorante.
(PITOMBO, 1959).
Obviamente se tratava de uma pilhéria entre grandes amigos, já que Dival era um dos
intelectuais mais respeitados de sua época, professor [de História], fundador da primeira
universidade da cidade, patrono das artes – concebeu e gerenciou a Associação Feirense de
Arte (AFA), bem como o Museu Regional de Feira de Santana.
54
Além de amigos, esses dois homens: Eurico Alves e Dival Pitombo têm em comum o
fato de terem sido referência e incentivadores da arte de Juraci Dórea. Cada um à sua maneira,
com seu tema. Eurico, amante de suas raízes e Dival, das artes. Não é uma equação
matemática, mas, metaforicamente, podemos dizer que somando as duas paixões temos a arte
de Juraci Dórea.
De amigo a ídolo, Eurico foi objeto de estudo na dissertação de mestrado de Juraci:
Eurico Alves e a Figuração Epistolar: fragmentos da cena modernista na Bahia e no Brasil
(2005).
Figura 42. Eurico Alves na inauguração do primeiro ateliê de Juraci Dórea, em 1966.
Dentre as obras de Eurico Alves, ainda estão inéditos os seus diários, que são
compostos de 13 grandes cadernos escritos entre os anos de 1953 e 1964. Juraci Dórea (1978)
conta que o diário fora “interrompido com uma nota absolutamente doméstica”: “Novembro,
22 – Missa das sete e trinta na Matriz de Senhor dos Passos. Li os jornais. Fui à fazenda.
Descansei um pouco à tarde” (p. 66). Esta fazenda a que Eurico se refere é a Fonte Nova. Em
1984, durante a feitura de uma das esculturas, Juraci conta em seu diário:
Aproximam-se uns vaqueiros. Conheço uns dois: Zuquinha que foi vaqueiro lá na
roça do meu pai e outro que não me recordo o nome, mas foi vaqueiro de meu avô.
Converso com eles. (...) Descubro um outro: mora na Fonte Nova, fazenda que
pertenceu ao poeta Eurico Alves. “Ah, ele gostava muito dessas coisas, ia querer
fazer um desses na fazenda”, diz ele. (Diário, p. 19).
A caminho dela, já em 1989, para fazer uma das esculturas do Projeto Terra, Juraci
Dórea relata a localização das terras:
55
Primeiro passamos por São José (hoje Maria Quitéria), um dos distritos de Feira de
Santana. Faz tempo que não passo por aqui. O povoado é antigo e constato que
muitas das casas já se encontram totalmente desfiguradas. A prefeitura deveria tentar
preservar pelo menos o casario, pois Feira nasceu aqui, e aqui tem uma parte da
nossa história. (Diário, p.75).
Percebamos como o amor e o cuidado em relação a Feira de Santana e sua história são
sentimentos que fazem parte da vida de Juraci, como se deu também com Eurico Alves.
Notemos ainda que a localização da fazenda Fonte Nova é justamente a região do nascimento
da cidade, como num desejo não apenas de conhecer a história, mas de se inserir nela. Juraci,
por sua vez, faz muitas de suas escolhas artísticas em função da história e da memória: “Há
algum tempo venho pensando em fazer uma das esculturas do projeto Terra na fazenda do
poeta Eurico Alves, em São José” (Diário, p.75). Não creio que seja demais notar que, mesmo
sabendo da mudança do nome do distrito de São José, para “Maria Quitéria” (heroína feirense
que, inicialmente vestida de homem, lutou pela independência do Brasil), Juraci continua
chamando de São José – como o fazia nos tempo do poeta. Lá chegando, é com nostalgia que
as lembranças surgem:
Paro na frente da fazenda. A casa um tanto abandonada. Recordo das visitas que fiz
aqui em companhia do poeta. Lembro, por exemplo, da última viagem que fizemos,
ele já bastante abatido pela doença. Lembro de uma outra viagem que ele veio
acompanhado de Godofredo Filho e Carvalho Filho, ambos poetas do grupo “Arco e
Flexa”, eu um rapazote ainda (...) a porta da cozinha estava aberta. Lembro que uma
vez naquela mesa nós tomamos café com o poeta, um café típico, como ele gostava
com beiju, cuscuz, etc. (Diário, 02.04.1989, p. 76-77).
Figura 43. “Escultura da Fonte Nova”, 1989. Fazenda Fonte Nova, Feira de Santana.
56
Mas quem apresentou Eurico Alves a Juraci Dórea e a arte deste a Eurico Alves foi
Dival Pitombo, importante incentivador da vida artística de Dórea.
Figura 44. Dival Pitombo e Juraci Dórea durante a exposição no Museu Regional de Feira de Santana, em
1986.
Um dia, quando o professor Dival foi proferir uma palestra no Colégio Estadual, a
então diretora, Laura Folly, apresentou-lhe um aluno que desenhava. Era Juraci Dórea. Na
época, Dival havia criado e gerenciava a Associação Feirense de Arte (AFA) através da qual
promovia eventos culturais na cidade, levando, inclusive, artistas de renome nacional e
internacional para Feira de Santana. Em entrevista, Juraci conta: “A aproximação com Dival
foi fundamental pra mim, para que eu pudesse trabalhar como artista, porque ele começou a
me emprestar livros, mostrar trabalhos de arte, reproduções e incentivar para que eu fizesse a
primeira exposição” 9.
Eles se conheceram no final da década de 50, e em 1962, Dival Pitombo promovia a
primeira exposição de Juraci Dórea – uma série sobre a vida de Cristo – na Biblioteca
Municipal Arnold Silva, em Feira de Santana, na ocasião da inauguração da mesma.
9
Entrevista concedida a mim, para fins desta pesquisa.
57
58
Figura 47. Juraci Dórea com as colegas Isaura Maria e Jane Lídia, na Faculdade de Arquitetura da UFBa, no dia
da colação de grau (26/12/1968). A solenidade transcorreu sem beca, já que, por conta da revolução, estava
proibido.
2.2.1 Da obra
Em 1965, Juraci Dórea pintou “O Vaqueiro” (cf. página 57). A figura do quadro
compõe o álbum fotográfico que retrata diferentes fases de seu trabalho. Porém, algumas fotos
não são das pinturas. Como a que se vê acima. Elas são do processo. Um ano antes, Juraci foi
Moderna da Bahia (1999); “Le Primitif et le Contemporain dans l’Art de Juraci Dórea”: Projet Terre (Exposição
de fotografia, Université Paris 8 – Vincennes-Saint-Denis) et Peintures (Centre Social et Culturel Franco-
Brésilien), Paris, outubro 1999; Às Portas do Mundo. Itinerante: Évora, Portugal, Maputo, Moçambique, e
Luxemburgo (2005); “Cenas Brasileiras”, Caixa Cultural Salvador/BA e Caixa Cultural São Paulo/SP (2007).
60
fotografado junto a um vaqueiro e numa composição de imagens feitas pelo artista a foto
aparece ao lado de outro vaqueiro. Isto muda o status do álbum – de linha do tempo para
uma crônica da criação. Juraci expõe muito do processo: o que ele olhou, onde esteve, o que
fez para chegar até ali. As fotos desta fase ocupam o mesmo ambiente e têm as legendas tal
qual as imagens das obras. Numa página e noutra encontramos pistas do seu percurso criador.
E mais, elas nos mostram uma preocupação em registrar o caminho – ele poderia ter trilhado e
simplesmente não ter documentado ou ainda, reunido apenas fragmentos de um processo para
distingui-lo da obra tida como acabada.
Chamo a atenção ainda para seu cuidado com o registro das obras e armazenamento.
Ao reunir coleções de quadros para serem fotografadas por um profissional, diz: “Todos os
quadros já estão prontos. (...) Hoje vou levá-los para o estúdio de Elídio para fotográfa-los”
(Diário, 29.01.1985, p 38); ter um gaveteiro especial para armazenar apenas cartazes,
catalogar quadros e exposições, legendar e arquivar fotos são apenas alguns dos hábitos de
Juraci Dórea, com relação à sua obra.
No que se refere ao Projeto Terra, especificamente, o registro se qualifica tanto que
acabou sendo transformado em parte integrante da obra e exposto publicamente (essa questão
61
Faço fotos de várias posições. Ana grava o que pode. (p. 11)
Revelo o filme da Lagoa das Bestas. Compro papel fotográfico e material para
revelação. (p. 12)
Comprei um pequeno gravador, que já foi útil no trabalho da Lagoa das Bestas,
adquiri material fotográfico, fitas, etc. (p. 12)
Vou agora fazer umas fotos e rodar um super-8, para registrar o acontecimento. (p.
15)
Tenho que retornar mais tarde para fotografar o trabalho. (p. 15)
Faço algumas cópias do filme do Raso. Algumas fotos estão boas. (p. 16)
Rodo um super-8 e faço também uns slides para registrar o evento. (p. 34)
O trabalho está pronto. Faço a documentação fotográfica. (...) Após todo o trabalho
de documentação – Dimas fez também um VT. (p. 61)
Podemos considerar que este espaço subjetivo da obra de Dórea Juraci é construído a
partir de memória, histórias, passado e da angústia que busca uma preservação. Assim, o é no
que se refere à sua cidade e também à sua obra. Vejamos como ele se alegra quando o seu
trabalho é preservado, ao passo que se entristece e escreve quase em tom de revolta quando o
oposto acontece:
A idéia era fotografar o painel da casa de Edwirges, para uns cartões portais que
pretendo fazer. Na verdade eu não tinha a menor idéia do estado de conservação do
painel, quatro anos depois: ele foi pintado em 1984. Mas para minha surpresa ele
estava muito bem conservado, apenas uma barra amarela na parte inferior,
62
provocada pelo tempo. Como Edwirges tem passado mais tempo em Monte Santo
do que aqui, nasceu um matinho verde em volta da casa. Mas é surpreendente que
não tenham danificado o trabalho, é gratificante. Lembro, por exemplo, que os
painéis feitos em Feira, ano passado, pelo projeto Chocalho de Cabra, já estão
bastante estragados. Não completaram ainda um ano. Aqui, apenas a chuva
provocou uma mancha cor de terra na base do mural, visto que o beiral é estreito.
(Diário, 25.07.1987, p. 51).
Agora, ouçamos sua preocupação quando o trabalho está sujeito a perigo de destruição
por parte das pessoas. Na ocasião da ida do artista a Canudos, estando a escolher o lugar onde
será feito uma escultura, conversa com Manuel Trevessa, o “dono da vendola e também
criador de um pequeno museu que existe no local (...). Ele sugere que seja perto do povoado,
pois assim se evitaria que algum “desocupado mexesse”. (Diário, 12.10.1984, p. 21-22). Por
ser o criador de um museu, Manuel tem a mesma preocupação de Juraci. Já a escultura do
Campo do Gado, local onde o comércio prevalece acima de qualquer questão, a escultura não
63
teve tempo de interagir com o ambiente. Muito pelo contrário: “Passo no Campo do Gado.
Desaparecem os últimos vestígios do trabalho. Nenhuma peça, nenhum sinal. Levaram até as
peças de madeira. (Diário, 05.11.84, p.27) Neste dia, esse é único comentário. Foi apenas o
arremate de uma lenta destruição. A cada visita de Juraci ao Campo do Gado, ele percebe a
retirada das peças. E, num desses dias, analisa:
Chego à conclusão que esse tipo de trabalho tem que ser desmontável mesmo, em
alguns lugares. O que deve ser levado em conta é o próprio acontecimento, o fazer, o
registro do momento. Algo assim como um Hapening. Os trabalhos permanentes
exigem um mínimo de segurança. Esse é um critério que deve ser levado em conta
nas próximas propostas. (Diário, 01.10.1984, p.21).
É justamente neste ponto que Juraci Dórea consegue conciliar a realidade com a arte; o
mundo e sua visão; através desse jogo temporal o artista se mostra: não tenciona brigar com o
tempo ou a natureza, mesmo que o efêmero fosse eterno; ao contrário, aceita e admite a ação
do tempo sobre suas esculturas. Apenas as registra. A Crítica Genética, por sua vez, é “um
estudo que se depara com um labirinto no tempo, onde tudo é possível: paradoxos e
coerências convivem ao longo do processo criativo (SALLES, 2008, p.53), sendo assim, o
registrar de Juraci pode ser entendido como um congelamento e suspensão no tempo-espaço,
numa tentativa de driblar o fim. Portanto, longe de ser dicotômico e sim complexo, o artista
busca uma reconfiguração da realidade através das suas memórias, resultando numa obra
efêmera por natureza e eternizada por vontade.
64
2.2.2 Do artista
Figura 51. Juraci Dórea na década de 50, quando ensaiava seus primeiros passos no desenho.
Outro tema constantemente abordado por Juraci Dórea são as lembranças da sua
infância. Ele não as retrata em suas obras, mas elas permeiam o Terra todo o tempo e isto fica
claro em seu diário. Encontramos muitas passagens em que a infância do artista é comentada,
lembrada, e por vezes, exaltada – quase sempre com alguma melancolia. Numa das noites em
que ele permanece na cidade onde havia feito uma escultura, observa os comportamentos
atuais dos jovens e remete aos seus de outrora:
66
Jerusa Ferreira (2004) diz que cada dia se convence mais “de que este patamar de
memória aqui evocado, de primeira infância, de descoberta do mundo, se firma para sempre”
(p.29). No caso de Juraci Dórea, seus escritos vêm comprovar esta afirmação, uma vez que ele
está sempre retornando às lembranças de sua primeira infância, de modo a refazer caminhos e
repetir ações que tais memórias evocam. Observamos ainda que o diário do Juraci-artista se
mistura muitas vezes com o Juraci-pai. Ele conta, relata, analisa, se diverte e comemora o
crescimento do filho, retrata de forma atenciosa, por vezes poética, com um carinho de
companheiro, a infância de Tiago e, claro, relembra a sua. Vejamos algumas passagens.
Tiago viu pela primeira vez um avião de perto. (Diário, 23.02.1988, p.56). [quando
eles foram ao aeroporto buscar Lélia, a curadora da Bienal de Veneza responsável
por levar o trabalho de Juraci].
Tiago não tem coragem de montar sozinho (...) também montar em pelo não é fácil
não. Coisa de menino mesmo. Lembro da minha infância, já fiz tanto isso lá na roça.
(Diário, 24.09.1989, p.80).
Às vezes, ele se diverte muito, corre, brinca, inventa mil estripulias, mas sobretudo
aprende a conviver com a natureza, incluindo aí belezas e perigos. (Diário,
15.04.1990, p.81).
Vou aos poucos definindo a escultura. Esse é o primeiro trabalho que conto com
ajuda total de Tiago, o primeiro trabalho que fizemos juntos. (Diário, 01.05.1990,
p.83).
Outra face que não fica de fora do diário é o homem. Vemos os problemas existenciais
e os do dia a dia, enfim, os acontecimentos pessoais. Mas é importante ressaltar que o diário é
do Projeto Terra e seu entorno, e não um caderno íntimo. Os fatos pessoais não são relatados
em sua totalidade, apenas suas consequências, no que diz respeito ao projeto: “Na semana até
que serenei mais, e acho até que isso me deu um ânimo pra tirar o domingo, esquecer os
problemas e fazer um pouco do que realmente gosto” (Diário, 01.12.1991, p.1988) ou ainda:
“Ano passado consegui fazer apenas um trabalho do Projeto Terra. Também não foi lá um
67
ano muito fácil e tantos foram os problemas que não me recordo de ter vivido período pior.
Tento colocar a vida em ordem lentamente, penosamente, é claro” (Diário, 04.04.1993, p.94).
Como vemos, “não se pode, negar que haja afinidades secretas entre as realidades externa e
interna à obra (SALLES, 2004, p.97), pois o ato criador está diretamente ligado à realidade
que lhe circunda. Passemos a outra perspectiva da realidade de Juraci: a cidade.
2.2.3 Da cidade
A cidade natal de Juraci Dórea é Feira de Santana. O Projeto Terra, porém, abrange
mais. Nas palavras do jornalista José Carlos Teixeira (2003, p.142): “Feira de Santana, a porta
do sertão; Monte Santo, com seu referencial místico; Canudos, palco da tragédia do
Conselheiro; e o Raso da Catarina, inexpugnável refúgio dos cangaceiros”. As cidades
escolhidas são fortes referências da cultura sertaneja. Mas a essência do Terra vai além:
Projeto Terra. O título do projeto, recorrendo ao uso do substantivo “terra” sem
nenhum elemento que o determine ou qualifique, joga com as diversas acepções
dessa palavra: nosso planeta, o solo sobre o qual se anda, a poeira, o pó, o lugar de
origem, a pátria, a terra natal, a localidade, o lugar. (OLIVIERI-GODOT, 2003,
p.45).
Buscando a sua Terra, o seu lugar, Juraci desenvolve o Projeto Terra. Longe de ser a
cidade de sua infância, Feira de Santana muda a cada dia. Se por um lado cresceu
economicamente, decaiu em alguns aspectos culturais. Juraci Dórea sofre com essas perdas.
Lamenta por cada casarão histórico derrubado: “Na saída de Feira, noto que começaram a
demolir um velho casarão (o da Receita Estadual), de estilo eclético, que por muitos anos
integrou a paisagem urbana da cidade. É o segundo em mais ou menos um mês que
desaparece na Av. Senhor dos Passos. Saio chateado com a insensibilidade das pessoas. Feira
de Santana será uma cidade sem memória, uma cidade idiota, onde as pessoas só se
preocupam com o dinheiro” (Diário, 07.09.1984, p.9). Juraci não só lamenta, como protesta.
Chegou a adaptar a proposta do Projeto Terra de fazer esculturas somente em pleno sertão e
produziu uma delas em frente a um desses casarões – chamando a atenção para a destruição
histórica da cidade. A memória aqui tem o papel de resistência e militância.
ESCULTURA DO ORFANATO, rua Bacelar de Castro, Feira de Santana.
Dentro de poucos anos Feira de Santana terá alcançado o feito inédito de apagar
todo e qualquer vestígio de sua arquitetura do passado. A velocidade com que os
demolidores atuam, é de meter medo, ainda mais se considerarmos que estamos
vivendo terrível recessão econômica. Parece até que há um certo prazer nessa corja
de ignorantes demolidores, quando se trata de substituir os antigos e harmoniosos
casarões da cidade por construções que se destacam apenas pelo mau gosto.
68
Toda área central da cidade tem sido vítima desse processo impiedoso. Às vezes, no
local, surge tempos depois um estacionamento, um depósito de lixo, ou uma porta
onde se vende carne-do-sertão, tecido, sabão, sapato ou qualquer outra coisa que se
possa vender. (Diário, 22.03.1992, p.90).
Numa tentativa de resgatar um pouco da história, Juraci Dórea lista os casarões que já
tiverem seu fim, conta que vem tentando fotografá-los e, quem sabe um dia, publicar como
era a “Feira antiga”. E a “Feira antiga” de Juraci não é só feita de casarões arquitetonicamente
bem construídos, mas também de lembranças:
E certo dia veio a notícia que o casarão estava desocupado. Foi uma longa batalha
judicial entre o proprietário e uma instituição protestante que lá abrigava menores
pobres. E agora o casarão estava vazio. Alguns meses se passaram. Logo comecei a
perceber que retiravam o assoalho. Depois, janelas e telhado. E daí por diante foi
12
Mesmo com o entorno sendo pouco a pouco derrubado e o comércio ir tomando conta dos arredores, o artista,
em 2011, permanece morando na mesma casa.
69
toda uma lenta agonia. Primeiro retirou-se o que tinha algum valor comercial.
Depois simulou-se, ou deixou-se que o povo levasse o resto. E nem os muros de
proteção restaram. Todo esse processo já dura quase um ano. Creio que a demolição
começou em meados do ano passado. Venho fotografando tudo desde aquela época.
É possível que ainda publique algo a respeito. (Diário, 22.03.1992, p.91).
Tanto quanto preservar a obra, Juraci Dórea se preocupa em registrá-la, não apenas no
seu apogeu, como em seu processo de degradação. Nestas falas fica claro que essa a
necessidade de registrar acompanha e move o artista. No caso da escultura do orfanato, além
do protesto, temos registros da obra – o arquitetônico (a casa em ruínas onde funcionava o
orfanato) e o artístico (mais uma escultura do Terra).
Atualmente, ainda restam algumas paredes de pé. Foram elas que me inspiraram esta
nova escultura. Na verdade, a demolição havia desacelerado, eu já estava pensando
em fazer algum trabalho de arte no local. Mas, nos últimos dias, recomeçaram a
destruição. Resolvi fazer, então, uma das esculturas do projeto Terra. Algumas
paredes laterais, ainda resistiam, ontem mesmo torci desesperadamente para que elas
resistissem, quando enlaçadas por cordas tentaram derrubar uma das partes mais
bonitas que ainda restavam de pé. O povo vibrava, os comerciantes de carro da Ilha
dos Ratos (a Praça da República, outrora conhecida como o Fiado, tem hoje esse
nome). Respirei aliviado quando vi que, após diversas tentativas, que não iam
conseguir. Aquelas paredes que contam histórias de uma outra Feira de Santana
resistiam, aliás todo o prédio vem resistindo a uma demolição esquisita que se
arrasta por meses e meses. Um destino humilhante, uma lenta e absurda morte para
um monumento que abrigou tantas e tantas gerações. (Diário, 22.03.1992, p.91-92).
A lenta agonia da destruição, a nós leitores, parece que o artista se refere a uma
pessoa. Ele dá vida às paredes, torce para que elas resistam; sofre pelo “destino humilhante” e
pela “lenta e absurda morte” do monumento. O seu sofrimento é real, a sua verdade enquanto
ser humano é transportada para a arte ao produzir uma escultura do Terra – com todos os
significados que a palavra terra possui – em frente ao orfanato. Ao fazer esta escultura, Juraci
Dórea re-significa a realidade – mesmo que momentaneamente – e o ambiente que era apenas
de destruição passa a propagar uma certa atmosfera de esperança. Pode-se ouvir um grito de
desespero e dor por causa daquela perda e, em algum lugar, a crença de que um milagre
poderia acontecer – como as paredes que resistiram por mais tempo. A realidade foi, em nível
artístico, transformada, pois da destruição do orfanato surge uma escultura, para ir
acostumando os olhos, que logo mais ficaria órfão daquela bela visão.
Eu teria mais uns dias para admirar o que sobrou do edifício. E para tentar fazer a
escultura.
Hoje é o dia, pensei. O domingo amanheceu meio nublado, mas pouco a pouco o sol
foi aparecendo. Comecei a preparar o material ainda um tanto temeroso com a
chuva. Conto com a ajuda de Alim e Junior. O couro e a madeira já estavam
separados. Transporto tudo para a frente da casa e começo a trabalhar.
Um esteio que sobrara da demolição de um velho galpão foi o ponto de partida para
o trabalho. Aliás, ele destacava-se no meio do capim-açu que nascera sobre os restos
70
A curiosidade das pessoas que passam é relativa: uma ou outra pessoa se aventura a
perguntar a respeito do trabalho. Não gravo nenhum depoimento, mas um registro se
faz necessário: quando eu estava documentando o trabalho em vídeo, passou um
homem completamente embriagado, bêbado mesmo, e falou com Alim.
O que parecia óbvio para qualquer bêbado não afetava, absolutamente, a consciência
cultural de Feira de Santana, as autoridades, as instituições que deveriam ser
responsáveis pela preservação da memória da cidade. Dos proprietários gananciosos
e ignorantes não poderíamos esperar muita coisa, visto que eles só entendem mesmo
é de dinheiro. E até os familiares não mostram mais nenhuma preocupação em
preservar o que foi edificado por seus pais e avós. É possível que a realidade
econômica do País seja hoje tão perversa que tenha levado as pessoas à condição de
inúmeros fantasmas, sem vínculos com o tempo ou o espaço. Nada de
responsabilidades com o passado, nada de preocupação com o futuro: a vida é hoje
apenas o presente miserável (um miserável presente). (Diário, 22.03.1992, p.92-93).
Percebemos nesta passagem como o artista traz a questão da recepção para dentro da
obra. Em outras esculturas do Terra, ele faz gravações de áudio e vídeo para registrar as
reações (posteriormente viraram livros e documentários). No caso da “Escultura do Orfanato”,
seu propósito é protestar – com isso, resolve não gravar nenhum depoimento. Mas, faz
questão de registrar o bêbado que passa e se indigna – por isto, Juraci considera que o
indivíduo, mesmo nesse estado, revela um grau de sensibilidade artística maior do que vem
71
13
O único casarão histórico sobrevivente da cidade é o Solar Fróes da Mota, que foi tombado pelo IPAC e
restaurado pela Fundação Senhor dos Passos, através do programa Faz Cultura, com apoio da Pirelle, em 2008.
Hoje, acontecem eventos culturais no espaço.
72
Resta-nos apenas o protesto solitário, ou a esperança que a arte registre e resgate uns
fragmentos da nossa agonizante memória cultural. É o que arriscamos com a
construção dessa escultura do Projeto Terra.
Escultura do Orfanato. Local: Rua Bacelar de Castro, Feira de Santana, Bahia, ao
lado do casarão em ruínas do Orfanato Evangélico.
Altura: 4,00 m.
O CASARÃO PERTENCEU AO CORONEL EPIFÂNIO JOSÉ DE SOUZA,
FAMOSO EXPORTADOR DE FUMO, QUE EM 1918 FEZ UMA GRANDE
REFORMA NO PRÉDIO. (FEIRA HOJE, 23.7.83) (Diário, 22.03.1992, p.93-94).
14
Esta foto foi tirada em aproximadamente 1960
73
Figura 54. “Exposição da Santa Rosa”, 1985. Santa Rosa, Monte Santo.
velhas dizendo que eram do tempo da “Guerra”. Nessa época ainda não existia o
museu, ele guardava os objetos num canto da venda. (Diário, 12.10.1984, p. 21).
Aproveitei para conhecer o acervo de Zé Aras. A família trouxe quase tudo para
Euclides da Cunha, visto que as peças, no Museu do Bendego, estavam sendo
destruídas e ameaçadas. Ainda resta muita coisa, lembranças da guerra de Canudos,
balas, ossos, fotos, livros, a correspondência de Zé Aras, seus livros, recortes de
jornais, etc. Algumas peças desapareceram, D. Adalgisa, sua filha diz que o próprio
Zé Aras havia doado em vida parte do material. Está havendo um interesse por parte
do Museu do Sertão, de Monte Santo, em adquirir este acervo. O certo é que se trata
de um material valioso e que deve de ser preservado, para que não se cometa mais
este crime contra nossa memória cultural. (Diário, 15.11.1984, p.27).
Outro dado que fiquei sabendo também é que os curtumes do Tucano (...) estavam
ameaçados de desaparecer por falta de matéria-prima. Todo o couro da região estava
sendo salgado e remetido para Pernambuco, daí sendo exportado. (...) Com isso
também desaparecem certas imagens típicas da região: imensos couros de boi
espichados sob o sol. (Diário, 05.01.1985, p.35).
Identificamos mais uma vez a sua preocupação com a memória, agora do ponto de
vista da imagem cultural – esta visão de couro espichado a que Juraci se refere na citação
acima são as imagens que foram o ponto de partida visual para a criação das esculturas do
Projeto Terra (cf. cap. 1, página 38). Percebemos como “o objeto artístico, durante, sua
criação, se desprende da realidade externa à obra, que é dissolvida na arte de dominá-la e
fazer dela realidade artística” (SALLES, 2004, p.97), mesmo que a realidade externa à obra
desapareça, fica o registro da realidade artística, pois o trabalho de Juraci Dórea não advém
apenas da “recordação e a relembrança amenas mas a forca da memória com todos os seus
parasitas” (PIRES FERREIRA, 2004, p.40). Assim, as imagens típicas estão, de certa forma,
salvas do esquecimento pelo registro da realidade artística.
O Projeto Terra, maior e mais complexa obra do artista plástico Juraci Dórea, vem
fundindo dicotomias, contraposições, espaços, tecnologias e tempos. Passado e presente se
confundem quando o artista reconfigura suas lembranças dando-lhes vida por meio da obra de
arte. Ele faz das memórias sua principal matéria-prima. Afinal, o “artista é um captador de
detritos da experiência, de retalhos de realidade” (SALLES, 2004, p.97). São estes “detritos”
de um tempo que já se foi que Juraci escolhe recolher, colar e re-significando-os nos entrega
em forma de pinturas e esculturas. Vejamos como as lembranças são fundamentais para
muitas das tomadas de decisão do artista:
75
O trabalho atual ficou mesmo num lugar da Tapera denominado Sítio. Lembro que
quando eu era criança aqui havia uma pequena casa, próxima de umas jaqueiras. A
maior delas, era maior mesmo, nunca vi jaqueira igual. O seu tronco se abre de tal
forma que daria uma casa na parte de cima. Ainda agora, que ela lascou uma banda,
parece imensa. A casa não existe mais. Por muito tempo ainda recordo de uma
parede que ficou no tempo, até desaparecer completamente. Pois bem, decidi fazer o
trabalho nas proximidades da jaqueira. (...) No meio do pasto, perto de um
mandacaru e de uma cerca. (Diário, 09.08.1987, p.52).
Não demorei em definir o local: próximo à velha aroeira da Tapera. Lembro dessa
árvore desde o tempo de meu avô. No centro, ficava a casa-da-fazenda. À esquerda,
o que havia restado da antiga senzala. À direita, as construções que serviam de
apoio: casa de farinha, quarto de arreios, etc. Era na extremidade dessa última parte
que ficava a aroeira.
Hoje já não existe nenhum vestígio dessas construções seculares. No local, meu pai
construiu a atual casa-da-fazenda. Apenas a aroeira continuou lá, sobreviveu, como
uns poucos pés de café, sob os cajueiros. Antigamente era costume plantar café
aproveitando as árvores frutíferas. (...) Há também os ninhos de “querrequexéu”
(verificar) curioso passarinho que constrói seus ninhos com espinhos de jurema.
Tudo isso é puro retorno à minha infância. (Diário, 25.12.2000, p.107).
O local escolhido foi uma área perto de D. Olga, que meu pai costumava chamar de
Canto da Cerca, pois lá se encontravam as cercas que separavam o pasto da Tapera:
uma limitava o Corredor e a outra vinha o Sítio. (Diário, 14.12.2002, p.110).
Mais uma vez o artista se incomoda com o descuido das autoridades em relação aos
lugares que contam história, e sempre que pode vai “preenchendo” as suas esculturas com
narrativas e personagens. Ouçamos o que diz sobre a do Tune:
Acho que vou chamar este trabalho de Escultura de Tune. (Tune é o nome do lugar
onde a obra foi construída, pois aqui ele morou, ele um preto velho – eu o conheci,
bebia que nem um desgraçado – ele Tune, aqui teve sua casa e sua roça, bem
pertinho). (Diário, 24.04.1988, p.62).
77
A imagem da fazenda é cada vez mais desoladora. A casa já não existe, faz tempo.
Apenas uns torrões, pedaços de tijolos espalhados, adobes aflorando do chão,
indicando a posição de antigas paredes, umas telhas num canto, esteios ainda
fincados, como a que sustentar inexistente telhado. E o cansanção, o velame, o juá
mirim tomando conta de tudo. Da antiga paisagem, restaram apenas a laranjeira-
brava, que ficava na frente da casa, o velho curral, algumas árvores frutíferas
plantadas por meu pai, no período em que morou aqui, a casa do vaqueiro Claudinho
e o pau-de-ferro, no pasto ao lado. (...) O sistema construtivo desse curral ainda era o
mesmo usado no tempo do meu avô, e utilizava apenas madeira. Vinha de uma
época em que a madeira aqui era abundante, a mata ali pertinho. Meu pai conservou
este curral do mesmo jeito, e lembro que nos dias em que ele reunia o gado para
ferrar era uma festa. O curral cheio e o gado sendo reunido no malhador em frente à
casa. Tudo isso acabou. (Diário, 02.10.2004, p.114).
78
Figura 56. “Escultura do curral do Jericó”, 2004.
Veja que ter o passado como ponto de partida é uma opção clara na arte de Juraci
Dórea. “As escolhas, aparentemente não conscientes, têm marcas de uma especialização no
olhar e ganham certa clareza de seus caminhos nas releituras” (SALLES, 2006, p. 76). E neste
olhar retroativo via obra, através do diário, identificamos a memória como força propulsora
do Projeto Terra. Obviamente não se faz arte apenas com memória. Jerusa Pires Ferreira
(2004) inclusive alerta que “será sempre incompleto um discurso sobre memória, do mesmo
jeito que a memória abarca e despreza fatos e coisas e as faz renascer vivificadas e perenes”
(p.67). O objetivo aqui foi ressaltar como as memórias que fazem sentido para Juraci Dórea
dão suporte ao seu trabalho artístico.
79
15
DÓREA, Juraci. Diário, 1988, p. 65.
80
Para efeito de estudo, farei neste capítulo uma espécie de dissecação das partes que
compõem o Projeto, prometendo, no final, devolvê-las à rede que é o Terra. Analisarei três
vertentes que formam essa rede de criação: produção, performance e comunicação
3.1 Produção
3.1.1 Diário
Conforme já foi dito, anterior e paralelo à produção do Projeto Terra, Juraci Dórea
escreveu um diário em que registra dados sobre sua produção e criação, bem como a recriação
do Terra em diferentes mídias. No texto, entre narrativas, relatos, reflexões e análises,
podemos encontrar partículas que, quando associadas, ajudaram a gerar as esculturas no meio
do sertão e os registros que viajaram o mundo.
Escrito de uma forma explicativa, o texto às vezes foge do seu formato de alcova e nos
dá a impressão de contar com um leitor, pois Juraci vai detalhando as pessoas, os
acontecimentos, o cenário: “O homem com quem eu queria falar, o que fez o museu e é dono
de algumas casas aqui no novo povoado (...) Maria, que mora aqui desde menina, está com 30
anos, e conhece muito bem a região (Diário, 22.07.1984, p.7-8). Porém, como num romance,
nos envolve numa narrativa que tem como personagem principal o Projeto Terra, deixando
aparente as muitas outras histórias por trás.
Conseguimos captar no diário, mais do que um registro do Projeto, também, a
documentação antropológica de uma cultura e região, como, por exemplo, quando ele explica
a importância do milho para determinado grupo de pessoas: “O milho é um dos alimentos
básicos daqui, é mais importante do que o feijão, me parece, pois o feijão acaba logo e o
milho é usado quase o ano todo” (Diário, 25.11.1984, p.30). Percebemos ainda outra nuance
do diário no momento em que o artista situa os lugares de acordo com seu contexto e história.
Ouçamos sua explicação sobre o significado do nome de uma região associando à cultura
local: “Ele é acompanhado por Zé de Né, que toca pífaro no São Pedro do Aluá. Aluá: uma
bebida feita na região com milho. Prepara-se um angu de milho e depois se dissolve com água
e açúcar: pode ser servido gelado” (Diário, 06.01.85, p.36).
Mas, como em qualquer trama, é o personagem principal que tem maior espaço. É
para o Terra que o diário está voltado. Sempre em primeira pessoa, Juraci usa um recurso
estilístico que nos dá a ideia de que escreve ao mesmo tempo que produz: “Começamos a
81
trabalhar. O primeiro buraco. O chão aqui é arenoso e fácil de cavar. Começamos a fixar as
peças de madeira” (Diário, 09.08.1987, p.52-53). É como se estivéssemos vendo
simultaneamente a escavação, a escritura e o ato de fotografar: “Depois de muito faz e
desmancha, mais uma escultura está pronta (...) Faço uma série de fotos” (Diário, 15.05.1988,
p.65). Até no texto, o Terra se mostra em rede, driblando a linearidade dos fatos.
3.1.2 Fotografias
Aproveito o resto do tempo para fotografar a peça. O sol – a luz – colabora. (Diário,
15.04.1990, p.82)
Não demorou muito e estávamos com a peça pronta. O sol voltou a brilhar, o que
facilitou o trabalho de fotografia. (Diário, 13.05.1990, p.85)
As fotos do Projeto, já com alguns anos de vida, não são mais “registros que viram
obras”, elas já nascem com esse propósito:
Faço algumas fotos, pena que o tempo esteja nublado (...) No final da tarde faço
novas fotos. O sol voltou a aparecer. A luz bonita do sertão. Quero ver se levo parte
deste material para uma exposição que pretendo fazer em Portugal. A mostra será
em meados de setembro e, além de pinturas, terá uma documentação sobre o Projeto
Terra. As fotos anteriores estão razoáveis, vamos ver agora com outra luz, outro
cenário, outras perspectivas. (Diário, 30.08.1996, p.100).
O valor dessas imagens também pode ser encontrado em outros níveis, e não apenas
como arquivo do Terra, mas enquanto documentação sobre a região, registro de momentos,
82
memória da obra e do artista, retratos de realidades sertanejas e assim por diante. É enorme a
variedade de olhares que tal acervo possibilita. Tomemos como exemplo a história do
carneirinho: “Seu Antônio chega pouco depois com a mulher e vinha com um filhote de
carneiro (burrego?) nas mãos. Queria que o carneirinho saísse nos retratos. Assim foi feito”
(Diário, 08.09.1984, p.11).
Juraci vai relatando em seu diário as histórias das fotos-coadjuvantes do Projeto: uma
grávida que se esquivou de aparecer ou as crianças que faziam palhaçadas justamente para
serem vistas. O artista comenta ainda a importância da fotografia para as pessoas da região:
“Um dado curioso é que encontrei uma foto que eu tinha dado ao Pio já fazia tempo. Estava
na parede, junto com os Santos. Era do pessoal em frente à escultura da cada de Edwirges: a
foto era de 1982” (Diário, 13.03.1988, p.58).
83
Sendo assim, uma mesma foto assume várias facetas e diversas formas de fotografias
são tiradas para atingir diferentes alvos.
O gravador foi comprado ainda nos primeiros anos do projeto: “Mais uma parcela da
bolsa: Cr$ 497.600,00 (...) penso em utilizar este dinheiro para adquirir um gravador” (Diário,
13.07.1984, p.4). Pouco tempo depois o desejo é concretizado: “O dinheiro tem sido aplicado
no trabalho à medida que ele vai andando. Comprei um pequeno gravador, que já foi útil no
trabalho da Lagoa das Bestas. (Diário, 12.09.1984, p.12). Na sequência, as gravações vão
aparecendo quase na mesma proporção que as fotos: “Ana grava alguns depoimentos. Faço
84
algumas fotos. (...) Dou os retoques finais e faço novas fotos. (...) Faço fotos de várias
posições e Ana grava o que pode” (Diário, 08.09.1984, p.11) – esta fala se repete a cada nova
escultura. A ideia era registrar a recepção estética dos sertanejos frente ao Projeto.
O trabalho vai saindo aos poucos. No final da tarde está pronto. Faço algumas fotos:
a luz não ajuda muito (...) Acho interessante alguns depoimentos: alguém diz que é
um museu, era um cemitério. Outro, que era um hospital. Comparações estranhas,
sutis. Fico esperando o sol aparecer para tentar novas fotos do trabalho, mas começa
a escurecer. Resolvo ir embora. (Diário, 01.05.1988, p.63).
3.1.4 Livros
85
“Finalmente o livro, com o resultado dessa fase do projeto, ficou pronto”. (Diário,
26.09.1985, p.48). Confeccionado para Bienal Internacional de São Paulo, o livro não saiu
exatamente como o artista sonhou, mas atendeu às necessidades de comunicação do projeto,
já que a mostra no evento era apenas da documentação e não seria montada nenhuma
escultura no espaço.
Quanto ao meu livro, devo dizer que ele sai com uma luta danada. Tem textos de
Frederico Morais, Teixeira, Brasileiro, Chico, Capinan, Matilde Matos e Ivo
Vellame. De um modo geral ele me agrada. Faço algumas restrições quanto ao
tamanho dos tipos: acho que deveríamos ter usado um tipo maior. O livro não é algo
para ser visto, é para ser lido. A minha intenção desde o princípio era fazer um livro,
formato de livro, aspecto, etc, e não um catálogo, onde predominasse o lado
fotográfico (...) Apesar de tudo, valeu a pena, o trabalho saiu bonito e é um registro
do que foi o projeto. A parte fotográfica está razoável. Fica, agora, a vontade de
fazer algo a cores. (Diário, 26.09.1985, p.48-49).
“Bom, eu não tenho leitura, tá intendeno? Eu num tenho leitura ninhuma, não leio. Agora, aquilo ali eu acho qui
tem uma grande tioria.” Manuel Alves, 44 anos, Canudos.
87
88
O terceiro e último livro17 do projeto intitulado Terra 2 foi produzido para a Bienal
Internacional de Veneza, em 1988. Bilíngue, com uma tiragem de mil exemplares, o trabalho
apresenta as esculturas com suas respectivas legendas (nome, localização e datas de
confecção) e textos do jornalista José Carlos Teixeira e do crítico de arte, Ivo Vellame.
17
Washington Falcão foi o criador do projeto gráfico dos três livros do Projeto Terra.
89
Figura 64. Parte interna do livro: imagens das esculturas, do processo e do público.
3.2 Performance
3.2.1 Instalação
Algumas vezes as esculturas são desmontadas, em outras, o artista arrisca: “Dizem que
nem a madeira vai amanhecer. Fico em dúvida. Em tirar os couros? Não. A proposta não é
essa. Vou deixar, nem que amanhã não amanheça nada” (Diário, 01.10.1984, p.20). Mas
90
percebemos que sua principal preocupação não é se a obra permanecerá montada ou não, uma
vez que a efemeridade apenas permeia o projeto. O objetivo central é possibilitar que a
escultura fique integrada ao meio, como se fosse uma instalação natural:
Mais do que uma instalação a céu aberto, em pleno sertão, a confecção da escultura se
dá, muitas vezes, não em prol única e exclusivamente do trabalho pronto, mas sim privilegia o
fazer, o acontecimento, uma espécie de “happening”, como escreve Juraci,
Chego a conclusão que esse tipo de trabalho tem que ser desmontável mesmo, em
alguns lugares. O que deve ser levado em conta é o próprio acontecimento, o
18
fazer, o registro do momento . Algo assim como um Hapening. Os trabalhos
permanentes exigem um mínimo de segurança. Esse é um critério que deve ser
levado em conta nas próximas propostas. (Diário, 01.10.1984, p. 21).
3.2.2 Vídeos
O primeiro trabalho performático foi rodado num super-8. A princípio faziam parte da
documentação. Depois, ganharam direção, produção e trilha sonora e passaram a ser
identificados como documentários sobre o Projeto Terra. O conteúdo se constituía de
performances captadas durante a feitura das obras. Vejamos alguns trechos do diário onde o
artista conta sobre as gravações, as linhas de direção e a passagem de super-8 para VT. “Vou
agora fazer umas fotos e rodar um super 8, para registrar o acontecimento (Diário,
16.09.1984, p.15). Esta é a primeira vez que aparece o termo ‘super-8’ e a questão das
filmagens no diário.
18
Grifo nosso.
91
O primeiro vídeo, intitulado Terra (1982), foi em Super-8 e teve direção de Juraci
Dórea, fotografia de Robinson Roberto, música de Elomar e uma duração de 13’36’’. Os
outros, já em VT, foram produzidos para serem expostos nas bienais de São Paulo, Veneza e
Havana. A Casa de Edwirges (1987) com 22 minutos 11 segundos e Escultura da Tapera
(1987) com 10 minutos e 44 segundos.
3.3 Comunicação
3.3.1 Exposições
O Projeto Terra foi concebido para viver em lugares inusitados: em pleno sertão.
Esculturas montadas em meio à paisagem rural, feiras transformadas em galerias e muros de
92
casas da região em painéis. Mas através de sua documentação o Terra ganhou o mundo
tradicional das artes e passou a ser exposto em galerias e bienais.
Percebemos uma constante necessidade de novas linguagens (formas) para um mesmo
tema (conteúdo) e “não se pode tratar forma e conteúdo como entidades estanques. Se, por um
lado, vê-se o conteúdo determinado ou falando através da forma, isto é, a forma como um
recipiente de conteúdo, não se pode negar que a forma é a própria essência do conteúdo”
(SALLES, 2004, p. 73). No caso, compreendemos os desdobramentos (registros) como uma
nova forma de expressão do conteúdo, que, por sua vez, carrega a essência do fazer criativo.
A questão ganha complexidade maior quando tais registros vão para espaços de exposição,
decisão esta que Juraci Dórea toma, pela primeira vez sobre a Bienal de São Paulo e,
posteriormente, em relação a outras bienais e mostras: “Decidimos enviar apenas a
documentação, visto que a exposição das peças ao vivo poderiam desvirtuar a proposta do
projeto (...) Concluímos hoje, após um dia estafante de trabalho a seleção do material, fotos,
negativos, textos. Estabelecemos uma sequência” (Diário, p.50).
A idéia era fotografar o painel da casa de Edwirges, para uns cartões-postais que
pretendo fazer (...) Faço algumas fotos. Dimas também filma. Resolvemos
documentar o trabalho em vídeo. Pretendo editar o material para enviar para a
Bienal. (Diário, p.51).
Figura 65. Algumas imagens do Projeto foram expostas na Bienal em forma de cartão-postal.
(frente)
93
Ao mudar de suporte, o material que vai para a Bienal não é mais o Projeto Terra
inicial, aquele que deu origem a esculturas e pinturas no meio do sertão. O que segue para
exposição é a documentação, digamos, a história do Terra a ser contada. Para isso, o artista
lança mão de diversos recursos:
O projeto Terra na 19ª. Bienal Internacional de São Paulo (...) Começamos a
preparar a montagem, pegamos os croquis preparados pelos arquitetos e uma equipe
da Bienal pendurou os painéis na parede (...) Os textos não ficaram prontos e a
exposição abriu sem os mesmos, que só chegaram mais tarde (...) Estavam previstas
duas projeções: uma no espaço e outra na própria videoteca. (...) Uma outra
19
observação é quanto aos depoimentos , que deveriam ser apresentados num
tamanho muito maior, pois eram também um ponto alto da mostra. (Diário, p.54).
Percebemos como o artista relata os fatos no diário, bem como os analisa: o que deu
ou não certo. Vejamos como a experiência não só da Bienal de São Paulo, como as gravações
com os sons do sertão, serão utilizadas na Bienal de Veneza:
Resolvemos usar algumas fotos bastante ampliadas (...) também os depoimentos
deverão ser maiores (...) mostrar o material fotográfico numa das salas (...)
selecionamos também as fotos para o catálogo (...) na parte interna mostraremos os
vídeos e também um som ambiente (sons gravados no sertão). (Diário, p.56)
19
Grifos nossos.
94
95
96
97
Figura 81. “Recebi carta de Cuba me convidando para participar da 3ª. Bienal de Havana, a ser realizada em
novembro de 1989 (...) Escrevo, confirmando minha participação na Bienal”. (Diário, p.66)
98
O artista plástico Juraci Dórea nunca buscou o sertão apenas como espaço de
instalação. Sua intenção esteve clara durante todo o percurso do projeto: ele procurou
interagir com o meio e as pessoas. Teve sempre o cuidado de suas obras não interferirem na
paisagem e, no que se refere às pessoas, primeiro tentava uma aproximação com os moradores
da região, a fim de construir uma relação, para só depois dar início ao trabalho.
A recepção dos sertanejos foi amplamente registrada pelo artista, tanto no diário
quanto nas fotos, gravações de áudio e nas filmagens. Por isso, tratamos o Projeto Terra não
apenas como uma produção e sim uma atuação. Daí, Rubens Pereira (2003, p.120)
denominar o trabalho de Juraci de “evento-monumento”. Veja que o evento vem primeiro, e
neste caso, a ordem muda um pouco a soma dos fatores, já que Juraci deixou claro, em
passagens do seu diário, que o importante é o ato, o fazer, o “happening” – com todas as suas
implicações: os registros, a recepção e a interação com as comunidades. Podemos
compreender então a criação deste artista como um ato comunicativo, já que faz parte da sua
proposta compreender, registrar e publicar o olhar dos sertanejos diante da arte. Selecionei
alguns trechos que retratam tal recepção:
Uns olham para o painel com curiosidade. Colho algumas opiniões. Faço fotos do
povo em frente ao painel. Há um grande interesse pela fotografia. Todos querem ser
fotografados. Fazem pose, palhaçadas etc. (...) Ana faz algumas gravações. (Diário,
25.11.1984, p.31).
Ela [Edwirges, falando sobre o painel na parede da casa dela] me diz: “Ah! Tá
causando abismo por lá!” Como?, pergunto. “Tá todo mundo abismado, querendo
que o senhor faça também igual na casa deles”. (Diário, 03.12.1984, p.32).
O trabalho vai saindo aos poucos. No final da tarde está pronto. Faço algumas fotos:
a luz não ajuda muito (...) Acho interessante alguns depoimentos: alguém diz que é
um museu, era um cemitério. Outro, que era um hospital. Comparações estranhas,
sutis. Fico esperando o sol aparecer para tentar novas fotos do trabalho, mas começa
a escurecer. Resolvo ir embora. (Diário, 01.05.1988, p.63).
Dou o trabalho por concluído. Paro para comer alguma coisa e logo depois começo a
fazer algumas fotos. Ana grava alguns depoimentos. Percebo que aqui o pessoal já
99
faz uma associação da escultura com estátuas (istáutas). Permaneço no local até o
final da tarde. Faço mais fotos. (Diário, 14.05.1988, p. 64).
O mesmo acontece quando os quadros do projeto são expostos no meio de uma feira
livre. A questão da comercialização ganha espaço, mas o evento para Juraci Dórea é
experimentação, descoberta e não a busca pela venda dos trabalhos.
Procurei saber se existia alguma norma, alguém que disciplinasse o uso do espaço
físico na feira. – “Não, nós camelots zelamos pelo outro. Todo mundo sabe os
lugares do outro.” Explico que os trabalhos vão ficar mais adiante e o homem se dá
por satisfeito (...) Na feira, os trabalhos. A exposição. Ainda não termino de
distribuir os quadros e para minha surpresa algumas pessoas se aproximam e
perguntam o preço (...) Demoro de começar as fotos e as gravações para não
20
espantar o pessoal . Percebo que eles encaram os trabalhos como uma mercadoria,
como sabão, couro, farinha, mamão ou rapadura. Este é o dado novo em todo o
trabalho. A questão da comercialização. (Diário, 12.02.1985, p.44).
100
101
EPÍLOGO
A estética do processo
Figura 82. Escultura Caminhos de Feira de Santana: outro público, outra linguagem
Sim, são as mesmas formas do Terra, num novo cenário: o centro da cidade de Feira
de Santana, um dos quadriláteros mais tradicionais da cidade, tanto do ponto de vista histórico
como arquitetônico – numa ponta do quadrado, a Prefeitura (foto); noutra, a Igreja Senhor dos
Passos; na terceira, um antigo casarão que já foi o Paço Municipal, e na última, o mais
comum da cidade: casarões derrubados que dão lugar a lojas comerciais. Esta é “aquela antiga
forma em novos suportes. Recriada em outros materiais sintéticos e de metal” (PIRES
FERREIRA, 2003, p. 59-60).
Num rápido olhar, pensamos que o aço desvirtua a proposta do Terra. Mas é puro
engano, a ideia do projeto sempre foi usar materiais identificados pelos habitantes da região,
logo, muda-se a localidade, troca-se a matéria-prima – para que aconteça a comunicação.
102
Como explica o próprio artista, em seu diário, quando questiona o uso do couro e da madeira
na escultura do Campo do Gado, um espaço comercial de Feira de Santana:
O clima da feira, o negociar, a preocupação com o dia a dia. Também a identificação
com os materiais, a própria filosofia da proposta de ser algo inerente ao meio. E se
fosse uma escultura de plástico, de aço, etc, qual seria a reação (...)? (Diário,
01.10.1984, p.20).
Vejamos que o trabalho metalizado teve seu conceito pensado anos antes, já que
podemos associar o “clima da feira” com o da Feira (de Santana – cidade comercial). Sendo
assim, a escultura “nos oferece uma intensa carga de muitas práticas: ligando e parecendo
recuperar marcas da história e da cultura aqui essencializadas” (PIRES FERREIRA, 2003, p.
60). Poderíamos destacar muitos pontos dessa “carga”: o próprio fazer artístico; a estética da
obra; a necessidade de comunicação ao mudar a matéria-prima; o local escolhido e assim por
diante... muitos são os caminhos que podemos percorrer para analisar unicamente essa
escultura.
Prender-se a um único trabalho é, no entanto, empobrecer o projeto artístico de Juraci
Dórea, que nos oferece mais. Ele se sustenta justamente por se mostrar como uma rede: a
interligação da obra com o espaço; do espaço com a obra; da obra com ela mesma, com outras
e seus registros, e ainda com o mundo interior do artista. E mais, ele nos dá pistas de como
essas ligações acontecem ao deixar rastros no seu percurso de criação. Os seus rascunhos,
esboços, diários e arquivos nos oferecem mais do que obras prontas, nos mostram outra
estética: a do processo; onde já não se diferencia percurso de obra.
Assim, este trabalho final não é uma obra acabada, uma vez que não pretendeu
desvendar o complexo e vasto mundo da criação e nem dar conta da trajetória do amplo
Projeto Terra, cheio de labirintos, propostas e nuances, até porque não creio ser possível
explicar a arte ou seu caminho. Este estudo é tão somente uma contribuição para pensarmos a
obra de arte, a memória, os processos e as redes da criação a que estamos submersos no nosso
cotidiano e, nem sempre, nos damos conta.
103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Costa (Org.). Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
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OLIVIERI-GODOT, Rita; PEREIRA, Rubens Alves (Orgs.). Memória em movimento: o
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_______. Feira ontem – uma curtição saudosista. Jornal A Tarde, Salvador/Bahia, p.2,
Caderno 3, 16 jun. 1976.
POPPINO, Rolli. Feira de Santana. Tradução: Arquimedes Pereira Guimarães. Salvador: Ed.
Itapuã, 1968.
SALLES, Cecília Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artística. 3 ed. São Paulo:
FAPESB/Annablume, 2004.
_______. Redes de criação. Construção da obra de arte. São Paulo: FAPESB: Horizonte,
2006.
_______. Por que as artes e as comunicações estão convergindo? São Paulo: Paulus, 2005.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo – por uma nova cultura política. v.4.
São Paulo: Cortez: 2006.
_______. A crítica da razão indolente – contra o desperdício da experiência. v.1. São Paulo:
Cortez: 2007.
SANTOS, Cátia Maria Ferreira. Visões de uma cidade: imagens urbanas de Feira de Santana
(1929-1940). 2004. (Especialização em História da Bahia) – Departamento de Ciências
Humanas e Filosofia. Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana/BA.
TEIXEIRA, José Carlos. Terra. In: OLIVIERI-GODOT, Rita; PEREIRA, Rubens Alves
(Orgs.). Memória em movimento: o sertão na arte de Juraci Dórea. Feira de Santana:
Universidade Estadual de Feira de Santana, 2003, p. 141-143.
TODERO, Luiz Ney. De Canudos a Veneza: o projeto terra do artista plástico Juraci Dórea.
2003. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Universidade Federal da Bahia,
Salvador/BA.
107
Livros
Diário do artista
Vídeos
Catálogos de Exposições
108
ÍNDICE DE IMAGENS
109
110
Figura 41. Arredores da Feira Livre. Imagem retirada do livro Memória Fotográfica
de Feira de Santana (1994)............................................................................................. 50
Figura 42. Eurico Alves na inauguração do primeiro ateliê de Juraci Dórea, em 1966.
Acervo pessoal de Juraci Dórea ....................................................................................... 54
Figura 43. “Escultura da Fonte Nova”, 1989. Acervo do Projeto Terra......................... 55
Figura 44. Dival Pitombo e Juraci Dórea durante a exposição no Museu Regional de
Feira de Santana, em 1986. Acervo pessoal de Juraci Dórea............................................ 56
Figura 45. Foto tirada do álbum fotográfico de Juraci Dórea. Duas imagens da
exposição de 1962............................................................................................................. 57
Figura 46. “O vaqueiro” que Dival Pitombo chama de D. Quixote da caatinga. Acervo
pessoal de Juraci Dórea..................................................................................................... 57
Figura 47. Juraci Dórea com as colegas Isaura Maria e Jane Lídia, na Faculdade de
Arquitetura da UFBa, no dia da colação de grau (26/12/1968). Acervo pessoal do
artista................................................................................................................................. 58
Figura 48. Estudo com status de obra. Acervo pessoal de Juraci Dórea.......................... 59
Figura 49. Gaveteiro especial para arquivamento. Foto: Carolina Lôbo......................... 60
Figura 50. Painel com interferências da natureza. Acervo pessoal de Juraci Dórea........ 62
Figura 51. Juraci Dórea na década de 50, quando ensaiava seus primeiros passos no
desenho. Acervo pessoal do artista................................................................................... 64
Figura 52. “Escultura do Orfanato”. Acervo do Projeto Terra........................................ 70
Figura 53. Visita de J. P. Sartre e Simone de Beauvoir a Feira de Santana,
recepcionados por Dival Pitombo e família. Acervo da família Pitombo. Foto: Elídio
Azevedo Rocha................................................................................................................. 72
Figura 54. “Exposição da Santa Rosa”, 1985. Acervo do Projeto Terra......................... 73
Figura 55. Imagem copiada diretamente do arquivo do artista. Acervo do Projeto
Terra.................................................................................................................................. 76
Figura 56. “Escultura do Curral do Jericó”, 2004. Acervo do Projeto Terra.................. 78
Figura 57. Seu Antônio, a família e o carneirinho. Acervo do Projeto Terra................ 82
Figura 58. Pio, assinalado com a seta. Acervo do Projeto Terra..................................... 83
Figura 59. O primeiro livro Terra (1985). Imagem de capa............................................ 85
Figura 60. Páginas do livro Terra.................................................................................... 85
Figura 61. Uma das esculturas ilustra a capa do livro Sertão Sertão............................... 87
111
112
Figura 79. Postal confeccionado (verso) para a Bienal de Veneza, 1988. Acervo do
Projeto Terra..................................................................................................................... 79
Figura 80. Postal confeccionado (frente) para a Bienal de Veneza, 1988. Acervo do
Projeto Terra..................................................................................................................... 80
Figura 81. Catálogo da Bienal de Havana, 1989.............................................................. 97
Figura 82. Escultura Caminhos de Feira de Santana. Foto: Carolina
Lôbo.................................................................................................................................. 101
113
ANEXO
114
Exposições Individuais:
1962
- Juraci Dórea, Biblioteca Municipal Arnold Silva, Feira de Santana/BA
1965
- Juraci Dórea: guaches, Galeria USIS – Salvador/BA
1974
- Juraci Dórea: pinturas, Galeria de Arte de Feira de Santana/BA
115
1980
- Juraci Dórea, Museu Regional de Feira de Santana/BA
Catálogo
1986
- Juraci Dórea, Museu Regional de Feira de Santana/BA.
1989
- Dezoito do Paschoal, Espaço Cultural, Salvador/BA.
1999
- Projeto Terra, Université Paris 8, França.
- Peintures: Juraci Dórea, Centre Social et Culturel Franco-Brésilien Chapelle de
l’Humanité), Paris.
Catálogo
116
2002
- Histórias do Sertão, MABEU, Belém/PA.
Catálogo
2003
- Sertão: Fantasias e Histórias, Museu Casa do Sertão, Feira de Santana/BA.
2004
- Projeto Cultural ArteSofitel, Sofitel Costa do Sauípe/ BA.
2007
- Cenas Brasileiras, Caixa Cultural Salvador, Salvador/BA.
- Cenas Brasileiras, Galeria D. Pedro II, Caixa Cultural São Paulo, São Paulo/SP.
Catálogo
117
1963
- 1º Festival de Artes, Feira de Santana/BA.
1964
- 2º Festival de Artes, Feira de Santana/BA.
1966
- Pinturas, Prefeitura Municipal de Feira de Santana/BA.
Catálogo
1968
- Feirart I, Museu Regional de Feira de Santana/BA.
1973
- Galeria da Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural, Salvador/BA
118
1974
- Artistas Plásticos Feirenses, Centro Cultural de Feira de Santana/BA.
- Novarte Bahia 74, Clube de Campo Cajueiro, Feira de Santana/BA.
1975
- Fraxem – 5 Artistas Feirenses, ICBA, Salvador/BA.
- Novarte Bahia 75, Clube de Campo Cajueiro, Feira de Santana/BA.
- Coletiva, Galeria Bahiarte, Londrina/PR.
1976
- Homenagem a Di Cavalcanti, Museu Regional de Feira de Santana/BA.
1978
- Opus Quavro, Galeria Canizares, Salvador/BA.
- 1º Encontro de Arte da Fumcisa, Museu de Arte da Bahia, Salvador/BA.
- 1º Salão Nacional de Artes Plásticas, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro/ RJ.
1979
- 5 Artistas Baianos, Centro de Artes Homero Massena, Fundação Cultural do Espírito
Santo, Vitória/ES.
- Brinquedo Ex-posição, Teatro Castro Alves, Salvador/BA.
- Mostra de Escultura Lúdica, Museu de Arte de São Paulo, São Paulo/SP.
- Exposição Cadastro, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.
- Coletiva Um, Baguettes Galeria de Arte Contemporânea, Salvador/BA.
1980
- Proposta 80, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.
- 1º Salão Sergipano de Artes Plásticas, Aracaju/SE.
- 1º Salão de Artes Plásticas de Feira de Santana, Museu Regional de Feira de Santana/BA.
- 37º Salão Paranaense, Sala de Exposições do Teatro Guaíra, Curitiba/PR.
119
1981
- 1º Encontro de Artistas Plásticos do Nordeste, Museu de Arte Moderna da Bahia,
Salvador/BA.
- IV Salão Nacional de Arte Moderna, Museu de Artes Plásticas, Rio de Janeiro/RJ
- Cinco Artistas Contemporâneos, ACBEU, Salvador/BA.
- 1ª Mostra de Arte Postal, Rio Grande/RS.
1982
- II Arteboi, Salão Nacional de Montes Claros, Centro de Extensão Cultural, Montes
Claros/ Palácio das Artes, Belo Horizonte/MG.
- VIII Salão Nacional de Artes do Ceará – Casa de Cultura Raimundo Cela, Fortaleza/CE.
1983
- 5ª Mostra do Desenho Brasileiro, Sala de Exposições do Teatro Guaíra, Curitiba/PR.
- XXXVI Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Centro de Convenções, Recife/PE.
- Artistas Contemporâneos da Bahia, MAC, São Paulo/SP.
Catálogo
1984
- 6ª Mostra do Desenho Brasileiro, Sala de Exposições do Teatro Guairá, Curitiba/PR.
- XXXVII Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Centro de Convenções, Recife/PE.
- VII Salão Nacional de Artes Plásticas, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro/RJ.
- IX Salão de Artes Plásticas do Ceará, Casa de Cultura Raimundo Cela, Fortaleza/CE.
Catálogo
1985
- III Salão Paulista de Arte Contemporânea, Pavilhão da Bienal de São Paulo/SP.
- XXXVIII Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Centro de Convenções, Recife/PE.
121
- VII Exposição de Belas Artes Brasil-Japão. Itinerante: Tóquio, Atami, Quioto, Rio de
Janeiro e São Paulo.
- Velha Mania- Desenho Brasileiro, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de
Janeiro/RJ.
- Exposição Coletiva, Solo Espaço de Arte, Rio de Janeiro/RJ.
1986
- Mostra Baiana de Artes Plásticas, Teatro Castro Alves, Salvador/BA.
- 7ª Mostra do Desenho Brasileiro – Curitiba/PR.
- Bolsa Ivan Serpa I, Galeria Sérgio Milliet, FUNARTE, Rio de Janeiro/RJ.
- Bahia de Todas as Artes, Centro de Convenções, Salvador/BA.
- 1ª Exposição Internacional de Esculturas Efêmeras, Fortaleza/CE.
- V Salão de Arte, Belém/PA.
- XXXIX Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Centro de Convenções, Recife/PE.
- Imaginário Tropical, Escritório de Arte da Bahia, Salvador/BA.
- 18º Salão Nacional de Artes, Museu de Arte de Belo Horizonte/MG.
- 43º Salão Paranaense, Museu de Arte Contemporânea do Paraná, Curitiba/PR.
1987
- Octaedro, Galeria Raimundo de Oliveira, Feira de Santana/BA.
- 19ª Bienal Internacional de São Paulo, São Paulo/SP.
1988
- 43ª Bienal de Veneza, Veneza, Itália.
122
- Déjeuner sur l’Art - Manet no Brasil, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de
Janeiro/RJ.
- Projeto Nordeste. Itinerante: Salvador, Aracaju, Maceió, Recife, João Pessoa e Natal.
1989
- 2º Salão Baiano de Artes Plásticas, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.
- Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco/ Edição 1989, Recife/PE.
123
1990
- Mulher-s, Galeria ELF, Belém/PA.
- 1ª Mostra Baiana de Arte Ecológica, Teatro Castro Alves, Salvador/BA.
- Projeto Canudos, Teatro Castro Alves (Salvador) e Açude de Cocorobó (Canudos/BA).
1991
- Arte - O Eterno Reciclar, Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Brasília/DF.
- I Bienal do Recôncavo (Participação em Sala Especial: Projeto Canudos) Centro Cultural
Dannemann, São Félix/BA.
1992
- A Religiosidade na Arte Baiana Contemporânea, Galeria ACBEU, Salvador/BA.
1993
- Inauguração do Espaço Cultural Banco do Brasil, Feira de Santana/BA.
- 1ª Bienal de Arte Incomum, Museu de Arte Contemporânea, Goiânia/GO.
1994
- Futebol - Uma Interpretação Plástica, Escola de Belas Artes da UFBA, Salvador/BA.
- 1º Salão MAM-BA de Artes Plásticas, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.
1995
- Artistas da Bahia, Espaço Cultural Ponto do Livro, Feira de Santana/BA.
124
1996
- Pintura e Escultura do Nordeste do Brasil, Espaço Oikos, Lisboa, Portugal.
Catálogo
1997
- Azul, Vermelho e Branco: Bahia, Galeria ACBEU, Salvador/BA.
1998
- Tropicália 30 Anos, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.
- Bahia à Paris – Arts Platiques d’aujourd’hui, Galeria Debret, Paris, França.
125
1999
- Arte-Arte Salvador 450 Anos, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.
2000
- 25 Anos da Galeria ACBEU, Acbeu Magalhães Neto, Salvador/BA.
2001
- Coletiva 2001, Museu de Arte Contemporânea de Feira de Santana/BA.
2002
- Arte Bahia 2002, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.
- Art For Sale, Galeria ACBEU, Salvador/BA.
2003
- Arte Feirense em Pauta, Galeria Carlo Barbosa, Feira de Santana/BA.
- Acervo ACBEU de Artes Plásticas, Galeria ACBEU, Salvador/BA.
2004
- Projeto Terra, Hall da Biblioteca Julieta Carteado, Feira de Santana/BA.
126
2005
- O Que é Que a Gravura Tem?, Galeria Cañizares, Salvador/BA.
- 14 Fragmentos Contemporâneos II, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA e
Galeria 57, Leiria, Portugal.
- Panorama da Arte Baiana, Galeria Solar do Ferrão, Salvador/BA.
- Sem Fronteiras, Galeria Álvaro Santos, Aracaju/SE.
- VI Mercado Cultural - Artes Visuais, Centro Cultural da Caixa, Salvador/BA.
- Às Portas do Mundo. Itinerante: Évora, Portugal (Palácio D. Manuel, 30/11/2005 a
29/01/2006); Maputo, Moçambique (Centro Cultural Franco Moçambicano, 20/05 a
01/06/2006); Luxemburgo (Abadia de Neumunster, 30/06 a 31/08/2007).
2006
- As 14 Obras da Misericórdia, Museu da Misericórdia, Salvador/BA.
- Natureza Reverenciada, EBEC Galeria de Arte, Salvador/BA.
- Mais Gravura, Galeria ACBEU, Salvador/BA.
- Cadaqual, GLTA Galeria de Arte, Ouro Preto/MG.
- Arte Contemporânea: 60 artistas plásticos da Bahia em pequenos formatos, Prova do
Artista Galeria de Arte, Salvador/BA.
- Circuito das Artes, Galeria do Conselho, Salvador/BA.
- Artistas Arquitetos, Prova do Artista Galeria de Arte, Salvador/BA.
127
PRÊMIOS:
1978
- I Encontro de Arte da FUMCISA, Salvador/BA – Menção Honrosa.
1979
- Melhor Mostra do Ano: Participação na Mostra de Escultura Lúdica, MASP, São
Paulo/SP. Associação de Críticos de Arte de São Paulo – Melhor Mostra do Ano.
1980
- Salão de Artes Plásticas de Feira de Santana/BA – 1º Prêmio
1981
- I Concurso de Projetos em Artes Plásticas, Museu de Arte Moderna da Bahia,
Salvador/BA (Grupo Posição).
1982
- II Concurso de Projetos em Artes Plásticas, Museu de Arte Moderna, Salvador/BA.
1983
- XXXVI Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Recife/PE. Prêmio Aquisição
José Gomes de Figueiredo pelo conjunto de obras.
- Prêmio Concurso Ivan Serpa, Bolsa de Apoio à Produção de Artistas Plásticos,
MEC/FUNARTE/CAPES – Rio de Janeiro/RJ.
1984
- XXXVII Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Recife/PE – Prêmio Aquisição.
- IV Salão Brasileiro de Arte, São Paulo/SP – Prêmio Aquisição.
1985
- V Salão Arte, Belém/PA – Prêmio.
- 43º Salão Paranaense, Curitiba/PR – Prêmio Aquisição.
128
1989
- Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco, Edição 1989, Recife/PE – Prêmio
Wellington Virgolino.
1990
- Prêmio Concorrência Fiat 1990, São Paulo/SP.
1998
- Prêmio CODEBA – Concurso Salvador, Porto e Mar. Companhia das Docas do Estado da
Bahia.
2002
- Concurso Pinte na Porteira. Salvador/BA – 1º Prêmio.