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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Carolina Cerqueira Lôbo

Comunicação e Memória nas Redes da Criação de Juraci Dórea

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO
2011
  2

Carolina Cerqueira Lôbo

Comunicação e Memória nas Redes da Criação de Juraci Dórea

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica, como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e
Semiótica, sob orientação da Profª Drª Cecília Almeida
Salles.

SÃO PAULO
2011
 
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BANCA EXAMINADORA

______________________________
______________________________
______________________________

 
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Autorizo, exclusivamente, para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial


desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos, desde que citada a fonte.

 
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Bom, eu não tenho leitura, tá intendeno?


Eu num tenho leitura ninhuma, não leio.
Agora, aquilo ali eu acho qui tem uma grande tioria.

Manuel Alves, 44 anos


[sobre a escultura de Canudos, 1984].

 
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Resumo

A pesquisa propõe um estudo sobre os processos de criação do artista plástico e arquiteto


baiano Juraci Dórea, que se dedica às artes desde a década de 60, tendo como objeto de estudo
um dos seus trabalhos, o multifacetado Projeto Terra. Com a base criativa em pinturas e
esculturas, produzidas e fixadas em pleno sertão, o Terra é composto ainda por fotos,
gravações de áudio, vídeos, livros e um diário que registram não apenas as obras, como
também a presença e o depoimento de sertanejos nos locais de exposição. O objetivo deste
trabalho é discutir as relações de interação e de comunicação do Projeto Terra com os
ambientes geográficos e socioculturais onde está inserido, realçando a diversidade de recursos
utilizados para seu registro documental, em acervo de caráter multimidiático. Tal objetivo
reflete-se na hipótese de que a obra é impulsionada por uma força de expressão que busca unir
memória e tradição, com renovação e invenção, e especialmente, por um desejo de
comunicação que vai do estético ao antropológico, do discurso ao diálogo, da representação à
autoexposição, formando uma complexa rede. Sendo assim, a opção metodológica adotada se
configura num estudo de caso, a partir da perspectiva da crítica de processo de base semiótica,
que discute a criação como rede em construção.

Palavras-chave: comunicação; redes da criação; crítica de processo; memória; Juraci Dórea;


Projeto Terra.

 
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Abstract

The research suggests a study of the creation processes by the Bahian plastic artist and
architect Juraci Dórea who has dedicated himself to the arts since the 1960s. The study has as
object one of his works, the multi faceted Projeto Terra (Project Earth). With the creative
basis in paintings and sculptures produced and fixed in the hinterland, the TERRA is also
composed of photos, audio recordings, videos, books and a diary that register not only the
works , but also the presence and testimony of native people at the exhibition sites. The goal
of this paper is to discuss the relations of interaction and communication of the Projeto Terra
with the geographical and socio- cultural environments where it is inserted, highlighting the
diversity of the resources used for its documentary register in a collection of multimedia
character. Such goal reflects in the assumption that the work is boosted by a force of
expression that seeks to unite memory and tradition with renewal and invention and especially
by a desire of communication that reaches from the aesthetic to the anthropological, from
discourse to dialogue, from representation to self-exposition, forming a complex network.
Thus, the methodological approach adopted is set in a case study based on the perspective of
the critique of a semiotic base process that discusses the creation as a network in
construction.

Key Words: communication, creation networks, critique of process, memory, Juraci Dórea,
Projeto Terra.

 
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SUMÁRIO

PRÓLOGO .................................................................................................................... 10

1 – O DIÁRIO COMO TRILHA ................................................................................ 13


1.1 Crítica de processo .............................................................................................. 13
1.2 Estandarte do Jacuípe e Série Terra: primeiros movimentos ............................ 14
1.2.1 Recorte do tema: Projeto Terra .......................................................................... 14
1.2.2 Gênese: de traços e espaços ........................................................................... 17
1.2.3 Rascunhos, ideias, caminhos – do bi para o tri-dimensional .......................... 29
1.3 O diário como trilha ............................................................................................ 34
1.3.1 Dando corpo às ideias: materialidade ................................................................ 37
1.3.2 Da relação com o espaço: instalação e interação ............................................... 39
1.3.3 Nada é por acaso ................................................................................................ 41
1.3.4 Benditas são as angústias (e insatisfações!) ....................................................... 45

2 – PACTOS DA MEMÓRIA ..................................................................................... 47


2.1 O despertar dos signos ........................................................................................ 48
2.1.1 Outras referências ............................................................................................... 51
2.1.2 Vida e obra ......................................................................................................... 58
2.2 Registro como necessidade: as camadas da memória ....................................... 59
2.2.1 Da obra ............................................................................................................... 59
2.2.2 Do artista ............................................................................................................ 64
2.2.3 Da cidade ........................................................................................................... 67
2.2.3.1 Outras histórias .................................................................................................. 73
2.3 Memória como matéria-prima ........................................................................... 74

3 – REDES DA CRIAÇÃO: PRODUÇÃO, PERFORMANCE E


COMUNICAÇÃO ........................................................................................................ 79
3.1 Produção .............................................................................................................. 80
3.1.1 Diário ................................................................................................................. 80
3.1.2 Fotografias ......................................................................................................... 81

 
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3.1.3 Gravações de áudio ............................................................................................ 83


3.1.4 Livros ................................................................................................................. 84
3.2 Performance ........................................................................................................ 89
3.2.1 Instalação ........................................................................................................... 89
3.2.2. Vídeos ................................................................................................................ 90
3.3 Comunicação ...................................................................................................... 91
3.3.1 Exposições .......................................................................................................... 91
3.3.2 Recepção e Interação .......................................................................................... 98

EPÍLOGO ..................................................................................................................... 101

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 103

DOCUMENTOS DO PROJETO TERRA CONSULTADOS ................................... 107

ÍNDICE DE IMAGENS ............................................................................................... 108

ANEXO .......................................................................................................................... 113

 
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PRÓLOGO

Vou começar a contar a história do início.


Mas qual é o início?
Não sei em que momento a obra do artista baiano Juraci Dórea apareceu diante dos
meus olhos. Os trabalhos dele estão espalhados pela cidade. Cresci vendo os painéis do
mercado de arte – eles antecedem ao meu nascimento. A escultura que hoje é o cartão postal
da cidade [Feira de Santana – Bahia], no quadrilátero da prefeitura, foi erguida ainda na
minha adolescência. Os traços e temas eram facilmente identificados nas paredes sob forma
de quadros – nem precisava ler a assinatura. Não sei como se deu esse (re)conhecimento do
trabalho de Juraci. Ele estava ali, simplesmente. Os seus traços cruzavam o meu caminho.
Não lembro quando o vi pela primeira vez. Mas me recordo perfeitamente da primeira
entrevista que me concedeu. Foi sobre seu trabalho como artista plástico. Ele respondia
devagar, com cautela, escolhendo as palavras como se já quisesse escrever e ao mesmo tempo
editar enquanto falava. Além de já estar me aguardando com o material em mãos e de forma
muito organizada – como eu nunca havia visto!
Essa foi só a primeira impressão. Com o passar dos anos [como jornalista do caderno
cultural do Jornal Folha do Estado e mais tarde assessora de imprensa da Associação
Profissional dos Arquitetos de Feira de Santana (APAFS) – da qual ele era associado],
entrevistei Juraci algumas vezes. O cuidado e organização se repetiam e ao longo do tempo eu
ia percebendo o quanto isto fazia parte da personalidade dele.
Mudando de cenário, como estudante de Letras Vernáculas na Universidade Estadual
de Feira de Santana (UEFS), fui monitora do Núcleo de Estudos do Sertão (NES –
www.uefs.br/nes), sob orientação do Prof. Dr. Rubens Alves Pereira. Uma das atividades foi
desenvolver um website sobre Juraci Dórea. Uma espécie de resumo (bem resumido!) de sua
obra. O projeto era um rápido panorama do seu trabalho. A pesquisa foi uma aventura no
ateliê do artista.
Nos primeiros dias fiquei em pânico. Eu tinha pouco tempo, e ele, muito material!
Portas e pastas se abriam na minha frente. O passado ganhava vida. Em alguns momentos, o
cheiro de mofo enchia o ar. Personagens e histórias surgiam de um desenho ou livro... Meu
Deus! Como vou digitalizar e condensar esse material? – me desesperava. Foi quando desisti
de mergulhar na sua obra para apenas sobrevoar.
Navegar “nos sertões de Juraci Dórea”... Calmaria foi uma das primeiras impressões
ao conhecer Juraci Dórea. Quando, porém, comecei essa navegação, descobri que

 
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esse era o único estado em que ele não vivia. Depois da minha primeira visita ao
ateliê do artista, passei duas noites sem dormir. Mergulhei nos sertões que ele
apresentava na sua obra e voltei à superfície, quase morrendo de falta de ar... Decidi,
então, sobrevoar. Este site é, portanto, o resultado deste “sobrevôo”, buscando
mostrar, minimamente, algumas das várias facetas que esse artista assume: artista
plástico, poeta, arquiteto, escritor e ensaísta. Bem-vindo aos sertões de Juraci Dórea.
Bom vôo, e, se tiver fôlego, bom mergulho! (Texto de abertura do website).
Disponível em: <www.uefs.br/nes/juracidorea>.

Por conta da pesquisa, ele reviu antigos papéis e comentava: “Isso é um projeto que
penso em fazer”; “esse eu comecei, mas não acabei”; “aqui são os registros da obra tal que
ainda vou organizar”... Descobri que não se tratava de arquivos no sentido de passado. Tudo
aquilo eram possíveis obras – ou possíveis transformações de obras em outras.
Ali era um mundo.

Figura 1. “Por mim, eu não saía mais daqui”, Juraci Dórea – sobre o seu ateliê.

De fato, naquele momento eu não tinha fôlego nem tempo para mergulhar nos seus
arquivos, muito menos uma teoria que desse conta dos registros e daquelas obras
inacabadas. Fiz o sobrevoo, como proposto.
Mudemos de palco. Graduações concluídas. Hora do mestrado. Escolha do curso.
Semiótica era o que eu queria. Tinha na PUC/SP. Mas o que estudar em semiótica? Fui a

 
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campo: li dissertações do programa; pesquisei currículos e produções dos professores, vi sites


dos grupos de pesquisa... até que me deparei com o Grupo de Pesquisa em Processos de
Criação, da Profª. Drª. Cecília Almeida Salles. Consultei-o inteiro em poucos minutos.
Era exatamente a teoria que dava conta dos arquivos de Juraci Dórea. A pesquisa
desse grupo contempla o processo de criação e uma das maneiras de estudá-lo é justamente
através do arquivamento do processo de construção de uma obra. Juraci tinha um ateliê de
processos!
Graças à facilidade da tecnologia dos “tempos modernos”, em dois dias os livros de
Cecília Salles saíram das prateleiras de livrarias de São Paulo e se acomodaram em minhas
mãos, prontos para serem devorados. Após dez dias, o projeto estava escrito. E, em seguida,
eu já estava no avião de mudança para São Paulo.
Passados dois anos, eis o trabalho como resultado da análise do processo de criação do
artista plástico Juraci Dórea. No primeiro capítulo, rascunhos, esboços e antigas obras
explicam muito a respeito do Projeto Terra; o acervo do próprio artista nos oferece pistas de
como se dá o seu processo de criação. Já no segundo, o enfoque é numa das forças
propulsoras do trabalho de Dórea: a memória. Para efeito de estudo, divide-se em três
aspectos: memória da obra, do artista e da cidade. No terceiro e último capítulo, a ênfase ficou
na transformação de registros em novas obras. Temos então um trabalho que mostra a obra do
artista plástico Juraci Dórea como uma rede de criação, englobando aí o projeto poético de
uma vida.
 

 
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1 – O DIÁRIO COMO TRILHA

Pretendo, depois, publicar todo o processo 1

1.1 Crítica de Processo

Para este trabalho, teremos como base os estudos da Crítica Genética, originados em
1968, quando pesquisadores franceses (Louis Hay e Almuth Grésillon) se uniram a
pesquisadores germânicos para organizar os manuscritos do poeta alemão Heinrich Heine
(SALLES, 2008). Já num segundo momento (1975 a 1985), este grupo começou a dialogar
com outros estudiosos que se interessavam igualmente por manuscritos – até aí, apenas os
literários. A Crítica Genética surge, então, a partir da necessidade de compreender o processo
de criação de artistas, a princípio, escritores, através de registros deixados pelos mesmos.
Em 1985, acontece em São Paulo o “I Colóquio de Crítica Textual”, organizado por
Philippe Willemart, que na ocasião estudava os manuscritos do escritor Gustave Flaubert.
Nesse colóquio, foi fundada a Associação de Pesquisadores do Manuscrito Literário (APML)
que, em 1990, lançou a revista Manuscrítica visando a divulgação dos estudos em Crítica
Genética. Já nos anos 90, os estudos passaram por uma expansão, possibilitando a
transdisciplinaridade.
Na terceira fase da Crítica Genética, já se permite estudar não apenas manuscritos
literários, mas outros processos comunicativos: cinema, música, dança, artes plásticas,
arquitetura, jornalismo, publicidade... E a lista não acaba. Assim como os objetos de estudo se
multiplicaram, os registros também ganharam outra materialidade. Vídeos, livros, negativos
fotográficos, croquis, maquetes... Cada processo com seu modo de registro.
A questão central da Crítica Genética é compreender como é criada uma obra. Para
isso, utiliza-se da análise dos documentos de processos – como são chamados os registros
deixados pelos artistas. Nestes, o crítico genético procura por procedimentos que ajudaram a
construir tal obra de arte. Rascunhos, anotações, materiais aparentemente deixadas de lado,
fotografias, recortes de jornais – tudo isso pode ser considerado documento de processo.
Observa-se todo o registro para se ter uma pista de como as ideias do criador foram evoluindo
e se transformando até culminar na obra em questão.
                                                            
1
DÓREA, Juraci. (Diário, 1987, p.50)

 
  14

Porém, independente do tipo de obra ou de registro, uma questão que é geral, no que
se refere ao percurso da criação, é o pensamento em processo, a cadeia de pensamentos e
ideias que vão aparecendo e se interligando: de fatos que surgem ao acaso e viram pedaços de
obra; insatisfações que se resolvem em outra parte da obra; restrições de toda ordem que
estimulam a busca de soluções; a escolha da matéria-prima que mais traduz a necessidade do
autor. Enfim, são muitos os caminhos que podemos percorrer para refazer a trilha da criação.
Tudo isso nos leva a crer que o processo de construção da obra de arte é um percurso humano
– desmitificando, assim, o mito da criação.
Com base nesses estudos, passamos a encarar o processo de construção da obra como
resultado de um trabalho complexo que incluem pesquisas, planos, desistências, erros... ou
seja, a obra é um processo progressivo que definitivamente não “nasce pronta”. Ao nos
depararmos com o percurso criador, “as camadas superpostas de uma mente em criação vão
sendo lentamente reveladas e surpreendentemente compreendidas” (SALLES, 2008, p. 26).
Isto não significa que temos a ilusão de ter acesso a todo o processo criador e sim a alguns de
seus índices.

1.2 Estandarte do Jacuípe e Série Terra: primeiros movimentos

1.2.1 Recorte do tema: Projeto Terra

Figura 2. “Escultura de Mané Acarí”, 1988. Estrada que liga Feira de Santana a São Gonçalo.

No início da década de 80, o artista plástico baiano Juraci Dórea foi um dos
vencedores, com o Projeto Terra, do concurso instituído pela Fundação Cultural do Estado da
 
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Bahia. As esculturas que compuseram inicialmente o Terra foram produzidas essencialmente


com madeira e couro. O principal motivo da escolha do material por parte do artista foi,
segundo ele, a facilidade com que seria identificado pelas pessoas da região – o público desta
exposição, pois “elas não seriam mostradas em museus ou galerias de arte, mas no próprio
espaço do sertão” (DÓREA, 2003, p. 18). Dórea explica que buscou desta forma estabelecer
um diálogo entre a arte (materializada pelas pinturas e esculturas) e a população local, que
provavelmente não teria informações sobre arte, como nós, da cidade, a compreendemos.
Por serem abstratas, as obras causavam as mais variadas reações: “Pensava que era um
bicho grande”, disse um menino de 12 anos, ao se deparar com uma das esculturas (DÓREA,
1987, p. 21). Mas não foi só a atenção das crianças e passantes que o Projeto Terra conseguiu
captar. Chamou também a dos críticos, justamente, porque mudava o circuito tradicional da
obra de arte, tirava-a dos locais previstos e previsíveis.
A idéia era retirar a obra de arte do circuito urbano, ou seja, dos museus e das
galerias de arte, e colocá-la ao alcance de um novo público, o homem do campo, que
na maioria das vezes não havia freqüentado escolas e que dificilmente teria a
oportunidade de conhecer as manifestações da arte atual. Isso invertia, de certa
maneira, o mecanismo tradicional de circulação da obra de arte, delineando novas
possibilidades para um itinerário que sempre se limitou às grandes cidades.
(DÓREA, 2003, p. 19).

A inovação rendeu ao artista muitos prêmios, e o Projeto Terra, nascido em pleno


sertão, ganhou o mundo, sendo exposto em várias cidades e países. Por se tratar de uma arte
efêmera e ter sido concebida para viver em lugares inusitados, o Terra viajou através dos seus
desdobramentos, sua documentação: fotografias, vídeos e livros. Já com nova bolsa de
trabalho para continuação do projeto, desta vez concedida pelo Instituto Nacional de Artes
Plásticas, órgão da Funarte, através do Concurso Ivan Serpa, realizado com o objetivo de
apoiar a produção de artistas plásticos contemporâneos, novas esculturas surgiam. Desde
então, dezenas de obras foram construídas e pinturas também passaram a fazer parte do
projeto. Estas, por sua vez, “eram executadas em carvão sobre madeira, e mostradas em
exposições itinerantes pelo sertão, ou mesmo realizadas diretamente sobre as paredes das
toscas casas da região”. (DÓREA, 2003, p. 18).

 
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Figura 3. Exposição do Acarú, 1985.

Conforme já foi dito, as etapas do projeto foram sendo documentadas por meio de
fotografias, vídeos, livros e mais um documento que não foi publicado: um diário. A
relevância deste material para nossa pesquisa está no fato de que, baseada na Crítica Genética,
“o olhar científico procura por explicações para o processo criativo que esses documentos
guardam” (SALLES, 2004, p. 19). Percebemos através das anotações não só a construção da
obra de arte em si, como arcabouços ideológicos e socioculturais que compõem o projeto –
desde a escolha do material e das locações, passando pelas reações do público-alvo até a
exposição das obras, em meios artísticos tradicionais, já nos suportes de documentação, como
vídeo, fotografia e livros.
Os documentos que registram o processo de criação do Projeto Terra nos dão a
possibilidade de compreender o trabalho criativo do artista, bem como sua relação com o
meio, a partir da perspectiva da identidade cultural e do ponto de vista da comunicação, uma
vez que comunicar-se com o público parece ser um dos fatores impulsionadores de sua
criação. Percebe-se, então, que esse processo criativo pode ser abordado por diferentes
vertentes, já que o Terra é uma obra que permite múltiplas possibilidades de leitura,
construindo, assim, uma conexão entre a arte e a comunicação, “uma indissociação que veio
crescendo através dos últimos séculos para atingir um ponto culminante na
contemporaneidade” (SANTAELLA, 2005, p.7). Por se tratar de uma obra de arte que é
construída e reconstruída, o Projeto Terra evoca inúmeras possibilidades de análises,
cumprindo, assim, seu papel sócio-comunicativo, como toda arte que vise a partilhar ideias e
ideologias.
 
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A documentação do artista nos leva a diferentes questões que envolvem processo de


criação: documentos referentes ao percurso de construção do Projeto Terra e os registros
destas obras mostradas ao público, que, por sua vez, ganham espaços expositivos ao longo do
projeto, o que nos faz compreender o Terra como uma obra em rede, em constante processo,
pois é permanentemente transformada – ao longo do tempo e exposto em diferentes suportes.
Parte daí nossa opção pela abordagem da Crítica de Processo, com base semiótica, que discute
o processo de criação como uma rede de construção, e como define Cecília Salles, consiste
numa “investigação que vê a obra de arte a partir da sua construção. Acompanhando seu
planejamento, execução e crescimento” (2004, p. 12). Desta forma, analisaremos o processo
de criação do artista plástico Juraci Dórea, a partir dos registros do Projeto Terra.

1.2.2 Gênese: de traços e espaços

De acordo com a biografia artística de Juraci Dórea (cuidadosamente armazenada por


ele), podemos identificar outros trabalhos que antecederam o Projeto Terra onde
conseguimos visualizar a constante transformação das obras. A Crítica Genética não pretende
refazer o passado, o objetivo não é precisar o dia exato em que o Terra foi “concebido” – e
sim, pesquisar como se deu o processo de criação da obra.
Comecemos por um álbum fotográfico produzido por Juraci Dórea. Nele, o artista
guarda pontos marcantes da sua trajetória cultural. Em geral, são fotografias de obras (com
legenda que informam o nome da peça e o ano de confecção), que se intercalam com fotos
durantes eventos, exposições e momentos que registram o processo de criação. Ou seja, mais
do que preservar imagens, o álbum conta uma história.

Figura 4. Juraci Dórea montando uma das esculturas do Terra.

 
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É de 1959 a primeira obra anunciada no caderno-álbum. Porém, a primeira exposição


do artista só acontecerá em 1962 (história a ser contada no próximo capítulo). Temos a
Lavadeira e o Saci, de 1959. Ambas, figuras comuns no interior da Bahia – a primeira,
facilmente vista andando pelas ruas, com suas trouxas na cabeça ou em qualquer lagoa da
região a “quarar”2 os panos; a outra, figura tradicional e folclórica. Desde já, percebemos no
artista uma inclinação para temas regionais. Passemos a 1960: Briga de galos; Carnaval;
Incêndio, Pescador. São os títulos do ano. Nada mais local. Em 1961, ele faz seu primeiro
Vaqueiro – pelo menos, segundo os registros.

Figura 5. Imagem com legenda retirada do álbum do artista.

Só a partir de 1964 as figuras dos vaqueiros e boiadeiros ganham presença constante


no seu trabalho.

                                                            
2
Termo característico do interior, “quarar” significa deixar a roupa exposta ao sol para clarear, geralmente
tecidos brancos.

 
  19

Figura 6. “Vaqueiro”, em 1965.

Identificamos uma escolha do artista, já em 1965, que vai se repetir em toda a sua
obra: a confecção de séries.

Figura 7. Boiadeiros, em 1966.

 
  20

Apenas em 1968 o couro aparece nas suas obras, a princípio sob forma de mala –
aquelas malas antigas, artesanais, armadas, feitas em couro. Ele as reconfigura mudando seu
status de utensílio para obra de arte.

Figura 8. Temos aí a mala com interferências em toda sua extensão.

Outro fator importante: identificamos, pela primeira vez, no álbum do artista a


mudança do local de exposição. Há uma foto em que a mala-obra não aparece como as outras:
preenchendo toda a área da imagem e sim contextualizada num ambiente que parece um
jardim. Um primeiro passo que levará o artista a exposições no meio do sertão.

 
  21

Figura 9. Além de estar exposta num espaço externo, junto à natureza,


o foco da imagem nos mostra a obra em terceira dimensão.

Em 1970, Juraci Dórea faz uma obra intitulada Criação da Feira. Nela, ele se apropria
de um espaço existente e faz uma interferência artística. Outro índice que nos ajuda a
compreender o percurso da vida profissional do artista: produzir obras no seu lugar de
inspiração – como vai fazer mais tarde com o Terra.

 
  22

Figura 10. Interferências artísticas sem agredir o ambiente.

Podemos considerar 1973, 74 e 75 como os anos do vaqueiro na obra de Juraci Dórea.


A figura soma-se a outras importantes da cidade, como a Catedral e a Festa de Santana, um
retrato de Eurico Alves, carros de boi e o Mercado Municipal – tais ícones simbólicos da
cidade povoam sua arte.
Em 1978, temos a série Estandarte do Jacuípe. As peças são bidimensionais,
produzidas basicamente em couro e madeira. O couro já se apresentava “esticado”. O suporte
é de madeira, porém, esculpida e o couro usado nas amarrações são finas tiras cortadas
igualmente. Assim como na série das malas, o couro adquire uma gama pictórica e símbolos
sertanejos, como a cabeça do boi e materiais usados nas celas de cavalos, com as devidas
adaptações e recriações do artista, claro.

 
  23

Figura 11. Três imagens da série Estandarte do Jacuípe.

O tema é sempre o mesmo: o sertão; porém, os suportes estão sempre em mudança. O


artista dá complexidade à sua obra por buscar novas possibilidades ao fotografar um garoto
sendo uma espécie de suporte de um dos quadros do Estandarte:

Figura 12. Fotografia tirada em 1983, a única informação do verso.

 
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Já no início da década de 80, Juraci produziu a Série Terra. Em termos de


materialidade, as peças consistiam em couro esticado, com interferências de cores e outros
materiais – assim como o Estandarte do Jacuípe.

Figura 13. Início da Série Terra.

Percebamos ainda que os primeiros quadros tinham a madeira polida e as tiras de


couro para as amarrações no mesmo tamanho. Porém, na sequência, pode-se ver a madeira
natural, sem polimento e o couro não tão esticado. Já não há aí a preocupação com perfeição
que perpassava a série Estandarte do Jacuípe e o início da série Terra.

 
  25

Figura 14. Exposição de uma das Séries Terra, em 1981.

Figura 15. Série Terra, em arquivo no ateliê do artista, em 2009.

 
  26

Com a madeira mais tosca e o couro mais cru, identificamos que a ideia de perfeição
simétrica foi abandonada. Como confirmam os documentos de processo abaixo.

Figura 16. Rascunho em que o artista escreve: “Quebra a simetria”.


Podemos considerar como uma passagem da Série Terra para o Projeto Terra.

A Série Terra vai emprestar (ou doar?) ao Projeto Terra o nome, o couro, a madeira e
exposição longe dos museus, em lugares inusitados.

 
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Figura 17. A Série Terra na terra sertaneja.

A complexidade se dá ainda pelo fato de que um projeto não necessariamente estanca


outro, como vimos, foi justamente o oposto, as séries vão evoluindo, mudando,
transformando-se, e, por algum tempo, coexistem.

 
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Figura 18. Estandarte do Sertão ainda convive com o Projeto Terra.

1.2.3 Rascunhos, ideias, caminhos – do bi para o tridimensional

No ateliê de Juraci Dórea, encontro alguns rascunhos. Ele rapidamente os guarda.


Quase num grito de alegria, misto de ansiedade, peço para vê-los. Ele responde: “Aqui são
apenas rascunhos”. “Mas disso é feita também a obra de arte”, respondo. Abrimos, então, as
pastas de rascunhos do Projeto Terra e nos deparamos com anotações, desenhos,
perspectivas, algumas datadas, outras não. Vejamos algumas anotações sobre lugares e
maneiras de executar as esculturas do Terra, que são a base conceitual do projeto:

 
  29

Figura 19. Neste, o artista dá ênfase à anotação3.

                                                            
3
Transcrição da anotação: 05 objetos/ 1 – Trincheira (beira) TANQUE – Tapera/ 2 – meio de Feira/ Festa
popular (Tapera/ Santa Rosa)/ 3 – Terreiro (Edwirges)/ 4 – Cancela – Tapera/ 5 – Encruzilhada (Tapera/ Monte
Santo)/ Trincheira de um tanque/ Beira de um rio/ riacho/ 1 – Tanque (água)/ 2 – Festa/ Feira/ Terreiro/ 3 peças/
3 – Encruzilhada Terra Estrada/ Caminhos de Terra/ Ar/ água */ terra */ fogo/ Homem/ Homem/ Fogo/ Vida/
Ar/ Fotos/ Fogueira/ Iluminar com fogueiras/ O trabalho avança pelos ares (AR/ Céu)/ Cruzeiro de Beira de
estrada/ Animação com chocalhos/ Jurema – na aera da feira ou similar/ pau fuso [tipo de madeira].

 
  30

Figura 20. Detalhe do trabalho tendo uma casa simples como base de exposição4.

Encontramos nas exposições do Terra este conceito aplicado:


                                                            
4
Transcrição: Maio-82/ cerca 3/ tabuleiro

 
  31

Figura 21. Exposição acontece como planejada.

Outra ideia rascunhada e depois concretizada é a exposição das pinturas embaixo do


umbuzeiro, como o artista conta em seu diário: “Perto de dois biongos existe um umbuzeiro
bonito, verde, com as trovoadas e carregados de umbus (...) penduro alguns quadros no
umbuzeiro” (Diário, p. 40).

Figura 22. No projeto de Juraci, em 1982, um umbuzeiro é o suporte para suas pinturas5.
                                                            
5
Transcrição: Quebrar a simetria/ 1 – encruzilhada/ 2 – umbuzeiro/ 3 – parede / 4 – cancelar/ 5 – cerca/ 6 –
apenas desenho/ Caco de telha/ 04 – umbuzeiro/ Espalhar pelo sertão em (ilegível) e documentar/ Sinalizar/
Água/ Estrada/ Monte/ Rio/ Seca/ Umbuzeiro/ Sinalização/ Fonte/ Água
 
  32

Figura 23. Exatamente assim acontece na exposição do São Pedro, três anos mais tarde.

Na figura abaixo temos alguns esboços do que viriam a se tornar as esculturas que
compuseram o Projeto Terra. Como se pode perceber, os primeiros desenhos e perspectivas,
assim como as esculturas-quadros, são bidimensionais, mudando, porém, quando há a
apropriação de um símbolo cultural do sertão nordestino (tema central do autor) – o balão,
estrutura por si, tridimensional.

 
  33

Figura 24. Início das imagens tridimensionais.

Daí em diante as estruturas ganham formas mais cilindradas e amarrações centrais.


Começa a nascer então o embrião das esculturas do Terra, em que as madeiras são naturais –
como encontradas no ambiente natural, o couro já não é esticado, as amarrações não são mais
milimetricamente medidas, como confirmam os rascunhos e as esculturas.

 
  34

   
Figuras 25 e 26. Rascunho sem data, encontrado junto aos de maio de 1982,
e “Escultura de Zé Botocó”, 1988.

1.3 O diário como trilha

O artista plástico Juraci Dórea escreve um diário ao longo de 21 anos (1983 a 2004)
sobre o Projeto Terra. Inicialmente manuscrito, o artista passa a limpo datilografando.
Posteriormente, nos últimos anos, as páginas passam a ser impressas a partir de um
computador. Com 115 páginas, o texto conta histórias do projeto. Aí Dórea fala da tessitura
das esculturas, revela a busca por novas ideias, demonstra angústias e insatisfações, faz
reflexões sobre o fazer artístico, desdobramentos do projeto em bienais, exposições e a
transformação em outros suportes (fotografias, livros, vídeos), narra histórias sobre “o pessoal
do sertão”, e da cidade de Feira de Santana, enfim, o texto conta um pouco do processo de
criação e construção do Projeto Terra.

 
  35

Figura 27. Capa da pasta que guarda o diário de Juraci Dórea. À esquerda, detalhe da etiqueta.

Figura 28. Páginas amareladas pelo tempo. Ainda assim, conta com revisões à caneta posteriores a
datilografia (assinalado com a seta).

 
  36

Figura 29. Em 1998, as páginas passam a ser digitadas num computador e impressas.

Entrar por uma porta deixada entreaberta, propositadamente. Essa é a sensação de ler
um diário. Fatos, reflexões e pensamentos íntimos. O ato de registrar é a permissão implícita
para se entrar nesse mundo, a princípio, particular. Ler um diário de processos é como
percorrer novamente o caminho trilhado para a criação. Temos, então, a narração de histórias,
acasos, medos, satisfações e insatisfações da busca do artista que somados resultam na obra.
E, mais do que isso, o diário registra problemas do cotidiano e da cidade, revelando assim
memórias. Nele, Juraci disserta, descreve, explica, se justifica, desabafa. Extremamente
organizado (datas, locais, dimensões das esculturas e até legendas explicando “personagens”),
percebemos no diário índices do nascimento do projeto e das origens das escolhas – desde
locações às formas.
E se a obra é justamente o resultado de todas essas etapas de produção, por que
ler/ver/ouvir/ apreciar apenas a obra e não seu percurso? Ressaltamos que ao estudar,
perscrutar e conhecer o percurso, não se exclui ou minimiza a obra. Ao contrário, Cecília
Salles (2004) explica que a ênfase dada ao processo não ocorre em detrimento da obra. Na
verdade, só nos interessamos em estudar o processo de criação porque essa obra existe. E
buscaremos realçar tais experiências registradas, perseguindo “a constatação de que uma
possível morfologia do gesto criador precisa falar da beleza da precariedade de formas
inacabadas e da complexidade de sua metamorfose” (SALLES, p. 160), pois é comum o
hábito de ao ver-se uma obra exposta encará-la como acabada. Embora, se nos ativermos ao
 
  37

seu processo de criação de forma mais ampla, veremos que tal resultado é, em geral, uma das
muitas etapas do projeto poético da vida de um artista.

1.3.1 Dando corpo às ideias: materialidade

Poderíamos dizer que o projeto poético da obra plástica de Juraci Dórea é


monotemático: sertão. Seja nas formas ou no conteúdo, o mundo sertanejo, com seus ícones e
símbolos, está sempre presente. Neste item nos ateremos à materialidade do Projeto Terra,
em especial às esculturas. Compreenderemos matéria como “tudo aquilo do que a obra é
feita” (SALLES, 2004, p. 66).
Madeira retirada da própria região e couro curtido são as bases das esculturas. Juraci
projeta uma arte sem referências urbanas, buscando vinculá-la ao próprio ambiente que o
inspirou: o sertão. Observamos que nas séries anteriores (Estandarte do Sertão e Série Terra)
a madeira e o couro também eram matérias-primas básicas. Porém, no Projeto Terra, o couro
não tem mais a gama pictórica nem a simetria dos projetos anteriores e, desta vez, as madeiras
são utilizadas conforme encontradas na região. A ideia é se aproximar do cenário, sem agredir
e sim interagindo. Percebemos como “a intenção criativa mantém íntima relação com a
escolha da matéria” (SALLES, 2004, p. 67), o que fica comprovado na justificativa da escolha
do material, onde o artista lista cinco itens em que se baseia para a concretização da obra: o
significado estético; o conteúdo (como representação); reconhecimento (pela população)
dos materiais do local; não agressão à paisagem e a identificação cultural com a região.
Para Juraci Dórea, o significado estético está intimamente ligado ao conteúdo. Para
compreender melhor, ouçamos o artista:

Uma rês enfeza durante uma viagem: carece de ser abatida. Dias depois, o seu couro
aparece na beira da casa, junto de uma cerca, ou pendurado numa velha aroeira. Para
mantê-lo espichado, uma trama irregular de madeira é posta na parte de trás. Ali, o
couro permanece meses, estendido sob o sol abrasador e – até que se transforme em
bruacas, arreios, etc. propicia, a quem passa, uma visão de grande significado
plástico. Esta é uma imagem muito comum no sertão. (DÓREA, projeto escrito para
o concurso público da Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1982).

Em seguida, ele desenha a imagem do couro esticado.

 
  38

Figura 30. Desenho que integra o projeto Terra, 1981.

Juraci Dórea se utiliza de materiais que “antes de um processo determinado, não têm
status artístico. São escolhidos, saem do seu contexto de significação primitivo e passam a
integrar um novo sistema direcionado pelo desejo daquele artista” (SALLES, 2006, p. 72). O
significado estético está então na sua transformação de materiais do cotidiano em artístico.
No que se refere ao conteúdo, o artista plástico lista algumas questões que lhe são
importantes: para ele o sacrifício do animal revela a sobrevivência do homem numa região
agressiva e inóspita; a vida e a morte, por se tratar do couro de um animal morto; ossadas e
couros ressequidos ao sol, segundo Juraci Dórea, reflete a visão da seca – constante na região;
por fim, ele relata uma visão mística, totêmica, que acreditamos se tratar de questões da
subjetividade do artista.
Os outros itens complementam um ao outro: o reconhecimento dos materiais do local
pela população é justamente a identificação cultural com a região, e por estarem integradas ao
meio, as esculturas não agridem a paisagem. Compreendemos assim a interação entre forma e
conteúdo, como exemplifica Van Gogh: “Em minha opinião, seria um erro dar a uma pintura
de camponeses um polimento convencional” (apud SALLES, 2002, p. 155).

 
  39

1.3.2 Da relação com o espaço: instalação e interação

A princípio surgiu uma dúvida: ocupar-me do tema do espaço num item específico ou
inseri-lo na discussão sobre a materialidade, já que o Terra trata-se de uma atuação artística e
não apenas uma produção específica? E mais, a feitura das esculturas nos remete a uma
instalação, sendo assim, o entorno imediato da obra é “espaço” ou ainda materialidade?
Consideremos que o cenário faz parte do projeto de visualização da obra, conforme o artista
relata em seu diário sobre uma das esculturas, em Monte Santo: “Comecei a olhar a região
(...) a lagoa me parece mais interessante: posso fazer o trabalho na trincheira, ou numa parte
que se projeta para a água. Escolho a segunda hipótese” (Diário, p. 10). Conforme
verificamos no acervo fotográfico.

Figura 31. “Escultura da Lagoa das Bestas”, 1984. Saco Fundo, Monte Santo.

Figura 32. Ainda a “Escultura da Lagoa das Bestas”:


por mudar o cenário, o ângulo da fotografia transforma a escultura.

 
  40

Porém, foi lendo a epígrafe escolhida pelo autor para compor o texto do projeto, que
decidi encarar o espaço como mais um item na sua construção:

“Meu verso rasteiro


Singelo e sem graça
Não entra na praça
Num rico salão
Meu verso só entra
No campo e na roça
Nas pobres paioça
Da serra ao sertão”.
(Patativa do Assaré)

Esta escolha começa a demonstrar a motivação do artista em sair das galerias e expor
em pleno sertão. Ele se angustia com o fato do circuito tradicional da arte ser essencialmente
urbano e, por isso, geralmente refletem “problemas e expectativas típicas das grandes
cidades”, como escreve no seu projeto. E continua: “Mesmo a arte que não quer ter como
proposta este referencial, está destinada a um circuito que é essencialmente urbano”. Juraci
Dórea explica que sai em busca de um “novo espaço, um novo público” e especifica de quem
se trata:

Perdidos nos ermos do sertão, eles não tiveram escola, não sabem o que é um
museu, uma galeria de arte, e outras invenções mais que são privilégios dos homens
da cidade. A arte, para eles, tem outro significado. É algo que se identifica com
coisas práticas, com o quotidiano, com o dia a dia. Algo que, às vezes, se confunde
com o próprio ato de viver. Potes, panelas, quadros com imagens de santos, ex-
votos, selas... (DÓREA, projeto, 1982, p. 4).

Conforme já foi dito, a escolha do material (madeira e couro) teve como um dos
objetivos criar uma identificação com o público local, por fazer uso destes materiais no seu
cotidiano, visando o contato e a interação. Posteriormente, o couro e a madeira das esculturas
passam a ser objetos de uso da população-público. Virando, por exemplo, gibões, arreios e a
armação de madeira, base para amarrar cavalos. Assim, Juraci propõe um universo de
exposição, onde o enfoque da obra de arte seja ligado diretamente ao relacionamento com a
comunidade, ao seu cotidiano através de um espaço que passa a ser museográfico. Selma
Soares utiliza o conceito de “ecomuseu” de Mathilde Bellaigne para explicar a proposta do
artista:
Um museu fundado sobre uma realidade cotidiana, que comporta ao mesmo tempo
um “território” e uma “população”, não somente como objeto de estudo do
ecomuseu mas como agente deste. E há, ainda, a dimensão do “tempo”, quer dizer,
toda essa ação pode se desenrolar num longo período, pode tomar muito tempo, e
depende muito de momentos favoráveis e da oportunidade de conduzir certas ações
de acordo com a necessidade e os desejos das pessoas (BELLAIGNE, 1993, p.75
apud SOARES, 2003, p. 68-69).
 
  41

Esse conceito de museu é adequado ao que se propõe o Projeto Terra, pois consegue
fazer com que a população local interaja com o espaço da escultura, ou seja, a locação,
construindo assim, uma relação de interação e integração com o meio, fazendo com que o
cenário, no caso, faça parte da obra. Tomemos como exemplo a “Escultura do Campo do
Gado”. Em julho de 1984, Juraci projetava a mesma: “Eu já vejo os vaqueiros usando a
escultura para amarrar os animais” (Diário, p. 4). Depois de pensar, visitar o espaço mais uma
vez e refletir, decide: “Não tenho mais dúvidas: o trabalho tem que ser no meio da feira dos
cavalos” (idem, p. 8). Encontramos o desejo dessa interação desde os rascunhos do artista,
onde, em 1981 – três anos antes – já apresenta animais próximos às esculturas.

Figura 33. Rascunho datado de maio de 1982.

Por fim, o trabalho é feito no local escolhido. Olhando mais de perto a relação do
propósito do artista com as matérias por ele escolhidas, compreendemos a interdependência
desses elementos (SALLES, 2004, p. 63). Três meses depois, a estrutura de madeira sobrevive
e acontecem as interações como Juraci Dórea havia previsto: “Os vaqueiros usam o que
sobrou da escultura para amarrar os cavalos. Faço algumas fotos” (Diário, p.21). Percebemos
como o percurso criador deixa transparecer o conhecimento guiando o fazer, ações
impregnadas de reflexões e de intenções de significado (SALLES, 2004, p. 122). Significados
esses que se explicitam na documentação do processo.

1.3.3 Nada é por acaso

Nas suas andanças pelo sertão, Juraci Dórea se depara, por acaso, com um pé de
jurema caído. Incorpora a imagem e a transpõe para seu trabalho, ao horizontalizar a
escultura, sendo as demais, até então, verticalizadas.

 
  42

Um pé de jurema caído me sugere uma interferência. Começo a trabalhar. Primeiro,


as varas. Depois, os couros, as formas que vão surgindo. (...) A escultura se
desenvolveu mais no sentido horizontal seguindo o que o tronco da jurema sugeria.
(Diário, p .80).

Figura 34. “Escultura do Curral da Tapera”, 1989.

Quando o artista diz: “As formas vão surgindo” ou “a escultura se desenvolveu”, numa
primeira leitura desatenta, nos sugere que a arte aí tem vida própria e é capaz de gerir a si
mesma, dando-se formas e transformando-se. Esse recurso estilístico nos dá a impressão de
que o artista, praticamente, não interfere nas formas – o que contribui para a mitificação da
criação. Enquanto as camadas internas do texto, se é que podemos chamar assim, nos revelam
que o acaso não está no “nascer” das formas e sim no encontro com o componente gerador da
mudança. Cecília Salles explica que o artista “coloca-se, nesses casos, em situação propícia
para a intervenção do elemento externo, como se fosse um fotógrafo que visita um mesmo
local várias vezes, aguardando por uma luminosidade inusitada. Há, portanto, nesses casos,
uma espera pelo inesperado” (2004, p.35), como confirma o próprio Juraci em seu diário:
“Fico às vezes perambulando pela fazenda, tentando descobrir um local apropriado, uma
pedra, um tronco de árvore, algo que me indique uma futura obra” (p. 81). Desta forma,
percebemos como “o artista escolhe o acaso e a obra em processo incorpora os desvios”
(SALLES, 2004, p. 34). Um exemplo desta incorporação é a pintura denominada “Mural de
Edwiges”, ao assumir acasos como partes integrantes da obra.

 
  43

Figura 35. “Mural de Edwirges”, 1984.

“A parede é de taipa e aparecem as rachaduras normais nesse tipo de parede. Fica até
um efeito interessante” (Diário, p. 28). Estas rachaduras poderiam ser consideradas erradas e
impedir o processo, porém, “o artista aciona determinados princípios que balizam essa
avaliação” (SALLES, 2006, p. 133). Ao considerar que tem um efeito interessante, as
rachaduras são incorporadas à pintura, por ser justamente seu objetivo usar como base a “casa
tosca” da região.
Assim como o acaso, vemos que os erros também são incluídos no processo gerando
mudanças, inclusive favoráveis ao projeto do artista. No diário, Juraci Dórea conta sobre o dia
que encomendou couro de bode e veio couro de carneiro. “Fiquei um tanto chateado (...).
Surge então a idéia de usarmos o couro como empréstimo” (Diário, p. 33). Assim acontece.
Porém, como o couro era emprestado, todo o arranjo da escultura foi alterado em função dessa
restrição. “Como eu pretendia devolver o couro, não fiz nenhum corte no material. Usei
apenas de efeito usando a amarração do material. Alguns detalhes interessantes” (Diário, p.
34), analisa o artista.

 
  44

Figura 36. “Escultura do Cumbe”, 1985. Arredores de Euclides da Cunha6.

Este caso foi feliz, porém, nem sempre as situações geradas pelos erros agradam ao
artista. Muitas vezes, por causa do desconhecimento da técnica ou do material, são criadas
produções que não o satisfazem, fato que gera a necessidade do artista estudar sobre a
manufatura de sua matéria-prima, assim, não correria mais riscos de erros e teria domínio
sobre a técnica, para materializar a escultura tal qual ele imagina: “Outro dado que eu
precisaria pesquisar é que existe mais de uma maneira de espichar o couro. O pessoal que
trabalha nisso tem uma prática danada” (Diário, p. 35). Essa necessidade de dominar a técnica
não é uma preocupação específica do artista em causa. É, ao contrário, uma questão geral da
criação. Van Gogh, por exemplo, relata sua dificuldade em manusear algumas substâncias,
porém, insistia no aprendizado porque não conseguia esquecer das coisas bonitas que viu,
feitas a partir de tais matérias (SALLES, 2006, p. 135).

                                                            
6
Comparar com o desenho de 1981 (Figura 30, página 38).

 
  45

1.3.4 Benditas são as angústias (e insatisfações!)

A busca por novos públicos, projetos, formas, aprendizados e espaços nos revela uma
inconstante insatisfação por parte do artista. No seu diário, Juraci Dórea questiona não só a
sua, como a arte de uma maneira mais ampla, o sentido da vida, relata suas angústias artísticas
e pessoais contando como a arte o “salva”, mesmo que temporariamente de tais angústias.
A semana passou arrastada, cheia de problemas, não tenho ânimo para nada. Às
vezes me pergunto se todo esse trabalho, essa vontade de criar, criar, criar, sem
descanso, tem algum sentido. E a arte, essa força maior que move e, no final das
contas, é a coisa mais essencial da minha vida, é tão importante assim? Mas o que
posso fazer? Juntar dinheiro, dedicar-me às coisas materiais, pensar em fazer
fortuna? Não, sei que não é esse o meu caminho, não é. Mas o caminho que escolhi
não está fácil, não é tarefa fácil tentar esse equilíbrio entre uma atividade que me
rende o suficiente para a sobrevivência e o que realmente me realiza. (...) E o diabo
dessa crise econômica numa hora errada! Bem, nada disso vem ao caso agora, o fato
é que estou pensando em fazer amanhã o trabalho do Campo do Gado. (Diário,
p.17).

A partir dessas anotações, podemos inferir teorias sobre o fazer criativo ou mesmo
encarar essas reflexões subjetivas como fatores que, como diz o próprio artista, “não vem ao
caso agora”, mas que fazem tão parte do processo, como um dos pedaços de couro da
composição. Esse desabafo nos revela como a questão da criação é abordada por seu criador –
no caso, vital, essencial. Prova disso, é o que acontece depois: “Saio do campo com um pouco
mais de entusiasmo” (Diário, p. 18). Através desse registro, podemos perceber a relação do
processo criativo com a obra em construção, bem como, se não a sensação de completude,
pelo menos o alívio temporário, vivenciado pelo artista ao concluir mais uma de suas
esculturas.
O alívio é apenas temporário, uma vez que a insatisfação é uma das forças propulsoras
da criação. Como explica Stanislavski (1983, p.65), há uma satisfação estética, que nunca
chega a ser totalmente completa e isto desperta nova energia. Tal energia o artista deixa
transparecer ao continuar estudando novas formas e seguir no seu processo de busca, como
relata em diferentes momentos: “Mais uma tarefa concluída. Mas tenho outros locais aqui
perto para novos trabalhos” (Diário, p.35). A busca pode ser representada também pela
procura externa, como no exemplo: “Vou apenas colher subsídios para a próxima etapa”
(idem, p.35) ou “fico matutando, fazendo novas fotos, estudando alguns ângulos da escultura.
(...) Penso, sobretudo” (idem, p.69). Desta forma, a “criação vai acompanhando a mobilidade
do pensamento” (SALLES, 2004, p. 30). Mobilidade que permite divagações não só relativas
à obra, mas a respeito de seu entorno, promovendo uma reorganização da realidade do artista.

 
  46

Um exemplo claro dessa mobilidade movida pela insatisfação é a “Escultura do


Orfanato”. Uma das angústias de Juraci Dórea, amplamente discutida no diário, é sua
preocupação com a preservação da memória, especialmente arquitetônica (vale lembrar que,
além de artista plástico, ele é arquiteto): “Dentro de poucos anos Feira de Santana terá
alcançado o feito inédito de apagar todo e qualquer vestígio de sua arquitetura do passado”
(Diário, p. 90). São quatro páginas dedicadas à indignação no que se refere à destruição do
patrimônio histórico da cidade. O casarão do início do século passado abrigava uma
instituição de menores e estava em pleno declínio. Em 1990, porém, veio a notícia de que a
casa em ruínas iria ser demolida. A angústia e inquietude tomam conta do artista que resolve
“desvirtuar” a proposta do Projeto Terra de expor no sertão, para fazer uma escultura-protesto
em frente ao antigo orfanato. Ele escreve em seu diário, encharcado de dor: “Resta-nos apenas
o protesto solitário, ou a esperança que a arte registre e resgate uns fragmentos da nossa
agonizante memória cultural. É o que arriscamos com a construção dessa escultura do Projeto
Terra” (p. 94).
Percebemos como a angústia é um fator impulsionador da criação, “essa não
completude dos seus anseios é profundamente angustiante, mas, em alguns momentos, é
também motora, no sentido que o faz continuar em sua busca” (SALLES, 2006, p. 140).
Podemos dizer que a partir de determinado momento de sua vida artística a memória passa a
ser um fator impulsionador da criação, como explica Juraci Dórea: “A demolição do velho
Orfanato, entretanto, tem para mim um significado especial. Na verdade, desde minha
infância que a imagem do casarão me acompanha”. Demolir o casarão é para o artista como
“apagar” uma parte de sua infância. E registrá-lo através de sua arte é como preservar tal
reminiscência em algum lugar, como quis Gabriel Garcia Marques em Cem anos de solidão,
“deixar um testemunho poético do mundo de sua infância” (1992, p. 79 apud SALLES, 2004,
p. 36). No próximo capítulo trataremos a questão da memória como força motriz do processo
criador.

 
  47

2 – PACTOS DA MEMÓRIA

Toda lembrança é, em parte, imaginária,


7
mas não pode haver imaginação sem lembrança .

O trabalho artístico de Juraci Dórea é perpassado por diferentes formas de registro,


com o objetivo, dentre outros, de preservar ou mobilizar memórias em planos diversos:
pessoal e coletivo, histórico e estético, cultural e artístico. Por um lado, observamos a
preservação de valores, objetos e particularidades do universo sertanejo e, por outro, do seu
próprio fazer – projetos, instalações, recepção, repercussões, deslocamentos. Foi justamente
por conta desse intenso processo de documentação que o Projeto Terra teve seu alargamento.
Inicialmente, o Terra consistia em produzir esculturas no sertão. Porém, seu registro,
em diferentes mídias, fez o projeto ganhar o mundo. Livros, fotos, gravações de áudio e vídeo
permitiram o Terra viajar: em torno de si e por salões, cidades e países. Mais do que uma
captação ou fixação de coisas e valores, a documentação ganha caráter de obra ao ser exposta
em bienais e exposições. Trataremos mais da questão dos registros do Projeto Terra no
terceiro capítulo.
Aqui, nos interessa, sobretudo, a questão da(s) memória(s) através do arquivamento,
uma vez que Juraci Dórea não registra e armazena apenas a memória do Projeto Terra. Basta
entrar no seu ateliê que logo nos deparamos com pastas etiquetadas que guardam histórias,
documentos, fotos, livros – de sua vida, obra, amigos, sua cidade, lugares e objetos diversos.
Percebemos claramente que o registrar é para ele uma necessidade do seu ser e uma dimensão
intrínseca ao seu fazer. Desta forma, buscaremos compreender como a questão da memória
atua no processo de criação de Juraci Dórea.

Figura 37. Arquivos: arte, cidade, amigos e mais... Figura 38. Muitas obras, depois, viram arquivos.

 
  48

2.1 O despertar dos signos

Dona Ana, seu Domingos, uma fazenda e alguns olhos d’água. Assim começou Feira
de Santana. Entre 1705 e 1710, o casal de ascendência portuguesa – Ana Brandoa e Domingos
Barbosa de Araújo – compram a fazenda Olhos D’Água. Ela, devota de Senhora Sant’Anna,
providencia uma capela próximo a Estrada Real, onde hoje é a BR 324 – que liga o interior à
capital da Bahia.
A propriedade ficava situada num lugar estratégico e agraciada com muitos olhos
d’água – como é chamada a água que brota da terra, vindo a originar rios e lagoas. Seus donos
pareciam cordiais, pois permitiam que ali os viajantes se abastecessem, descansassem e
matassem sua sede – eram vaqueiros e boiadeiros responsáveis por levar o gado para ser
vendido em Salvador, Cachoeira e Santo Amaro da Purificação.
Pela abundância de água e estratégica localização (hoje, um dos principais
entroncamentos rodoviários do Brasil), a fazenda vira ponto obrigatório de parada. Logo se
instaura ali um posto de trocas e abastecimentos. As casas ao redor da sede não demoram a
aparecer. Em 1819, torna-se povoado. E a “feirinha” da região ganha fama.

No seu relatório, preparado para o gôverno imperial brasileiro, em 1825, José


Joaquim de Almeida e Arnizau escrevia sôbre a feira nos seguintes têrmos: “Há na
distância de 8 léguas de Cachoeira e na de 4 de São Gonçalo, o grande e populoso
Arraial de Santana dos Olhos D’Água, onde, nas têrças-feiras de cada semana, se
ajuntam de 3 a 4 mil pessoas...”. (POPPINO, 1968, p.57).
 

                                                                                                                                                                                          
7
Cf. SALLES, Cecília Almeida. Redes da Criação – construção da obra de arte. Ed. Horizonte: São Paulo,
2006, p. 71.

 
  49

Figura 39. Centro da Feira Livre

Pouco depois, em 1933, o povoado se torna vila – com um longo nome: Villa do
Arraial de Feira de Sant’Anna; em 1846, recebe a Paróquia de Sant’Anna e em 1873 é
finalmente elevada à categoria de cidade Comercial Cidade de Feira de Santana. Chamo a
atenção para este nome, pois a questão comercial vai marcar definitivamente a história da
cidade, bem como a obra de Juraci Dórea. Segundo Alessandra Araújo (2006), devido à
atividade econômica da região, em 1860, Feira de Santana recebeu o título de “Empório do
Sertão Baiano”.
Nesta época a cidade fica conhecida por seu forte apelo comercial e sua feira de gado
tão famosa que o Imperador Dom Pedro II, em passagem pela Bahia, foi conhecer a “feira de
Feira de Santana”. O comércio faz história a ponto de em 1931, no governo de Getúlio
Vargas, a cidade passar a ser chamada simplesmente de “Feira”. Porém, em 1938,
provavelmente por conta de protestos populares, voltou a se chamar Feira de Santana, como
permanece. Mesmo sem o “Comercial” integrando seu nome ou sendo simplesmente “Feira”,
a cidade tem marcadamente seu aspecto mercantil.

 
  50

Figura 40. Mercado Municipal

No início dos anos 40, em pleno processo de desenvolvimento, a grande atração


comercial era a feira que ocupava todo o centro da cidade e movimentava os moradores da
cidade e região. Mais do que uma feira de negócios, “a feira de Feira” era um acontecimento
cultural.

Quanto aos cantadores da feira livre de Feira de Santana, podemos atestar através
dos depoimentos e jornal a presença deles de várias formas, chamados de camelôs
da viola (...); temos o sanfoneiro, o embolador de coco que realizava o desafio
tocando pandeiro; e os violeiros ou cantadores que faziam a cantoria nos bares.
(OLIVEIRA, 2000, p. 35).

Figura 41. Arredores da Feira Livre

Este traçado sociocultural a respeito de Feira de Santana, na época do nascimento (em


1944) e infância de Juraci Dórea, tem o objetivo de compreender o contexto a que ele nos
remete em seus trabalhos – seja nas obras artísticas ou no diário que integra o Projeto Terra –

 
  51

uma vez que, conforme explica Cecília Salles, “os procedimentos criativos estão, igualmente,
ligados ao momento histórico, em seus aspectos social, artístico e científico em que o artista
vive” (2004, p. 108). Juraci deixa claro que o trabalho se alimenta de suas memórias: “Nessa
região, cenário de minha infância e de minhas leituras, povoada por roceiros, vaqueiros,
poetas populares, cantadores e, no passado, por beatos e cangaceiros, sempre encontrei as
referências para o meu trabalho” (DÓREA, 2003, p. 17).

2.1.1 Outras referências

No livro Meus poemas preferidos, de Manuel Bandeira, há um que nos interessa:

ESCUSA

Eurico Alves, poeta baiano,


Salpicado de orvalho, leite cru e tenro de coco de cabrito,
Sinto muito, mas não posso ir a Feira de Sant’Anna.

Sou poeta da cidade


Meus pulmões viraram máquinas inumanas e aprenderam a respirar gás carbônico das salas de cinema
Como pão que o diabo amassou
Bebo leite de lata.
Falo com A., que é ladrão.
Aperto a mão de B., que é assassino.
Há anos que não vejo romper o sol, que não lavo os olhos nas cores das madrugadas.

Eurico Alves, poeta baiano,


Não sou mais digno de respirar o ar puro dos currais da roça.

Essa “escusa” de Bandeira deve-se a um convite de Eurico Alves, em forma do poema


Elegia para Manuel Bandeira – e se Eurico tivesse sido mais “educado”, Bandeira, de certo, o
teria aceito8:

                                                            
8
“Num desses encontros [de Dival Pitombo com Manuel Bandeira] referiu-se ao poema e perguntou-me por
Eurico. Disse-me que gostara muito dos versos que escrevera para ele. Mas que Eurico nunca o procurara, nem
mesmo lhe dera notícias, depois do convite poético que lhe fizera. De volta a Feira de Santana, transmiti a Eurico
a queixa de Bandeira. Ele rindo, respondeu-me com aquela rispidez com que camuflava a grande ternura de sua
alma: Diga a ele que sou assim mesmo: muito mal educado”. (PITOMBO, Dival, 1972, p.2).

 
  52

ELEGIA PARA MANUEL BANDEIRA

Estou tão longe da terra e tão perto do céu,


quando venho de subir esta serra tão alta...

Serra de São José das ltapororocas,


afogada no céu, quando a noite se despe
e crucificado no sol se o dia gargalha.
Estou no recanto da terra onde as mãos de mil virgens
tecem céus de corolas para o meu acalanto.
Perdi completamente a melancolia da cidade
e não tenho tristeza nos olhos
e espalho vibrações da minha força na paisagem.

Os bois escavam o chão para sentir o aroma da terra,


e é como se arranhassem um seio verde, moreno.

Manuel Bandeira, a subida da serra é um plágio da vida.


Poeta, me dê esta mão tão magra acostumada a bater nas teclas
da desumanizada máquina fria
e venha ver a vida da paisagem
onde o sol faz cócegas nos pulmões que passam
e enche a alma de gritos da madrugada.
Não desprezo os montes escalvados
tal o meu romântico homônimo de Guerra Junqueiro
Bebo leite aromático do candeial em flor
e sorvo a volúpia da manhã na cavalgada.
Visto os couros do vaqueiro
e na corrida do cavalo sinto o chão pequeno para a galopada.

Aqui come-se carne cheia de sangue, cheirando a sol.

Que poeta nada! Sou vaqueiro.


Manuel Bandeira, todo tabaréu traz a manhã nascendo nos olhos
e sabe de um grito atemorizar o sol.

Feira de Sant’Anna! Alegria!

Alegria nas estradas, que são convites para a vida na vaquejada,


alegria nos currais de cheiro sadio,
 
  53

alegria masculina das vaquejadas, que levam para a vida


e arrastam também para a morte!

Alegria de ser bruto e ter terra nas mãos selvagens!

Que lindo poema cor de mel esta alvorada!

A manhã veio deitar-se sobre o sempre verde.

Manuel Bandeira, dê um pulo a Feira de Santana


e venha comer pirão de leite com carne assada de volta do curral
e venha sentir o perfume de eternidade que há nestas casas de fazenda,
nestes solares que os séculos escondem nos cabelos desnastrados das noites eternas
venha ver como o céu aqui é céu de verdade
e o tabaréu como até se parece com Nosso Senhor...

Juraci Dórea (1978) descreve Eurico Alves como “grande cronista de Feira de Santana
preocupado em compreender as mudanças da cidade e estudar seus problemas”. Juiz de
Direito, mas poeta por vocação, Eurico Alves Boaventura deixou uma grande obra sobre Feira
de Santana: declarações de amor, queixas, análises, crônicas e contos acerca da cidade natal –
que sua filha, Maria Eugênia, tem transformado em livros; entre os quais destaco Fidalgos e
Vaqueiros (1989) – com desenho de capa de Juraci Dórea – e A paisagem urbana e o homem:
Memórias de Feira de Santana (2006) – dedicado, entre outros, a Dival Pitombo.
É ele, Dival Pitombo, literato e amigo, que explica o amor de Eurico por sua terra:
“Quase furioso, intransigente e indomável. Para ele qualquer restrição feita à Grande Amada é
uma ofensa pessoal capaz de reação que atinge os limites da agressividade” (1976, p.2). Já
sabendo desse amor ardente à Princesa do Sertão (título dado a Feira de Santana por Rui
Barbosa em 1919), Dival Pitombo brinca com Eurico Alves:
Um dia, para provocá-lo, eu disse demagogicamente num discurso de comício que
esta cidade não tinha história. Que sua história estava sendo feita agora, por aquela
juventude, à qual me dirigia, que estava construindo o seu grande futuro. Foi a
conta. O menor insulto que me fez foi dizer que eu não passava de um ignorante.
(PITOMBO, 1959).

Obviamente se tratava de uma pilhéria entre grandes amigos, já que Dival era um dos
intelectuais mais respeitados de sua época, professor [de História], fundador da primeira
universidade da cidade, patrono das artes – concebeu e gerenciou a Associação Feirense de
Arte (AFA), bem como o Museu Regional de Feira de Santana.

 
  54

Além de amigos, esses dois homens: Eurico Alves e Dival Pitombo têm em comum o
fato de terem sido referência e incentivadores da arte de Juraci Dórea. Cada um à sua maneira,
com seu tema. Eurico, amante de suas raízes e Dival, das artes. Não é uma equação
matemática, mas, metaforicamente, podemos dizer que somando as duas paixões temos a arte
de Juraci Dórea.
De amigo a ídolo, Eurico foi objeto de estudo na dissertação de mestrado de Juraci:
Eurico Alves e a Figuração Epistolar: fragmentos da cena modernista na Bahia e no Brasil
(2005).

Figura 42. Eurico Alves na inauguração do primeiro ateliê de Juraci Dórea, em 1966.

Dentre as obras de Eurico Alves, ainda estão inéditos os seus diários, que são
compostos de 13 grandes cadernos escritos entre os anos de 1953 e 1964. Juraci Dórea (1978)
conta que o diário fora “interrompido com uma nota absolutamente doméstica”: “Novembro,
22 – Missa das sete e trinta na Matriz de Senhor dos Passos. Li os jornais. Fui à fazenda.
Descansei um pouco à tarde” (p. 66). Esta fazenda a que Eurico se refere é a Fonte Nova. Em
1984, durante a feitura de uma das esculturas, Juraci conta em seu diário:
Aproximam-se uns vaqueiros. Conheço uns dois: Zuquinha que foi vaqueiro lá na
roça do meu pai e outro que não me recordo o nome, mas foi vaqueiro de meu avô.
Converso com eles. (...) Descubro um outro: mora na Fonte Nova, fazenda que
pertenceu ao poeta Eurico Alves. “Ah, ele gostava muito dessas coisas, ia querer
fazer um desses na fazenda”, diz ele. (Diário, p. 19).

A caminho dela, já em 1989, para fazer uma das esculturas do Projeto Terra, Juraci
Dórea relata a localização das terras:

 
  55

Primeiro passamos por São José (hoje Maria Quitéria), um dos distritos de Feira de
Santana. Faz tempo que não passo por aqui. O povoado é antigo e constato que
muitas das casas já se encontram totalmente desfiguradas. A prefeitura deveria tentar
preservar pelo menos o casario, pois Feira nasceu aqui, e aqui tem uma parte da
nossa história. (Diário, p.75).

Percebamos como o amor e o cuidado em relação a Feira de Santana e sua história são
sentimentos que fazem parte da vida de Juraci, como se deu também com Eurico Alves.
Notemos ainda que a localização da fazenda Fonte Nova é justamente a região do nascimento
da cidade, como num desejo não apenas de conhecer a história, mas de se inserir nela. Juraci,
por sua vez, faz muitas de suas escolhas artísticas em função da história e da memória: “Há
algum tempo venho pensando em fazer uma das esculturas do projeto Terra na fazenda do
poeta Eurico Alves, em São José” (Diário, p.75). Não creio que seja demais notar que, mesmo
sabendo da mudança do nome do distrito de São José, para “Maria Quitéria” (heroína feirense
que, inicialmente vestida de homem, lutou pela independência do Brasil), Juraci continua
chamando de São José – como o fazia nos tempo do poeta. Lá chegando, é com nostalgia que
as lembranças surgem:
Paro na frente da fazenda. A casa um tanto abandonada. Recordo das visitas que fiz
aqui em companhia do poeta. Lembro, por exemplo, da última viagem que fizemos,
ele já bastante abatido pela doença. Lembro de uma outra viagem que ele veio
acompanhado de Godofredo Filho e Carvalho Filho, ambos poetas do grupo “Arco e
Flexa”, eu um rapazote ainda (...) a porta da cozinha estava aberta. Lembro que uma
vez naquela mesa nós tomamos café com o poeta, um café típico, como ele gostava
com beiju, cuscuz, etc. (Diário, 02.04.1989, p. 76-77).

Figura 43. “Escultura da Fonte Nova”, 1989. Fazenda Fonte Nova, Feira de Santana.

 
  56

Mas quem apresentou Eurico Alves a Juraci Dórea e a arte deste a Eurico Alves foi
Dival Pitombo, importante incentivador da vida artística de Dórea.

Figura 44. Dival Pitombo e Juraci Dórea durante a exposição no Museu Regional de Feira de Santana, em
1986.

Um dia, quando o professor Dival foi proferir uma palestra no Colégio Estadual, a
então diretora, Laura Folly, apresentou-lhe um aluno que desenhava. Era Juraci Dórea. Na
época, Dival havia criado e gerenciava a Associação Feirense de Arte (AFA) através da qual
promovia eventos culturais na cidade, levando, inclusive, artistas de renome nacional e
internacional para Feira de Santana. Em entrevista, Juraci conta: “A aproximação com Dival
foi fundamental pra mim, para que eu pudesse trabalhar como artista, porque ele começou a
me emprestar livros, mostrar trabalhos de arte, reproduções e incentivar para que eu fizesse a
primeira exposição” 9.
Eles se conheceram no final da década de 50, e em 1962, Dival Pitombo promovia a
primeira exposição de Juraci Dórea – uma série sobre a vida de Cristo – na Biblioteca
Municipal Arnold Silva, em Feira de Santana, na ocasião da inauguração da mesma.

                                                            
9
Entrevista concedida a mim, para fins desta pesquisa.
 
  57

Figura 45. Foto tirada do álbum fotográfico de Juraci Dórea.


Duas imagens da exposição de 1962.

A amizade e o apoio continuam. Em 1965, Dival Pitombo escreve o seguinte texto


para o catálogo da primeira exposição de Juraci Dórea fora da sua cidade natal:

Seu vaqueiro é o D. Quixote da caatinga. Seus bois lembram pássaros. Há


sugestões de asas na vertigem das suas vaquejadas. Quase se pode ouvir a mágoa
do aboio, partindo dos seus boiadeiros visivelmente marcados de uma violência
telúrica. A paisagem não o impressiona. O homem vinculado à sua luta. O homem
girando em torno da sua angústia; debatendo-se no círculo do seu conflito. Por
isso suas figuras destacam-se quase sempre de um fundo livre; como a impor ao
observador uma atenção pura, absoluta. Tal recurso valoriza a sua sugestão.
Polariza o interesse para a expressão da sua mensagem. Envolve de poesia o
choque dramático de um combate desigual. (PITOMBO, Catálogo, 1965).

Figura 46. “O vaqueiro” que Dival Pitombo chama de D. Quixote da caatinga.

 
  58

2.1.2 Vida e obra10

Juraci Dórea (Juraci Dórea Falcão) nasceu em Feira de Santana, Bahia, em 15 de


outubro de 1944. Filho de Julieta Dórea Falcão e Elberto Lisboa Falcão, este constantemente
citado como referência de suas memórias infantis.
De seu primeiro casamento com Ana Rosário nasceu Tiago, que teve passagens do seu
crescimento registradas juntamente com a evolução do Projeto Terra – e da união com a
museóloga Selma Soares, nasceram Júlia e, em novembro de 2010, João.

Figura 47. Juraci Dórea com as colegas Isaura Maria e Jane Lídia, na Faculdade de Arquitetura da UFBa, no dia
da colação de grau (26/12/1968). A solenidade transcorreu sem beca, já que, por conta da revolução, estava
proibido.

Poeta, ensaísta, arquiteto, documentarista, fotógrafo, professor – Mestre em Literatura


e Diversidade Cultural pela Universidade Estadual de Feira de Santana (2003). Chegou a
exercer cargos políticos – no período de 1994 a 1996 dirigiu o Departamento de Cultura do
Município de Feira de Santana, na administração de José Raimundo Pereira de Azevedo,
quando idealizou o Museu de Arte Contemporânea de Feira de Santana. Mas é às artes
plásticas que Juraci Dórea se dedica desde o começo dos anos 60, tendo participado de
numerosas exposições no Brasil e no exterior11.
                                                            
10
Ver anexo
11
Destacam-se as exposições: VII Salão Nacional de Artes Plásticas, MAM, Rio de Janeiro (1984); 19a Bienal
Internacional de São Paulo (1987); 43a Bienal de Veneza (1988); 31a Bienal de Havana (1989); “Pintura e
escultura do Nordeste do Brasil”, Espaço Oikos, Lisboa (1996); “Arte Salvador 450 anos”, Museu de Arte
 
  59

2.2 Registro como necessidade: as camadas da memória

Aqui discutiremos como a memória atua no processo de criação de Juraci Dórea.


Analisaremos como ele transforma a sua percepção/memória em obra de arte, já que como
explica Cecília Salles “lembrar não é reviver mas refazer, reconstruir, repensar com imagens
de hoje as experiências do passado. A memória é ação” (2004, p.100) e a memória de Juraci
Dórea se movimenta através da sua obra. Considerando ainda que “a fonte da criatividade
artística, assim como de qualquer experiência criativa, é o próprio viver” (OSTROWER,
1990, p. 7), buscaremos compreender como a memória para o artista é ativadora da sua
sensibilidade e, ao mesmo tempo, matéria-prima.
Ao observar como a questão da memória aparece na vida e na obra de Juraci Dórea,
conseguimos identificar, pelo menos, três camadas distintas que se interligam. São elas: a
memória da obra, a memória do artista e a memória da cidade. Analisaremos como estas
camadas ganham materialidade na sua obra.

2.2.1 Da obra

Figura 48. Estudo com status de obra.

Em 1965, Juraci Dórea pintou “O Vaqueiro” (cf. página 57). A figura do quadro
compõe o álbum fotográfico que retrata diferentes fases de seu trabalho. Porém, algumas fotos
não são das pinturas. Como a que se vê acima. Elas são do processo. Um ano antes, Juraci foi
                                                                                                                                                                                          
Moderna da Bahia (1999); “Le Primitif et le Contemporain dans l’Art de Juraci Dórea”: Projet Terre (Exposição
de fotografia, Université Paris 8 – Vincennes-Saint-Denis) et Peintures (Centre Social et Culturel Franco-
Brésilien), Paris, outubro 1999; Às Portas do Mundo. Itinerante: Évora, Portugal, Maputo, Moçambique, e
Luxemburgo (2005); “Cenas Brasileiras”, Caixa Cultural Salvador/BA e Caixa Cultural São Paulo/SP (2007).

 
  60

fotografado junto a um vaqueiro e numa composição de imagens feitas pelo artista a foto
aparece ao lado de outro vaqueiro. Isto muda o status do álbum – de linha do tempo para
uma crônica da criação. Juraci expõe muito do processo: o que ele olhou, onde esteve, o que
fez para chegar até ali. As fotos desta fase ocupam o mesmo ambiente e têm as legendas tal
qual as imagens das obras. Numa página e noutra encontramos pistas do seu percurso criador.
E mais, elas nos mostram uma preocupação em registrar o caminho – ele poderia ter trilhado e
simplesmente não ter documentado ou ainda, reunido apenas fragmentos de um processo para
distingui-lo da obra tida como acabada.

Figura 49. Gaveteiro especial para arquivamento.

Chamo a atenção ainda para seu cuidado com o registro das obras e armazenamento.
Ao reunir coleções de quadros para serem fotografadas por um profissional, diz: “Todos os
quadros já estão prontos. (...) Hoje vou levá-los para o estúdio de Elídio para fotográfa-los”
(Diário, 29.01.1985, p 38); ter um gaveteiro especial para armazenar apenas cartazes,
catalogar quadros e exposições, legendar e arquivar fotos são apenas alguns dos hábitos de
Juraci Dórea, com relação à sua obra.
No que se refere ao Projeto Terra, especificamente, o registro se qualifica tanto que
acabou sendo transformado em parte integrante da obra e exposto publicamente (essa questão
 
  61

será amplamente abordada no terceiro capítulo). Ouçamos o artista sobre os modos e a


recorrência da necessidade de anotar, fotografar, filmar, gravar os acontecimentos relativos ao
projeto, entres os anos de 1984 e 1988 (primeiros tempos do Terra):
Não fiz as anotações como gostaria. (p. 8)

Faço fotos de várias posições. Ana grava o que pode. (p. 11)

Revelo o filme da Lagoa das Bestas. Compro papel fotográfico e material para
revelação. (p. 12)

Comprei um pequeno gravador, que já foi útil no trabalho da Lagoa das Bestas,
adquiri material fotográfico, fitas, etc. (p. 12)

Vou agora fazer umas fotos e rodar um super-8, para registrar o acontecimento. (p.
15)

Tenho que retornar mais tarde para fotografar o trabalho. (p. 15)

Faço algumas cópias do filme do Raso. Algumas fotos estão boas. (p. 16)

Faço algumas fotos e filmo um super-8. (p. 20)

Rodo um super-8 e faço também uns slides para registrar o evento. (p. 34)

O trabalho está pronto. Faço a documentação fotográfica. (...) Após todo o trabalho
de documentação – Dimas fez também um VT. (p. 61)

É tão clara a necessidade de registrar, que o artista se vale de diferentes suportes


(filme, foto, texto, áudio) e tem a ânsia de guardar não somente o processo, mas a obra, a
tessitura e até a recepção dos trabalhos. Ele parece querer lembrar de cada etapa, guardar cada
detalhe, sendo assim identifica-se o papel da memória como essencial na arte de Juraci Dórea
porque
a memória da obra (cujos índices são materializados nos documentos de processos)
não pode ser vista de modo desvinculado da memória que faz o artista “ser aquilo
que ele lembra”. Ao falarmos de percepção e memória, de um modo geral, e de
filtros, seleções, recorrências, de modo mais especifico, estamos desenhando parte
de nosso diagrama do espaço da subjetividade na construção das obras de arte.
(SALLES, 2006, p.83).

Podemos considerar que este espaço subjetivo da obra de Dórea Juraci é construído a
partir de memória, histórias, passado e da angústia que busca uma preservação. Assim, o é no
que se refere à sua cidade e também à sua obra. Vejamos como ele se alegra quando o seu
trabalho é preservado, ao passo que se entristece e escreve quase em tom de revolta quando o
oposto acontece:
A idéia era fotografar o painel da casa de Edwirges, para uns cartões portais que
pretendo fazer. Na verdade eu não tinha a menor idéia do estado de conservação do
painel, quatro anos depois: ele foi pintado em 1984. Mas para minha surpresa ele
estava muito bem conservado, apenas uma barra amarela na parte inferior,
 
  62

provocada pelo tempo. Como Edwirges tem passado mais tempo em Monte Santo
do que aqui, nasceu um matinho verde em volta da casa. Mas é surpreendente que
não tenham danificado o trabalho, é gratificante. Lembro, por exemplo, que os
painéis feitos em Feira, ano passado, pelo projeto Chocalho de Cabra, já estão
bastante estragados. Não completaram ainda um ano. Aqui, apenas a chuva
provocou uma mancha cor de terra na base do mural, visto que o beiral é estreito.
(Diário, 25.07.1987, p. 51).

Figura 50. Painel com interferências da natureza.

Mancha de chuva e mato não incomoda o artista. Ao contrário, integrar as pinturas e


esculturas à natureza é a base do Terra. Não é a destruição natural, intrínseca à efemeridade
da obra – metaforicamente à da vida –, mas a destruição humana que o aborrece. Vejamos a
sensação de completude que o invade quando se dá conta de que uma de suas obras, segundo
ele, completou o seu ciclo:
Vi também a Escultura da Tapera. Ela havia tombado quase que completamente. É
possível que tenha sido a chuva de ontem, ou mesmo o gado. Amanhã pretendo
fazer algumas fotos. A escultura parece que completou o seu ciclo. Acho que a
decomposição será agora mais acelerada: quase todas as peças estão no chão e o
capim cresce em torno. O tempo com as suas garras constrói as derradeiras faces
(fases/visões) da obra. A obra se completa. E tudo começou em 1982, 25 de julho.
(Diário, 16.04.1988, p. 60).

Agora, ouçamos sua preocupação quando o trabalho está sujeito a perigo de destruição
por parte das pessoas. Na ocasião da ida do artista a Canudos, estando a escolher o lugar onde
será feito uma escultura, conversa com Manuel Trevessa, o “dono da vendola e também
criador de um pequeno museu que existe no local (...). Ele sugere que seja perto do povoado,
pois assim se evitaria que algum “desocupado mexesse”. (Diário, 12.10.1984, p. 21-22). Por
ser o criador de um museu, Manuel tem a mesma preocupação de Juraci. Já a escultura do
Campo do Gado, local onde o comércio prevalece acima de qualquer questão, a escultura não
 
  63

teve tempo de interagir com o ambiente. Muito pelo contrário: “Passo no Campo do Gado.
Desaparecem os últimos vestígios do trabalho. Nenhuma peça, nenhum sinal. Levaram até as
peças de madeira. (Diário, 05.11.84, p.27) Neste dia, esse é único comentário. Foi apenas o
arremate de uma lenta destruição. A cada visita de Juraci ao Campo do Gado, ele percebe a
retirada das peças. E, num desses dias, analisa:
Chego à conclusão que esse tipo de trabalho tem que ser desmontável mesmo, em
alguns lugares. O que deve ser levado em conta é o próprio acontecimento, o fazer, o
registro do momento. Algo assim como um Hapening. Os trabalhos permanentes
exigem um mínimo de segurança. Esse é um critério que deve ser levado em conta
nas próximas propostas. (Diário, 01.10.1984, p.21).

Levantar a possibilidade de montar e desmontar uma escultura consiste num traço


marcante de efemeridade que faz parte da obra de Juraci, conforme ele mesmo explicita em
seu diário – uma atitude aparentemente dicotômica, já que sua preocupação com a
preservação é constante, como se ele não aceitasse nenhuma perda do passado, de lembranças
da cidade natal, de traços de sua obra; como se não admitisse nenhum tipo de fim. Talvez
fosse um homem resistente à mudança. Mas será? Se ele mesmo afirma em seu diário que
transita entre mídias e suportes: da fotografia analógica para a digital? Do super-8 para o VT e
posteriormente para o DVD? Do diário datilografado para o digitado? Fiquei confusa...
porque “o ato criador mostra-se como uma profunda investigação da verdade do artista”
(SALLES, 2004, p.138). E que verdade era esta? Criar obras efêmeras e registros para
eternizá-las? Até aí, estava claro para mim uma dicotomia. Porém, Cecília Salles explica que
a verdade da arte, com realidade e linhas de força próprias, liberta-se das leis
externas por meio de uma ação transformadora, sem abandonar a realidade que a
alimenta. Esse processo de construção de verdades, no entanto, revela-se como um
percurso de criação de um documento sensível da realidade transformada. (2004,
p.139).

É justamente neste ponto que Juraci Dórea consegue conciliar a realidade com a arte; o
mundo e sua visão; através desse jogo temporal o artista se mostra: não tenciona brigar com o
tempo ou a natureza, mesmo que o efêmero fosse eterno; ao contrário, aceita e admite a ação
do tempo sobre suas esculturas. Apenas as registra. A Crítica Genética, por sua vez, é “um
estudo que se depara com um labirinto no tempo, onde tudo é possível: paradoxos e
coerências convivem ao longo do processo criativo (SALLES, 2008, p.53), sendo assim, o
registrar de Juraci pode ser entendido como um congelamento e suspensão no tempo-espaço,
numa tentativa de driblar o fim. Portanto, longe de ser dicotômico e sim complexo, o artista
busca uma reconfiguração da realidade através das suas memórias, resultando numa obra
efêmera por natureza e eternizada por vontade.
 
  64

2.2.2 Do artista

Figura 51. Juraci Dórea na década de 50, quando ensaiava seus primeiros passos no desenho.

Ao escrever o diário do Projeto Terra, Juraci Dórea ultrapassa a tessitura da obra ou as


questões da arte e comenta lembranças, fala da saudade, busca o próprio passado, repete cenas
que lhe remetem a momentos vividos, relata o crescimento do filho, traz para as páginas a
dificuldade do dia a dia; procura por si mesmo, no sentido filosófico da existência. Às vezes
se encontra, ou não. Mas o Terra é sempre um caminho.
Em conversa sobre uma das esculturas, em 1984, Juraci Dórea estava a acertar
detalhes burocráticos para a feitura da obra do Campo do Gado. Para isto, era necessário
algumas autorizações da Prefeitura. Lá, ele encontra um parente:
O secretário é Dorivaldo Dórea, que eu já sabia ser meu parente, mas não tínhamos
assim grandes aproximações, por circunstância da própria vida. Eu não sabia nem ao
certo o nosso grau de parentesco (...) Acertado os aspectos burocráticos começamos
a conversar sobre as coisas da feira antiga e foi aí que esse negócio de família
surgiu. Fiquei sabendo que seu avô (Antônio Dórea, se não me engano) era irmão de
Serapião Dórea, meu avô por parte de mãe. Os dois, segundo Dorivaldo, vieram há
muitos e muitos anos, de Lagarto, Sergipe, para a Bahia, mais precisamente para
Tucano. Lá montaram um curtume e vinham sempre num jegue vender os couros
aqui em Feira. Não sei exatamente a participação de meu avô nesta história dos
couros e dos curtumes. Mas fiquei intrigado com a história. Eu nunca imaginava
descobrir esse lado de minha família, essa passagem por Tucano, os curtumes, esse
envolvimento com o couro. O fato é que essa região me atrai muito. Outro dia visitei
uns curtumes lá para o lado de Tucano, uma coisa incrível, bonita, bruta – os tanques
escavados na pedra, as pessoas trabalhando ali, lembram a Idade Média. Me
emocionou muito aquela visita, aquele mundo, pensei em fazer um estudo, em
função do projeto Terra mesmo. E agora essa história de meu avô envolvido com
couros e curtumes. Estaria aí a minha ligação com o couro, todos os meus trabalhos,
minhas raízes, meu coração que sempre pende para esse lado do sertão? Aqui me
sinto em casa, apesar de toda agressividade do meio ambiente, da rusticidade, da
dureza da vida. Com o tempo vou verificar isso. (Diário, 20.09.1984, p.16-17).
 
  65

O texto soa como uma empreitada de autoconhecimento e reconhecimento da própria


obra, nele, Juraci Dórea busca possibilidades de respostas para os seus gostos, opções,
preferências – que resultam na sua arte: o sertão com seu grande símbolo, o couro, como já
vimos, são extremamente significativos para este trabalho artístico. Neste trecho vemos como
Juraci se busca na memória e nas histórias memoriais.
Apenas alguns dias depois o artista lê uma matéria, se identifica com a questão da
ancestralidade – presença marcante no seu trabalho – e comenta: “Vou construído a escultura.
Aliás, por falar em construir, semana passada li no Jornal do Brasil uma matéria que fala de
uma exposição que está sendo realizada no Museu de Nova Iorque, intitulada “Primitivismo
na Arte do Século XX”, ou seja, uma exposição que tenta provar que os modernos ‘foram
buscar inspiração em fontes mais ancestrais’” (Diário, 01.10.1984, p.18). Cecília Salles
(2006) explica sobre o uso do jornal por escritores ou artistas visuais: “O trecho jornalístico,
do qual o artista se apropria, recebe tratamento literário, plástico, cinematográfico etc., por
meio de determinados recursos específicos do contexto das obras em construção, perdendo as
funções que cumpria e as relações que estabelecia na página do jornal” (p.85). Ao se apropriar
da notícia, Juraci desloca o foco de informação que a mesma continha para integrá-la ao seu
projeto poético, utilizando-a como sustentação teórica para o seu processo criador, uma vez
que ele, como explica a reportagem, “busca inspirações em fontes mais ancestrais”. Sendo
assim, percebemos que “gestos que se repetem deixam aflorar teorias sobre o ato criador”
(SALLES, 2008, p.69), neste caso, o passado, as memórias e a ancestralidade são temas
recorrentes no diário do artista e abordados de diferentes formas, estejam direto ou
indiretamente ligados à obra, como no dia que, entre amigos, sentou à beira do fogo:
Brasileiro começou a acender um foguinho. Dimas, Rubens e Tiago juntaram uns
gravetos. Logo o fogo dava para alumiar nossos rostos. Fiz algumas fotos da
escultura e depois fui também sentar em volta do fogo. É sempre algo misterioso,
algo que está em nosso inconsciente, a atitude de sentarmos em volta do fogo.
Aflora toda a nossa ancestralidade, nossos avós primitivos. (Diário, noite de 9 de
agosto de 1987, p.53).

Outro tema constantemente abordado por Juraci Dórea são as lembranças da sua
infância. Ele não as retrata em suas obras, mas elas permeiam o Terra todo o tempo e isto fica
claro em seu diário. Encontramos muitas passagens em que a infância do artista é comentada,
lembrada, e por vezes, exaltada – quase sempre com alguma melancolia. Numa das noites em
que ele permanece na cidade onde havia feito uma escultura, observa os comportamentos
atuais dos jovens e remete aos seus de outrora:

 
  66

Moças e rapazes circulam, namoram, conversam e se divertem numa discoteca que


fica na outra esquina, bem em frente ao hotel. A discoteca é um fenômeno que
chegou a todas as cidades do sertão. Mas o principal é ver essa moçada ainda fiel a
costumes que me fazem retornar à infância, aos tempos de uma Feira de Santana
muito diferenciada da de hoje. (Diário, 12.10.1984, p.23).

Jerusa Ferreira (2004) diz que cada dia se convence mais “de que este patamar de
memória aqui evocado, de primeira infância, de descoberta do mundo, se firma para sempre”
(p.29). No caso de Juraci Dórea, seus escritos vêm comprovar esta afirmação, uma vez que ele
está sempre retornando às lembranças de sua primeira infância, de modo a refazer caminhos e
repetir ações que tais memórias evocam. Observamos ainda que o diário do Juraci-artista se
mistura muitas vezes com o Juraci-pai. Ele conta, relata, analisa, se diverte e comemora o
crescimento do filho, retrata de forma atenciosa, por vezes poética, com um carinho de
companheiro, a infância de Tiago e, claro, relembra a sua. Vejamos algumas passagens.
Tiago viu pela primeira vez um avião de perto. (Diário, 23.02.1988, p.56). [quando
eles foram ao aeroporto buscar Lélia, a curadora da Bienal de Veneza responsável
por levar o trabalho de Juraci].

Tiago não tem coragem de montar sozinho (...) também montar em pelo não é fácil
não. Coisa de menino mesmo. Lembro da minha infância, já fiz tanto isso lá na roça.
(Diário, 24.09.1989, p.80).

Às vezes, ele se diverte muito, corre, brinca, inventa mil estripulias, mas sobretudo
aprende a conviver com a natureza, incluindo aí belezas e perigos. (Diário,
15.04.1990, p.81).

Vou aos poucos definindo a escultura. Esse é o primeiro trabalho que conto com
ajuda total de Tiago, o primeiro trabalho que fizemos juntos. (Diário, 01.05.1990,
p.83).

Logo na chegada uma visão bonita, poética. Enquanto eu retirava os materiais do


carro, Tiago sentou-se no meio do pasto, ajustou o “walk man” aos ouvidos e alheio
a tudo ficou um tempão a contemplar o Jacuípe. Vestido de branco, em contraste
com a vegetação seca e o chão queimado criou uma imagem extremamente bela. O
que mais me chamou a atenção é que normalmente quando chegamos em algum
lugar ele já desce do carro procurando com que brincar. E agora, inclusive
esquecendo os dois meninos que nos acompanhavam, ele, em posição de ioga, de
costas para o mundo, ouve sozinho sua música e contempla as águas barrentas do
velho Jacuípe. (Diário, 20.05.1990, p.86).

Outra face que não fica de fora do diário é o homem. Vemos os problemas existenciais
e os do dia a dia, enfim, os acontecimentos pessoais. Mas é importante ressaltar que o diário é
do Projeto Terra e seu entorno, e não um caderno íntimo. Os fatos pessoais não são relatados
em sua totalidade, apenas suas consequências, no que diz respeito ao projeto: “Na semana até
que serenei mais, e acho até que isso me deu um ânimo pra tirar o domingo, esquecer os
problemas e fazer um pouco do que realmente gosto” (Diário, 01.12.1991, p.1988) ou ainda:
“Ano passado consegui fazer apenas um trabalho do Projeto Terra. Também não foi lá um
 
  67

ano muito fácil e tantos foram os problemas que não me recordo de ter vivido período pior.
Tento colocar a vida em ordem lentamente, penosamente, é claro” (Diário, 04.04.1993, p.94).
Como vemos, “não se pode, negar que haja afinidades secretas entre as realidades externa e
interna à obra (SALLES, 2004, p.97), pois o ato criador está diretamente ligado à realidade
que lhe circunda. Passemos a outra perspectiva da realidade de Juraci: a cidade.

2.2.3 Da cidade

A cidade natal de Juraci Dórea é Feira de Santana. O Projeto Terra, porém, abrange
mais. Nas palavras do jornalista José Carlos Teixeira (2003, p.142): “Feira de Santana, a porta
do sertão; Monte Santo, com seu referencial místico; Canudos, palco da tragédia do
Conselheiro; e o Raso da Catarina, inexpugnável refúgio dos cangaceiros”. As cidades
escolhidas são fortes referências da cultura sertaneja. Mas a essência do Terra vai além:
Projeto Terra. O título do projeto, recorrendo ao uso do substantivo “terra” sem
nenhum elemento que o determine ou qualifique, joga com as diversas acepções
dessa palavra: nosso planeta, o solo sobre o qual se anda, a poeira, o pó, o lugar de
origem, a pátria, a terra natal, a localidade, o lugar. (OLIVIERI-GODOT, 2003,
p.45).

Buscando a sua Terra, o seu lugar, Juraci desenvolve o Projeto Terra. Longe de ser a
cidade de sua infância, Feira de Santana muda a cada dia. Se por um lado cresceu
economicamente, decaiu em alguns aspectos culturais. Juraci Dórea sofre com essas perdas.
Lamenta por cada casarão histórico derrubado: “Na saída de Feira, noto que começaram a
demolir um velho casarão (o da Receita Estadual), de estilo eclético, que por muitos anos
integrou a paisagem urbana da cidade. É o segundo em mais ou menos um mês que
desaparece na Av. Senhor dos Passos. Saio chateado com a insensibilidade das pessoas. Feira
de Santana será uma cidade sem memória, uma cidade idiota, onde as pessoas só se
preocupam com o dinheiro” (Diário, 07.09.1984, p.9). Juraci não só lamenta, como protesta.
Chegou a adaptar a proposta do Projeto Terra de fazer esculturas somente em pleno sertão e
produziu uma delas em frente a um desses casarões – chamando a atenção para a destruição
histórica da cidade. A memória aqui tem o papel de resistência e militância.
ESCULTURA DO ORFANATO, rua Bacelar de Castro, Feira de Santana.
Dentro de poucos anos Feira de Santana terá alcançado o feito inédito de apagar
todo e qualquer vestígio de sua arquitetura do passado. A velocidade com que os
demolidores atuam, é de meter medo, ainda mais se considerarmos que estamos
vivendo terrível recessão econômica. Parece até que há um certo prazer nessa corja
de ignorantes demolidores, quando se trata de substituir os antigos e harmoniosos
casarões da cidade por construções que se destacam apenas pelo mau gosto.

 
  68

Toda área central da cidade tem sido vítima desse processo impiedoso. Às vezes, no
local, surge tempos depois um estacionamento, um depósito de lixo, ou uma porta
onde se vende carne-do-sertão, tecido, sabão, sapato ou qualquer outra coisa que se
possa vender. (Diário, 22.03.1992, p.90).

É transbordante o tom de revolta do artista plástico no que se refere à destruição de


patrimônios históricos, culturais e arquitetônicos de sua cidade. Ele, como Eurico Alves,
adota um discurso duro contra aqueles que demonstram desrespeito por Feira de Santana e
seus bens culturais – especialmente políticos e comerciantes. E ele continua:
Um a um, caíram os melhores exemplos da nossa arquitetura do começo do século: a
casa de João Marinho Falcão, o prédio da Receita Estadual, o Solar Santana (este
desfigurado intencionalmente pelo proprietário, para evitar um possível
tombamento) e agora o prédio onde funcionou até bem pouco tempo o Orfanato
Evangélico.
Venho tentando fotografar estes edifícios há algum tempo. Perdi muitos. Outros, mal
acabo de fotografá-los e na semana seguinte só existe o terreno. Gostaria de
publicar, futuramente, um retrato do que foi Feira antiga. (Diário, 22.03.1992, p.90).

Numa tentativa de resgatar um pouco da história, Juraci Dórea lista os casarões que já
tiverem seu fim, conta que vem tentando fotografá-los e, quem sabe um dia, publicar como
era a “Feira antiga”. E a “Feira antiga” de Juraci não é só feita de casarões arquitetonicamente
bem construídos, mas também de lembranças:

A demolição do velho Orfanato, entretanto, tem para mim um significado especial.


Na verdade, desde a minha infância que a imagem do casarão me acompanha. Cresci
vendo e admirando a beleza de sua arquitetura, seus espaços generosos, o ritmo de
suas janelas em arco, suas varandas, o desenho caprichoso de suas platibandas.
Mais tarde construí a casa, onde ainda moro, num terreno próximo. E o velho
casarão virou a minha paisagem, ao norte. A paisagem da minha rua, a primeira
coisa que eu via, quando saía de casa. E quantas e quantas vezes me detive a
contemplá-lo altas horas da noite, quando eu deixava o ateliê – envolto na mais
densa neblina, tão comum em certas épocas do ano em Feira de Santana. (Diário,
22.03.1992, p.91).

Sob a angústia da destruição do orfanato do ponto de vista cultural, o artista chama a


atenção para outros aspectos: além da perda de um rico patrimônio arquitetônico, Juraci se
revolta com a maneira leviana como ocorreu a demolição – lenta e gradual a fim de despistar
possíveis protestos (fizeram o mesmo com outros casarões da cidade: primeiro foram
desfigurados e só depois destruídos). No seu texto, ele clama pela tradição e o encanto de sua
visão ao norte12. Ainda assim, a destruição aconteceu:

E certo dia veio a notícia que o casarão estava desocupado. Foi uma longa batalha
judicial entre o proprietário e uma instituição protestante que lá abrigava menores
pobres. E agora o casarão estava vazio. Alguns meses se passaram. Logo comecei a
perceber que retiravam o assoalho. Depois, janelas e telhado. E daí por diante foi
                                                            
12
Mesmo com o entorno sendo pouco a pouco derrubado e o comércio ir tomando conta dos arredores, o artista,
em 2011, permanece morando na mesma casa.
 
  69

toda uma lenta agonia. Primeiro retirou-se o que tinha algum valor comercial.
Depois simulou-se, ou deixou-se que o povo levasse o resto. E nem os muros de
proteção restaram. Todo esse processo já dura quase um ano. Creio que a demolição
começou em meados do ano passado. Venho fotografando tudo desde aquela época.
É possível que ainda publique algo a respeito. (Diário, 22.03.1992, p.91).

Tanto quanto preservar a obra, Juraci Dórea se preocupa em registrá-la, não apenas no
seu apogeu, como em seu processo de degradação. Nestas falas fica claro que essa a
necessidade de registrar acompanha e move o artista. No caso da escultura do orfanato, além
do protesto, temos registros da obra – o arquitetônico (a casa em ruínas onde funcionava o
orfanato) e o artístico (mais uma escultura do Terra).

Atualmente, ainda restam algumas paredes de pé. Foram elas que me inspiraram esta
nova escultura. Na verdade, a demolição havia desacelerado, eu já estava pensando
em fazer algum trabalho de arte no local. Mas, nos últimos dias, recomeçaram a
destruição. Resolvi fazer, então, uma das esculturas do projeto Terra. Algumas
paredes laterais, ainda resistiam, ontem mesmo torci desesperadamente para que elas
resistissem, quando enlaçadas por cordas tentaram derrubar uma das partes mais
bonitas que ainda restavam de pé. O povo vibrava, os comerciantes de carro da Ilha
dos Ratos (a Praça da República, outrora conhecida como o Fiado, tem hoje esse
nome). Respirei aliviado quando vi que, após diversas tentativas, que não iam
conseguir. Aquelas paredes que contam histórias de uma outra Feira de Santana
resistiam, aliás todo o prédio vem resistindo a uma demolição esquisita que se
arrasta por meses e meses. Um destino humilhante, uma lenta e absurda morte para
um monumento que abrigou tantas e tantas gerações. (Diário, 22.03.1992, p.91-92).

A lenta agonia da destruição, a nós leitores, parece que o artista se refere a uma
pessoa. Ele dá vida às paredes, torce para que elas resistam; sofre pelo “destino humilhante” e
pela “lenta e absurda morte” do monumento. O seu sofrimento é real, a sua verdade enquanto
ser humano é transportada para a arte ao produzir uma escultura do Terra – com todos os
significados que a palavra terra possui – em frente ao orfanato. Ao fazer esta escultura, Juraci
Dórea re-significa a realidade – mesmo que momentaneamente – e o ambiente que era apenas
de destruição passa a propagar uma certa atmosfera de esperança. Pode-se ouvir um grito de
desespero e dor por causa daquela perda e, em algum lugar, a crença de que um milagre
poderia acontecer – como as paredes que resistiram por mais tempo. A realidade foi, em nível
artístico, transformada, pois da destruição do orfanato surge uma escultura, para ir
acostumando os olhos, que logo mais ficaria órfão daquela bela visão.

Eu teria mais uns dias para admirar o que sobrou do edifício. E para tentar fazer a
escultura.
Hoje é o dia, pensei. O domingo amanheceu meio nublado, mas pouco a pouco o sol
foi aparecendo. Comecei a preparar o material ainda um tanto temeroso com a
chuva. Conto com a ajuda de Alim e Junior. O couro e a madeira já estavam
separados. Transporto tudo para a frente da casa e começo a trabalhar.
Um esteio que sobrara da demolição de um velho galpão foi o ponto de partida para
o trabalho. Aliás, ele destacava-se no meio do capim-açu que nascera sobre os restos

 
  70

de material demolido e construía-se um marco sugestivo. Venho há dias estudando o


local. Logo a estrutura de madeira está definida. Depois vem o couro, uma etapa
mais demorada, o sol agora mais quente. Mas tudo corre bem, a escultura fica
pronta. Faço algumas fotos, o casarão ao fundo, como era a minha intenção. (Diário,
22.03.1992, p.92).

Figura 52. “Escultura do Orfanato”.

A curiosidade das pessoas que passam é relativa: uma ou outra pessoa se aventura a
perguntar a respeito do trabalho. Não gravo nenhum depoimento, mas um registro se
faz necessário: quando eu estava documentando o trabalho em vídeo, passou um
homem completamente embriagado, bêbado mesmo, e falou com Alim.
O que parecia óbvio para qualquer bêbado não afetava, absolutamente, a consciência
cultural de Feira de Santana, as autoridades, as instituições que deveriam ser
responsáveis pela preservação da memória da cidade. Dos proprietários gananciosos
e ignorantes não poderíamos esperar muita coisa, visto que eles só entendem mesmo
é de dinheiro. E até os familiares não mostram mais nenhuma preocupação em
preservar o que foi edificado por seus pais e avós. É possível que a realidade
econômica do País seja hoje tão perversa que tenha levado as pessoas à condição de
inúmeros fantasmas, sem vínculos com o tempo ou o espaço. Nada de
responsabilidades com o passado, nada de preocupação com o futuro: a vida é hoje
apenas o presente miserável (um miserável presente). (Diário, 22.03.1992, p.92-93).

Percebemos nesta passagem como o artista traz a questão da recepção para dentro da
obra. Em outras esculturas do Terra, ele faz gravações de áudio e vídeo para registrar as
reações (posteriormente viraram livros e documentários). No caso da “Escultura do Orfanato”,
seu propósito é protestar – com isso, resolve não gravar nenhum depoimento. Mas, faz
questão de registrar o bêbado que passa e se indigna – por isto, Juraci considera que o
indivíduo, mesmo nesse estado, revela um grau de sensibilidade artística maior do que vem
 
  71

sendo demonstrado pelas autoridades do município e proprietários dos imóveis em questão –


adjetivados por ele de gananciosos. Vemos então que, pelo menos para o bêbado, o trabalho
artístico teve êxito, conseguiu chamar atenção para seu objetivo. Estabeleceu-se ai uma
comunicação entre a obra de arte e este receptor solitário. E Juraci Dórea continua com suas
lembranças:
Ainda assim, confesso que era bonito ver, por exemplo, o poeta Eurico Alves
preservando com o maior carinho a casa de fazenda que havia sido do seu pai. Tudo
ali tinha um significado, cada objeto tinha uma história, uma lembrança. E agora, o
que presenciamos? O que ficou da casa de João Marinho? O que ficou do Solar
Santana? Outro dia passei em frente à casa onde havia morado Dival Pitombo, fiquei
chocado. Lá estava apenas uma montanha de escombros. E todas essas coisas que
acontecem tão rapidamente, num piscar de olhos, uma vergonha! É bem verdade que
a casa de Dival era uma construção recente, sem grandes arroubos arquitetônicos,
mas era a casa de Dival Pitombo, a casa que um dia recebeu Sartre, Jorge Amado,
13
Di Cavalcanti e muitos outros. Logo veremos o Solar Fróes da Motta também
transformado em pó. Tornou-se difícil e caro a preservação destes monumentos
pelos familiares. Acho que só a interferência do poder público, através de incentivos
ou outras medidas que não dificultem a preservação dos edifícios que tenham valor
cultural pode reverter este quadro. Mas isso se o poder público fosse exercido por
pessoas inteligentes, o que não é o nosso caso. (Diário, 22.03.1992, p.93-94).

Quando ele comenta e analisa o sentido da casa de Dival Pitombo, instala-se aí um


patamar de memória cultural: uma casa que recebeu artistas, escritores, filósofos, pessoas
ilustres e era o cerne do movimento artístico, educacional e cultural da cidade na época.

                                                            
13
O único casarão histórico sobrevivente da cidade é o Solar Fróes da Mota, que foi tombado pelo IPAC e
restaurado pela Fundação Senhor dos Passos, através do programa Faz Cultura, com apoio da Pirelle, em 2008.
Hoje, acontecem eventos culturais no espaço.

 
  72

Figura 53. Visita de J. P. Sartre e S. De Beauvoir, a Feira de Santana,


14
recepcionados por Dival Pitombo e família .
(Da esquerda para direita: Jorge Amado, Dival Pitombo, Zelia Gattai, Simone De Beauvoir, Jean Paul Sartre, Wellington Caribé, Andre
Werner, Zaury Pitombo, Divaldo Costa Lima e Lorrete Werner. As crianças – da esquerda para direita: Martine Veloso, Volney e Ivana
Pitombo)

Resta-nos apenas o protesto solitário, ou a esperança que a arte registre e resgate uns
fragmentos da nossa agonizante memória cultural. É o que arriscamos com a
construção dessa escultura do Projeto Terra.
Escultura do Orfanato. Local: Rua Bacelar de Castro, Feira de Santana, Bahia, ao
lado do casarão em ruínas do Orfanato Evangélico.
Altura: 4,00 m.
O CASARÃO PERTENCEU AO CORONEL EPIFÂNIO JOSÉ DE SOUZA,
FAMOSO EXPORTADOR DE FUMO, QUE EM 1918 FEZ UMA GRANDE
REFORMA NO PRÉDIO. (FEIRA HOJE, 23.7.83) (Diário, 22.03.1992, p.93-94).

De um “protesto solitário” surge mais uma escultura do Terra; fotos-registros de um


dos mais belos “mortos” casarões da cidade; histórias sobre tantos outros e quatro páginas de
angústia recheadas de informações sobre o modus operandis da cidade de Feira de Santana
lidar com a arte, a cultura e o passado.

                                                            
14
Esta foto foi tirada em aproximadamente 1960

 
  73

2.2.3.1 Outras histórias

A questão da preservação e recuperação da memória cultural e arquitetônica perpassa


todo o trabalho artístico de Juraci Dórea. Em 1984, primeiros anos do Projeto Terra, ele viaja
sertão adentro a pesquisar locais para instalar suas esculturas. Salles (2006) explica que “as
anotações de um artista oferecem, em uma visão panorâmica, as renitências de seu olhar:
imagens recorrentes sob diferentes prismas, indignações com seu país, determinados aspectos
da cidade, ruas descritas por meio de cores, curvas ou luminosidades” (p.70). Em Santa Rosa,
povoado de Monte Santo, ele considera a possibilidade de fazer seu trabalho, justificando a
escolha:  
O local me atrai muito, pelo seu casario, pelo seu mistério, por suas capelinhas em
ruínas. (...) Hoje as capelas estão quase em ruínas. (...) O outro detalhe é uma das
capelas que ainda conserva vestígios da pintura antiga – um azulão colonial – além
de uma decoração em relevo de massa. Ocorre-nos a idéia de recuperar as capelas.
Muita mão de obra, sabemos. Fica pelo menos a idéia. O projeto pode aproveitar
para recuperar uma delas. (Diário, 21.07.1984, p.5-6).

Figura 54. “Exposição da Santa Rosa”, 1985. Santa Rosa, Monte Santo.

A idéia de preservação é recorrente, não apenas no diário, mas na obra e na vontade do


artista, “o próprio ato de anotar para não esquecer nos leva a compreender que, em meio ao
profundo desenvolvimento no processo, lembrar significa sobrevivência do artista, na medida
em que implica a sobrevivência da obra” (SALLES, 2006, p.74). Ao longo do Projeto Terra,
Juraci não faz apenas pinturas e produz esculturas, ele constrói e busca reconstruir histórias.
[Manuel Trevessa] Ele é também é o criador de um pequeno museu que existe no
local, reunindo peças e recordações da guerra de Canudos. Lembro que tempos atrás,
numa viagem que fiz por aqui ele nos mostrou uns ossos, balas, e umas espingardas
 
  74

velhas dizendo que eram do tempo da “Guerra”. Nessa época ainda não existia o
museu, ele guardava os objetos num canto da venda. (Diário, 12.10.1984, p. 21).

Aproveitei para conhecer o acervo de Zé Aras. A família trouxe quase tudo para
Euclides da Cunha, visto que as peças, no Museu do Bendego, estavam sendo
destruídas e ameaçadas. Ainda resta muita coisa, lembranças da guerra de Canudos,
balas, ossos, fotos, livros, a correspondência de Zé Aras, seus livros, recortes de
jornais, etc. Algumas peças desapareceram, D. Adalgisa, sua filha diz que o próprio
Zé Aras havia doado em vida parte do material. Está havendo um interesse por parte
do Museu do Sertão, de Monte Santo, em adquirir este acervo. O certo é que se trata
de um material valioso e que deve de ser preservado, para que não se cometa mais
este crime contra nossa memória cultural. (Diário, 15.11.1984, p.27).
 
Outro dado que fiquei sabendo também é que os curtumes do Tucano (...) estavam
ameaçados de desaparecer por falta de matéria-prima. Todo o couro da região estava
sendo salgado e remetido para Pernambuco, daí sendo exportado. (...) Com isso
também desaparecem certas imagens típicas da região: imensos couros de boi
espichados sob o sol. (Diário, 05.01.1985, p.35).

Identificamos mais uma vez a sua preocupação com a memória, agora do ponto de
vista da imagem cultural – esta visão de couro espichado a que Juraci se refere na citação
acima são as imagens que foram o ponto de partida visual para a criação das esculturas do
Projeto Terra (cf. cap. 1, página 38). Percebemos como “o objeto artístico, durante, sua
criação, se desprende da realidade externa à obra, que é dissolvida na arte de dominá-la e
fazer dela realidade artística” (SALLES, 2004, p.97), mesmo que a realidade externa à obra
desapareça, fica o registro da realidade artística, pois o trabalho de Juraci Dórea não advém
apenas da “recordação e a relembrança amenas mas a forca da memória com todos os seus
parasitas” (PIRES FERREIRA, 2004, p.40). Assim, as imagens típicas estão, de certa forma,
salvas do esquecimento pelo registro da realidade artística.

2.3 Memória como matéria-prima

O Projeto Terra, maior e mais complexa obra do artista plástico Juraci Dórea, vem
fundindo dicotomias, contraposições, espaços, tecnologias e tempos. Passado e presente se
confundem quando o artista reconfigura suas lembranças dando-lhes vida por meio da obra de
arte. Ele faz das memórias sua principal matéria-prima. Afinal, o “artista é um captador de
detritos da experiência, de retalhos de realidade” (SALLES, 2004, p.97). São estes “detritos”
de um tempo que já se foi que Juraci escolhe recolher, colar e re-significando-os nos entrega
em forma de pinturas e esculturas. Vejamos como as lembranças são fundamentais para
muitas das tomadas de decisão do artista:

 
  75

O trabalho atual ficou mesmo num lugar da Tapera denominado Sítio. Lembro que
quando eu era criança aqui havia uma pequena casa, próxima de umas jaqueiras. A
maior delas, era maior mesmo, nunca vi jaqueira igual. O seu tronco se abre de tal
forma que daria uma casa na parte de cima. Ainda agora, que ela lascou uma banda,
parece imensa. A casa não existe mais. Por muito tempo ainda recordo de uma
parede que ficou no tempo, até desaparecer completamente. Pois bem, decidi fazer o
trabalho nas proximidades da jaqueira. (...) No meio do pasto, perto de um
mandacaru e de uma cerca. (Diário, 09.08.1987, p.52).

Dois lugares me atraem: Orobó e Mané Acari. O silêncio do anoitecer. De lá avisto


Feira iluminada, uma imagem de minha infância. Meu pai dizia que da Fazenda a
gente avistava Feira, à noite. Naquela época, eu me lembro de umas luzesinhas,
umas poucas, esparsas. Agora aquela imensidão, aquele mundo, uma festa. (Diário,
13.05.1988, p.63).

O local escolhido para a escultura fica perto do porteirão, já próximo ao rio de


Jacuípe. Pra mim tem um significado afetivo. Quantas vezes em minha caminhada
para o rio não parei aqui, nos tempos de minha infância, para descansar. O porteirão
era uma cancela que separava o pasto do fundo do Jericó do pasto do rio, ladeira
íngreme e que nos roubava todo o restinho de energia, principalmente naquele sol
quente de meio-dia. E tinha uma sombra gostosa, de árvores imensas que se
alinhavam junto à cerca, vestígios da antiga mata. Eu curtia, quando por ali passava,
o rangido dos altos galhos dos tapicurus, o desenho instigante de um pau-ferro que
nos enche as vistas e até uma velha quixabeira que ainda hoje está lá. Aliás, sempre
a sombra melhor, embora agressiva. (Diário, 15.04.1990, p.81).

Não demorei em definir o local: próximo à velha aroeira da Tapera. Lembro dessa
árvore desde o tempo de meu avô. No centro, ficava a casa-da-fazenda. À esquerda,
o que havia restado da antiga senzala. À direita, as construções que serviam de
apoio: casa de farinha, quarto de arreios, etc. Era na extremidade dessa última parte
que ficava a aroeira.
Hoje já não existe nenhum vestígio dessas construções seculares. No local, meu pai
construiu a atual casa-da-fazenda. Apenas a aroeira continuou lá, sobreviveu, como
uns poucos pés de café, sob os cajueiros. Antigamente era costume plantar café
aproveitando as árvores frutíferas. (...) Há também os ninhos de “querrequexéu”
(verificar) curioso passarinho que constrói seus ninhos com espinhos de jurema.
Tudo isso é puro retorno à minha infância. (Diário, 25.12.2000, p.107).

O local escolhido foi uma área perto de D. Olga, que meu pai costumava chamar de
Canto da Cerca, pois lá se encontravam as cercas que separavam o pasto da Tapera:
uma limitava o Corredor e a outra vinha o Sítio. (Diário, 14.12.2002, p.110).

Quem vê apenas a instalação da escultura, a foto, ou o vídeo não imagina os sentidos e


significados que levaram o artista para este ou aquele lugar, mas, no diário, “enquanto
memória, temos o registro em sua materialidade, a memória de tinta e papel. O registro
regular, como se algo de fora insistisse em não querer se deixar perder” (PIRES FERREIRA,
2004, p.52). Ideia reforçada por Cecília Salles (2006), ao explicar uma das funções das
anotações: “Um modo de fazer durar esse instante e driblar o esquecimento” (p.68). A
vontade de Juraci parece ser não deixar que nada se perca:
Logo estávamos na Estrada do Feijão, estrada cheia de recordações. A entrada de
Jaguara, distrito de Feira, por exemplo, que visitei várias vezes na época em que
trabalhei na prefeitura. A fazenda Retiro, onde existia secular casarão, destruído pela
ignorância e pela falta de sensibilidade de seus proprietários. O Bravo, onde está a
 
  76

fazenda que pertenceu ao ex-prefeito Newton Falcão, feirense acima de tudo e


homem de muita visão e sensibilidade. (Diário, 16.01.1999, p.105).

Mais uma vez o artista se incomoda com o descuido das autoridades em relação aos
lugares que contam história, e sempre que pode vai “preenchendo” as suas esculturas com
narrativas e personagens. Ouçamos o que diz sobre a do Tune:

Acho que vou chamar este trabalho de Escultura de Tune. (Tune é o nome do lugar
onde a obra foi construída, pois aqui ele morou, ele um preto velho – eu o conheci,
bebia que nem um desgraçado – ele Tune, aqui teve sua casa e sua roça, bem
pertinho). (Diário, 24.04.1988, p.62).

Figura 55. Imagem copiada diretamente do arquivo do artista.


Ele cola as fotos em papel A4 e as legenda.

 
  77

Com o passar do tempo, o Terra se apóia em mais um nível de memória. As


lembranças da própria obra são trazidas para as esculturas posteriores, influenciando em
decisões. Os trabalhos passam, então, a se cruzar e se interligar criando uma complexa rede
temporal e artística. Novas esculturas nascem a partir dos suportes e das histórias das mais
antigas: “Escolho um local próximo de onde, em 1982, fiz a primeira escultura. Ainda
encontro (e fotografo depois) pedaços do velho couro encardido e meio coberto pelo capim”
(Diário, 16.04.1998, p.102). “Os vestígios deixados por artistas oferecem meios para captar
fragmentos do funcionamento do pensamento criativo” (SALLES, 2008, p.69), sendo assim,
encontramos mais do que recorrência de lembranças: no trabalho de Juraci Dórea há um ir e
vir no tempo através das suas memórias. Captamos que os gestos criadores do artista têm, em
sua maioria, base nas emoções despertadas por recordações. Para ilustrar, escolho a última
escultura do Projeto Terra registrada no diário, a qual Juraci Dórea produz em terras que
pertenceram à sua família. Lá, as lembranças afloram mais facilmente:

A imagem da fazenda é cada vez mais desoladora. A casa já não existe, faz tempo.
Apenas uns torrões, pedaços de tijolos espalhados, adobes aflorando do chão,
indicando a posição de antigas paredes, umas telhas num canto, esteios ainda
fincados, como a que sustentar inexistente telhado. E o cansanção, o velame, o juá
mirim tomando conta de tudo. Da antiga paisagem, restaram apenas a laranjeira-
brava, que ficava na frente da casa, o velho curral, algumas árvores frutíferas
plantadas por meu pai, no período em que morou aqui, a casa do vaqueiro Claudinho
e o pau-de-ferro, no pasto ao lado. (...) O sistema construtivo desse curral ainda era o
mesmo usado no tempo do meu avô, e utilizava apenas madeira. Vinha de uma
época em que a madeira aqui era abundante, a mata ali pertinho. Meu pai conservou
este curral do mesmo jeito, e lembro que nos dias em que ele reunia o gado para
ferrar era uma festa. O curral cheio e o gado sendo reunido no malhador em frente à
casa. Tudo isso acabou. (Diário, 02.10.2004, p.114).

 
  78

 
Figura 56. “Escultura do curral do Jericó”, 2004.

Veja que ter o passado como ponto de partida é uma opção clara na arte de Juraci
Dórea. “As escolhas, aparentemente não conscientes, têm marcas de uma especialização no
olhar e ganham certa clareza de seus caminhos nas releituras” (SALLES, 2006, p. 76). E neste
olhar retroativo via obra, através do diário, identificamos a memória como força propulsora
do Projeto Terra. Obviamente não se faz arte apenas com memória. Jerusa Pires Ferreira
(2004) inclusive alerta que “será sempre incompleto um discurso sobre memória, do mesmo
jeito que a memória abarca e despreza fatos e coisas e as faz renascer vivificadas e perenes”
(p.67). O objetivo aqui foi ressaltar como as memórias que fazem sentido para Juraci Dórea
dão suporte ao seu trabalho artístico.

 
  79

3 – REDES DA CRIAÇÃO: PRODUÇÃO, PERFORMANCE E COMUNICAÇÃO

“E algumas perguntas ficarão no ar.


15
Pra qui é? Pra qui não é?” .

Chegando ao terceiro e último capítulo, a minha sensação é de que o Projeto Terra é


um labirinto artístico formado por imagens, informações, obras, anotações, pinturas, vídeos,
lembranças, esculturas, recepções, instalações, livros e toda a sensibilidade de que é feita a
arte. A complexidade do Terra está justamente aí – nessa profusão de formas e conteúdos que
se mesclam e se soltam como peças de um quebra-cabeça – só que flexíveis – ora se ajustam
numa exposição, ora num livro e assim vai se construindo um projeto múltiplo, multifacetado
e multimidiático, podendo ser analisado por diferentes vertentes. A teoria da rede de criação
dá conta do movimento tradutório e processual da obra que envolve “simultaneidade de ações,
ausência de hierarquia, não linearidade e estabelecimento de nexos” (SALLES, 2006, p. 17).
Os documentos que registram o processo de criação do Projeto Terra ganham
complexidade ao passo que são, ao mesmo tempo, memória, meio de comunicação e obra de
arte. A princípio, os registros eram feitos com o objetivo de preservar a memória do projeto.
Em seguida, passam a divulgá-lo. Por fim, ganham status de obra de arte ao serem expostos.
A complexidade se dá ainda pelo fato de que tais registros vão ganhando novas significações
sem, necessariamente, perder as anteriores. As novas obras, por sua vez, ficam independentes,
porém interligadas.
O Projeto Terra, através da articulação de vários códigos, espaços, meios, materiais e
atores, põe em circulação um complexo sistema de expressão e de comunicação artístico-
cultural que denuncia particularidades inerentes ao processo de atuação/criação do artista.
Com isso, vemos que a atuação artística (é mais do que uma produção) capitaneada pelo
Terra tenta aproximar ou fundir dimensões num processo que usa várias técnicas
(justaposição, estilização, recriação, descrição, narração, transcrição, transposição) e muitos
fundamentos estéticos (do modernismo - vanguarda, experimentação, tensão crítica - e do
pós-modernismo - apropriação, ressignificação, colagem). Nosso interesse, porém, “não está
em cada forma, mas na transformação de uma forma em outra” (SALLES, 2004, p. 19).

                                                            
15
DÓREA, Juraci. Diário, 1988, p. 65.

 
  80

Para efeito de estudo, farei neste capítulo uma espécie de dissecação das partes que
compõem o Projeto, prometendo, no final, devolvê-las à rede que é o Terra. Analisarei três
vertentes que formam essa rede de criação: produção, performance e comunicação

3.1 Produção

3.1.1 Diário

Conforme já foi dito, anterior e paralelo à produção do Projeto Terra, Juraci Dórea
escreveu um diário em que registra dados sobre sua produção e criação, bem como a recriação
do Terra em diferentes mídias. No texto, entre narrativas, relatos, reflexões e análises,
podemos encontrar partículas que, quando associadas, ajudaram a gerar as esculturas no meio
do sertão e os registros que viajaram o mundo.
Escrito de uma forma explicativa, o texto às vezes foge do seu formato de alcova e nos
dá a impressão de contar com um leitor, pois Juraci vai detalhando as pessoas, os
acontecimentos, o cenário: “O homem com quem eu queria falar, o que fez o museu e é dono
de algumas casas aqui no novo povoado (...) Maria, que mora aqui desde menina, está com 30
anos, e conhece muito bem a região (Diário, 22.07.1984, p.7-8). Porém, como num romance,
nos envolve numa narrativa que tem como personagem principal o Projeto Terra, deixando
aparente as muitas outras histórias por trás.
Conseguimos captar no diário, mais do que um registro do Projeto, também, a
documentação antropológica de uma cultura e região, como, por exemplo, quando ele explica
a importância do milho para determinado grupo de pessoas: “O milho é um dos alimentos
básicos daqui, é mais importante do que o feijão, me parece, pois o feijão acaba logo e o
milho é usado quase o ano todo” (Diário, 25.11.1984, p.30). Percebemos ainda outra nuance
do diário no momento em que o artista situa os lugares de acordo com seu contexto e história.
Ouçamos sua explicação sobre o significado do nome de uma região associando à cultura
local: “Ele é acompanhado por Zé de Né, que toca pífaro no São Pedro do Aluá. Aluá: uma
bebida feita na região com milho. Prepara-se um angu de milho e depois se dissolve com água
e açúcar: pode ser servido gelado” (Diário, 06.01.85, p.36).
Mas, como em qualquer trama, é o personagem principal que tem maior espaço. É
para o Terra que o diário está voltado. Sempre em primeira pessoa, Juraci usa um recurso
estilístico que nos dá a ideia de que escreve ao mesmo tempo que produz: “Começamos a

 
  81

trabalhar. O primeiro buraco. O chão aqui é arenoso e fácil de cavar. Começamos a fixar as
peças de madeira” (Diário, 09.08.1987, p.52-53). É como se estivéssemos vendo
simultaneamente a escavação, a escritura e o ato de fotografar: “Depois de muito faz e
desmancha, mais uma escultura está pronta (...) Faço uma série de fotos” (Diário, 15.05.1988,
p.65). Até no texto, o Terra se mostra em rede, driblando a linearidade dos fatos.

3.1.2 Fotografias

Inicialmente, a fotografia era apenas uma das formas de registrar as esculturas e


pinturas. “Faço algumas fotos para registro” (Diário, 13.10.1984, p.25). Depois, ganharam
status de obra, ao serem mostradas em bienais e exposições. Destaco a importância deste
recurso ressaltando a possibilidade do artista mudar a escultura de lugar, em prol do resguardo
do material fotográfico. Vejamos o que ele considera durante o processo de escolha do local
de mais uma escultura: “Pensar numa sombra próxima, uma árvore, por exemplo (...) o
equipamento fotográfico, que deve estar próximo, fica demasiadamente exposto ao calor”
(Diário, 05.01.1985, p.35). Fica claro aí o valor da fotografia para o Projeto. Saliento
algumas passagens nas quais a fotografia ocupa tanto tempo e atenção por parte do artista
quanto as pinturas ou esculturas:

Aproveito o resto do tempo para fotografar a peça. O sol – a luz – colabora. (Diário,
15.04.1990, p.82)

Não demorou muito e estávamos com a peça pronta. O sol voltou a brilhar, o que
facilitou o trabalho de fotografia. (Diário, 13.05.1990, p.85)

O resto da tarde é para fazer a documentação fotográfica. (Diário, 04.04.1993, p.95)

Passei a tarde fotografando a escultura. (Diário, 05.12.1993, p.96)

As fotos do Projeto, já com alguns anos de vida, não são mais “registros que viram
obras”, elas já nascem com esse propósito:
Faço algumas fotos, pena que o tempo esteja nublado (...) No final da tarde faço
novas fotos. O sol voltou a aparecer. A luz bonita do sertão. Quero ver se levo parte
deste material para uma exposição que pretendo fazer em Portugal. A mostra será
em meados de setembro e, além de pinturas, terá uma documentação sobre o Projeto
Terra. As fotos anteriores estão razoáveis, vamos ver agora com outra luz, outro
cenário, outras perspectivas. (Diário, 30.08.1996, p.100).

O valor dessas imagens também pode ser encontrado em outros níveis, e não apenas
como arquivo do Terra, mas enquanto documentação sobre a região, registro de momentos,
 
  82

memória da obra e do artista, retratos de realidades sertanejas e assim por diante. É enorme a
variedade de olhares que tal acervo possibilita. Tomemos como exemplo a história do
carneirinho: “Seu Antônio chega pouco depois com a mulher e vinha com um filhote de
carneiro (burrego?) nas mãos. Queria que o carneirinho saísse nos retratos. Assim foi feito”
(Diário, 08.09.1984, p.11).

Figura 57. Seu Antônio, a família e o carneirinho.

Juraci vai relatando em seu diário as histórias das fotos-coadjuvantes do Projeto: uma
grávida que se esquivou de aparecer ou as crianças que faziam palhaçadas justamente para
serem vistas. O artista comenta ainda a importância da fotografia para as pessoas da região:
“Um dado curioso é que encontrei uma foto que eu tinha dado ao Pio já fazia tempo. Estava
na parede, junto com os Santos. Era do pessoal em frente à escultura da cada de Edwirges: a
foto era de 1982” (Diário, 13.03.1988, p.58).

 
  83

Figura 58. Pio, assinalado com a seta.

Encontramos ainda as fotografias programadas, tanto para arquivo como para


catálogo. O artista decide levar os quadros para o estúdio a fim de enquadrá-los com
perfeição:
As fotos em preto e branco servirão para o catálogo e as coloridas como referência e
controle da série. Achei conveniente pedir a Elídio [fotógrafo profissional] para
fazer essas fotos, pois o enquadramento é muito importante neste caso, pois não
devem ocorrer deformações nas molduras. (Diário, 29.01.1985, p.38).

Sendo assim, uma mesma foto assume várias facetas e diversas formas de fotografias
são tiradas para atingir diferentes alvos.

3.1.3 Gravações de áudio

O gravador foi comprado ainda nos primeiros anos do projeto: “Mais uma parcela da
bolsa: Cr$ 497.600,00 (...) penso em utilizar este dinheiro para adquirir um gravador” (Diário,
13.07.1984, p.4). Pouco tempo depois o desejo é concretizado: “O dinheiro tem sido aplicado
no trabalho à medida que ele vai andando. Comprei um pequeno gravador, que já foi útil no
trabalho da Lagoa das Bestas. (Diário, 12.09.1984, p.12). Na sequência, as gravações vão
aparecendo quase na mesma proporção que as fotos: “Ana grava alguns depoimentos. Faço

 
  84

algumas fotos. (...) Dou os retoques finais e faço novas fotos. (...) Faço fotos de várias
posições e Ana grava o que pode” (Diário, 08.09.1984, p.11) – esta fala se repete a cada nova
escultura. A ideia era registrar a recepção estética dos sertanejos frente ao Projeto.
O trabalho vai saindo aos poucos. No final da tarde está pronto. Faço algumas fotos:
a luz não ajuda muito (...) Acho interessante alguns depoimentos: alguém diz que é
um museu, era um cemitério. Outro, que era um hospital. Comparações estranhas,
sutis. Fico esperando o sol aparecer para tentar novas fotos do trabalho, mas começa
a escurecer. Resolvo ir embora. (Diário, 01.05.1988, p.63).

Em determinados momentos, compara: “Começo a fazer algumas fotos. Ana grava


alguns depoimentos. Percebo que aqui o pessoal já faz uma associação da escultura com
estátuas (istáutas)” (Diário, 14.05.1988, p. 64). Já em outros lugares, não acontece a mesma
recepção, conforme constata: “Ana tem dificuldade de gravar os depoimentos, o povo muito
desconfiado” (Diário, 01.10.1984, p.19). No diário são contadas as histórias dos depoimentos:
uns mais fáceis de conseguir, outros mais difíceis; uns mais próximos dos conceitos de arte,
outros mais distantes – mas são eles que somados às fotos resultaram nos livros do Projeto
Terra.

3.1.4 Livros

O registro da experiência estética dos espectadores do Projeto junto com as


fotografias, além de textos acadêmicos e/ou jornalísticos, deram origem aos livros do Terra.
Neste trecho, Juraci conta o processo de produção da primeira obra sobre o Projeto:

Tenho trabalhado na transcrição das fitas que contêm os depoimentos colhidos


durante o desenvolvimento do projeto. Conseguimos um financiamento para a
execução de um livro: o Pita foi quem batalhou isso, contando com o aval de Sérgio
e de Dr. João (...). Depois ainda preciso fazer novas cópias das fotos. Os textos já
estão quase prontos. Já tenho os seguintes: Brasileiro, Matilde e Chico Liberato.
(Diário, 25.05.1985, p.48).

 
  85

Figura 59. O primeiro livro Terra (1985). 

Figura 60. Páginas do livro16.


                                                            
16
Transcrição do texto da página esquerda do livro: “Canudos foi inundado, teve apagado. O povo chegava aqui
e me peuguntava: o sinhô não tem nada de Canudos? Digo: não. Eu tinha uma casca de bala, uma coisa assim,
intão amostrava.” Manuel Alves, 44 anos, Canudos.
 
  86

“Finalmente o livro, com o resultado dessa fase do projeto, ficou pronto”. (Diário,
26.09.1985, p.48). Confeccionado para Bienal Internacional de São Paulo, o livro não saiu
exatamente como o artista sonhou, mas atendeu às necessidades de comunicação do projeto,
já que a mostra no evento era apenas da documentação e não seria montada nenhuma
escultura no espaço.

Quanto ao meu livro, devo dizer que ele sai com uma luta danada. Tem textos de
Frederico Morais, Teixeira, Brasileiro, Chico, Capinan, Matilde Matos e Ivo
Vellame. De um modo geral ele me agrada. Faço algumas restrições quanto ao
tamanho dos tipos: acho que deveríamos ter usado um tipo maior. O livro não é algo
para ser visto, é para ser lido. A minha intenção desde o princípio era fazer um livro,
formato de livro, aspecto, etc, e não um catálogo, onde predominasse o lado
fotográfico (...) Apesar de tudo, valeu a pena, o trabalho saiu bonito e é um registro
do que foi o projeto. A parte fotográfica está razoável. Fica, agora, a vontade de
fazer algo a cores. (Diário, 26.09.1985, p.48-49).

Já o segundo livro foi confeccionado especialmente para a Bienal Internacional de São


Paulo, em 1987. Composto basicamente por fotos e depoimentos, conta com prefácio do
escritor e poeta Antônio Brasileiro. Como se trata de um trabalho em rede, não poderia deixar
de mencionar a questão da memória revelada através da dedicatória: “À memória do poeta
Eurico Alves”.

                                                                                                                                                                                          
“Bom, eu não tenho leitura, tá intendeno? Eu num tenho leitura ninhuma, não leio. Agora, aquilo ali eu acho qui
tem uma grande tioria.” Manuel Alves, 44 anos, Canudos.

 
  87

Figura 61. Uma das esculturas ilustra a capa do livro.

Figura 62. Parte interna do Sertão Sertão.

 
  88

O terceiro e último livro17 do projeto intitulado Terra 2 foi produzido para a Bienal
Internacional de Veneza, em 1988. Bilíngue, com uma tiragem de mil exemplares, o trabalho
apresenta as esculturas com suas respectivas legendas (nome, localização e datas de
confecção) e textos do jornalista José Carlos Teixeira e do crítico de arte, Ivo Vellame.

Figura 63. Capa do Terra 2

                                                            
17
Washington Falcão foi o criador do projeto gráfico dos três livros do Projeto Terra.
 
  89

Figura 64. Parte interna do livro: imagens das esculturas, do processo e do público.

3.2 Performance

3.2.1 Instalação

O ato de fazer a escultura, em muitos momentos, contou com a presença de público –


geralmente moradores das cidades/povoados escolhidos.
O Projeto Terra, enraizado na cultura sertaneja e moderno nas suas concepções e
formas, funciona como elemento mediador entre expressões culturais arcaicas e
cosmopolitas que fazem parte da cultura brasileira. Sujeito e objeto de uma aventura
estética que privilegia o diálogo entre particularidade regional e valores universais.
(OLIVIERI-GODOT, 2003, p.53).

Em várias ocasiões, porém, o artista se inquieta com a sua proposta:


Não vou deixar este trabalho armado aqui. A proposta na região é com trabalhos
desmontáveis, visto que o couro aqui é muito útil – e está muito caro – assim sendo
acho que ele não amanheceria o dia. Dessa forma, na parte da tarde começo a
desmontar a escultura. (Diário, 08.09.1984, p.11).
 

Algumas vezes as esculturas são desmontadas, em outras, o artista arrisca: “Dizem que
nem a madeira vai amanhecer. Fico em dúvida. Em tirar os couros? Não. A proposta não é
essa. Vou deixar, nem que amanhã não amanheça nada” (Diário, 01.10.1984, p.20). Mas

 
  90

percebemos que sua principal preocupação não é se a obra permanecerá montada ou não, uma
vez que a efemeridade apenas permeia o projeto. O objetivo central é possibilitar que a
escultura fique integrada ao meio, como se fosse uma instalação natural:

Começo a colocar as peças de couro. As formas começam a surgir. A dimensão do


trabalho é maior, as flechas mais altas, não fica clara com facilidade a escultura.
Estudo os vários ângulos, mudo a posição do couro. Faço alguns cortes, etc.
Finalmente dou por pronta a escultura. Durante o processo e depois, faço algumas
fotos. O sol continua brabo, o que nos cansa muito. Retorno à vendola de Manuel
Trevessa, ele tinha saído desde cedo. De lá observo que a paisagem domina, o
trabalho some, questão de escala. A paisagem é marcante, o açude, a vegetação, os
morros, etc. Para aparecer mais a escultura deveria ter 4 ou 5 vezes mais altura do
que tem. De qualquer forma ela está inserida na paisagem, não agride, é apenas mais
um dos componentes deste universo dramático. (Diário, 13.10.1984, p.24).

Mais do que uma instalação a céu aberto, em pleno sertão, a confecção da escultura se
dá, muitas vezes, não em prol única e exclusivamente do trabalho pronto, mas sim privilegia o
fazer, o acontecimento, uma espécie de “happening”, como escreve Juraci,
Chego a conclusão que esse tipo de trabalho tem que ser desmontável mesmo, em
alguns lugares. O que deve ser levado em conta é o próprio acontecimento, o
18
fazer, o registro do momento . Algo assim como um Hapening. Os trabalhos
permanentes exigem um mínimo de segurança. Esse é um critério que deve ser
levado em conta nas próximas propostas. (Diário, 01.10.1984, p. 21).

O que confere ao ato da instalação o status de performance, pois amplia o campo da


escultura abrindo a possibilidade de participação do espectador, deixando a obra de ser apenas
um objeto de contemplação – à distância.

3.2.2 Vídeos

O primeiro trabalho performático foi rodado num super-8. A princípio faziam parte da
documentação. Depois, ganharam direção, produção e trilha sonora e passaram a ser
identificados como documentários sobre o Projeto Terra. O conteúdo se constituía de
performances captadas durante a feitura das obras. Vejamos alguns trechos do diário onde o
artista conta sobre as gravações, as linhas de direção e a passagem de super-8 para VT. “Vou
agora fazer umas fotos e rodar um super 8, para registrar o acontecimento (Diário,
16.09.1984, p.15). Esta é a primeira vez que aparece o termo ‘super-8’ e a questão das
filmagens no diário.
                                                            
18
Grifo nosso.

 
  91

A chuva aperta, a água corre no terreiro. Eu tinha começado a rodar um super 8 e


aproveito para fazer umas tomadas na chuva. Pena que o filme esteja tão caro que a
gente não pode fazer mais nada. (Diário, 14.10.1984, p. 26).

Na passagem acima, já se identifica o desejo de fazer um filme e não apenas registrar


acontecimentos.
Mais outra escultura está pronta. Novas fotos, Ana faz umas gravações com o
pessoal que está próximo (...) Rodo um super 8 e faço também uns slides para
registrar o evento. (Diário, 05.01.1985, p.34).

Primeiro foram as fotos, depois, as gravações e agora os vídeos já fazem parte


naturalmente do processo de documentação.
Zé canta uma cantiga de reis e outra que fala no Raso da Catarina. Pretendo usá-la
no documentário que estou fazendo sobre o projeto. Outra idéia é gravar tudo na
região e usar toda a música com pífaros e músicas da região. Para isso pretendo
conseguir um bom gravador. (Diário, 05.01.1985, p. 36).

O vídeo já tem nome de “documentário” e se fala em sonoplastia. Percebamos que


acontece uma evolução das gravações.
Dimas documenta tudo em VT. Ana faz algumas fotos (...) Vou dar o trabalho por
pronto. Novas fotos. Dimas trabalha. (Diário, 05.01.1985, p.52-53).

O primeiro vídeo foi feito em Super-8, notemos que a tecnologia acompanha o


trabalho do artista, pois, posteriormente as gravações passam a ser feitas em VT e Dimas se
insere na equipe, tendo em vista que o vídeo é integrado aos registros.
O trabalho está pronto. Faço a documentação fotográfica. Alguns ângulos estão
excelentes (...) Após todo o trabalho de documentação – Dimas fez também um VT
– o grupo retorna para Feira. (Diário, 05.01.1985, p.61).

O primeiro vídeo, intitulado Terra (1982), foi em Super-8 e teve direção de Juraci
Dórea, fotografia de Robinson Roberto, música de Elomar e uma duração de 13’36’’. Os
outros, já em VT, foram produzidos para serem expostos nas bienais de São Paulo, Veneza e
Havana. A Casa de Edwirges (1987) com 22 minutos 11 segundos e Escultura da Tapera
(1987) com 10 minutos e 44 segundos.

3.3 Comunicação

3.3.1 Exposições

O Projeto Terra foi concebido para viver em lugares inusitados: em pleno sertão.
Esculturas montadas em meio à paisagem rural, feiras transformadas em galerias e muros de

 
  92

casas da região em painéis. Mas através de sua documentação o Terra ganhou o mundo
tradicional das artes e passou a ser exposto em galerias e bienais.
Percebemos uma constante necessidade de novas linguagens (formas) para um mesmo
tema (conteúdo) e “não se pode tratar forma e conteúdo como entidades estanques. Se, por um
lado, vê-se o conteúdo determinado ou falando através da forma, isto é, a forma como um
recipiente de conteúdo, não se pode negar que a forma é a própria essência do conteúdo”
(SALLES, 2004, p. 73). No caso, compreendemos os desdobramentos (registros) como uma
nova forma de expressão do conteúdo, que, por sua vez, carrega a essência do fazer criativo.
A questão ganha complexidade maior quando tais registros vão para espaços de exposição,
decisão esta que Juraci Dórea toma, pela primeira vez sobre a Bienal de São Paulo e,
posteriormente, em relação a outras bienais e mostras: “Decidimos enviar apenas a
documentação, visto que a exposição das peças ao vivo poderiam desvirtuar a proposta do
projeto (...) Concluímos hoje, após um dia estafante de trabalho a seleção do material, fotos,
negativos, textos. Estabelecemos uma sequência” (Diário, p.50).
A idéia era fotografar o painel da casa de Edwirges, para uns cartões-postais que
pretendo fazer (...) Faço algumas fotos. Dimas também filma. Resolvemos
documentar o trabalho em vídeo. Pretendo editar o material para enviar para a
Bienal. (Diário, p.51).

Figura 65. Algumas imagens do Projeto foram expostas na Bienal em forma de cartão-postal.
(frente)

 
  93

Figura 66. Verso do postal.

Ao mudar de suporte, o material que vai para a Bienal não é mais o Projeto Terra
inicial, aquele que deu origem a esculturas e pinturas no meio do sertão. O que segue para
exposição é a documentação, digamos, a história do Terra a ser contada. Para isso, o artista
lança mão de diversos recursos:
O projeto Terra na 19ª. Bienal Internacional de São Paulo (...) Começamos a
preparar a montagem, pegamos os croquis preparados pelos arquitetos e uma equipe
da Bienal pendurou os painéis na parede (...) Os textos não ficaram prontos e a
exposição abriu sem os mesmos, que só chegaram mais tarde (...) Estavam previstas
duas projeções: uma no espaço e outra na própria videoteca. (...) Uma outra
19
observação é quanto aos depoimentos , que deveriam ser apresentados num
tamanho muito maior, pois eram também um ponto alto da mostra. (Diário, p.54).

Percebemos como o artista relata os fatos no diário, bem como os analisa: o que deu
ou não certo. Vejamos como a experiência não só da Bienal de São Paulo, como as gravações
com os sons do sertão, serão utilizadas na Bienal de Veneza:
Resolvemos usar algumas fotos bastante ampliadas (...) também os depoimentos
deverão ser maiores (...) mostrar o material fotográfico numa das salas (...)
selecionamos também as fotos para o catálogo (...) na parte interna mostraremos os
vídeos e também um som ambiente (sons gravados no sertão). (Diário, p.56)

                                                            
19
Grifos nossos.
 
  94

Figura 67 e 68. Catálogo da Bienal de Veneza e envelope dos postais.

Figura 69 e 70. Postal confeccionado para a Bienal de Veneza: frente e verso.

 
  95

Figura 71 e 72. Postal confeccionado para a Bienal de Veneza: verso e frente.

Figura 73 e 74. Postal confeccionado para a Bienal de Veneza: frente e verso.

 
  96

Figura 75 e 76. Postal confeccionado para a Bienal de Veneza: verso e frente.

Figura 77 e 78. Postal confeccionado para a Bienal de Veneza: frente e verso.

 
  97

Figura 79 e 80. Postal confeccionado para a Bienal de Veneza: verso e frente.

O Projeto Terra através de sua documentação participou de muitas exposições.


Destacamos aqui as bienais de São Paulo (1987), Veneza (1988) e Havana (1989), por terem
sido marcos para o Projeto.

Figura 81. “Recebi carta de Cuba me convidando para participar da 3ª. Bienal de Havana, a ser realizada em
novembro de 1989 (...) Escrevo, confirmando minha participação na Bienal”. (Diário, p.66)

 
  98

3.3.2 Recepção e Interação

O artista plástico Juraci Dórea nunca buscou o sertão apenas como espaço de
instalação. Sua intenção esteve clara durante todo o percurso do projeto: ele procurou
interagir com o meio e as pessoas. Teve sempre o cuidado de suas obras não interferirem na
paisagem e, no que se refere às pessoas, primeiro tentava uma aproximação com os moradores
da região, a fim de construir uma relação, para só depois dar início ao trabalho.
A recepção dos sertanejos foi amplamente registrada pelo artista, tanto no diário
quanto nas fotos, gravações de áudio e nas filmagens. Por isso, tratamos o Projeto Terra não
apenas como uma produção e sim uma atuação. Daí, Rubens Pereira (2003, p.120)
denominar o trabalho de Juraci de “evento-monumento”. Veja que o evento vem primeiro, e
neste caso, a ordem muda um pouco a soma dos fatores, já que Juraci deixou claro, em
passagens do seu diário, que o importante é o ato, o fazer, o “happening” – com todas as suas
implicações: os registros, a recepção e a interação com as comunidades. Podemos
compreender então a criação deste artista como um ato comunicativo, já que faz parte da sua
proposta compreender, registrar e publicar o olhar dos sertanejos diante da arte. Selecionei
alguns trechos que retratam tal recepção:

Uns olham para o painel com curiosidade. Colho algumas opiniões. Faço fotos do
povo em frente ao painel. Há um grande interesse pela fotografia. Todos querem ser
fotografados. Fazem pose, palhaçadas etc. (...) Ana faz algumas gravações. (Diário,
25.11.1984, p.31).

Ela [Edwirges, falando sobre o painel na parede da casa dela] me diz: “Ah! Tá
causando abismo por lá!” Como?, pergunto. “Tá todo mundo abismado, querendo
que o senhor faça também igual na casa deles”. (Diário, 03.12.1984, p.32).

As pessoas se aproximam, movidas pela curiosidade. Querem saber do que se trata.


Observam os quadros, fazem comentários. Ana inicia as gravações, faço algumas
fotos. (Diário, 10.02.1985, p.40).
 
Juraci Dórea registra os depoimentos dos moradores de cada local através da gravação
de áudio, mas em seu diário interage com esta recepção. Opina, repensa e compara as reações
diferenciadas, de acordo com as particularidades de cada região.

O trabalho vai saindo aos poucos. No final da tarde está pronto. Faço algumas fotos:
a luz não ajuda muito (...) Acho interessante alguns depoimentos: alguém diz que é
um museu, era um cemitério. Outro, que era um hospital. Comparações estranhas,
sutis. Fico esperando o sol aparecer para tentar novas fotos do trabalho, mas começa
a escurecer. Resolvo ir embora. (Diário, 01.05.1988, p.63).

Dou o trabalho por concluído. Paro para comer alguma coisa e logo depois começo a
fazer algumas fotos. Ana grava alguns depoimentos. Percebo que aqui o pessoal já

 
  99

faz uma associação da escultura com estátuas (istáutas). Permaneço no local até o
final da tarde. Faço mais fotos. (Diário, 14.05.1988, p. 64).
 

Quanto à escultura do Campo do Gado, onde o ambiente em que foi confeccionada é


estritamente comercial, as reações do público são menos sensíveis no que se refere à questão
artística, e o aspecto da comercialização ganha espaço.
Pergunta mesmo o que é que vou fazer? Tento explicar, mas sei que estou falando
grego. “Tá bom, tá bom, mas deixe a entrada dos caminhões livre”, recomenda ele.
(Diário, 30.09.1984, p.17).

Está pronta a escultura. O campo está cheio. Vaqueiros, carroceiros, ciganos,


negociantes de cavalos, fazendeiros, vendedores de picolé, martelos, caldo de cana,
etc. O trabalho é algo que não desperta muita curiosidade. No começo alguém ainda
perguntava o que é que ia ser aquilo. Agora um ou outro pergunta quanto é o quilo
do couro, ou manda um menino perguntar. De vez em quando um passa pega na sola
pra ver se é fina ou não e vai seguindo, olhando um cavalo, um burro, um jegue.
(Diário, 01.10.1984, p.19).

O mesmo acontece quando os quadros do projeto são expostos no meio de uma feira
livre. A questão da comercialização ganha espaço, mas o evento para Juraci Dórea é
experimentação, descoberta e não a busca pela venda dos trabalhos.
Procurei saber se existia alguma norma, alguém que disciplinasse o uso do espaço
físico na feira. – “Não, nós camelots zelamos pelo outro. Todo mundo sabe os
lugares do outro.” Explico que os trabalhos vão ficar mais adiante e o homem se dá
por satisfeito (...) Na feira, os trabalhos. A exposição. Ainda não termino de
distribuir os quadros e para minha surpresa algumas pessoas se aproximam e
perguntam o preço (...) Demoro de começar as fotos e as gravações para não
20
espantar o pessoal . Percebo que eles encaram os trabalhos como uma mercadoria,
como sabão, couro, farinha, mamão ou rapadura. Este é o dado novo em todo o
trabalho. A questão da comercialização. (Diário, 12.02.1985, p.44).

Ressalto a frase: “Demoro de começar as fotos e as gravações para não espantar o


pessoal”, na qual percebemos a preocupação do artista em preservar o caminho para um
intercâmbio de informações, ele quer uma aproximação espontânea do público. E quando isso
acontece, registra em seu diário com satisfação: “Eles já se referiam ao local do trabalho
como “os couros”, “lá nos couros”, etc. Tudo permanecia intacto. Engraçado como as reações
mudam de lugar para lugar” (Diário, 14.10.1984, p.25). E tais reações fazem parte de cada
escultura, tal qual um dos pedaços do couro ou da madeira, visto que são cuidadosamente
registradas. Parece que, aos olhos do artista, o trabalho (as esculturas, pinturas) só acontece
                                                            
20
Grifo nosso.

 
  100

realmente se houver o ato comunicativo, tanto no âmbito da comunicação oral quanto no da


interação social, como vemos na seguinte passagem:
Acabo de fazer as fotos. Agora é decidir quanto ao destino da escultura. Aqui em
Utinga, uma comunidade de vaqueiros, o couro é visto como algo de extrema
utilidade. Desde cedo alguns vaqueiros queriam saber o que eu iria fazer com o
couro, após o trabalho. Deixei a coisa um tanto no ar, mas ao perceberem a
possibilidade de se desmontar a escultura, eles começaram a pedir partes do couro.
O problema é que era muita gente para pouco couro. (...) O lógico era atender àquela
solicitação natural. E assim foi feito. Agora, a parte inferior da escultura, composta
por um grande “meio de sola” deve estar nas mãos de Dimas, o seleiro, e dentro de
mais alguns dias estará nos ombros de vaqueiro Luiz, correndo atrás de boi brabo. E
as outras peças, com certeza, se transformarão em peneiras, correias, bainhas de
facas, sapatos e remendos para selas, nas mãos de Raulino, Beto de Criquim ou de
Véi Tomás. (Diário, 10.03.1989, p.70).

Neste ponto, ou no afã de conciliar dimensões distintas tanto na produção como no


consumo de sua arte (pode-se falar ainda em motivação, que antecede a produção, o
autoconsumo e retroalimenta a criação), está a questão da proliferação de signos, códigos,
registros, linguagens, bem como a força do desejo de comunicação. Temos então, como
hipótese, que esse movimento tradutório pode ser uma forma de “solucionar” uma tensão,
aparentemente dicotômica, que acompanha toda a obra de Dórea, buscando assim, “uma
possível forma de ‘driblar’ a continuidade, o inacabamento ou a impermanência” (SALLES,
2010, p.223). Ao transformar a tradução da obra primária em produtos de comunicação, o
artista põe em circulação novas obras que passam a fazer parte do Projeto Terra.

 
  101

EPÍLOGO
A estética do processo

Figura 82. Escultura Caminhos de Feira de Santana: outro público, outra linguagem

Sim, são as mesmas formas do Terra, num novo cenário: o centro da cidade de Feira
de Santana, um dos quadriláteros mais tradicionais da cidade, tanto do ponto de vista histórico
como arquitetônico – numa ponta do quadrado, a Prefeitura (foto); noutra, a Igreja Senhor dos
Passos; na terceira, um antigo casarão que já foi o Paço Municipal, e na última, o mais
comum da cidade: casarões derrubados que dão lugar a lojas comerciais. Esta é “aquela antiga
forma em novos suportes. Recriada em outros materiais sintéticos e de metal” (PIRES
FERREIRA, 2003, p. 59-60).
Num rápido olhar, pensamos que o aço desvirtua a proposta do Terra. Mas é puro
engano, a ideia do projeto sempre foi usar materiais identificados pelos habitantes da região,
logo, muda-se a localidade, troca-se a matéria-prima – para que aconteça a comunicação.

 
  102

Como explica o próprio artista, em seu diário, quando questiona o uso do couro e da madeira
na escultura do Campo do Gado, um espaço comercial de Feira de Santana:
O clima da feira, o negociar, a preocupação com o dia a dia. Também a identificação
com os materiais, a própria filosofia da proposta de ser algo inerente ao meio. E se
fosse uma escultura de plástico, de aço, etc, qual seria a reação (...)? (Diário,
01.10.1984, p.20).

Vejamos que o trabalho metalizado teve seu conceito pensado anos antes, já que
podemos associar o “clima da feira” com o da Feira (de Santana – cidade comercial). Sendo
assim, a escultura “nos oferece uma intensa carga de muitas práticas: ligando e parecendo
recuperar marcas da história e da cultura aqui essencializadas” (PIRES FERREIRA, 2003, p.
60). Poderíamos destacar muitos pontos dessa “carga”: o próprio fazer artístico; a estética da
obra; a necessidade de comunicação ao mudar a matéria-prima; o local escolhido e assim por
diante... muitos são os caminhos que podemos percorrer para analisar unicamente essa
escultura.
Prender-se a um único trabalho é, no entanto, empobrecer o projeto artístico de Juraci
Dórea, que nos oferece mais. Ele se sustenta justamente por se mostrar como uma rede: a
interligação da obra com o espaço; do espaço com a obra; da obra com ela mesma, com outras
e seus registros, e ainda com o mundo interior do artista. E mais, ele nos dá pistas de como
essas ligações acontecem ao deixar rastros no seu percurso de criação. Os seus rascunhos,
esboços, diários e arquivos nos oferecem mais do que obras prontas, nos mostram outra
estética: a do processo; onde já não se diferencia percurso de obra.
Assim, este trabalho final não é uma obra acabada, uma vez que não pretendeu
desvendar o complexo e vasto mundo da criação e nem dar conta da trajetória do amplo
Projeto Terra, cheio de labirintos, propostas e nuances, até porque não creio ser possível
explicar a arte ou seu caminho. Este estudo é tão somente uma contribuição para pensarmos a
obra de arte, a memória, os processos e as redes da criação a que estamos submersos no nosso
cotidiano e, nem sempre, nos damos conta.

 
  103

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DOCUMENTOS DO PROJETO TERRA CONSULTADOS

Livros

DÓREA, Juraci. Terra. Salvador: Ed. Cordel, 1985.

_______. Terra 2. Salvador: Ed. Cordel, 1986.

_______. Sertão Sertão. Salvador: Ed. Cordel, 1987.

Diário do artista

DÓREA, Juraci. Diário. 1982 a 2007.

Vídeos

- Terra, 1982. Super-8. 13’36’’.


- A Casa de Edwirges (1987). VT. 22’11’’
- Escultura da Tapera (1987). VT. 10’e 44’’.

Acervo fotográfico do Projeto Terra

Acervo fotográfico particular de Juraci Dórea

Rascunhos e esboços que compõem os seguintes trabalhos: Estandarte do Jacuípe; Série


Terra e Projeto Terra.

Cartões-postais confeccionados para exposições no Brasil e no exterior

Catálogos de Exposições
 

 
  108

ÍNDICE DE IMAGENS

Imagem da Capa. Foto de Juraci Dórea.


Figura 1. “Por mim, eu não saía mais daqui”, Juraci Dórea – sobre o seu ateliê. Foto:
Carolina Lôbo ................................................................................................................... 11
Figura 2. “Escultura de Mané Acarí”, 1988. Acervo do Projeto Terra........................... 14
Figura 3. Exposição do Acarú, 1985. Acervo do Terra............................................. 16 16
Figura 4. Juraci Dórea montando uma das esculturas do Terra. Acervo do
Projeto............................................................................................................................... 17
Figura 5. Imagem com legenda retirada do álbum do artista. Acervo pessoal de Juraci
Dórea................................................................................................................................. 18
Figura 6. “Vaqueiro”, em 1965. Acervo pessoal de Juraci Dórea ............................... .. 19
Figura 7. Boiadeiros, em 1966. Acervo pessoal do artista............................................... 19
Figura 8. Temos aí a mala com interferências em toda sua extensão. Acervo pessoal
do artista ........................................................................................................................... 20
Figura 9. Além de estar exposta num espaço externo, junto à natureza, o foco da
imagem nos mostra a obra em terceira dimensão. Acervo pessoal do
artista................................................................................................................................. 21
Figura 10. Interferências artísticas sem agredir o ambiente. Acervo pessoal do
artista................................................................................................................................. 22
Figura 11. Três imagens da série Estandarte do Jacuípe. Acervo da série Estandarte
do Jacuípe......................................................................................................................... 23
Figura 12. Fotografia tirada em 1983, a única informação do verso. Acervo da série
Estandarte do Jacuípe....................................................................................................... 23
Figura 13. Início da Série Terra. Foto: Carolina Lôbo ................................................... 24
Figura 14. Exposição de uma das Séries Terra, em 1981. Acervo da Série Terra.......... 25
Figura 15. Série Terra, em arquivo no ateliê do artista. Foto: Carolina Lôbo................. 25
Figura 16. Rascunho em que o artista escreve: “Quebra a simetria”. Rascunho que
compõe o acervo do Projeto Terra................................................................................... 26
Figura 17. A Série Terra na terra sertaneja. Acervo da Série Terra................................ 27
Figura 18. Estandarte do Sertão ainda convive com o Projeto Terra. Rascunho que
compõe o acervo do Projeto Terra................................................................................... 28
Figura 19. Rascunho que compõe o acervo do Projeto Terra ....................................... 29

 
  109

Figura 20. Rascunho que compõe o acervo do Projeto Terra......................................... 30


Figura 21. Exposição acontece como planejada. Acervo do Projeto Terra..................... 31
Figura 22. No projeto de Juraci, em 1982, um umbuzeiro é o suporte para suas
pinturas. Rascunho que compõe o acervo do Projeto Terra............................................. 31
Figura 23. Exposição em São Paulo. Acervo do Projeto Terra....................................... 23
Figura 24. Início das imagens tridimensionais. Rascunho que compõe o acervo do
Projeto Terra..................................................................................................................... 33
Figura 25. Rascunho sem data, encontrado junto aos de maio de 1982. Compõe o
acervo do Projeto Terra.................................................................................................... 34
Figura 26. “Escultura de Zé Botocó”, 1988. Acervo do Projeto Terra........................... 34
Figura 27. Capa da pasta que guarda o diário de Juraci Dórea. À esquerda, detalhe da
etiqueta. Foto: Carolina Lôbo ........................................................................................... 35
Figura 28. Páginas amareladas pelo tempo. Foto: Carolina Lôbo .................................. 35
Figura 29. Em 1998, as páginas passam a ser digitadas num computador e impressas.
Foto: Carolina Lôbo ......................................................................................................... 36
Figura 30. Desenho que integra o projeto Terra, 1981. Acervo do Projeto
Terra.................................................................................................................................. 38
Figura 31. “Escultura da Lagoa das Bestas”, 1984. Saco Fundo, Monte Santo. Acervo
do Projeto Terra................................................................................................................ 39
Figura 32. “Escultura da Lagoa das Bestas”: por mudar o cenário, o ângulo da
fotografia transforma a escultura. Acervo do Projeto Terra............................................. 39
Figura 33. Rascunho datado de maio de 1982. Compõe o acervo do Projeto
Terra.................................................................................................................................. 41
Figura 34. “Escultura do Curral da Tapera”, 1989. Acervo do Projeto Terra................. 42
Figura 35. “Mural de Edwirges”, 1984. Acervo do Projeto Terra.................................. 43
Figura 36. “Escultura do Cumbe”, 1985. Acervo do Projeto Terra................................ 44
Figura 37. Arquivos: arte, cidade, amigos e mais... Foto: Carolina Lôbo....................... 47
Figura 38. Muitas obras, depois, viram arquivos. Foto: Carolina Lôbo.......................... 47
Figura 39. Centro da Feira Livre. Imagem retirada do livro Memória Fotográfica de
Feira de Santana (1994).................................................................................................. 49
Figura 40. Mercado Municipal. Imagem retirada do livro Memória Fotográfica de
Feira de Santana (1994).................................................................................................. 50

 
  110

Figura 41. Arredores da Feira Livre. Imagem retirada do livro Memória Fotográfica
de Feira de Santana (1994)............................................................................................. 50
Figura 42. Eurico Alves na inauguração do primeiro ateliê de Juraci Dórea, em 1966.
Acervo pessoal de Juraci Dórea ....................................................................................... 54
Figura 43. “Escultura da Fonte Nova”, 1989. Acervo do Projeto Terra......................... 55
Figura 44. Dival Pitombo e Juraci Dórea durante a exposição no Museu Regional de
Feira de Santana, em 1986. Acervo pessoal de Juraci Dórea............................................ 56
Figura 45. Foto tirada do álbum fotográfico de Juraci Dórea. Duas imagens da
exposição de 1962............................................................................................................. 57
Figura 46. “O vaqueiro” que Dival Pitombo chama de D. Quixote da caatinga. Acervo
pessoal de Juraci Dórea..................................................................................................... 57
Figura 47. Juraci Dórea com as colegas Isaura Maria e Jane Lídia, na Faculdade de
Arquitetura da UFBa, no dia da colação de grau (26/12/1968). Acervo pessoal do
artista................................................................................................................................. 58
Figura 48. Estudo com status de obra. Acervo pessoal de Juraci Dórea.......................... 59
Figura 49. Gaveteiro especial para arquivamento. Foto: Carolina Lôbo......................... 60
Figura 50. Painel com interferências da natureza. Acervo pessoal de Juraci Dórea........ 62
Figura 51. Juraci Dórea na década de 50, quando ensaiava seus primeiros passos no
desenho. Acervo pessoal do artista................................................................................... 64
Figura 52. “Escultura do Orfanato”. Acervo do Projeto Terra........................................ 70
Figura 53. Visita de J. P. Sartre e Simone de Beauvoir a Feira de Santana,
recepcionados por Dival Pitombo e família. Acervo da família Pitombo. Foto: Elídio
Azevedo Rocha................................................................................................................. 72
Figura 54. “Exposição da Santa Rosa”, 1985. Acervo do Projeto Terra......................... 73
Figura 55. Imagem copiada diretamente do arquivo do artista. Acervo do Projeto
Terra.................................................................................................................................. 76
Figura 56. “Escultura do Curral do Jericó”, 2004. Acervo do Projeto Terra.................. 78
Figura 57. Seu Antônio, a família e o carneirinho. Acervo do Projeto Terra................ 82
Figura 58. Pio, assinalado com a seta. Acervo do Projeto Terra..................................... 83
Figura 59. O primeiro livro Terra (1985). Imagem de capa............................................ 85
Figura 60. Páginas do livro Terra.................................................................................... 85
Figura 61. Uma das esculturas ilustra a capa do livro Sertão Sertão............................... 87

 
  111

Figura 62. Parte interna do livro Sertão Sertão................................................................ 87


Figura 63. Capa do livro Terra 2. ................................................................................... 88
Figura 64. Parte interna do livro: imagens das esculturas, do processo e do público.
Terra 2............................................................................................................................... 89
Figura 65. Uma das imagens do Projeto Terra em forma de cartão-postal (frente).
Bienal de São Paulo, 1987. Acervo do Terra ................................................................... 92
Figura 66. Verso do cartão-postal. Exposto na Bienal de São Paulo, 1987. Acervo do
Projeto Terra..................................................................................................................... 93
Figura 67. Catálogo da Bienal de Veneza........................................................................ 94
Figura 68. Envelope que guardava os postais expostos na Bienal de Veneza,
1988................................................................................................................................... 94
Figura 69. Postal confeccionado (frente) para a Bienal de Veneza, 1988. Acervo do
Projeto Terra.................................................................................................................. .. 94
Figura 70. Postal confeccionado (verso) para a Bienal de Veneza, 1988. Acervo do
Projeto Terra..................................................................................................................... 94
Figura 71. Postal confeccionado (verso) para a Bienal de Veneza, 1988. Acervo do
Projeto Terra..................................................................................................................... 95
Figura 72. Postal confeccionado (frente) para a Bienal de Veneza, 1988. Acervo do
Projeto Terra..................................................................................................................... 95
Figura 73. Postal confeccionado (frente) para a Bienal de Veneza, 1988. Acervo do
Projeto Terra..................................................................................................................... 95
Figura 74. Postal confeccionado (verso) para a Bienal de Veneza, 1988. Acervo do
Projeto Terra..................................................................................................................... 95
Figura 75. Postal confeccionado (verso) para a Bienal de Veneza, 1988. Acervo do
Projeto Terra..................................................................................................................... 96
Figura 76. Postal confeccionado (frente) para a Bienal de Veneza, 1988. Acervo do
Projeto Terra.............................................................................................................. 101 96
Figura 77. Postal confeccionado (frente) para a Bienal de Veneza, 1988. Acervo do
Projeto Terra..................................................................................................................... 96
Figura 78. Postal confeccionado (verso) para a Bienal de Veneza, 1988. Acervo do
Projeto Terra..................................................................................................................... 96

 
  112

Figura 79. Postal confeccionado (verso) para a Bienal de Veneza, 1988. Acervo do
Projeto Terra..................................................................................................................... 79
Figura 80. Postal confeccionado (frente) para a Bienal de Veneza, 1988. Acervo do
Projeto Terra..................................................................................................................... 80
Figura 81. Catálogo da Bienal de Havana, 1989.............................................................. 97
Figura 82. Escultura Caminhos de Feira de Santana. Foto: Carolina
Lôbo.................................................................................................................................. 101

 
  113

ANEXO

 
  114

Biografia Artística de Juraci Dórea

Exposições Individuais:

1962
- Juraci Dórea, Biblioteca Municipal Arnold Silva, Feira de Santana/BA

1965
- Juraci Dórea: guaches, Galeria USIS – Salvador/BA

1974
- Juraci Dórea: pinturas, Galeria de Arte de Feira de Santana/BA

Juraci Dórea, em 1976

 
  115

1980
- Juraci Dórea, Museu Regional de Feira de Santana/BA

Catálogo

1986
- Juraci Dórea, Museu Regional de Feira de Santana/BA.

1989
- Dezoito do Paschoal, Espaço Cultural, Salvador/BA.

1999
- Projeto Terra, Université Paris 8, França.
- Peintures: Juraci Dórea, Centre Social et Culturel Franco-Brésilien Chapelle de
l’Humanité), Paris.

Catálogo

 
  116

2002
- Histórias do Sertão, MABEU, Belém/PA.

Catálogo

2003
- Sertão: Fantasias e Histórias, Museu Casa do Sertão, Feira de Santana/BA.

2004
- Projeto Cultural ArteSofitel, Sofitel Costa do Sauípe/ BA.

2007
- Cenas Brasileiras, Caixa Cultural Salvador, Salvador/BA.
- Cenas Brasileiras, Galeria D. Pedro II, Caixa Cultural São Paulo, São Paulo/SP.

Catálogo
 
  117

Principais Exposições Coletivas:

1963
- 1º Festival de Artes, Feira de Santana/BA.

1964
- 2º Festival de Artes, Feira de Santana/BA.

1966
- Pinturas, Prefeitura Municipal de Feira de Santana/BA.

Catálogo

1968
- Feirart I, Museu Regional de Feira de Santana/BA.

1973
- Galeria da Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural, Salvador/BA

 
  118

1974
- Artistas Plásticos Feirenses, Centro Cultural de Feira de Santana/BA.
- Novarte Bahia 74, Clube de Campo Cajueiro, Feira de Santana/BA.

1975
- Fraxem – 5 Artistas Feirenses, ICBA, Salvador/BA.
- Novarte Bahia 75, Clube de Campo Cajueiro, Feira de Santana/BA.
- Coletiva, Galeria Bahiarte, Londrina/PR.

1976
- Homenagem a Di Cavalcanti, Museu Regional de Feira de Santana/BA.

1978
- Opus Quavro, Galeria Canizares, Salvador/BA.
- 1º Encontro de Arte da Fumcisa, Museu de Arte da Bahia, Salvador/BA.
- 1º Salão Nacional de Artes Plásticas, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro/ RJ.

1979
- 5 Artistas Baianos, Centro de Artes Homero Massena, Fundação Cultural do Espírito
Santo, Vitória/ES.
- Brinquedo Ex-posição, Teatro Castro Alves, Salvador/BA.
- Mostra de Escultura Lúdica, Museu de Arte de São Paulo, São Paulo/SP.
- Exposição Cadastro, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.
- Coletiva Um, Baguettes Galeria de Arte Contemporânea, Salvador/BA.

1980
- Proposta 80, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.
- 1º Salão Sergipano de Artes Plásticas, Aracaju/SE.
- 1º Salão de Artes Plásticas de Feira de Santana, Museu Regional de Feira de Santana/BA.
- 37º Salão Paranaense, Sala de Exposições do Teatro Guaíra, Curitiba/PR.

 
  119

1981
- 1º Encontro de Artistas Plásticos do Nordeste, Museu de Arte Moderna da Bahia,
Salvador/BA.
- IV Salão Nacional de Arte Moderna, Museu de Artes Plásticas, Rio de Janeiro/RJ
- Cinco Artistas Contemporâneos, ACBEU, Salvador/BA.
- 1ª Mostra de Arte Postal, Rio Grande/RS.

1982
- II Arteboi, Salão Nacional de Montes Claros, Centro de Extensão Cultural, Montes
Claros/ Palácio das Artes, Belo Horizonte/MG.
- VIII Salão Nacional de Artes do Ceará – Casa de Cultura Raimundo Cela, Fortaleza/CE.

1983
- 5ª Mostra do Desenho Brasileiro, Sala de Exposições do Teatro Guaíra, Curitiba/PR.
- XXXVI Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Centro de Convenções, Recife/PE.
- Artistas Contemporâneos da Bahia, MAC, São Paulo/SP.

Catálogo

- Concurso de Projetos, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.


- Circuito de Artes do Nordeste, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.
- Quatro Artistas Baianos, Galeria MAB, Salvador/BA.
 
  120

1984
- 6ª Mostra do Desenho Brasileiro, Sala de Exposições do Teatro Guairá, Curitiba/PR.
- XXXVII Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Centro de Convenções, Recife/PE.
- VII Salão Nacional de Artes Plásticas, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro/RJ.
- IX Salão de Artes Plásticas do Ceará, Casa de Cultura Raimundo Cela, Fortaleza/CE.

Catálogo

- 2º Salão de Arte de Feira de Santana, Museu Regional de Feira de Santana/BA.


- Encontros com a Arte Brasileira, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.
- 16º Salão Nacional de Arte, Museu de Arte de Belo Horizonte/MG.
- IV Salão Brasileiro de Arte, Fundação Mokiti Okada, São Paulo/SP.

1985
- III Salão Paulista de Arte Contemporânea, Pavilhão da Bienal de São Paulo/SP.
- XXXVIII Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Centro de Convenções, Recife/PE.
 
  121

- VII Exposição de Belas Artes Brasil-Japão. Itinerante: Tóquio, Atami, Quioto, Rio de
Janeiro e São Paulo.
- Velha Mania- Desenho Brasileiro, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de
Janeiro/RJ.
- Exposição Coletiva, Solo Espaço de Arte, Rio de Janeiro/RJ.

1986
- Mostra Baiana de Artes Plásticas, Teatro Castro Alves, Salvador/BA.
- 7ª Mostra do Desenho Brasileiro – Curitiba/PR.
- Bolsa Ivan Serpa I, Galeria Sérgio Milliet, FUNARTE, Rio de Janeiro/RJ.
- Bahia de Todas as Artes, Centro de Convenções, Salvador/BA.
- 1ª Exposição Internacional de Esculturas Efêmeras, Fortaleza/CE.
- V Salão de Arte, Belém/PA.
- XXXIX Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Centro de Convenções, Recife/PE.
- Imaginário Tropical, Escritório de Arte da Bahia, Salvador/BA.
- 18º Salão Nacional de Artes, Museu de Arte de Belo Horizonte/MG.
- 43º Salão Paranaense, Museu de Arte Contemporânea do Paraná, Curitiba/PR.

1987
- Octaedro, Galeria Raimundo de Oliveira, Feira de Santana/BA.
- 19ª Bienal Internacional de São Paulo, São Paulo/SP.

1988
- 43ª Bienal de Veneza, Veneza, Itália.

 
  122

Juraci Dórea na Bienal de Veneza, Itália

- Déjeuner sur l’Art - Manet no Brasil, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de
Janeiro/RJ.
- Projeto Nordeste. Itinerante: Salvador, Aracaju, Maceió, Recife, João Pessoa e Natal.

1989
- 2º Salão Baiano de Artes Plásticas, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.
- Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco/ Edição 1989, Recife/PE.

Juraci Dórea no Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco, em Recife

- Projeto Nordeste. Itinerante: Fortaleza, São Luís e Teresina.


- 3ª Bienal de Havana, Havana, Cuba.

 
  123

1990
- Mulher-s, Galeria ELF, Belém/PA.
- 1ª Mostra Baiana de Arte Ecológica, Teatro Castro Alves, Salvador/BA.
- Projeto Canudos, Teatro Castro Alves (Salvador) e Açude de Cocorobó (Canudos/BA).

1991
- Arte - O Eterno Reciclar, Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Brasília/DF.
- I Bienal do Recôncavo (Participação em Sala Especial: Projeto Canudos) Centro Cultural
Dannemann, São Félix/BA.

1992
- A Religiosidade na Arte Baiana Contemporânea, Galeria ACBEU, Salvador/BA.

1993
- Inauguração do Espaço Cultural Banco do Brasil, Feira de Santana/BA.
- 1ª Bienal de Arte Incomum, Museu de Arte Contemporânea, Goiânia/GO.

1994
- Futebol - Uma Interpretação Plástica, Escola de Belas Artes da UFBA, Salvador/BA.
- 1º Salão MAM-BA de Artes Plásticas, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.

1995
- Artistas da Bahia, Espaço Cultural Ponto do Livro, Feira de Santana/BA.

 
  124

1996
- Pintura e Escultura do Nordeste do Brasil, Espaço Oikos, Lisboa, Portugal.

Catálogo

1997
- Azul, Vermelho e Branco: Bahia, Galeria ACBEU, Salvador/BA.

1998
- Tropicália 30 Anos, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.
- Bahia à Paris – Arts Platiques d’aujourd’hui, Galeria Debret, Paris, França.

 
  125

Juraci Dórea em 1998

1999
- Arte-Arte Salvador 450 Anos, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.

2000
- 25 Anos da Galeria ACBEU, Acbeu Magalhães Neto, Salvador/BA.

2001
- Coletiva 2001, Museu de Arte Contemporânea de Feira de Santana/BA.

2002
- Arte Bahia 2002, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA.
- Art For Sale, Galeria ACBEU, Salvador/BA.

2003
- Arte Feirense em Pauta, Galeria Carlo Barbosa, Feira de Santana/BA.
- Acervo ACBEU de Artes Plásticas, Galeria ACBEU, Salvador/BA.

2004
- Projeto Terra, Hall da Biblioteca Julieta Carteado, Feira de Santana/BA.

 
  126

2005
- O Que é Que a Gravura Tem?, Galeria Cañizares, Salvador/BA.
- 14 Fragmentos Contemporâneos II, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA e
Galeria 57, Leiria, Portugal.
- Panorama da Arte Baiana, Galeria Solar do Ferrão, Salvador/BA.
- Sem Fronteiras, Galeria Álvaro Santos, Aracaju/SE.
- VI Mercado Cultural - Artes Visuais, Centro Cultural da Caixa, Salvador/BA.
- Às Portas do Mundo. Itinerante: Évora, Portugal (Palácio D. Manuel, 30/11/2005 a
29/01/2006); Maputo, Moçambique (Centro Cultural Franco Moçambicano, 20/05 a
01/06/2006); Luxemburgo (Abadia de Neumunster, 30/06 a 31/08/2007).

2006
- As 14 Obras da Misericórdia, Museu da Misericórdia, Salvador/BA.
- Natureza Reverenciada, EBEC Galeria de Arte, Salvador/BA.
- Mais Gravura, Galeria ACBEU, Salvador/BA.
- Cadaqual, GLTA Galeria de Arte, Ouro Preto/MG.
- Arte Contemporânea: 60 artistas plásticos da Bahia em pequenos formatos, Prova do
Artista Galeria de Arte, Salvador/BA.
- Circuito das Artes, Galeria do Conselho, Salvador/BA.
- Artistas Arquitetos, Prova do Artista Galeria de Arte, Salvador/BA.

 
  127

PRÊMIOS:

1978
- I Encontro de Arte da FUMCISA, Salvador/BA – Menção Honrosa.

1979
- Melhor Mostra do Ano: Participação na Mostra de Escultura Lúdica, MASP, São
Paulo/SP. Associação de Críticos de Arte de São Paulo – Melhor Mostra do Ano.

1980
- Salão de Artes Plásticas de Feira de Santana/BA – 1º Prêmio

1981
- I Concurso de Projetos em Artes Plásticas, Museu de Arte Moderna da Bahia,
Salvador/BA (Grupo Posição).

1982
- II Concurso de Projetos em Artes Plásticas, Museu de Arte Moderna, Salvador/BA.

1983
- XXXVI Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Recife/PE. Prêmio Aquisição
José Gomes de Figueiredo pelo conjunto de obras.
- Prêmio Concurso Ivan Serpa, Bolsa de Apoio à Produção de Artistas Plásticos,
MEC/FUNARTE/CAPES – Rio de Janeiro/RJ.

1984
- XXXVII Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Recife/PE – Prêmio Aquisição.
- IV Salão Brasileiro de Arte, São Paulo/SP – Prêmio Aquisição.

1985
- V Salão Arte, Belém/PA – Prêmio.
- 43º Salão Paranaense, Curitiba/PR – Prêmio Aquisição.

 
  128

1989
- Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco, Edição 1989, Recife/PE – Prêmio
Wellington Virgolino.

1990
- Prêmio Concorrência Fiat 1990, São Paulo/SP.

1998
- Prêmio CODEBA – Concurso Salvador, Porto e Mar. Companhia das Docas do Estado da
Bahia.

2002
- Concurso Pinte na Porteira. Salvador/BA – 1º Prêmio.
 

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