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ANDRESSA SÖRENSEN

O LUGAR DOS PAIS NO ABANDONO


DO TRATAMENTO PSICOLÓGICO DE CRIANÇAS

IJUÍ, DEZEMBRO, 2014


1

UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO


GRANDE DO SUL
DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO
CURSO DE PSICOLOGIA

O LUGAR DOS PAIS NO ABANDONO


DO TRATAMENTO PSICOLÓGICO DE CRIANÇAS

ANDRESSA SÖRENSEN

ORIENTADORA: PROFESSORA ANGELA MARIA SCHNEIDER DRÜGG

Trabalho de conclusão de curso apresentado


como requisito parcial para conclusão do curso
de formação de Psicólogo

IJUÍ, DEZEMBRO, 2014


2

ANDRESSA SÖRENSEN

O LUGAR DOS PAIS NO ABANDONO


DO TRATAMENTO PSICOLÓGICO DE CRIANÇAS

BANCA EXAMINADORA

PROFª MSc. ANGELA MARIA DRUGG ____________________________


Orientadora

PROFª MSc. KENIA FREIRE ___________________________


Examinadora

IJUÍ, DEZEMBRO, 2014


3

Dedico esta conquista aos meus


familiares e ao meu noivo que, sem
dúvida, foram essenciais para que eu
pudesse chegar até aqui para a
realização deste sonho, e aos demais
amigos e colegas que, de alguma forma,
me apoiaram durante meu percurso
acadêmico.
O meu muito obrigada de todo o coração!
AGRADECIMENTOS

Este momento significa a realização de um sonho. Não foi fácil, mas hoje me
sinto orgulhosa de ter conseguido ser psicóloga, profissão que escolhi seguir, honrar
e, sem dúvida, servir.
Agradeço ao meu companheiro de vida, Vagner, por ter sonhado junto comigo
e não ter medido esforços para que esse sonho hoje se tornasse realidade; por ter
respeitado os meus momentos de ausência e por ter me encorajado em momentos
de dificuldades.
Aos meus pais e meus irmãos, que acreditaram comigo que esse sonho seria
possível; que confiaram e me deram todo o apoio necessário para que eu pudesse
chegar até aqui. Hoje esta conquista é nossa.
Aos meus sobrinhos que são a luz da minha vida.
À minha avó Áurea que, em todo este percurso, sempre me apoiou, torceu e
orou muito para que eu realizasse este sonho.
A vocês o meu profundo agradecimento – minha família, minha base.
À minha orientadora, Angela Drügg, pelo caminho percorrido em conjunto,
pelo conhecimento compartilhado, pela paciência e por me ajudar a evoluir tanto
profissional quanto pessoalmente.
Às colegas e amigas Aline A. Lindner, Marisa Scherer, Dalva A. Victor e
Karine T. Schneider, pelo tempo que passamos juntas, dividindo nossas
experiências.
Aos amigos, familiares e colegas, por se permitirem ouvir e compreender
minhas angústias durante as experiências dos estágios de ênfase e também no
decurso da elaboração deste trabalho, além de entenderem a minha ausência em
alguns momentos.
Agradeço a Deus por ter me permitido chegar até aqui e por ter me protegido
durante esta caminhada.
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TÍTULO: O LUGAR DOS PAIS NO ABANDONO DO TRATAMENTO PSICOLÓGICO


DE CRIANÇAS
ACADÊMICA: ANDRESSA SÖRENSEN
ORIENTADORA: PROFESSORA ANGELA MARIA SCHNEIDER DRÜGG

RESUMO

Este estudo traz considerações acerca do abandono do tratamento psicológico de crianças


bem como a presença dos pais no trabalho clínico com elas. Aborda a presença dos pais
desde os primórdios da psicanálise com crianças, e também a especificidade da clínica com
crianças e suas características particulares, desdobrando, assim, conceitos fundamentais
desta prática. A pesquisa analisa uma possível causa de abandono de tratamento infantil à
medida que leva conta a constante presença dos pais neste momento. A interrogação que
se produz é: Qual a relação entre o abandono do tratamento e o lugar dos pais?

Palavras-chave: Abandono do Tratamento. Resistência dos Pais. Transferência Múltipla.


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................7

1 O LUGAR DOS PAIS NA ORIGEM DA PSICANÁLISE COM CRIANÇAS...............8

2 O ABANDONO DO TRATAMENTO NA CLÍNICA INFANTIL: COMO PODEMOS


PENSÁ-LO? ..............................................................................................................17

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................30

REFERÊNCIAS.........................................................................................................32
7

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende trazer algumas questões acerca da clínica com


crianças relativas à suas especificidades e à constante presença dos pais como algo
muito importante para o “sucesso” do tratamento psicanalítico destas. O trabalho se
constitui por meio da pesquisa teórica pelo viés da psicanálise, trazendo autores
contemporâneos que contribuíram com o tema em questão.
O interesse pelo assunto iniciou durante o percurso acadêmico e,
especialmente, a partir da experiência de estágio na Clínica/Escola, que nos
proporcionou a observação de que ocorriam interrupções/abandonos de tratamento
por parte das crianças. Esta observação nos fez começar a pensar quais poderiam
ser as possíveis causas destes “abandonos”.
Historicamente, a psicanálise com crianças teve seu primeiro intento realizado
por Freud na análise do pequeno Hans. Até então o que se sabia do mundo interno
infantil era baseado nas observações e escuta clínica de adultos. O trabalho com
Hans obteve êxito, mas nada técnico foi elaborado, visto que, tratava-se de uma
urgência a ser trabalhada e não a busca por uma forma de atendimento de crianças.
Assim teve início um protótipo de atendimento infantil, uma futura técnica que
adviria com outros estudiosos interessados como Hermine Von Hug-Hellmuth, Anna
Freud, Melanie Klein, Françoise Dolto, Maud Mannoni. Como podemos observar, no
cenário da psicanálise infantil encontram-se grandes pesquisadores, e claro, cada
um, busca sua fundamentação dentro de sua teoria formadora e/ou constitutiva.
Uma das características que podemos perceber na prática clínica com
crianças é a presença dos pais e como isto pode interferir no curso do tratamento.
Às vezes essa interferência conspira para o bem do tratamento, e, em outras, ela
pode prejudicar o mesmo se o terapeuta não souber como lidar com ela. Esta real
presença exige do profissional muito mais do que se ele estivesse tratando adultos.
Muitos fatores, como a demanda e a transferência, determinam o tratamento quando
se trata de crianças, pois se modificam e exigem certo manejo do psicólogo.
Muitas interrogações surgem a partir do trabalho na clínica infantil, como, por
exemplo, trabalhar essa relação com os pais e verificar como estabelecer o laço
transferencial com estes e com a criança que está em atendimento. Estas e outras
levaram à escrita deste trabalho, o qual se estrutura em dois capítulos.
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O primeiro, “O lugar dos pais na origem da psicanálise com crianças”, aborda


a presença dos pais desde os primórdios da psicanálise infantil e como os teóricos
viam e trabalhavam com esta presença. Neste estudo podemos perceber as grandes
diferenças teóricas que surgiram desde a prática clínica. Podemos, ainda, a partir de
cada um deles, perceber como consideravam a presença dos pais no atendimento
de crianças e o que achavam desta presença.
O segundo capítulo, “O abandono do tratamento na clínica infantil: como
podemos pensá-lo?”, destina-se a trabalhar as possíveis causas de abandono no
tratamento psicanalítico de crianças, sem deixar de lado a questão do lugar que os
pais ocupam neste trabalho clínico. Também apresenta as principais características
desta clínica que tanto interroga os profissionais que nela atuam e como ela se
configura diferentemente da clínica com adultos. Este capítulo aborda como os
elementos principais no tratamento psicológico se configuram no trabalho com
crianças, apresentando a origem da demanda, como ela vem expressa no
tratamento e se torna mais complexa, trata da transferência e como se constitui um
laço transferencial com os pais do mesmo modo que com a criança. Por fim,
investiga como todos estes elementos particulares do trabalho clínico com crianças
contribuem para que ocorra a interrupção do tratamento.
Buscou-se, mediante a escrita, trazer considerações que sejam relevantes
para entender este “abandono”, e poder, de alguma forma, trazer evidências que o
ligam à presença real dos pais neste campo.
Diante disto, cabe a reflexão acerca do trabalho clínico com crianças: Por que
ocorrem essas interrupções? Quais seriam as possíveis causas?
Partindo destas questões, na tentativa de uma explicação trazemos algumas
considerações acerca do assunto.
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1 O LUGAR DOS PAIS NA ORIGEM DA PSICANÁLISE COM CRIANÇAS

É importante buscarmos na História quando a psicanálise de crianças teve


seu efetivo início e quais foram os principais teóricos que contribuíram para isso.
Dentre estes, também verificamos como cada um trabalhou a presença dos pais no
tratamento de crianças e qual era a importância destes para o trabalho clínico com
as mesmas.
Segundo Costa (2010), o interesse pela psicanálise infantil surgiu a partir da
escuta de Freud a suas pacientes histéricas. Para esta autora, Freud desenvolveu a
teoria da sedução, encontrando a etiologia das neuroses dos adultos em
experiências sexuais traumáticas ocorridas na infância. Mais tarde, no entanto, os
fracassos clínicos o levaram a abandonar essa teoria, porque concluiu que os
sintomas histéricos decorriam de fantasias impregnadas de desejo. A realidade
psíquica, portanto, era a determinante, e não a realidade factual.
Esse foi um momento teórico muito importante para a teoria psicanalítica,
quando o que se tornou relevante não mais eram os fatos decorridos na infância,
mas sim a realidade psíquica, constituída pelos desejos inconscientes e pelas
fantasias a ela vinculadas, tendo como pano de fundo a sexualidade infantil. A
infância também passa por mudanças no seu conceito; passa não mais a ser vista
como um registro genético e cronológico para ser abordada pela lógica do
inconsciente.
Durante muito tempo estudou-se sobre a psicanálise de crianças e se ela era
realmente possível de ser realizada.
Para Freud (1905), a criança é introduzida no campo da sexualidade por meio
da função materna realizada pela própria mãe ou por quem assuma este papel. É
por intermédio dos cuidados e do desejo materno que o corpo do bebê é erotizado e,
então, passa a ser introduzido no campo da sexualidade.
Desse modo, Freud (1909) apresenta ao mundo uma nova criança, dotada de
sexualidade. A partir do conceito de pulsão, Freud (1905) mostra que o corpo da
criança é um corpo pulsional, corpo este de desejo.
De acordo com Costa (2010, p. 15), é mediante este conceito que Freud
demonstra que “a criança faz uso do seu próprio corpo como fonte de prazer”. Para
exemplificar, Freud utiliza a amamentação do bebê para mostrar a separação entre
instinto e pulsão. Sempre haverá uma distância marcada entre o que é desejado e o
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desejo alcançado, e é essa abertura que marcará o sujeito em sua eterna busca
pelo objeto que supostamente o fará alcançar a satisfação.
Muitas questões surgem a partir do estudo de vários teóricos sobre a
psicanálise com crianças: Quem é essa criança da psicanálise? Como se constitui?
É possível uma psicanálise com crianças?
Durante muitos anos estas perguntas foram alvo de teóricos que tentavam de
toda maneira respondê-las, cada um com sua linha de pensamento.
Pode-se considerar que a psicanálise com crianças teve seu marco inicial
com o caso do pequeno Hans, publicado por Freud em 1909. Este caso teve uma
peculiaridade: o tratamento foi realizado pelo pai do menino, Max Graf, sob
supervisão de Freud, que se encontrou com o menino apenas uma vez.
Segundo Marra (2005, p. 26),

até então tudo que se sabia sobre o mundo interno infantil era baseado em
observações e escuta de adultos através da análise de pacientes do próprio
Freud. O trabalho obteve êxito com o desaparecimento dos sintomas
fóbicos de Hans, entretanto, nenhuma sistematização técnica foi elaborada,
visto que, tratou-se na época de uma urgência a ser trabalhada para alívio
dos sintomas de Hans e não a busca por uma forma de atendimento de
crianças, na realidade de uma improvisação que em certa medida deu certo.

Conforme Marra (2005), Freud nos forneceu o primeiro modelo de análise


infantil, na medida em que mostrou ser possível ter acesso à linguagem pré-verbal
de uma criança (as associações livres) por meio de desenhos, dos sonhos e
também pelas fantasias que lançariam as bases de uma técnica da psicanálise
infantil. Observou que, à medida que os aspectos conflitantes e os temores de Hans
foram surgindo e do mesmo modo se esclarecendo, chegou-se ao desaparecimento
da fobia.
Nessa primeira tentativa de tratar de uma criança por meios analíticos, Freud
contou com a colaboração do pai do menino. No já citado artigo, Freud (1909, p. 15)
afirma:

[...] o próprio tratamento foi efetuado pelo pai da criança, sendo a ele que
devo meus agradecimentos mais sinceros por permitir publicar suas
observações acerca do caso [...]. Ninguém mais poderia, em minha opinião,
ter persuadido a criança a fazer quaisquer declarações como as dela; o
conhecimento especial pelo qual ele foi capaz de interpretar as observações
feitas por seu filho de cinco anos era indispensável; sem ele as dificuldades
técnicas no caminho da aplicação da Psicanálise numa criança tão jovem
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como esta teriam sido incontornáveis. Só porque a autoridade de um pai e a


de um médico se uniam numa só pessoa, e porque nela se combinava o
carinho afetivo com o interesse científico, é que se pode neste único
exemplo, aplicar o método em uma utilização para a qual ele próprio não se
teria prestado, fossem as coisas diferentes.

Foi a partir do caso Hans que Freud estabeleceu os pontos essenciais para
que uma análise com crianças fosse possível, ou seja, a demanda, a transferência e
a interpretação.
A demanda normalmente vem expressa pelos pais ou pelos adultos
responsáveis pela criança. A transferência, segundo Freud (1912), no caso da
análise de crianças, precisa da junção da “autoridade paterna com a autoridade
médica”.
O terceiro ponto essencial para que uma análise seja possível é a
interpretação. Freud demonstrou a importância da interpretação ao entender a fobia
do pequeno Hans por cavalos como sendo um medo da retaliação paterna pelos
desejos eróticos pela mãe. Essa interpretação, segundo ele possibilitou a cura da
neurose.
Freud (1909), com esses pontos e a partir do caso do pequeno Hans, lançou
as bases teóricas para análise de crianças, mas ainda levaria muito tempo para que
ela se desenvolvesse. Faltava um elemento fundamental para a clínica com
crianças: a descoberta do brincar como um recurso que o terapeuta utiliza para ter
acesso ao inconsciente infantil.
A psicanálise tem como objeto o sujeito, seja ele uma criança ou um adulto,
no entanto não podemos esquecer que a psicanálise com crianças tem uma
especificidade em relação à clínica de adultos, uma vez que a criança, por
características comportamentais que lhe são próprias, não pode cumprir com a regra
fundamental da análise, ou seja, a associação livre. Por isso foi fundamental a
descoberta do brincar como um equivalente da associação livre, pois, por meio dele,
a criança sente-se livre; ela brinca com o que encontrar em sua frente, sendo esse
um modo natural de ela se expressar.
Na História da psicanálise foi, inicialmente, às mulheres que coube o papel de
analisar crianças. Isso foi decorrente de uma época em que não era bem-visto que
as mulheres ingressassem nas universidades e com isso pudessem seguir uma
carreira profissional. Era possível, no entanto, que ingressassem nas escolas,
atuando como professoras. Algumas, a partir daí, passavam a praticar a psicanálise,
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pois encontravam no ambiente da sala de aula um lugar propício para aplicarem a


teoria psicanalítica.
Segundo Marra (2005), foi entre os anos 20 e 40 do século 20 que ocorreram
os primeiros movimentos psicanalíticos em prol da clínica com crianças. A partir das
pesquisas das primeiras analistas – Hermine Von- Hug-Hellmuth, Anna Freud e
Melanie Klein – é que a clínica com crianças começa a se desenvolver.
Depois de Freud, a tentativa de analisar crianças foi levada adiante por
Hermine Von Hug-Hellmuth (1910), que, até o ano de sua morte, em 1924, dirigiu
um serviço psicanalítico de ajuda à educação em Viena, que a consagrou,
juntamente com suas publicações e o grande respeito que Freud tinha pelo seu
trabalho, como a pioneira da psicanálise com crianças (COSTA, 2010).
Conforme Costa (2010), Hermine Von Hug-Hellmuth visitava as crianças em
seus lares a fim de observá-las enquanto participavam de atividades lúdicas. Na
análise com crianças utilizava jogos e desenhos, afirmando que com esse material
as crianças elaboravam as situações difíceis e traumáticas. Em seu método, a
interpretação do material inconsciente combinava-se com a influência pedagógica
direta.
Hermine Von Hug-Hellmuth desaprovava o atendimento de crianças muito
pequenas, as quais ainda não haviam passado pelo complexo de Édipo, pois
acreditava que nesses casos a análise poderia prejudicá-las em razão do poder do
recalque de mobilizar e fortalecer as tendências impulsivas da criança.
A pioneira Hermine buscava conciliar o objetivo psicanalítico com os da
família, escola e sociedade, tentando desvendar os segredos que a criança ocultava
intencionalmente dos educadores. Propunha que o analista de criança não precisava
explicitar os impulsos inconscientes, bastando que esses se expressassem em atos
simbólicos, sem a necessidade de passar pela linguagem falada. O analista deveria
ser, ao mesmo tempo, terapeuta e educador que cura.
Assassinada pelo sobrinho, o qual havia atendido quando criança, Hermine
Von Hug-Hellmuth faleceu em 1924. Embora seu nome esteja citado como uma das
pioneiras da psicanálise com crianças, sua obra pode ser considerada quase
desconhecida, pois a maioria dos seus artigos não foram traduzidos do alemão.
Consoante Costa (2010), a partir de então se tomaram pela psicanálise de
crianças Anna Freud e Melanie Klein, cujas obras diferem acentuadamente.
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Foi no campo da psicanálise com crianças que Anna Freud foi reconhecida
por seus trabalhos. Anna recebeu influências de Hermine Von Hug-Hellmuth e, tal
como ela, recomendava ao analista de criança desempenhar um papel ativamente
pedagógico.
A discussão entre Melanie Klein e Anna Freud girava em torno da
analisabilidade da criança. Estudavam se seria possível organizar uma análise com
ela tal qual o adulto estabelece, e, ainda, se haveria capacidade de associar
livremente, internalizar conflitos psíquicos, haver estabelecimento de uma neurose
infantil e possibilidade de instituir uma neurose transferencial.
Durante suas pesquisas, Anna Freud estudou o comportamento das crianças
em seu ambiente escolar e observou que tipos de brinquedos eram mais utilizados
em cada etapa do desenvolvimento infantil e, aplicando conceitos psicanalíticos a
essas observações, forneceu uma orientação prática para as professoras.
Anna Freud valorizava o aspecto pedagógico na atuação psicanalítica.
Também valorizava em sua atuação a utilização dos sonhos, das fantasias diurnas e
dos desenhos, e limitava o uso do jogo, não permitindo que aspectos agressivos
pudessem emergir, considerando que tais impulsos agressivos deveriam ser
corrigidos para melhor desenvolvimento da criança. Seria necessária uma ação
pedagógica constante do analista, por ter a criança um superego imaturo.
Segundo Costa (2010), Anna Freud levantou algumas questões, fazendo
então uma diferenciação entre a análise de crianças e a análise de adultos. Para ela,
é praticamente impossível estabelecer uma relação analítica com uma criança em
virtude da sua imaturidade e dependência do meio ambiente. Conforme Anna Freud,
a criança não possui consciência da sua “doença”; não acredita estar doente. Isto
aparece por intermédio dos pais, que estão angustiados e preocupados diante de
suas dificuldades. Nesse sentido, para ela, falta algo essencial para a entrada em
análise, que seria o mal-estar em relação a seu sintoma e a necessidade de
tratamento.
Pensando nisso, nessa falta de demanda Anna Freud propõe um período
de preparação, ou seja, entrevistas preliminares que servirão para produzir na
criança uma demanda artificial, conscientizá-la de que necessita de tratamento e
que isso a ajudará a se livrar do sintoma.
Para realizar seu trabalho analítico com crianças, Anna Freud associava
medidas pedagógicas aos meios analíticos numa tentativa de conquistar sua
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confiança, facilitando, assim, seu engajamento no processo analítico, ou seja,


trabalhar sempre pelo viés da transferência positiva.
Outro ponto abordado na teoria de Anna Freud sobre o tratamento
psicanalítico com crianças diz respeito à associação livre, que, segundo ela, era
impossível de ser realizada pela criança por esta estar ainda muito ligada aos pais
da realidade.
Em relação à transferência com crianças, Anna Freud acreditava que estas
não teriam capacidade de estabelecer uma transferência positiva com seu analista.
No seu entendimento, seria impossível haver uma reedição das relações com os
pais dentro da análise, uma vez que a primeira edição ainda não estaria esgotada,
sendo, então, impossível de a criança transferir fantasmaticamente a relação de
amor que mantém com os pais da realidade para o analista.
Segundo Zorning (2000, p. 87), para Anna Freud “a fraqueza superegóica da
criança, que ainda não internalizou os valores parentais, faz com que o analista
tenha de exercer uma dupla função: a de analisar e a de direcionar as pulsões,
exercendo uma tarefa educativa”.
Em 1927, Anna Freud (apud FERRO, 1995) faz a seguinte orientação:

Nas crianças, as tendências negativas dirigidas contra o analista, apesar de


freqüentemente reveladoras em muitos aspectos, são essencialmente
inconscientes e deve-se reduzi-las a debilitá-las o mais rápido possível. É
em sua relação positiva com o analista que se realizará sempre um trabalho
realmente valioso.

Para Marra (2005), Anna Freud, em sua teoria sobre a psicanálise de


crianças, acreditava na importância dos pais no tratamento. Ela presumia que os
sintomas apresentados pelas crianças estariam sendo determinados pelos conflitos
inconscientes dos pais. Logo, segundo Anna Freud, na análise de crianças o que é
levado em conta é o material recolhido no âmbito da família e não no da sessão.
Daí, em sua teoria, a importância do trabalho constante com os pais e dessa troca
contínua de informações.
Por mais que a teoria psicanalítica tenha iniciado por Freud e, mais tarde,
seguida por outros teóricos, sempre houveram dúvidas de que fosse possível uma
análise de crianças. Cada psicanalista buscava em sua teoria dar conta desta
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questão, trazendo elementos que confirmassem esta possibilidade tal como um


adulto.
Foi Melanie Klein quem formulou que com um estudo infantil era possível uma
criança ser analisada. Melanie Klein utilizou como fundamento principal de sua obra
a técnica lúdica, tal como Freud ensinou sobre os sonhos, concebendo o brincar
como forma simbólica de expressão de desejos e fantasias. Assim como nos
sonhos, os símbolos deveriam ser analisados na relação com o todo.
Conforme Marra (2005, p. 29),

Melanie Klein desenvolve a técnica da psicanálise infantil através do jogo,


do brinquedo, do recorte, procurando preservar todos os princípios da
Psicanálise de adultos, com a diferença que os meios técnicos empregados
se adaptam às mentes das crianças. Critica qualquer intervenção educativa
do analista e afirma que ‘uma verdadeira situação analítica só pode ser
produzida por meios analíticos’.

Muito diferente de Anna Freud, Klein (1970, p. 107) considerava factual a


possibilidade de transferência da criança, definindo-a da seguinte maneira:

Transferências são novas edições ou fac-símiles das tendências e fantasias


despertadas e tornadas conscientes durante o processo de análise.
Possuem, no entanto, uma peculiaridade característica de sua espécie:
substituem uma pessoa anterior na pessoa do médico. Em outro termos,
conjuntos completos de experiências psicológicas são revividos, não como
algo que pertence ao passado, mas que se aplica ao médico no presente
momento.

Segundo Zorning (2000, p. 91), Melanie Klein trabalhava com a criança


enfatizando o conceito de “infantil” como referido às fantasias inconscientes e às
angústias arcaicas do bebê, descartando quase totalmente a interferência dos “pais
reais” no percurso analítico da criança.
Melanie Klein, muito diferente de Anna Freud, acreditava que a criança
poderia ser analisada sem a presença dos pais. Estes não deveriam ser levados em
conta durante o tratamento, pois a criança teria subsídios suficientes para sustentar
uma análise.
Mais tarde, no auge dos anos 70, Françoise Dolto surge trazendo articulações
da teoria de Lacan na psicanálise de crianças. Contemporânea de Lacan, é
considerada a iniciadora do movimento que consiste em articular na psicanálise de
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crianças as colocações que Lacan fazia em seu retorno a Freud, e que, mais tarde,
foi continuado por Maud Mannoni.
Segundo Volnovich (1947, p. 24), Françoise Dolto propõe, em seu trabalho,
inserir a criança na estrutura desejante da família como efeito dessa estrutura. Ou
seja, a criança não seria como a criança apresentada anteriormente pela teoria de
Anna Freud, aquela que escolhe ou não se tratar, produto das vicissitudes de seu
Ego1 e de seu desenvolvimento libidinal.
Também não seria a criança apresentada por Melanie Klein, determinada pela
quantidade de instinto de morte que se faz presente nos ciúmes e na inveja. A
criança da teoria lacaniana, que Françoise Dolto apresentava, estava
essencialmente inserida na estrutura da família, efeito desta do “desejo do Outro”.2
Quando Lacan propõe na releitura de Freud sua fórmula “o desejo inconsciente é o
desejo do Outro”, estabelece que não existe nenhuma possibilidade de que alguém
possa ser gerado a partir de si mesmo, mas, pelo contrário, na medida em que o
sujeito é efeito do desejo do Outro e retoma a determinação histórica e social do
sujeito, reconhece que o inconsciente é uma experiência transindividual, social.
É a partir desta posição teórica que Françoise Dolto redefine o sintoma da
criança como sendo também sintoma da estrutura familiar na qual ela está inserida.
Esta teoria gerou certa reviravolta entre os analistas de crianças da época, pois, de
um momento para o outro, parecia ter terminado as análises de crianças, ficando
unicamente a análise da estrutura desejante na família.
Françoise Dolto tinha uma técnica de trabalho muito particular: fazia a
primeira entrevista, tentando detectar na estrutura da família qual era a situação
problemática, ou, no dizer dela, aquela que seria pervertedora ou denegatória da
humanização da criança, fazendo sua intervenção em razão desta situação. Ela não
tratava a criança senão por uma estratégia. Se a criança não podia falar de alguma
coisa, incluída no sintoma, era porque não havia sido suficientemente “falada” pelo
Outro, ou seja, pelos representantes familiares da cultura.
Assim, a escuta e a palavra do analista podiam ser introduzidas na criança ou
nos pais desta. Ela deixava entrar na sessão qualquer um que tivesse alguma coisa
a dizer sobre a questão sintomática e sobre a criança, assim como não poupava

1
Ego – em psicanálise o termo utilizado significa EU.
2
Em Psicanálise, emprega-se o termo Outro (com letra inicial maiúscula) para referir-se ao grande
Outro materno – função materna.
17

intervenções, quando necessário, para o pai, a mãe ou a criança. Esta forma de


análise de crianças se diferenciava muito do modo como Melanie Klein a conduzia,
posto que, na teoria kleiniana, os pais, enquanto a criança fazia tratamento com o
psicanalista, deveriam fazer um acompanhamento, digamos, penoso, com outro
analista.
Para Françoise Dolto é o contrário. Ela estava para escutar. Para ela, nada
melhor que um analista de crianças para escutar o pai e a mãe de uma criança
sobre o que eles têm a dizer sobre seu filho. Esta linha de trabalho é continuada por
Maud Mannoni, e o importante não era quem tratar, mas ver como estava
estruturada a questão, momento em que se podia estar falando a palavra
mediadora, que, neste campo, é representada pela palavra do analista.
Todos estes estudos sobre a psicanálise com crianças foram muito
importantes para o avanço da análise infantil e para que, hoje, se possa desenvolver
um trabalho eficaz em relação ao tratamento analítico de crianças.
Adiante verificaremos como a clínica com crianças se apresenta e quais são
as suas principais especificidades, sempre levando em conta a real presença dos
pais neste trabalho clínico.
18

2 O ABANDONO DO TRATAMENTO NA CLÍNICA INFANTIL: COMO PODEMOS


PENSÁ-LO?

Desde o princípio da análise de crianças o lugar dos pais no tratamento


psicanalítico de crianças é algo que sempre foi ponto de interrogação. Muitos foram
os teóricos que estudaram o tema, mas, como já mencionado, os que se destacam
são Anna Freud, Melanie Klein, Françoise Dolto e Maud Mannoni, com teorias
diferentes.
Para Klein (1970), como vimos, os pais deveriam manter-se fora da sala de
análise, ficando, assim, uma relação exclusiva entre criança e analista. Qualquer
encontro com eles poderia ser percebido como uma invasão do espaço de escuta da
criança ou até contaminar a escuta do analista, vindo, deste modo, a atrapalhar o
curso do tratamento.
Segundo Marra (2005), Klein compreendia que as dificuldades ou sintomas
das crianças eram fruto de seu mundo fantasmático, movimento intrínseco à criança.
O que dizia respeito aos pais era somente o contrato a ser feito, tal como os
honorários e o dia das sessões, ficando, assim, os encontros com eles ou reduzidos
ou dispensáveis. Não trabalhava as transferências que eram estabelecidas entre
analista e pais por ser objeto de investigação a mente da criança em sua dimensão
intrapsíquica.
Conforme já mencionamos, mais tarde, com Françoise Dolto, o papel dos pais
vai tomando importância e se tornando essencial. Passa a ser visto como um fator
importante a ser considerado no tratamento analítico de crianças. Os pais passam,
então, a ser “incluídos” na análise de crianças.
Segundo Barbosa (2014), o ser humano, enquanto um ser de linguagem,
inscreve-se como sujeito desejante a partir do Outro que dará sentido ao seu apelo,
identificando-o como demanda. É desde o seu nascimento que a criança é marcada
pela constante presença do Outro, pois ela nasce sem condições de se
autossustentar biologicamente e, por isso, a estrutura familiar, ou seja, as funções
materna e paterna são imprescindíveis. Durante todo o seu desenvolvimento a
criança conta com recursos psíquicos advindos do Outro, na maioria das vezes da
mãe. Entre o bebê e a mãe circula um saber inconsciente, e, se este saber vacila,
obstáculos se interpõem na constituição do sujeito. Esses obstáculos podem ser
oriundos da história de vida da mãe ou também de uma dificuldade do bebê, cujo
19

aparato orgânico não esteja em condições de interagir e se deixar marcar pelo


desejo do Outro, ou, ainda, pela sensibilidade do bebê, que não se deixa enganar
pelo que o carinho materno visa a ocultar.
Diante dessas circunstâncias, podemos nos defrontar com uma mãe
impotente, destituída e desautorizada e um bebê em sofrimento psíquico, que apela,
mais tarde, durante sua infância, para um sintoma no corpo, do qual ele não poderá
fazer cargo. A partir daí, os pais podem procurar tratamento psicológico para seu
filho, supondo um saber que não estaria do lado deles. É a partir deste pressuposto
que surge o pedido de análise de crianças.
O tratamento psicanalítico com crianças, como já mencionado, se diferencia
do tratamento com adultos. A prática clínica com crianças tem especificidades e
começa com a presença dos pais ou responsáveis pelo tratamento. A criança chega
à clínica por intermédio de um Outro, apresentada, na maioria das vezes, pela
queixa daquele que a traz.
Assim, uma das características do trabalho clínico com crianças refere-se à
presença dos pais no tratamento, o modo de interpretação pela via do brincar, a
demanda e também a transferência. Inicialmente podemos destacar que na clínica
com crianças a demanda3 de atendimento se mostra diferente e complexa, uma vez
que dificilmente a criança chega ao tratamento clínico por vontade própria. Ela é
trazida porque se interpreta que algo não está bem, geralmente em razão de algum
tipo de comportamento que apresentou ou apresenta. Isto é interpretado por aquele
que a traz como algo que em seu desenvolvimento não vai bem.
Somente é possível dar continuidade a um tratamento psicológico se a
demanda vinda do paciente estiver bem-colocada. Se não houver demanda o
tratamento não pode ter continuidade. Por isso, quando se trata de atendimento
clínico de crianças, a demanda torna-se tão complexa, pois ela vem expressa por
um Outro. Quem demanda atendimento aos filhos muitas vezes são os pais; então,
é preciso reconhecer que neste trabalho seja feita uma escuta tanto dos pais quanto
da criança que está em atendimento, de modo a conseguir visualizar o que eles
esperam do seu filho, o que eles desejam ou gostariam de reconhecer nele e
também se a criança se reconhece naquilo que a traz para o tratamento.

3
Em psicanálise o termo demanda expressa: “Forma comum de expressão de um desejo, quando se
quer obter alguma coisa de alguém, a partir da qual o desejo se distingue da necessidade”.
20

O atendimento psicológico tem início por meio do pedido. Este, no caso do


atendimento de crianças, normalmente vem expresso pela família. Neste pedido
está inclusa a queixa; aquilo que diz respeito aos conteúdos manifestos e
conscientes que estão relacionados ao sintoma apresentado. É por intermédio desta
queixa que o paciente chega até a clínica para atendimento e, com isso, formula seu
pedido de ajuda endereçado ao psicólogo. Já a demanda de atendimento nem
sempre é o motivo pelo qual se busca um psicólogo. A demanda deve ficar bem-
clara já nos primeiros atendimentos. Ela é construída nas entrevistas preliminares e
a análise somente começa quando a demanda do paciente estiver constituída. O
terapeuta deve visar para além da demanda para saber precisar, mais tarde, o que
se tornará o desejo. Ela geralmente é expressa nas entrevistas preliminares, as
quais têm o objetivo de colher informações sobre a criança e também sobre sua
família, de modo a identificar de que lado a demanda está. É também neste
momento que o psicólogo percebe o lugar que a criança ocupa para os pais.
A psicanálise com crianças tem como característica a não demanda de
tratamento pela própria criança e sim por aqueles que a trazem para tratamento.
Segundo Hamad (apud FERRARI, 2001),

[...] a demanda está relacionada ao Sujeito Suposto Saber, mas, no caso da


criança, esta relação está estabelecida ainda com seus pais, a criança
supõe que são seus pais que sabem sobre ela. Nesse sentido, a criança se
deixa levar para tratamento porque os pais não conseguem dar conta
daquilo que ela apresenta, coloca-os como testemunha do seu mal-estar e
os reenvia àquilo que da sua história permanece vivo no seu infantil.

A transferência também é um fator que muda quando se trata do tratamento


de uma criança. Na clínica com adultos a transferência é estabelecida entre analista
e analisando; já no caso do atendimento clínico de crianças a transferência é
múltipla e acontece entre o terapeuta e a criança e também entre este e os pais,
pois a disponibilidade para o tratamento é facilitada graças ao motor da
transferência: a suposição do saber.
A posição do analista que trabalha com crianças não é a mesma quando o
paciente é adulto. A prática clínica com crianças oferece uma particularidade que
não pode ser desconsiderada, uma questão que já foi referida; trata-se de como a
criança chega para o tratamento. Ela não busca sozinha. Geralmente quem a traz
são os pais, que trazem também uma queixa, um quadro sintomático, algo que os
21

angustia e os faz sofrer. Sabemos, porém, que o que se configura no tratamento


como uma questão para a criança pode não coincidir com a queixa dos pais.
Como o analista procede em seu trabalho analítico diante de tal
particularidade que é a presença dos pais? Na psicanálise com crianças, segundo
Mannoni (1980, p. 97), “o analista trabalha com várias transferências”, de vários
sujeitos, pois os pais, de certa maneira, estão sempre implicados no sintoma da
criança.
Assim, no trabalho clínico com crianças o analista escuta a criança, pois ela é o
sujeito em análise, mas continua atento à fala dos pais, que sempre apresentam
elementos importantes. Escutá-los faz parte do manejo da transferência na sustentação
da análise da criança.
Escutar a história que os pais contam é muito importante, pois a pré-história
da criança está inserida no discurso dos pais e em como eles simbolizaram e
significaram a vinda do sujeito em questão. Por isso, a importância de escutá-los.
Em “Observação sobre o relatório de Daniel Lagache”, Lacan (2009) aborda
esta questão afirmando que a história de um indivíduo já começa na sua pré-história,
a partir de um desejo não anônimo que irá sustentá-lo no decorrer da vida. Lacan
(2009, p. 86-102) assevera que:

Antes de existir em si, por si e para si, a criança existe para e por outrem: já
é um polo de expectativas, projetos e atributos [...] Um polo de atributos, eis
o que é o sujeito antes de seu nascimento [...] de atributos, isto é, de
significantes mais ou menos ligados num discurso.

Trata-se de escutar em que lugar a criança está situada na fantasia do Outro;


em que lugar se situa no desejo dos pais, no seu discurso sobre ela.
É a partir do manejo da transferência com os pais e com a criança e do
desejo do analista, que o enigma que se apresenta no pedido de tratamento para
uma criança poderá se transformar em questão de um ou mais sujeitos.
Acolher uma criança na clínica psicanalítica quando ela não tem qualquer
implicação com as questões que sobre ela são apresentadas pelo Outro, é mantê-la
no lugar de objeto e não de sujeito. Por isso a escuta, na psicanálise, é um fator de
grande relevância, pois está atenta para o tipo de demanda e se a criança em
questão se reconhece na queixa apresentada.
22

Na análise de uma criança muitas vezes as intervenções analíticas visam o


laço pais-criança e, para que esta traga resultados e se possam extrair as
consequências, é preciso que a criança seja vista como um sujeito suposto saber do
que lhe causa. Será por meio desta maneira, ora estabelecendo laços com a criança
e antecipando um sujeito ora na transferência com os pais, que o analista obterá
movimentos em relação à posição destes, o que se refletirá na interação com seu
filho.
A transferência estabelecida com os pais versa sobre o estágio em que a
criança se encontra, na medida em que se trata de um sujeito em constituição.
Observa-se, então, que os pais são figuras presentes no cotidiano da criança e que
esta ainda não dissolveu o complexo de Édipo, e ainda que a transferência na
clínica com criança se apresenta de maneira diferente e cumpre outra função.
Freud (1933, p. 146) aborda a transferência no tratamento clínico com
crianças da seguinte maneira:

As resistências internas contra as quais lutamos, no caso dos adultos, são


na sua maior parte substituídas, nas crianças, pelas dificuldades externas.
Se os pais são aqueles que propriamente se constituem em veículos da
resistência, o objetivo da análise – e a análise como tal – muitas vezes corre
perigo. Daí se deduz que muitas vezes é necessária determinada dose de
influência analítica junto aos pais .

O que vem a ser essa influência analítica? Freud (1933) não deixa claro o que
seria para ele o influxo analítico, mas esclarece que há um nexo estrutural entre as
resistências da criança em análise e as resistências dos pais. A experiência de
Freud, já em 1909 com o caso Hans, nos fornece o exemplo da influência que os
pais têm sobre o funcionamento da análise de um filho.
Na concepção de Marra (2005, p. 48),

[...] podemos entender esta ‘dose de influência analítica sobre os pais’ como a
possibilidade que tem o analista de incluir dentro de sua leitura do campo
analítico (de acordo com o conceito de Baranguer) os nexos existentes e em
dupla direção, entre a conflitiva intrasubjetiva do paciente e a relação
intersubjetiva parental.

Com isso, objetiva-se desfazer a trama identificatória que existe entre os


desejos da criança e o mundo desejante dos pais.
23

É importante para o trabalho do analista de crianças que se tenha em mente


que a relação estabelecida entre pais-criança é uma relação dialética sempre atuante
e que não somente os pais, com sua fantasmática inconsciente, entrarão na
determinação da formação de sintomas, mas há uma parte, não menos importante, de
responsabilidade que é da criança e que se deve trabalhar, senão corre-se o risco de
tratá-la como vítima dos pais, não considerando sua individualidade e co-participação
na determinação de seu sofrimento psíquico.
No entendimento de Marra (2005), para Anna Freud a criança não pode ser
isolada das relações com as pessoas que a circundam. O psicoterapeuta concebe a
subjetividade como resultante da relação do indivíduo com o mundo externo, não se
limitando ao mundo intrapsíquico, olhando o ambiente no qual o paciente encontra-
se inserido.
Para Marra (2005, p. 49), “não é no ego do paciente, mas na razão e
compreensão dos pais que o tratamento terá seu início, sua continuidade e sua
conclusão”.
Assim, a partir destes teóricos que se dedicaram ao estudo da análise de
crianças, podemos perceber o quão ela é interrogativa, e como cada um trabalhou a
presença dos pais junto a psicanálise de crianças transformando esta presença em
um elemento essencial para o sucesso da análise infantil.
Seguindo com a questão da presença dos pais a partir de Marra (2005), é
possível recortar na teoria freudiana o momento em que Freud parece antever
dificuldades que adviriam para aqueles que fossem trabalhar com crianças. Em
1920, no texto “Sobre a psicogênese de um caso de homossexualidade feminina”,
um dos poucos em que faz referência direta ao trabalho com crianças, expõe o
seguinte:

às vezes são os pais que demandam a cura de um filho que se mostra


nervoso e rebelde. Para eles uma criança sadia é uma criança que não cria
dificuldades e só provê satisfações. Quando o médico consegue o
restabelecimento da criança, depois da cura esta segue seus próprios
caminhos, mais decididamente que antes, e os pais ficam mais
descontentes (FREUD, 1920, p. 144).

Com isso podemos perceber que se os pais não se modificam dificilmente


teremos a cura e haverá o fracasso do trabalho. Muitas vezes o abandono do
tratamento de crianças se dá quando os pais não acompanham a modificação que o
24

tratamento causa nos filhos e com isso não “suportam” o reestabelecimento da


criança, vindo, assim, a interromper o tratamento.
Sobre o fracasso do tratamento infantil, Sigal (2001, p. 158) afirma:

Se os pais não se modificam, verão a cura como fracasso. Portanto, nesse


caso, sua inclusão é imprescindível, visando que acompanhem e
compartilhem mudanças na criança e que, por sua vez, se modifiquem.
Incluídos no contexto da análise, os pais se oferecem na transferência e
recriam-se no encontro – fantasias primitivas sobre estes pais atuais que
são, e não os originários.

Depois de traçarmos as principais especificidades da clínica infantil e


caracterizá-las, passamos para o ponto central do presente trabalho: O que
acontece na clínica com crianças para que haja tantos abandonos de tratamento?
Onde poderiam estar as causas?
Como já vimos anteriormente, trabalhar com crianças nos coloca ante a
diversas demandas que se sobrepõem, mas, muitas vezes, não partem da própria
criança. É muito mais frequente sermos procurados pelos pais, pela escola, pelos
pediatras, que trazem a queixa referente à criança, do que por ela própria.
Por seu estado “infantil” a criança necessita de adultos, muitas vezes na
posição de pais, que se responsabilizem por seu tratamento, pelo pagamento das
suas sessões, por sua locomoção até o consultório, etc. Por isso, cada vez mais os
pais estão incluídos no tratamento dos seus filhos e cada vez mais precisamos nos
haver com essa presença.
A criança se constitui na estrutura familiar e parte da sua questão em análise
se relaciona com o lugar que ocupa no desejo e no discurso dos pais. Se, portanto,
não escutarmos a demanda que é trazida pelos pais e não acolhermos a sua
transferência, a análise da criança não se torna possível. Então, a questão que
surge para quem se propõe a trabalhar com crianças é: Como conciliar essa
dependência estrutural aos pais, que veiculam uma demanda fundamentalmente
narcísica em relação à criança e o processo psicanalítico, que teria por objetivo fazer
cair a criança como significante de uma ideologia social, para aparecer um sujeito na
acepção de poder construir suas próprias normas? Essas e outras interrogações
fazem parte do trabalho que os analistas têm ao observar crianças. Ao receber uma
criança para tratamento, analisar o sintoma é o primeiro passo para identificar a sua
causa.
25

Segundo Volnovich (1947), foi a partir do sintoma que Freud descobriu o


inconsciente e, por meio deste, pôde situar o sintoma como lugar da verdade do
sujeito. Os sintomas são definidos por ele como manifestações do recalcado,4
formações pelas quais o reprimido inconsciente consegue obter o acesso que lhe é
recusado. Freud define então o sintoma como o retorno do recalcado, como um sinal
e substituto de uma satisfação pulsional que não se realiza: seria o resultado do
processo de recalque.
O tratamento psicanalítico não pretende o controle nem a supressão do
sintoma, e isso não ocorre de maneira diferente quando se trata de crianças. A cura
psicanalítica consiste em articular o sintoma com o desejo reprimido, o que é
denominado “desvendar seu sentido”, articulação pela qual é possível assumir a
própria história.
O psicanalista de crianças pode, no curso do tratamento, observar o momento
no qual a criança começa a desenvolver toda sua potencialidade transformadora,
achando o sentido de um passado que a amarra pelo simples fato de ser reprimido,
assumindo sua própria história e, por conseguinte, sua própria palavra.
Consoante Zorning (2000), a neurose dos pais tem um papel fundamental na
eclosão dos sintomas na criança, pois esta fixa sua existência num lugar
determinado pelos pais em seu sistema de fantasias e desejos. A criança procura
responder ao enigma dos significantes obscuros propostos pelos adultos,
identificando-se ao que julga ser objeto do desejo materno, tentando preencher a
falta estrutural do Outro e evitar a angústia de castração (assunção da própria falta).
A relação da criança com a sua estrutura familiar também aparece quando
falamos em sintoma, pois existe a possibilidade de uma apropriação sintomática da
criança mediante suas produções fantasmáticas, quando a criança responde ao que
existe de sintomático na estrutura familiar ou de um assujeitamento mortífero ao
desejo do Outro quando o sintoma corresponde à subjetividade da mãe.
A intervenção clínica pode privilegiar uma destas vertentes: se interessar pela
questão familiar, interpretando a criança apenas como sintoma dos pais, o que
justificaria uma intervenção em âmbito familiar, ou se interessar pela verdade do
desejo do sujeito e se constituir numa prática de subjetivação.

4
Recalque – termo empregado em psicanálise para designar o conjunto das reações de um
analisando cujas manifestações, no contexto do tratamento, criam obstáculos ao desenrolar da
análise.
26

Para Mannoni (1982 apud ZORNING, 2000, p. 129),

o que faz mal a uma criança não é a situação real que ela vivencia, mas o
que nesta situação não foi verbalizado. É o não dito que introduz o ‘trauma’
na criança, que procura responder ao enigma proposto por meio de suas
produções fantasmáticas.

Para Balbo (1992), as demandas destinadas às crianças não partem somente


dos pais, mas também da sociedade com um todo, que exige que a criança
corresponda a uma imagem-modelo proposta pelas ideologias, sejam elas políticas,
sociais, pedagógicas ou psicológicas. Se a criança não se integra ao gozo social,
identificando-se a um sistema de valores, ela é trazida ao analista pelos pais que,
por seu lado, esperam o restabelecimento de um gozo narcísico. Desta forma, a
criança responde a duas demandas: à parental, de restabelecimento de um gozo
narcísico e à social, de se identificar a um modelo estabelecido por um sistema de
valores, como familiares, escolares, morais, etc., que reforça o comportamento
desejado.
Com isso, podemos observar que a singularidade do processo analítico de
uma criança se dá em razão da amarração entre ela e as demandas exteriores a ela,
fazendo com que o analista, ainda que privilegiando trabalhar com o fator infantil,
não possa desconsiderar os fatores da transferência.
Agora que já percorremos pela clínica infantil e constatamos como o trabalho
analítico se estrutura neste campo, podemos trazer considerações acerca do que
seriam os fatores causadores de tanta desistência/abandono na clínica infantil.
Reconhecemos, ao longo do trabalho, que um dos fatores que caracterizam e
questionam o trabalho clínico com crianças é a presença real dos pais ao longo do
tratamento, e, como estes possuem influência sobre ela, é preciso, para que o
tratamento avance, que os pais não se coloquem como fonte de resistências e, para
que isso não ocorra, é necessário que o analista trabalhe em conjunto com pais-
criança.
Uma das possíveis causas de tantas interrupções observadas no tratamento
psicológico infantil estaria ligada aos pais. De que maneira, porém, os pais seriam os
“causadores” desta interrupção?
A clínica com crianças nos aponta continuamente esta relação entre a criança
e os seus pais, a qual, ao ser ignorada, resulta frequentemente na interrupção do
27

tratamento psicológico da criança. A direção do tratamento bem como o final dele,


dependem do destino que o psicólogo dá à demanda que lhe foi apresentada. No
caso do trabalho clínico com crianças deve-se levar em conta, além da criança, os
pais, pois os mesmos podem se colocar como fonte de resistência e, então, o
trabalho pode ser interrompido.
A resistência é um termo empregado em psicanálise para designar o conjunto
das reações de um analisando cujas manifestações, no contexto do tratamento,
criam obstáculos no desenrolar da análise. Essa resistência durante o tratamento
psicológico de uma criança muitas vezes vem apresentada pelos pais, o que, em
muitos casos, causa a interrupção do trabalho sem que ele realmente tenha
chegado ao fim. A resistência é um fator que está presente no laço transferencial
que se estabelece entre analista e analisando. (ROUDINESCO, 1998).
Segundo Cunha e Martins (2012), a transferência é chamada por muitos
profissionais de motor da análise, pois, sem que ela seja estabelecida entre paciente
e psicólogo uma análise tornar-se-ia impossível. A transferência é uma suposição de
saber endereçada ao analista. O analisando, sob transferência, deposita um saber
sobre si no analista, um ideal – do eu – e o que sabe sobre o sujeito está no próprio
discurso do inconsciente, porém apresentado como falta, como não sabido. Essa é a
lógica de uma análise. O analisando aponta esse lugar de saber para o analista com
uma demanda de amor, mas o analista, embora acolha, não ocupa esse lugar
apontado pelo analisando. O analista, em sua ausência como sujeito – ausência
essa que sinaliza a disponibilidade do analista para escutar o outro – presencia isso
o tempo todo, justamente porque, sem isso, não haveria análise.
Uma análise se autoriza desde o momento posterior de entrada em análise,
ou seja, quando o sujeito é encaminhado por alguém ou identificado por algo pelo
analista, como seu nome, sua fisionomia, sua voz, seu jeito de falar. A transferência
já se estabelece até mesmo antes do primeiro contato. É a transferência que
autoriza a função do analista. O analista, antes mesmo desse lugar de semblante da
falta, de semblante do objeto, fica numa posição de depositário do saber, saber este
que se presentifica como discurso do inconsciente como não sabido, como não
saber, mas endereçado ao analista como o “representante” desse saber
inconsciente.
28

Na Clínica Psicanalítica entendemos por resistência tudo o que é usado pelo


analisando na tentativa de fugir do sofrimento e das lembranças que contêm o foco
de seus traumas. Freud, em seus trabalhos, usou os termos “defesa” e “resistência”
como sinônimos. A defesa age por meio do eu, ou seja, o eu do analisando na
tentativa de fugir de uma lembrança dolorosa chama uma força repulsora que afaste
essa ideia/lembrança patogênica. Daí o conceito de que toda defesa é uma tentativa
do sujeito de fugir do que lhe traz dor, de esconder as ideias e pensamentos
causadores ou relacionados aos seus traumas. As defesas podem acontecer tanto
de forma inconsciente quanto conscientemente, e é papel do analista derrubar essas
resistências e chegar ao foco do problema: a lembrança dolorosa causadora do
trauma.
Existem vários exemplos de resistências na clínica psicanalítica. Entre eles
temos a resistência que vem dos pais quando o tratamento é com crianças. A
resistência está presente em maior ou menor grau em todo o processo analítico,
desde o início até a sua conclusão. A resistência se opõe ao processo analítico, ao
analista e ao eu racional do paciente.
A clínica psicanalítica, em verdade, serve de campo em que as resistências
atuam. Cabe afirmar, então, que a clínica psicanalítica se caracteriza pela análise
completa das resistências, por descobrir como o paciente resiste, a que ele resiste e
porque age assim.
Na transferência, entendemos uma situação em que um sujeito transfere para
o outro sentimentos que, em verdade, não estão dirigidos a esta pessoa e sim a
outra do passado. No caso da clínica psicanalítica, o analisando transfere para o
analista sentimentos e emoções que, na verdade, são de uma relação vivida (ou
deixada de viver) com um ente ou pessoa próxima que fez parte de sua infância
primitiva, segundo Freud. São, em geral, sentimentos de relações que não foram
bem-resolvidas. O analisando, em vez de recordar uma experiência passada, a
revive e recria, envolvendo outra pessoa que não a originária e isso pode ser
caracterizado como um tipo de defesa.
A reação transferencial é sempre uma relação objetal, ou seja, relação que
pode conter emoção, impulso, desejo, atitude, fantasia e defesas contra isso tudo.
Ela se dá sempre de forma inconsciente e cabe ao analista reconhecê-la. Embora
em alguns casos o analisando até possa perceber que está exagerando em algum
29

sentimento, ele não entende o porquê disso. Conquanto a transferência esteja sendo
abordada dentro da clínica psicanalítica, ela pode acontecer também fora dela.
A transferência é sempre uma repetição e continuamente será inadequada.
Podemos citar, então, algumas características da reação transferencial que são: a
intensidade de sentimentos ou ausência total do mesmo, a inconstância e a
tenacidade.
Conforme Cunha e Martins (2012), para que um fenômeno psíquico seja
enquadrado como transferência é necessário que apresente quatro características
básicas: que seja uma variação de relacionamento objetal, que seja sempre uma
repetição de um relacionamento passado com o objeto, que apresente um
deslocamento, posto que esse é o processo fundamental nas relações
transferenciais, e que seja sempre um fenômeno regressivo.
A transferência é um fenômeno imprescindível no processo analítico. Sem a
transferência não há análise. É ela quem indica a direção a ser tomada pelo analista,
uma vez que é por meio dela que os processos inconscientes se atualizam e abrem
as portas para o surgimento do conflito psíquico e sua resolução. A transferência
segue mais ou menos o ritual “recordar, repetir, elaborar”.
A transferência revela a constituição do sujeito, de sua demanda e de seu
desejo. Somente a partir dela é possível que o sujeito descubra a estrutura de seu
desejo. A resistência, tal qual a transferência, são mecanismos de defesa
imprescindíveis para a realização do tratamento psicanalítico. Sem elas não há
psicanálise. Uma aparece na tentativa de encobrir e se defender de lembranças
dolorosas, a outra como a repetição de uma relação objetal passada, e as duas são
fundamentais para a clínica analítica.
Como já mencionado anteriormente, a transferência no trabalho psicológico
com crianças se estabelece de forma múltipla, ou seja, entre o psicólogo e a criança
e também entre o psicólogo e os pais. É apenas desta forma que é possível dar
continuidade no tratamento psicológico e obter resultados.
Quando o laço transferencial entre o psicólogo e os pais não se estabelece
pode ocorrer o abandono do tratamento. Os pais se mostram como portadores de
resistência e, por fim, acabam por interromper o trabalho psicológico sem que ele
tenha realmente chegado ao final.
Como vimos anteriormente, o analisando deposita sobre o analista uma
suposição de saber. No caso do atendimento psicológico de crianças, os pais
30

esperam do profissional da psicologia que ele detenha o saber sobre a criança, que
ele saiba como agir para que a criança obtenha o comportamento que os pais
esperam dela.
Outra possível causa de abandono/interrupção no tratamento psicológico de
crianças estaria do lado do psicólogo; o profissional se colocando como fonte de
resistência. Isso não é difícil de acontecer, pois trabalhar com crianças não é fácil e
nem todos estão preparados para esta prática.
O fato de atender crianças, para muitos profissionais da psicologia, já causa
uma certa resistência, pois não são todos que estão preparados para lidar com as
demandas que este trabalho impõe. Para muitos, trabalhar com crianças implica
reviver fatos da sua própria infância.
Enfim, pode-se afirmar que a presença dos pais durante o tratamento
psicológico de crianças é, sem dúvida, muito importante e, em muitos casos, torna-
se até mesmo essencial. No desdobramento desta escrita também podemos
perceber o quão importante é saber lidar com esta presença, pois, sendo ignorada,
ela pode resultar em uma interrupção ou abandono do tratamento sem que ele
realmente tenha chegado ao seu término. Essa brusca interrupção muitas vezes
pode prejudicar a criança que vinha sendo acompanhada pelo profissional da
psicologia, pois o tratamento, quando interrompido em momento importuno, não traz
melhoras ao paciente. Por isso, a importância de refletirmos sobre a real presença
dos pais durante o acompanhamento psicológico das crianças, percebendo a
posição que eles ocupam para o avanço do tratamento, mas também atentando para
o fato de que estes podem se colocar como portadores de resistência e, com isso,
gerar a interrupção do tratamento.
31

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho trouxe considerações importantes acerca da clínica psicanalítica


infantil; como ela vem se estruturando desde sua origem, quais as suas
características principais, e também, como o terapeuta lida com a real presença dos
pais no seu trabalho. Abordou-se, por intermédio de diferentes teóricos, como a
relação com os pais é pensada durante a análise infantil.
Constatou-se que o assunto em questão já vem sendo estudado há muito
tempo. Iniciou com Freud na análise do pequeno Hans e depois foi ganhando
importância na obra de outros teóricos, como Anna Freud, Melanie Klein, Françoise
Dolto e Maud Mannoni. Todos trouxeram suas considerações em relação à análise
de crianças – se era realmente possível e qual era o lugar dos pais neste trabalho
clínico que, com o tempo, ganhou relevância.
O trabalho também visou a trazer considerações acerca do constante
abandono do tratamento clínico infantil, algo que ocorre muito no ambiente clínico
infantil, e também o lugar dos pais no tratamento, que foi observado durante uma
prática clínica de estágio.
Durante a escrita deste trabalho percebeu-se que a presença dos pais é
fundamental para o avanço do tratamento psicológico infantil, que é essencial que
eles sejam incluídos no processo. Os pais podem proporcionar o suporte necessário
à manutenção do tratamento, bem como contribuir para o entendimento do circulo
familiar que cerca a criança.
Assim como percebemos a importância dos pais para o tratamento infantil,
também ao longo da escrita pode-se perceber que eles também podem ser os
responsáveis para que o tratamento seja interrompido antes que ele tenha chagado
ao seu efetivo final. Os pais podem se colocar como portadores de resistência e com
isso dificultar o processo terapêutico.
Pelo desdobramento da escrita desta pesquisa verificou-se o quanto a clínica
infantil interroga os profissionais que nela se propõem a atuar, pois existem vários
fatores particulares deste trabalho que o analista precisa levar em conta. O mais
importante, diríamos, é a presença dos pais e como lidar com esta presença, já que
o terapeuta deve ter muito cuidado, pois com o tratamento a família pode ficar
vulnerável e perceber os conflitos e, em função disso, aumentam as resistências o
32

que pode vir a ocasionar o abandono/interrupção do tratamento como viemos


abordando.
Na atualidade, o trabalho clínico com crianças vem crescendo muito, e cada vez
mais profissionais são procurados para atender esta demanda. A clínica psicanalítica
com crianças é uma área que interroga muito o profissional que nela atua, pois exige
dele certo manejo com as demandas que lhe chegam e, com certeza, lidar com a
presença dos pais é a mais interrogativa.
33

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