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1Do original: BECK, Humberto. Chapter 4 – Ernst Bloch and the temporality of the Not-Yet. In: The
moment of rupture: historical consciousness in interwar german thought. Philadelphia: University of
Pennsylvania Press, 2019.
2Não considero aqui O Princípio Esperança, que é indiscutivelmente o trabalho mais importante de Bloch.
Embora inclua algumas das ideias mais penetrantes de Bloch sobre a temporalidade do instante, O Princípio
Esperança – escrito entre 1938 e 1948 no exílio nos Estados Unidos e publicado ao longo da década de
1950 na República Democrática Alemã – pertence a uma fase diferente da vida intelectual do filósofo.
para o enquadramento conceitual da experiência histórica e da percepção individual em
termos da temporalidade do súbito.
Michael A. Meyer and Hillel Halkin (New York: Schocken, 1995), 33.
12Jack Zipes, “Introduction: Toward a Realization of Anticipatory Illumination,” in Ernst Bloch, The
Utopian Function of Art and Literature: Selected Essays, trans. Jack Zipes and Frank Mecklenburg
(Cambridge, MA: MIT Press, 1989), xiv.
foi estabelecida através da descoberta de uma analogia – baseada na noção de
instantaneidade – entre as experiências de temporalidade subjetiva e o tempo histórico
coletivo. A tese subjacente em O Espírito de Utopia representa uma versão desta analogia,
pois afirma a existência de uma relação entre temporalidade instantânea e pensamento
utópico. Bloch supõe uma estreita correlação entre a experiência do tempo interno e a
promessa utópica de uma forma superior de existência coletiva; isto é, entre o “encontro
de si” individual na “escuridão do momento vivido”, por um lado, e o “problema do
nós” (a realização externa da utopia), por outro. Para Bloch, essa correlação implica uma
operação em duas etapas, em que a interioridade subjetiva do auto-encontro se expande
em direção ao reino externo da realização utópica, que é o espaço da vida social
coletiva13.
O primeiro passo nesse processo cognitivo e existencial é o que Bloch chamou
de escuridão do momento vivido (das Dunkel des gelebten Augenblicks), significando o
envolvimento subjetivo com a temporalidade instantânea. Ele descreveu o conceito de
forma mais completa na segunda edição do livro em 1923. O instante é para Bloch uma
experiência de "obscuridade", um ponto cego. A escuridão do momento depende de seu
abrupto "escoamento". O momento vivido é o que está muito próximo do sujeito; pode
ser reconhecido “apenas imediatamente depois” – isto é, depois de realmente acontecer.
O que chamamos de momento presente é, então, algo sempre já “passado”, uma vez que
as faculdades perceptivas possam apreendê-lo: “Quando se vive realmente, quando se
apresenta conscientemente nas proximidades de seus momentos? Por mais urgente que
isso possa ser sentido, porém, sempre escapa de novo, a fluidez, a escuridão do
respectivo momento. ”14
Em sua fenomenologia do instante, Bloch enfatiza a proximidade.(11) Assim
como o motivo da escuridão, o recurso à proximidade expõe a conexão de Bloch com o
misticismo. Para Bloch, a própria existência e identidade são formas dessa obscuridade,
uma espécie de “névoa” ontológica. Essa escuridão existencial constitui o ponto de
partida da filosofia: o espaço onde ocorre o auto-encontro. O encontro de si apresenta o
problema filosófico fundamental de conhecer-se a si mesmo, do qual derivam todas as
outras questões filosóficas. Bloch abraça, como Kierkegaard e Jünger fizeram, uma visão
da temporalidade que estabelece uma distinção entre o instante e o presente. O próprio
instante não pode ser experimentado plena e conscientemente; é apenas a “escuridão
cega”, a pura imediatez do eu. O que chamamos de presente é a lembrança mediada de
uma experiência de instantaneidade já desaparecida – a memória do que acabou de
acontecer. Podemos assim afirmar que, no pensamento de Bloch, as trevas ocupam um
lugar análogo ao do terror no vocabulário crítico de Jünger: “Vimos que, só depois que
passa, aquilo que foi vivido pode ser colocado diante de si e organizado espacialmente,
na forma intuída de sua simultaneidade, que diverge do fluxo, por assim dizer: metade
ainda apenas experiencialmente real, e metade já uma justaposição de conteúdo
13 Bloch, Spirit of Utopia, 3.
14 Várias décadas depois, Bloch dedicaria brevemente sua atenção a uma versão da temporalidade
instantânea quase idêntica à noção de terror de Jünger em "Der unerträgliche Augenblick" ("The
Unbearable Moment"), uma peça originalmente publicada em Verfremdungen I (Berlin: Suhrkamp Verlag,
1962) e posteriormente incluída na coleção Literarische Aufsätze; Ernst Bloch, Literarische Aufsätze
(Frankfurt: Suhrkamp, 1965); Ernst, Bloch, Literary Essays, trad. Andrew Joron (Stanford, CA: Stanford
University Press, 1998).
inativo.”15 Nesta passagem, Bloch toma as premissas da fenomenologia de Edmund
Husserl de consciência do tempo interno16 para um nível diferente de significação, no
qual a experiência regular do tempo se revela como a expressão de uma mensagem
mística e utópica.
A noção de Bloch da obscuridade do instante vivido teve uma variedade de
fontes. Em primeiro lugar, pode-se situar o pensamento inicial de Bloch no contexto da
filosofia social alemã do século XX, em particular a de Simmel, que falava sobre a vida
como um "ser sombrio e substancial"17. Essa noção influenciou o desenvolvimento de
Bloch de seu conceito da obscuridade do instante18 . (Também influenciou o jovem
Lukács, que em A alma e as formas afirma que “a vida é uma anarquia de luz e escuridão:
nada se realiza na vida, nada acaba.”19 ) O relato de Friedrich Wilhelm Joseph von
Schelling da consciência como um fenômeno opaco que resulta no ponto cego do
momento fornece outra inspiração 20 . Ainda mais significativa a esse respeito é a
influência de Kierkegaard, de quem Bloch derivou e adaptou a noção do encontro
consigo mesmo como o núcleo da subjetividade onde a utopia se esconde confusamente
na escuridão do momento21. A imagem da escuridão de Bloch, além disso, exibe uma
proveniência cabalística ao apontar para o auto-encontro da identidade de Deus e do eu
em união mística. Para o jovem Bloch, “redenção” significava a irrupção do utópico na
esfera da subjetividade como ato de libertação, análogo à gnose que emancipava a alma
da prisão do corpo22. A esse respeito, o Espírito da Utopia se une à insistência de
Hölderlin de que o “mais próximo” é o “mais distante”, de modo que, em uma reversão
dialética, a proximidade absoluta abre a subjetividade para uma intimação do totalmente
outro (“Perto é / E difícil de compreender, o Deus.”23 ) A escuridão do momento
também é a base para outro aspecto definidor do pensamento de Bloch: a filosofia da
consciência antecipatória e o ainda-não. ” Esperar, esperar e esperar são atos ontológicos
de Bloch, inerentes ao ser, que é aberto e está sempre em busca de completude. Em
contraste com o de Heidegger, o “ser” de Bloch é um processo, uma matéria
intrinsecamente inacabada 24 . Nos momentos privilegiados da arte, da música e da
felicidade, assim como nos “dias de expectativa”, o ainda-não se manifesta como uma
forma de consciência que transgride a fronteira que separa o instante presente do futuro.
Assim, para Bloch, duas operações simultâneas são realizadas naquele intervalo de tempo
15 Bloch, Spirit of Utopia, 199.
16Edmund Husserl, The Phenomenology of Internal Time-Consciousness, trans. James S. Churchill
(Bloomington: University of Indiana Press, 1964).
17Georg Simmel, Rembrandt: An Essay in the Philosophy of Art, trans. Alan Scott and Helmut
Staubmann (New York: Routledge, 1964), 57.
18 Arno Münster, Ernst Bloch: messianisme et utopie (Paris: Presses Universitaires de France, 1989), 99.
19 Georg Lukács, Soul and Form, trans. Anna Bostock (Cambridge, MA: MIT Press, 1971), 152–153.
20Wayne Hudson, “Bloch and the Philosophy of the Proterior,” in The Privatization of Hope: Ernst Bloch
and the Future of Utopia, ed. Peter Thompson and Slavoj Žižek (Durham, NC: Duke University Press,
2013), 26.
21 Arno Münster, Espérance, rêve, utopie dans la pensée d’Ernst Bloch (Paris: L’Harmattan, 2015), 24.
22 Arno Münster, Figures de l’utopie dans la pensée d’Ernst Bloch (Paris: Aubier, 1984), 94, 108.
23 Friedrich Hölderlin, Poems and Fragments, trans. Michael Hamburger (London: Anvil Press Poetry,
1994), 483.
24 Münster, Ernst Bloch: messianisme et utopie, 6–9.
que chamamos de presente: a já mencionada lembrança do momento recém vivido; e
projeção para o futuro desconhecido do ainda-não. Ambas as “obscuridades” (o que está
“muito próximo” da percepção e o que está “por vir”) se fundem na obscuridade do
instante vivido para constituir a “latência do segredo primordial” que se move no agora25.
Uma das principais diferenças entre a segunda edição de 1923 de O Espírito da
Utopia e a primeira edição de 1918 é a postulação de uma ligação entre as duas categorias
de antecipação utópica: a obscuridade do instante vivido e o conhecimento ainda-não-
consciente. A rica plasticidade conceitual do motivo da instantaneidade nos primeiros
trabalhos de Bloch reside, precisamente, nesta identificação de uma via de mão dupla
entre a temporalidade da consciência individual – a obscuridade do instante vivido – e a
da antecipação utópica. A primeira dimensão dessa relação é a percepção de que a utopia
– os sonhos objetivos de um futuro melhor – é intuída pela primeira vez na esfera da
subjetividade individual. Essa percepção determinaria a abordagem geral de Bloch para a
temporalidade e, eventualmente, se ramificaria em outros desenvolvimentos conceituais
significativos.
No relato de Bloch, o futuro enriquece a experiência do tempo no presente26. Sua
visão da temporalidade constitui, portanto, uma espécie de negativo fotográfico da
filosofia hegeliana do devir. O ainda-não é a manifestação da atividade do “nada”, de
algo que ainda não se tornou, mas já existe no aqui e agora como antecipação. A
escuridão do momento vivido transmite a sensação de incompletude que é também "um
pressentimento de nossa liberdade futura, uma interferência inicial do 'Reino'". O ainda-
não, então, inevitavelmente supõe a experiência de um sentimento particular – esperança
– como se fosse parte integrante da própria consciência do agora. No sentimento de
esperança, diz Bloch, a obscuridade do momento presente “ilumina”27, porque nela, por
meio do pressentimento de uma liberdade vindoura, o futuro se torna contemporâneo do
presente.
O conceito de ainda-não acarreta uma imagem do tempo mais complexa do que a
temporalidade linear. Um “instante obscuro” prenhe de possibilidades de um futuro
desconhecido implica uma certa simultaneidade de passado, presente e futuro28, bem
como uma consequente estratificação do agora em várias camadas temporais: o agora do
instante obscuro e não mediado; o presente mediado da reminiscência do momento
recém-vivido; e a premonição de um futuro que não se tornou, mas que de alguma forma
já está aqui em virtude do ainda-não. Essa realidade multifacetada do tempo é
transmitida, por exemplo, no que Bloch chama de não sincronismo histórico da música,
ou seja, a capacidade da música de evocar as características de um mundo futuro que será
"a expressão final do Absoluto"29. Na década de 1930, Bloch desenvolveria a dimensão
social e política da noção de não contemporaneidade e a transformaria no conceito
25 Bloch, Spirit of Utopia, 192.
Fredric Jameson, Marxism and Form: Twentieth-Century Dialectical Theories of Literature (Princeton,
26
Hope: Ernst Bloch and the Future of Utopia, ed. Peter Thompson and Slavoj Žižek (Durham, NC: Duke
University Press, 2013), 82–105.
29 Bloch, Spirit of Utopia, 41, 158.
central de Herança deste tempo, sua análise da natureza histórica da sociedade alemã na
esteira da ascensão do nazismo ao poder.
A segunda dimensão na via de mão dupla que estabelece um vínculo entre o
instante e a utopia é a exploração do problema do Nós, termo de Bloch para a existência
coletiva da comunidade além da realidade subjetiva e individual do auto-encontro.
Conforme discutido anteriormente, os signos da utopia residem no âmago da escuridão
do momento vivido sob a forma do ainda-não. Mas, embora esses sinais sejam primeiro
experimentados individualmente, no reino interior da subjetividade pessoal, eles
inevitavelmente acabam exigindo sua projeção externa e realização no mundo exterior.
Essa compreensão exige a unidade de todas as psiques individuais em uma certa
objetividade comum, que Bloch chama de “mundo da alma” externo30. Portanto, junto
com o problema do Nós, ele aborda a questão significativa da ação política. Em "Karl
Marx, a Morte e o Apocalipse", a seção final do O Espírito da Utopia, Bloch afirma que a
tarefa de qualquer política utópica é conceber um programa político que poderia trazer as
consequências "práticas" da conexão entre as trevas do instante e o problema do Nós de
uma maneira que transforma o “horizonte estrutural da vida cotidiana”. O objetivo final
dessa política é a relocação do insight utópico do “santuário interno para um domínio
mais amplo” - isto é, das visões de auto-encontro para o espaço compartilhado de um
projeto político comum. A criação deste espaço por meio de uma práxis utópica
representaria a conquista da “verdadeira liberdade pessoal”.31
A discussão das implicações políticas do conceito de ainda-não traz à tona a
questão do marxismo de Bloch e em que medida Marx foi uma influência definidora em
O Espírito da Utopia. No final dos anos 1910, Bloch estava politicamente distante do
marxismo ortodoxo. Ele definiu sua própria postura política como "socialista
democrático revolucionário" e criticou as derivações burocráticas e autoritárias do
bolchevismo. Ele se viu próximo às posições do USPD (Unabhängige Sozialdemokratische
Partei Deutschlands), o Partido Social-Democrata Independente da Alemanha, estabelecido
em 1917 como resultado de uma cisão dentro do Partido Social-Democrata Alemão
(SPD) após grupos de esquerda que discordavam da posição do SPD em relação à guerra
formarem sua própria organização32. Não surpreende que essa distância política fosse
também intelectual. Muitas das ideias mais importantes de O Espírito de Utopia, como a
obscuridade do instante e o próprio conceito de utopia, foram formuladas sob a ascensão
de correntes de pensamento diferentes do marxismo, como o romantismo anticapitalista,
o messianismo judaico e, em alguns casos, a combinação de ambos em uma posição
anarquista mística com uma dimensão ética. Como Gustav Landauer, o pensador
anarquista romântico que participou da República Bávara de Conselhos de 1919, o jovem
Bloch esperava o estabelecimento de uma “comunidade democrática mística”. Na versão
de Bloch, as origens desse ideal podem ser rastreadas até a noção cabalística de tikkun
(restauração), que é a convicção de que a chegada do Messias será acompanhada pela
desestruturação total do mundo33. Na época, a utopia significou principalmente para
30 Bloch, 205, 248.
31 Bloch, 236–237.
32 Arno Münster, L’utopie concrète d’Ernst Bloch: une biographie (Paris: Édition Kimé, 2001), 112–113.
33Münster, Figures de l’utopie, 95, 98. A noção mística de restauração também desempenha um papel
fundamental no pensamento histórico tardio de Walter Benjamin.
Bloch a realização de uma “comunidade fraterna de homens e mulheres iguais” que se
organizariam em estruturas cooperativas para escapar das condições alienantes do
capitalismo34.
A adoção de uma postura política marxista por Bloch não se tornaria explícita até
a publicação de Thomas Münzer: teólogo da revolução em 1921 35 . Escrito logo após a
Revolução Russa e a eclosão de eventos revolucionários na Alemanha no período de
1918-1919, Thomas Münzer reflete o reconhecimento de seu autor – sob a influência de
Lukács – de que uma vasta transformação histórica era iminente na Europa e que as
ideias de Lenin e dos bolcheviques tinham mérito36. O livro é um sinal da virada decisiva
de Bloch para as ideias marxistas, especialmente seu alinhamento com as teorias da
alienação e da revolução social; no entanto, também representa uma continuação de seu
interesse por formas utópicas e proto-revolucionárias de fé religiosa37. O resultado é uma
leitura “ateísta religiosa” heterodoxa da emancipação, oposta a interpretações mais
convencionais e economicistas do marxismo38. Bloch percebeu um arquétipo religioso de
postura revolucionária na figura de Thomas Münzer, teólogo do século XVI e líder
insurgente durante a Guerra dos Camponeses da Alemanha, que queria estabelecer uma
sociedade teocrática proto-comunista onde a propriedade privada e a autoridade política
fossem suprimidas. Para ele, os sermões e atividades de agitação política de Münzer
continham as sementes de uma "teologia da revolução" convincente, bem como paralelos
significativos com o marxismo e a situação política contemporânea. Bloch comparou a
Rússia revolucionária com a Alemanha da Guerra dos Camponeses e viu os camponeses
rebeldes liderados por Münzer como os precursores de grupos revolucionários
modernos, como os espartaquistas de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Ao
introduzir uma conexão entre as primeiras utopias cristãs e as revoluções sociais
contemporâneas – em um gesto que antecipa a figura de Eingedenken (ou “lembrança”) de
Walter Benjamin – o livro de Thomas Münzer é a primeira aplicação de Bloch – "ao
contrário", por assim dizer – do princípio do ainda-não à questão do patrimônio
histórico. Essa aplicação envolve uma visão descontínua e não-linear da história que
Bloch manteve ao longo da evolução de seu pensamento filosófico inicial. Para Bloch, a
história não é, em nenhum sentido, identificável com o progresso; é, antes, “uma jornada
difícil e perigosa, um sofrimento, uma peregrinação, um tropeço, em busca da pátria
escondida; cheio de uma confusão trágica, em ebulição, rachado por fissuras, quebras,
promessas isoladas, carregadas descontinuamente com a consciência da luz.”39
34 Münster, L’utopie concrète d’Ernst Bloch, 80.
35Ernst Bloch, Thomas Münzer als Theologe der Revolution (Frankfurt: Suhrkamp, 1969). Sobre o
marxismo de Bloch, ver Wayne Hudson, The Marxist Philosophy of Ernst Bloch (Nova York: St. Martin’s
Press, 1982), 21; Münster, Ernst Bloch: messianisme et utopie, 147.
36Michael Löwy, "Utopie et romantisme révolutionnaire chez Ernst Bloch", De (s) générations 11 (maio
de 2010): 82. Esse entusiasmo revolucionário levou Bloch a ser visto como o "filósofo alemão da
Revolução de Outubro", o que significa que ele era um pensador sobre quem os acontecimentos de 1917
na Rússia deixaram uma marca tão forte que sua vontade filosófica em diante teria sido a de promover os
poderes revolucionários latentes na história e na natureza. Veja Oskar Negt, “Ernst Bloch, o Filósofo
Alemão da Revolução de Outubro,” New German Critique 4 (Winter 1975): 9-10.
37 Münster, L’utopie concrète d’Ernst Bloch, 124.
38 Münster, 80.
39 Bloch, Thomas Münzer als Theologe der Revolution, 19.
Essa abordagem mais próxima das ideias de Marx explica melhor as diferenças
entre as edições de 1918 e 1923 de O Espírito da Utopia. Embora a referência a Marx já
esteja presente em 1918, a edição de 1923 é mais sistemática em sua tentativa de
conseguir uma fusão com o marxismo, talvez como resultado da intenção de Bloch de se
alinhar com posições mais ortodoxas 40 . O resultado final dessa fusão pode
alternadamente ser interpretada como a introdução de uma dimensão revolucionária
marxista na temporalidade do misticismo ou como a inserção de uma fórmula mística na
dialética marxista. Em todo caso, em virtude da síntese blochiana, a filosofia materialista
da história recebeu uma carga utópica originada de fontes religiosas inesperadas41.
Em 1924, um ano após a publicação da segunda edição do livro, Bloch insistiria
na importância fundamental da relação entre as noções de instante e utopia em sua
resenha do livro História e consciência de classe, de Georg Lukács. Ao contrário de Lukács,
que vê atualidade e utopia como opostos, Bloch afirma sua convicção de que “o agora é
afinal o único tema da utopia” e que a utopia é a presença incógnita em toda a atualidade.
O que está oculto e único no agora, continua Bloch, é precisamente a força motriz da
utopia como antecipação42. A contribuição de Bloch para o pensamento utópico reside
nessa ênfase na temporalidade, que mudou o centro de gravidade da utopia do espaço
para o tempo. Seu utopismo deixa de lado a discussão dos relatos abstratos da sociedade
40 Neville Plaice, Stephen Plaice, and Paul Knight, translators’ introduction to
The Principle of Hope, by Ernst Bloch (Cambridge, MA: MIT Press, 1996), xxii.
41 Münster, Figures de l’utopie, 23, 93-94. Talvez esta mistura explosiva de motivos religiosos e
materialistas possa explicar as dificuldades de recepção do marxismo de Bloch no Oriente e no Ocidente
durante a Guerra Fria. Em 1949, após o fim do exílio nos Estados Unidos, Bloch optou por retornar à
República Democrática Alemã (RDA), onde assumiu a cadeira de filosofia na Universidade de Leipzig. O
aparato do Partido da Unidade Socialista da Alemanha (SED) o manteve sob vigilância durante o início dos
anos 1950 e, a partir de 1956, começou um período de grande inquietação para Bloch e sua esposa, Karola,
que culminaria no abandono da RDA em 1961. Os ataques oficiais começaram em 1957, quando o SED
acusou Bloch de representar “princípios não marxistas”. Em abril, uma conferência na própria
Universidade de Leipzig de Bloch denunciou sua tendência "idealista-mística" e os conflitos entre sua
filosofia e o materialismo dialético; “Ernst Bloch — Die Vorlesung fällt aus,” Der Spiegel, 1º de maio de
1957, 57. Nesse mesmo ano, Walter Ulbricht cumpriu sua promessa, relatada por Hans Mayer, de que O
Princípio Esperança deveria se tornar um “livro sem leitores”. A impressão do terceiro volume da obra foi
interrompida e as cópias dos volumes um e dois foram retiradas das livrarias; Hans Mayer, Ein Deutscher
auf Widerruf. Erinnerungen (Frankfurt: Suhrkamp, 1982), 2: 242; “Ernst Bloch — Exkommunisiert,” Der
Spiegel, 17 de agosto de 1960, 54. Durante este período, pessoas próximas de Bloch foram presas. Bloch
era o próximo na lista de detenção, mas Ulbricht cancelou o plano e concedeu-lhe o status de emérito
forçado; Mayer, Ein Deutscher auf Widerruf, 289–290. A filosofia da utopia de Bloch representava uma
ameaça ao estabelecimento da RDA porque as próprias nações socialistas não estavam isentas das críticas
implícitas em sua insistência na distância entre as condições sociais presentes e a conclusão da utopia. Os
alunos de Bloch começaram a usar essa perspectiva para criticar não o mundo capitalista, mas sua própria
realidade socialista; “Bloch — Aus der Neuen Welt,” Der Spiegel, 27 de setembro de 1961, pp. 86–88. No
Ocidente, as visões políticas de Bloch representariam outro obstáculo para a recepção de sua obra. A
combinação de marxismo e religião de Bloch e sua postura comunista reaparecem, por exemplo, na revisão
de Leon Wieseltier da tradução para o inglês de O Princípio Esperança, de 1986. Wieseltier considera a obra
uma "apologia monumental à União Soviética" e "o argumento mais extravagante para o marxismo sempre
se reuniu ”, resultado da“ mistura idiossincrática ”de Bloch de marxismo e misticismo; Leon Wieseltier,
"Under the Spell", resenha de The Principle of Hope, de Ernst Bloch, New York Times, 23 de novembro
de 1986.
42Ernst Bloch, “Aktualität und Utopie,” in Geschichte und Klassenbewusstsein Heute, ed. F. Cerruti, D.
Claussen et al. (Amsterdam: De Munter, 1971), 180, quoted in Anson Rabinbach, “Unclaimed Heritage:
Ernst Bloch’s Heritage of Our Times and the Theory of Fascism,” New German Critique 11 (Spring
1977): 17–18.
ideal e concentra-se, em vez disso, na preocupação com o momento presente como o
lugar onde habita o pressentimento da utopia. Como Traços – seu livro de miniaturas
filosóficas e literárias de 1930 – vai mostrar, na abordagem de Bloch a utopia pode se
manifestar até mesmo como uma experiência no cotidiano43, especialmente naquelas
percepções instantâneas de uma presença escatológica que confirmam, em si, a vinda de
um futuro melhor.
É preciso enfatizar que Bloch, apesar de suas repetidas referências a um “futuro
melhor”, nunca foi um pensador propriamente historicista. Como afirma Klaus
Vondung, em períodos de crise, quando as expectativas são destruídas, a esperança não
vem do futuro, mas sim de “fora da história”44. No caso de Bloch, esse “fora da história”
foi o presente a-histórico do instante, de tal forma que sua ideia idiossincrática do futuro
não foi o resultado de um processo histórico imanente ou desdobramento gradual.
Como todos os momentos estão carregados de potencialidades de utopia, o futuro para
Bloch era, antes, uma possibilidade latente em todo presente instantâneo. Nas palavras
de Rabinbach, “Atualidade e utopia não constituem antinomias porque esta é sempre um
potencial dentro da existência, um desejo já presente que, ao tentar transcender a dada
ordem de coisas, se manifesta recorrentemente.”45 No instantaneísmo, é o presente – não
o futuro (como na maioria das versões do historicismo) nem o passado (como no
tradicionalismo e certas variações do conservadorismo) – que reivindica uma prioridade
temporal, seja ética, histórica ou política. Sentimentos e emoções convencionalmente
associados ao futuro, como esperança e espera, têm significado apenas como forças
dinâmicas no presente. Em fases posteriores de seu desenvolvimento intelectual, Bloch
denominaria esse fenômeno de “utopia concreta”, que Arno Münster define como “uma
práxis fundada na identificação da vontade de homens e mulheres em agirem na
construção de um mundo melhor.”46 No instantaneísmo, essa primazia do presente fugaz
está associada, por sua vez, ao deslocamento histórico da sequência linear de passado,
presente e futuro. O Thomas Münzer de Bloch e a teoria da imagem dialética de
Benjamin mostram que a lógica do conceito de ainda-não é, de fato, reversível. O ainda-
não-consciente pode, paradoxalmente, residir em um evento do passado ainda inacabado.
Essa lógica, portanto, postula uma temporalidade anti-linear pontuada por momentos de
a-historicidade instantânea – momentos em que as promessas ocultas nos fragmentos do
passado são cumpridas no presente.
O utopismo instantâneo de Bloch pertence ao que Rüdiger Graf chamou de
"estruturas temporais de expectativa" da cultura alemã após o fim da Primeira Guerra
Mundial47. Tais estruturas temporais foram fundadas na já mencionada suposição pré-
guerra de que a Alemanha entraria em uma nova era de transformação após a conclusão
do conflito armado. Um dos principais sinais de sua existência foi a estratégia retórica
particular de "localizar o futuro no presente", manifestada não apenas em Bloch, mas
43 Hudson, The Marxist Philosophy of Ernst Bloch, 26–27.
Klaus Vondung, The Apocalypse in Germany, trans. Stephen D. Ricks (Columbia: University of
44
History,” in Culture and Society in the Weimar Republic, ed. Keith Bullivant (Manchester, UK: Manchester
University Press, 1977), 106.
54 Berghahn, “View Through the Red Window,” 203.
Gerhard Richter, Thought-Images: Frankfurt School Writers’ Reflections from Damaged Life (Stanford,
55
65 Bloch, 72, 73, 89, 91.
66Sándor Radnóti, “Lukács and Bloch,” in Lukács Revalued, ed. Agnes Heller (Oxford: Basil Blackwell,
1983), 71.
67 Bloch, Spirit of Utopia, 116.
poesia, mas à prosa filosófica, como na passagem em que descreve o espetáculo
contraditório de um operário comendo lagosta68.
Ao longo da década de 1930, esse engajamento criativo provou ser um gesto
intelectual duradouro, já que a montagem se tornou a peça central de um amplo debate
entre Bloch e Lukács sobre o significado político e cultural da vanguarda. Como será
discutido mais adiante neste capítulo, Bloch apresentou uma defesa veemente da
montagem como a forma de arte que melhor capturou as fraturas na subjetividade e as
experiências históricas deslocadas típicas da modernidade. Para Bloch, a montagem
também tinha a capacidade de gerar uma consciência antecipatória, pois a justaposição de
materiais diferentes criava um espaço para a imaginação da utopia e a integração do
inesperado na obra de arte69.
Em sua discussão sobre a obscuridade do instante vivido, Bloch privilegiou a
proximidade como a característica definidora da instantaneidade, mas em seu tratamento
teórico e uso criativo da montagem ele privilegiou o súbito. Na próxima grande obra de
Bloch da década de 1930, o súbito se tornaria, por sua vez, a estrutura crítica para a
compreensão do presente histórico.
68 Berghahn, “View Through the Red Window,” 202.
Maud Lavin, Cut with the Kitchen Knife: the Weimar Photomontages of Hannah Höch (New Haven,
69
72 Phelan, 100.
73 Ernst Bloch, Heritage of Our Times, trans. Neville and Stephen Plaice (London: Polity Press, 1991), 97.
representação espacial da temporalidade que pode ser rastreada até as primeiras
formulações do jovem Bloch sobre a obscuridade da experiência. Se "o espaço é a forma
de uma coincidência percebida de objetos ou eventos no tempo" 74 , então certa
espacialidade está em ação nos conceitos de simultaneidade de Bloch. Na escuridão do
momento, por exemplo, essa espacialidade explica a “contiguidade” do “ponto cego”
não mediado da experiência instantânea e a consciência real post-facto dessa experiência.
Na caracterização de Bloch da não contemporaneidade, essa mesma "coincidência
espacial", cuja forma gráfica é a justaposição, é a chave para compreender seu momento
histórico75.
Bloch vê a Alemanha como "a clássica terra da não-contemporaneidade" 76
porque, até 1918, o país não havia passado por algo equivalente às revoluções burguesas
na Inglaterra e França. Nas circunstâncias sociopolíticas concretas da Alemanha de
Weimar, essa não-contemporaneidade se expressou em três “tendências” principais que
“se cruzaram no Agora”: a juventude e seu anseio por um líder; o campesinato e seu
enraizamento no solo; e a empobrecida classe média urbana e sua tendência a ser
seduzida por um evangelho baseado no sangue do estado corporativo77. O núcleo da
tendência não contemporânea era o "centro empobrecido", a pequena burguesia que
sofreu as consequências da crise econômica e, para compensar sua perda de status,
adotou uma ideologia de lar, solo e nação, e um apego a crenças supersticiosas, como “o
judeu fantasmagórico e o novo Baldur”78.
Os militantes comunistas ficaram perplexos: por que a classe média, que tinha
sido objetivamente "proletarizada" pela crise econômica, não seguiu o caminho
aparentemente "racional" de ingressar no socialismo e, em vez disso, apoiou um
movimento, o nazismo, que não representava um perigo real para capital? Para Bloch, a
resposta a esta pergunta seria encontrada na capacidade do fascismo de identificar e
explorar os elementos não-contemporâneos da sociedade alemã79. O nazismo inventou
uma ideologia "embriagadora" de "camponeses urbanos" e "saxões sem florestas" que
sucumbiram à "isca de um impulso irracional" – um apelo ao neopaganismo, o arcaico, o
primitivo – compatível com suas próprias características não-sincrônicas80. Essa ideologia
obscureceu as conexões do centro empobrecido com o proletariado, alimentou a falsa
consciência da pequena burguesia e mobilizou contradições não-contemporâneas à
serviço do capitalismo.
No entanto, a instrumentalização (Verwendbarkeit) desses recursos não-síncronos
– e este é um dos principais pontos de Bloch – não era um atributo exclusivo do
fascismo. Na verdade, era um problema de crítica e política marxista também. Os
74 Phelan, “Ernst Bloch’s ‘Golden Twenties,’” 115.
75 Nesse sentido, tanto o tempo apocalíptico de O Espírito da Utopia quanto a teoria da não-
contemporaneidade de Herança deste tempo pertencem ao mesmo projeto de introdução de novas camadas
de temporalidade na dialética hegeliana, seja como projeções vindas do futuro (como na antecipação
utópica) ou de o passado (como nas formas de consciência não-contemporânea).
76 Bloch, Heritage of Our Times, 106.
77 Bloch, 142.
78 Bloch, 102.
79 Bloch, 184–185.
80 Bloch, 78–79.
elementos irracionais que atraíram tanto os grupos não-síncronos continham uma energia
social objetivamente explosiva que não poderia ser simplesmente descartada como
"reacionária". Como Rabinbach observa, Bloch foi um dos poucos observadores que
percebeu que o fascismo "preencheu um vazio no coração da racionalidade iluminista –
um espaço vazio (Hohlraum)."81 O fato do nazismo preencher esse vazio por meio de uma
apropriação dos elementos irracionais, não significa que eles também não pudessem ser
explorados de uma perspectiva progressista. As contradições não-contemporâneas eram
inerentemente ambíguas e, como tais, potencialmente recuperáveis para intenções
revolucionárias. Havia elementos na herança de tempos anteriores – por exemplo, uma
postura anticapitalista poderosa e conceitos como vida, alma, nação e Reich – que
poderiam de fato ser “ocupados” e mobilizados contra as forças da reação. Com o
“gancho dialético” adequado, muitas dessas imagens poderiam ser “ajustadas” de uma
perspectiva socialista. Em seu apelo à apropriação crítica do irracional e aparentemente
reacionário, Bloch estabelece mais uma conexão com seus escritos anteriores, neste caso
a busca feita em Traços, por significados perdidos até mesmo entre o "lixo" que resultou
da desintegração da cultura burguesa.
O conceito de não-contemporaneidade de Bloch foi um programa cultural e
político para o socialismo alemão, tanto quanto foi a postulação de um novo problema
teórico para o marxismo. A pedra angular deste programa político foi o estabelecimento
de uma aliança de grupos sociais liderados pelo proletariado. O proletariado, escreve
Bloch, mantém uma relação privilegiada com o presente. Como classe, ela assume a
contradição verdadeiramente contemporânea com o capitalista de agora, mas também
com o do futuro, pois somente sua ação revolucionária pode ativar as sementes do
futuro adormecidas no agora82. A contrapartida política para o problema teórico da
“multi- dialética em camadas” é o domínio dos elementos não-contemporâneos dos
camponeses e da pequena burguesia pelo proletariado. A solução para este problema
implica uma operação simultânea de crítica cultural e organização política. Essa solução
seria a obtenção de uma distinção entre meros “modos de ser obsoletos” e aquelas
imagens e conceitos históricos que são “não-passados” porque “nunca vieram
totalmente” e são, portanto, “subversivos e utópicos de forma duradoura”83. Em Herança
deste tempo, Bloch identifica uma série de tais imagens e conceitos históricos, que contêm
material revolucionário genuíno, mas que o nacional-socialismo sequestrou e perverteu
em símbolos reacionários. Esse é o caso de duas figuras que estimularam historicamente
a consciência revolucionária no final da Idade Média e no início da Alemanha moderna: o
salvador-libertador e o Terceiro Reich 84 . Esses emblemas de redenção surgiram da
Guerra dos Camponeses Alemães como imagens de emancipação. Bloch havia falado
sobre essa guerra em Thomas Münzer, onde postulou a existência de uma relação
dialética entre passado e futuro em que as promessas não cumpridas do passado
poderiam ser usadas como fontes de energia revolucionária no presente85. A apropriação
indevida das imagens tradicionais da libertação pelo nazismo só puderam acontecer
porque o socialismo alemão já havia negligenciado a herança radical das Guerras dos
81 Rabinbach, “Unclaimed Heritage,” 14.
82 Bloch, Heritage of Our Times, 110.
83 Bloch, 115–116.
84 Bloch, 116–118.
85 Löwy, “Utopie et romantisme révolutionnaire,” 85.
Camponeses, deixando o espaço livre para os nazistas fluírem para essas “regiões
desocupadas, originalmente Münzerianas” da história e da mente86.
Bloch deriva uma visão característica da história da existência dessas contradições
não contemporâneas e de sua mobilização potencial para fins progressistas. Segundo essa
visão, “a história não é uma entidade que avança em uma única linha, na qual o
capitalismo, por exemplo, como etapa final, resolveu todas as anteriores; mas é uma
entidade polirrítmica e multiespacial, com cantos não controlados o suficiente e ainda de
forma alguma revelados e resolvidos.”87 Pode-se notar um paralelo entre a imagem da
história de Bloch – o reconhecimento da persistência do anterior, chamado de formações
históricas no presente – e a imagem de Sigmund Freud da psique como um objeto multi-
nível em que os eventos do passado continuam operando no presente. A verdadeira
afinidade, no entanto, é com as teses de Benjamin sobre a filosofia da história, já que
Bloch compartilha com Benjamin uma visão não linear e anti-histórica do tempo
histórico – em que diferentes épocas coexistem simultaneamente em um presente
complexo e multifacetado, as formações do passado ainda são ativamente vivas, e as
prefigurações do futuro estão intensa, embora confusamente, em ação.
Apesar de todas as suas diferenças políticas, pode-se até encontrar uma certa
semelhança entre a ideia de história de Bloch e a percepção de Jünger de que nas
sociedades industriais modernas os poderes primitivos do destino operam através dos
momentos de perigo trazidos pela tecnologia moderna. Essa abordagem compartilhada é
a intuição de que o progresso não envolve necessariamente um cancelamento do
passado, como em uma evolução irreversível, mas que, ao contrário, representa um
processo incongruente, de modo que às vezes as máquinas e equipamentos mais novos
podem paradoxalmente nos colocar de volta na situação existencial precária do homem
primitivo. Além das divisões políticas, a consciência de crise de Weimar parece implicar
uma consciência de sua própria condição temporal, definida por profundas contradições
históricas. Essa atitude crítica em relação a visões lineares progressivas da história e sua
incapacidade de dar sentido à própria experiência temporal une Bloch, Benjamin e Jünger
(e, com ele, os "revolucionários conservadores"). Para esses autores, o verdadeiro sentido
da temporalidade da Alemanha de Weimar encontrava-se em alguma forma de
simultaneidade: a justaposição de fragmentos originados de períodos de tempo
diferentes, seja a persistência do passado, os novos desenvolvimentos do presente ou as
intuições do futuro. A paisagem clássica para essa imagem da história era a metrópole
moderna, e a metáfora estética de sua lógica interna era a montagem.
A teoria da não-contemporaneidade de Bloch também foi uma resposta a uma
teoria do tempo (a filosofia da história) que abrangia todas as variedades possíveis de
temporalidade histórica: progresso e declínio, continuidade e crise, transição gradual e
nascimento repentino, a permanência da tradição e a irrupção do novo. A interpretação
de Bloch dissocia a experiência do tempo de qualquer modalidade temporal particular
(passado, presente ou futuro) e, de fato, engloba todos eles em uma imagem semelhante
a uma montagem conflitante (mas coerente). Em termos da história da temporalidade
instantânea, a teoria do não-contemporaneidade de Bloch complexifica nossa
compreensão do agora histórico através da compreensão de que aquilo que chamamos de
86 Bloch, Heritage of Our Times, 140.
87 Bloch, 62.
presente é de fato um composto multifacetado de diferentes temporalidades, cuja
característica mais distintiva é a não-simultaneidade temporal em um cenário de
coexistência. Assim como em sua elaboração anterior do presente como a obscuridade
do instante vivido, na não-contemporaneidade o tempo do presente já é sempre uma
temporalidade de atraso e antecipação, a reverberação mediada de uma ocorrência
passada e a intuição de algo que ainda está por vir.
O Debate do Expressionismo
Herança deste tempo foi a resposta de Bloch ao sucesso cultural e político do
nacional-socialismo, mas também foi a declaração contundente de Bloch de sua posição
sobre o significado histórico da arte e literatura de vanguarda como formação cultural.
Vários anos após sua publicação, essa tomada de posição se tornaria a base conceitual
para a intervenção de Bloch em uma das polêmicas estéticas mais significativas do
período entre guerras na Europa: o debate do expressionismo (Expressionismusdebatte).
Embora vários autores tenham participado, a discussão acalorada entre Bloch e Georg
Lukács, seu amigo e colega de anos anteriores, ocupou o centro das atenções88.
Dadas as múltiplas conotações culturais do termo expressionismo e a
importância dos pintores e escritores expressionistas na tradição alemã, a discussão de
Bloch sobre isso em Herança deste tempo e no debate diz respeito a algo mais do que estilo
pictórico ou literário. Bloch usou o termo expressionismo para significar coisas
diferentes. Às vezes, refere-se ao estilo das artes e da literatura dos pintores e autores
tipicamente associados ao movimento expressionista – pintores como August Macke e
Franz Marc e poetas como Gottfried Benn e Georg Heym. Mas às vezes tem um sentido
mais amplo e é intercambiável com a noção de vanguarda em geral, ou enfatiza um
aspecto particular da estética vanguardista, como a montagem e as práticas de
justaposição artística típicas de obras surrealistas e dadaístas. Como disse Adorno, a
concepção de Bloch do expressionismo está relacionada à ampla “ideia de romper a
superfície incrustada da vida”89. O que estava em jogo no debate do expressionismo era
então uma “disputa sobre o significado histórico do modernismo em geral”90, bem como
uma disputa deslocada sobre o fascismo como forma cultural91. O debate implicou em
uma reflexão mais profunda sobre a relação entre arte e política e o lugar da
representação estética no todo social. Assim como aconteceu com as reflexões de
Baudelaire sobre a modernidade um século antes, a polêmica dos anos 1930 sobre o
expressionismo tornou-se uma disputa sobre a natureza do tempo histórico, em geral, e
sobre a natureza da modernidade alemã, em particular. Do ponto de vista das imagens da
temporalidade, o debate foi também uma discussão sobre o significado da
88Alguns dos outros autores que participaram do debate foram: Klaus Mann, Franz Leschnitzer, Herwarth
Walden, Klaus Berger, Kurt Kersten, Gustav Wangenheim, Béla Balázs, Peter Fischer e Hanns Eisler. Ver
Hans-Jürgen Schmitt, ed., Die Expressionismusdebatte: Materialen zu einer marxistischen
Realismuskonzeption (Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 1973).
89 See Adorno, “Bloch’s ‘Traces,’” 51.
90Rodney Livingstone, Perry Anderson, and Francis Mulhern, “Presentation I,” in Aesthetics and Politics,
eds. Theodor Adorno, Walter Benjamin, Ernst Bloch, Bertolt Brecht, and Georg Lukács, (London: Verso,
2007), 5.
91 Rabinbach, “Unclaimed Heritage,” 15.
instantaneidade como marco conceitual para a teorização da mediação social e cultural.
Contra a celebração de Lukács do tempo uniforme de continuidade em um todo social
coerente, a posição de Bloch foi a defesa apaixonada da temporalidade de vanguarda da
ruptura repentina como o repositório privilegiado de valor estético e conteúdo histórico.
O debate do expressionismo foi a manifestação de uma discussão muito mais
ampla sobre o papel do estilo artístico no socialismo. Na União Soviética, o debate
encontrou um análogo dramático na campanha anti-formalista de 1936–1939, lançada em
meio aos julgamentos espetaculares e à repressão política intensificada pelo Grande
Expurgo stalinista. Seguiu-se uma onda de detenções que prenderam vários artistas e
escritores, incluindo o alemão Ernst Ottwalt, autor de romances experimentais que havia
sido condenado em 1932 pelo próprio Lukács por sua “fetichização” dos fatos. O jornal
oficial do Partido, Pravda, publicou repetidos ataques a obras que apresentassem qualquer
associação com uma estética de vanguarda, mais notavelmente a ópera de Dmitri
Shostakovich, “A Senhora Macbeth de Mtsensk”. Como Katerina Clark apontou, a
campanha contra o formalismo fazia parte, junto com os expurgos políticos e o
nascimento do stakhanovismo como modelo de eficiência no trabalho, de uma mudança
mais ampla nas "estratégias retóricas" da cultura soviética92. Embora seja um assunto
soviético, a campanha anti-formalista teve importantes repercussões internacionais no
debate cultural sobre o socialismo e a vanguarda.
Como Peter Zudeick apontou, a postura de Bloch no debate do expressionismo
foi representativa de sua principal contradição política na década de 1930. Enquanto em
seus escritos sobre arte e estética Bloch adotou uma postura anti-stalinista ferrenha
contra as teses culturais do comunismo oficial, em seu trabalho jornalístico da época ele
apresentou uma defesa entusiástica do stalinismo como uma perspectiva política geral93.
Embora Bloch nunca tenha se tornado um membro oficial do Partido Comunista
Alemão, na década de 1930 ele havia se aproximado politicamente da linha pró-soviética
do partido. Em 1917, Bloch ainda acreditava que uma “verdadeira” revolução se
originaria no Ocidente, mas no final dos anos 1930, após a derrota da esquerda ocidental
pelo fascismo, ele desistiu de todas as expectativas sobre essa possibilidade e se
convenceu de que, em um futuro previsível, a União Soviética permaneceria o único
ponto de referência no processo revolucionário internacional. Incompatível com seu
próprio marxismo humanista e não-dogmático, a posição stalinista de Bloch só faz
sentido em termos geopolíticos estratégicos. Ele parecia acreditar que criticar a União
Soviética enfraqueceria a pátria do comunismo e sua resistência contra o fascismo94.
Consequentemente, em seus artigos do período – publicados na revista antifascista Die
Neue Weltbühne95 – Bloch se recusa a admitir o estado real da União Soviética na época
Katerina Clark, Moscow, the Fourth Rome: Stalinism, Cosmopolitanism, and the Evolution of Soviet
92
Culture, 1931–1941 (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2011), 72, 211.
9393. Zudeick, Der Hintern des Teufels, 153. Bloch, no entanto, provavelmente não estava convencido da
veracidade dos julgamentos. Sua esposa, Karola, mencionou a consternação particular de Bloch diante da
defesa do Partido Comunista dos julgamentos e suas tentativas ansiosas de encontrar um significado neles.
Mesmo assim, Bloch os apoiou para manter a esperança na União Soviética como a “pátria
revolucionária”; Zudeick, Der Hintern des Teufels, 155.
94 Münster, L’utopie concrète d’Ernst Bloch, 200.
95Collected in Ernst Bloch, Vom Hasard zur Katastrophe: Politische Aufsätze 1934–1939 (Frankfurt:
Suhrkamp Verlag, 1972).
dos expurgos stalinistas e, em vez disso, apoia a tese oficial de uma aliança hitleriana-
trotskista usada para condenar e perseguir a oposição96. O próprio Bloch invocaria mais
tarde um encontro amargo com Adorno em Nova York, após este ter lido seu livro
“Stalin ensaios”97. Nestes textos, Bloch celebra Stalin como um líder revolucionário98 e
apoia ativamente os Julgamentos de Moscou de 1936 a 1937 como uma forma legítima
de defesa do estado soviético contra os inimigos internos, que supostamente queriam
implantar “o fascismo alemão em Moscou.”99 Mas o compromisso stalinista de Bloch no
final dos anos 1930 era notavelmente inconsistente com a importância dada ao motivo da
temporalidade instantânea em suas obras do período. O stalinismo representa uma
postura histórica drasticamente oposta ao instantaneísmo; afinal, era uma forma radical
de historicismo expresso na crença de que o momento presente não possui nenhum
significado próprio, mas está inteiramente subordinado a um objetivo abstrato residente
em um futuro comunista desconhecido.
O núcleo da visão de Bloch com respeito ao expressionismo já havia sido
exposto em "Poesia e espaço vazio", um ensaio de 1931 no qual Bloch argumenta que a
reflexão sobre os artefatos culturais contemporâneos teve que reconhecer que a
desintegração da cultura burguesa gerou um mundo de fragmentos e justaposições
inesperadas: “Que curioso é este mundo: a decadência burguesa não só rompeu a
superfície contextual com uma rede de fissuras, mas às vezes parece que, por meio dessas
mesmas rupturas no que fora até agora a superfície cotidiana das coisas, pode-se
vislumbrar a união (como se em casamento) dos mais separados, e o distanciamento
(demoníaco ou utópico) dos mais familiares.” 100 Bloch clama pela criação de uma“
vanguarda dialética ”que seria apropriada a “refundar” esses fragmentos, subvertendo
tanto obras-primas clássicas quanto produtos da cultura popular, como romances
populares e contos de fadas. Este esforço rebelde de reutilização, ao trabalhar no “espaço
vazio” de um mundo desencantado, pode desencadear energias utópicas e antecipar o
“sonho do atual”, ou seja, as tendências utópicas ocultas do presente. Bloch, portanto,
apresenta a estrutura da temporalidade instantânea – com sua rejeição da transição
harmoniosa em favor do conflito e do choque – como definindo a estrutura da operação
estética central da época.
Em 1934, Lukács publicou seu ensaio “Expressionismo: significado e declínio”
no jornal Internationale Literatur, com sede em Moscou. No ensaio, Lukács apresenta o
expressionismo como uma tendência irracionalista típica da decadente cultura burguesa –
uma mera manifestação de declínio. O expressionismo, escreve ele, usa palavras apenas
com um propósito “expressivo” em mente, deixando de lado sua função “referencial”
fundamental. Esse movimento apresenta, então, um puro subjetivismo que beira o
solipsismo, uma “fuga mental da realidade” que é cúmplice de uma desconexão entre a
ideologia e a realidade101. Portanto, o expressionismo não apenas impede a compreensão
96 Münster, L’utopie concrète d’Ernst Bloch, 200.
97 Zudeick, Der Hintern des Teufels, 153, 169.
98 Ver Ernst Bloch, “Originalgeschichte des Dritten Reichs,” in Vom Hasard zur Katastrophe, 291–317.
99 Ver Ernst Bloch, “Kritik einer Prozesskritik,” in Vom Hasard zur Katastrophe, 175–183.
100 Ernst Bloch, Literary Essays, trans. Andrew Joron (Stanford, CA: Stanford University Press, 1998), 105.
101Georg Lukács, “Expressionism: Its Significance and Decline,” in Essays on Realism, ed. Rodney
Livingstone, trans. David Fernbach (London: Lawrence and Wishart, 1980), 89, 109.
do todo social como uma totalidade coerente – um requisito para uma crítica adequada e
transformação revolucionária –, mas também alimenta as tendências irracionalistas que
resultaram na formação cultural do fascismo102.
“Marxismo e Poesia”, a intervenção de Bloch no Congresso Internacional de
Escritores para a Defesa da Cultura em Paris, em 1935, foi uma reação preliminar a
algumas das ideias expressas no ensaio de Lukács sobre o expressionismo. Em seu
discurso, Bloch contesta a suposta afinidade da postura realista conservadora com a
postura estética “oficial” do marxismo, porque, de uma perspectiva marxista, a realidade
é de fato coerente, mas apenas como “interrupção mediada”. Uma abordagem
verdadeiramente marxista-dialética reconheceria a natureza processual do mundo e o fato
de que a realidade é "ainda aberta [e], portanto, objetivamente fragmentária". Essa
compreensão mediada levaria necessariamente à verdade histórica da montagem como a
forma mais precisa de representar a condição deslocada do mundo social103.
A tentativa de Bloch de reconciliar o marxismo com a interrupção é uma
reminiscência da estética do fragmentário presente na fase inicial do romantismo alemão.
Como Friedrich Schlegel fez um século antes, Bloch identifica uma conexão entre a
natureza processual e aberta da realidade com a produção constante de fragmentos
deslocados, que criam, por sua vez, as ocasiões para experiências de instantaneidade. A
história é, por isso, sempre inacabada, “incompleta”, composta inteiramente por
fragmentos que procuram sua significação no encontro repentino com outros
fragmentos. A filosofia da história de Benjamin é outra versão desse uso teórico da
estética do fragmentário. Nessa perspectiva, o tempo histórico “autêntico” se forma
apenas no momento da súbita justaposição de um fragmento do presente com um
fragmento do passado. A proposição geral das visões de descontinuidade de Bloch e
Benjamin seria então que a instantaneidade e a ideia de história como um processo estão
inter-relacionadas.
A questão da natureza do todo social – ou, na terminologia de Lukács, a
totalidade – se tornaria um aspecto principal da discrepância entre Bloch e Lukács sobre
o significado histórico do expressionismo. A discrepância pode ser rastreada já em 1924,
quando Bloch publicou sua resenha de História e consciência de classe, de Lukács. Na
resenha, Bloch já havia afirmado sua interpretação da totalidade como uma realidade
essencialmente inacabada e aberta104. A disputa pela vanguarda acrescentou uma nova
camada ao desacordo: o problema da “tradição cultural” no fenômeno do fascismo .
Segundo Bloch, a percepção da realidade social como um todo coerente evitava o
importante fato de que a “herança cultural” era o resultado de uma dialética complexa de
todos os tipos de materiais, mesmo aqueles originados de períodos de declínio105.
102Deve-se notar que o expressionismo foi um movimento politicamente ambivalente. Havia escritores
expressionistas com simpatias nazistas (como Gottfried Benn) e até nazistas com simpatias expressionistas
(como Goebbels); ao mesmo tempo, as obras de arte expressionistas foram o principal alvo da exposição
nazista de Arte Degenerada, de 1937.
103 Bloch, Utopian Function of Art and Literature, 160.
Martin Jay, Marxism and Totality: The Adventures of a Concept from Lukács to Habermas (Berkeley:
104
Essa percepção deslocada sempre esteve lá, na natureza das coisas, mas a poesia e
a arte de vanguarda a intuíram e as transformações sociais da modernidade agora a
116 Bloch, Traces, 129.
117 Bloch, 130.
iluminaram: “Esse estilhaçamento nas coisas está certa e objetivamente ali, mesmo que o
sentido mais ou menos preciso para isso tenha despertado só agora, provocado pelo
terremoto social. Como dissemos, artistas e poetas foram os primeiros a registrar
conexões diretas entre coisas tão distantes.”118 É significativo que este período da obra de
Bloch tenha começado e terminado com uma identificação do papel da instantaneidade
nos padrões de percepção humana. Da "obscuridade do instante vivido" em O Espírito da
Utopia à experiência tipo montagem aludida ao longo do debate sobre o expressionismo,
Bloch apresenta as características do instante, seja sua proximidade ou sua rapidez, como
essenciais para a descrição precisa da consciência humana na modernidade.
118 Bloch, 130.
não realizados, possibilidades perdidas, esperanças abortadas – que podem ser
ressuscitadas, vivificadas e realizadas em nossa corrente situação”119.
Acima de tudo, as repercussões do estabelecimento fundacional de Bloch de uma
conexão entre o momento vivido e a utopia se manifestariam em uma visão distinta da
história. Mark Lilla apontou que existe uma certa crítica da modernidade que acredita na
superação do Iluminismo por meio de um “salto para fora da história”120. O aspecto
original da visão de Bloch é que, por meio de gestos utópicos de antecipação e esperança,
ele faz desse salto para fora da história uma parte fundamental da própria história. Ao
conceber uma fórmula para a expressão das expectativas messiânicas, Bloch transformou
o salto em um aspecto constitutivo da consciência histórica em geral. Para Bloch, o
padrão temporal de cada instante replica a estrutura mais ampla da história e contém em
sua realidade o desenvolvimento histórico completo de uma expectativa utópica. Como
nos escritos de Jünger sobre o terror, a estrutura temporal do presente na filosofia da
utopia de Bloch é uma questão historicamente informada. Mas enquanto a temporalidade
do terror de Jünger depende da prevalência moderna do perigo em uma sociedade
totalmente mobilizada, a abordagem de Bloch à percepção temporal mobiliza a esperança
revolucionária como uma das preocupações de sua época.
A abordagem de Bloch da temporalidade instantânea representa, por todas as
razões acima, uma tentativa de reconhecer alguns dos problemas filosóficos colocados
pela modernidade do início do século XX na Europa. O pensamento de Bloch situa o
“momento presente” de Baudelaire – a identificação do poeta francês do presente como
uma condição histórico-ontológica – no cerne do esforço filosófico, pois no pensamento
blochiano a questão do agora torna-se, em certo sentido, idêntica à questão do próprio
ser. A filosofia de Bloch, portanto, se apresenta como uma espécie de pensamento pós-
baudelairiano em que a transitoriedade – ou, nos termos de Bloch, a incompletude
temporal implícita pelo ainda-não – é postulada como uma forma específica de relação
com a temporalidade histórica. Essa lógica da modernidade – o aparecimento incessante
do novo – traz consigo os traços de uma revelação da ontologia – o modo de ser – da
realidade como tal.
Dar sentido à temporalidade blochiana do novo equivale, então, a observar a
estrutura essencialmente inacabada da realidade. Cada aspecto do mundo social e
histórico está “em processo” e sofre a marca do ainda-não. Todo ser é, em certo sentido,
um fragmento e, portanto, envolve um conteúdo utópico – isto é, a promessa de sua
realização completa no futuro. E se a realidade é fragmentária, então todos os esforços
de cognição e atos de percepção são, de certa forma, montagem. Daí que a maior
realização de Bloch foi ter formulado essa compreensão da historicidade a partir de sua
elaboração intelectual da série de eventos turbulentos que ocorreram na Alemanha entre
o fim de uma guerra mundial e o início de uma segunda. A configuração particular de
Bloch do tempo e da percepção modernos continua sendo uma das realizações mais
originais da era – uma expressão duradoura de Weimar, não apenas como um período de
tempo, mas também como um estilo original de pensamento e crítica.
Douglas Kellner and Harry O’Hara, “Utopia and Marxism in Ernst Bloch,” New German Critique 9
119