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Sumários Desenvolvidos

Direito Económico D
O ESTADO COMO REGULADOR DA ECONOMIA
A regulação pública da economia: noção
A regulação pública da economia consiste no conjunto de medidas legislativas,
administrativas e convencionadas através das quais o Estado, por si ou por delegação,
determina, controla, ou influencia o comportamento de agentes económicos, tendo em
vista evitar efeitos desses comportamentos que sejam lesivos de interesses
socialmente
legítimos e orientá-los em direcções socialmente desejáveis.
O conceito de regulação aqui adoptado é, portanto, menos amplo do que o de
intervenção pública na economia, visto que exclui a actividade directa do Estado como
produtor de bens ou de serviços.
Na sua essência, o conceito de regulação pública económica implica a alteração dos
comportamentos dos agentes económicos (produtores, distribuidores) em relação ao
que
seriam se esses comportamentos obedecessem apenas às leis de mercado ou a
formas de
auto-regulação
O facto de os principais destinatários da regulação pública serem agentes económicos
privados não significa que o sector empresarial do Estado não seja também por ela
abrangido. Assim acontece, por exemplo, em matéria de concorrência, cujas regras se
aplicam a todos os agentes económicos independentemente da sua natureza pública,
privada ou outra.
2. Âmbito da regulação
A regulação pode ter diferentes amplitudes de um ponto de vista territorial ou material.
a) De um ponto de vista territorial ou geográfico, o seu âmbito pode ser mundial,
regional, nacional ou local.
Em Portugal, por exemplo, o sector têxtil pode ser simultaneamente regulado por
normas de vocação mundial - como as provenientes do GATT/OMC - regional - como
as que têm origem na CE - nacional - em geral, todo o direito económico proveniente
de
órgãos de competência nacional que lhe seja aplicável - ou local - como foi o caso do
programa especial de apoio à região do Vale do Ave.
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Uma das características mais marcantes da regulação pública económica é
precisamente
a imbricação, hierarquização e dependência entre os vários níveis de regulação: do
local, para o nacional, deste para o regional e daí para o global ou mundial.
Voltando ao nosso exemplo, os apoios a uma empresa têxtil dependem da sua
inserção
local (nível de emprego, existência ou não de concorrentes próximos) e das medidas
concebidas para serem aplicadas a esse nível (planos de desenvolvimento munici-pal),
dos planos nacionais de apoio ao sector ou à indústria em geral, eles mesmos
definidos
a nível comunitário de acordo com a respectiva política sectorial e/ou industrial e de
concorrência, a qual por sua vez, nas suas grandes linhas, é negociada à luz do GATT.
A distribuição de competências reguladoras entre os vários níveis territoriais suscita,
naturalmente, problemas de diversa ordem, entre os quais se coloca o da eficiência.
A este propósito, tem-se afirmado o princípio da subsidiariedade segundo o qual os
patamares superiores de regulação só devem ser accionados quando os patamares
mais
descentralizados (e portanto mais próximos do destinatário último da regulação) não
tenham capacidade para atingir uma solução satisfatória.
b) De um ponto de vista material, a regulação pública ora se dirige ao conjunto de uma
economia (ou de várias economias), como acontece com o plano e com as normas de
protecção da concorrência, de defesa do consumidor ou do ambiente; ora se aplica
apenas a um sector (os transportes, as telecomunicações, o sector têxtil, etc.), a um
tipo
de empresas (pequenas e médias empresas), ou a uma actividade (exportadora,
agrícola,
etc.).
Tipos de regulação
Em função dos seus objectivos, as medidas de regulação pública podem ser agrupadas
em duas categorias básicas:
a) A primeira compreende as que visam restringir a liberdade de iniciativa económica,
em qualquer das suas componentes: acesso, organização ou exercício da actividade
económica.
Esta forma de regulação corresponde à que é tradicionalmente designada por polícia
económica. Ela exprime-se tipicamente em medidas de carácter preventivo e
repressivo.
No primeiro caso, trata-se, por exemplo, de proibir ou condicionar o exercício de certas
actividades económicas ou de verificar o preenchimento de requisitos para o seu
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exercício e assegurar que os estabelecimentos comerciais ou as instalações industriais
respeitem as condições legalmente definidas para a sua localização e funcionamento.
No
segundo caso, tem-se em vista a repressão de práticas ilícitas, que como tal estão
tipificadas na lei. Em qualquer dos casos, esta regulação traduz-se em deveres para os
seus destinatários.
O regime de acesso e licenciamento de uma actividade económica bem como do seu
exercício, particularmente em matéria de concorrência e de preços, cabem, pois, dentro
deste tipo de regulação económica.
b) A segunda categoria compreende as medidas que contêm indicações, incentivos,
apoios ou auxílios aos agentes económicos para que assumam determinados
comportamentos favoráveis ao desenvolvimento de políticas públicas, designadamente
económicas ou sociais.
Procedimentos da regulação
Procedimentos unilaterais
No quadro da sua acção reguladora, a Administração recorre a medidas imperativas,
de
natureza legislativa e/ou administrativa, de âmbito geral ou individual, limitando por
esse meio a liberdade dos agentes económicos ou proporcionando-lhes determinadas
vantagens condicionadas à assumpção de determinados comportamentos.
A lei define o enquadramento geral que a Administração se encarrega de aplicar
através
de actos administrativos de carácter preventivo (licenças ou autorizações), repressivos
(aplicação de sanções de natureza civil, administrativa ou penal) acompanhados dos
respectivos actos de controlo (inspecções, etc.).
A lei cria igualmente incentivos às empresas ou programas de apoio de que os agentes
económicos beneficiam desde que preencham as condições nela definidas ou de
acordo
com os critérios de apreciação da Administração, quando a lei lhe confere o poder
discricionário para proceder a esse julgamento.
O próprio plano económico e social, embora negociado nos momentos da sua
elaboração e execução, é, na sua origem, um procedimento unilateral de orientação e
enquadramento.
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Procedimentos negociados
A Administração pública tem vindo a «privatizar» os seus instrumentos de regulação
económica complementando ou substituindo os actos administrativos unilaterais por
acordos de incitação ou de colaboração com os destinatários da regulação.
Este tipo de procedimentos é susceptível de ser aplicado independentemente dos
objectivos da regulação, sejam eles basicamente restritivos ou incentivadores ou
procurem atingir os dois objectivos em simultâneo, como acontece, por exemplo, num
contrato-programa em matéria ambiental.
Os procedimentos negociados mais típicos são os contratos económicos e os acordos
de
concertação.
Os contratos económicos
a) Noção
Os contratos económicos constituem um meio de o Estado pôr em prática as suas
políticas económicas, tendo em vista assegurar a coerência dos comportamentos das
empresas com aquelas políticas. Trata-se, segundo J. SÉRVULO CORREIA, de
contratos de atribuição, que têm por causa-função atribuir uma certa vantagem ao co-
contratante da Administração, celebrados com fins de intervenção económica..
Modalidades de contratos económicos
Os contratos-programa
Um exemplo de contratos económicos utilizados entre nós é os contratos-programa.
Trata-se de contratos realizados entre a Administração Pública e as autarquias, as
empresas privadas, cooperativas ou mesmo públicas, cujo objectivo principal é
tradicional-mente o de permitir a execução do plano.
Distinguem-se, teoricamente, das restantes espécies de contratos económicos porque
deverão conter um programa, amplo e escalonado no tempo, de actividades e acções a
desenvolver e de resultados a obter pela empresa ou empresas contratantes e não
simplesmente um conjunto de acções ou projectos ou uma só acção ou projecto.
Tais programas pressupõem uma negociação entre as partes visando a definição de
compromissos adaptados à situação concreta.
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Os contratos-programa enquanto tais, ou seja, como forma de execução do plano
anual,
não obedecem, entre nós, a um regime específico definido na lei. Contudo, alguns dos
contratos económicos regulamentados no direito português configuram exemplos de
contratos-programa de âmbito sectorial ou plurisectorial.
É o que acontece, por exemplo, nos contratos realizados no âmbito da cooperação
técnica e financeira entre a Administração central, um ou mais municípios e empresas
concessionárias para a execução de um projecto ou de um conjunto de projectos de
inves-timentos em matéria de saneamento básico, ambiente, infra estruturas de
transportes e comunicações, educação, etc..
A iniciativa da sua realização pode partir dos municípios ou dos departamentos
responsáveis da Administração, no caso de se tratar programas de âmbito sectorial, ou
das CCR, se se tratar de contratos-programa plurissectoriais sectoriais.
Admite-se também a realização de simples acordos de colaboração entre um município
e um departamento da Administração central para a realização de empreendimentos
cuja
duração e complexidade não justifiquem o recurso ao procedimento contratual anterior.
Configuram também uma variante de contrato-programa os contratos de
desenvolvimento, o mesmo acontecendo com os contratos de investimento estrangeiro
ou de investimentos em projectos estruturantes.
Os contratos de desenvolvimento em geral
Os contratos de desenvolvimento são os acordos realizados entre o Estado e uma ou
mais empresas, mediante os quais aquele se compromete a fornecer estímulos e
auxílios
de vária ordem, tendo como contrapartida por parte das empresas iniciativas de
organização e de investimento que se enquadrem nas linhas da política de
desenvolvimento nacional ou regional definidas para o domínio específico de actividade
a que respeitem.
Em Portugal, o DL n.° 718/74, de 17 de Dezembro, estabeleceu o regime geral destes
contratos. Dando execução ao regime geral, foram adoptados dois regimes especiais
para os contratos de desenvolvimento para a exportação (DL n.° 288/76, de 22 de
Abril) e para os contratos de desenvolvimento para a habitação (DL n.° 344/79, de 28
de Agosto).
O regime dos contratos de desenvolvimento para a exportação foi, porém, revogado
em
1988.
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Contudo, no âmbito de programas de apoio à internacionalização das empresas
portuguesas, o ICEP recorre igualmente a instrumentos contratuais, sem designação
específica, para a concessão dos apoios financeiros. Estes contratos têm como partes
o
ICEP e a empresa destinatária do apoio, podendo ainda integrar outras instituições que
co-financiem o projecto.
Em matéria de habitação, foi adoptado, em 1989, um regime contratual (contratos de
desenvolvimento da habitação), que viria a ser revogado pelo DL n.° 165/93, de 7 de
Maio.
O seu principal objectivo era, para além do apoio à indústria da construção civil, o de
aumentar a oferta de habitação a preços sujeitos a controlo, traduzindo-se as
contrapartidas estatais em financiamentos amortizáveis em benefícios fiscais.
Os contratos fiscais
Importância crescente têm assumido entre nós os contratos fiscais, pese embora a
controvérsia sobre a sua constitucionalidade.
O que eles têm de específico é a natureza das contrapartidas pelo lado do Estado, que
consistem numa vantagem fiscal concedida a troco de um projecto de investimento
considerado interessante na perspectiva do interesse público.
O Estatuto dos Benefícios Fiscais possibilita a realização de tipos diversos de contratos
fiscais.
A concertação económica e social
a) Noção
Sobressai, hoje, em diferentes administrações económicas europeias, um outro
procedimento de regulação negociada: é a concertação económica e social.
Em sentido amplo, a concertação designa um processo, institucionalizado ou não, de
definição (e/ou execução) de orientações de medidas de política económica e social
mediante a negociação entre o Estado (nos diversos níveis) e os representantes dos
interesses afectados pelas medidas de regulação.
As organizações patronais e sindicais constituem os parceiros típicos dos acordos de
concertação mas outros interesses organizados, como os dos consumidores podem ser
parceiros de entidades públicas nestes acordos.
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A concertação pode ter por âmbito políticas globais (controlo da inflação), sectoriais
(reestruturação de um sector em crise, aplicação de um programa ambiental, regulação
de um mercado específico ou de uma actividade económica determinada), ou mesmo
limitar-se apenas a uma empresa. Para além das políticas económicas (em sentido
amplo, incluindo o ambiente e o consumo), a concertação estende-se também às
políticas sociais.
Modalidades de concertação económica e social
Uma das formas mais relevantes de concertação social é a que concretiza na
elaboração
de pactos ou acordos de âmbito nacional.
Trata-se de pactos tripartidos (governo, organizações patronais sindicais), de natureza
política, não directamente vinculativos, mas que oferecem o quadro de futuras
disposições normativas e também de contratos colectivos de trabalho.
Esta forma de concertação envolve não apenas o domínio social mas também o
económico, na medida em que serve de instrumento para atingir objectivos de política
económica.
Em Portugal, a concertação tende a ser permanente e institucionalizada.
Em 1974 foi criado o Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS) que foi
extinto com a entrada em funções do CES, criado pela segunda revisão constitucional.
Sendo o CES o único órgão de concertação constitucionalmente previsto, podem criar-
se outras estruturas que permitam estabelecer acordos de concertação económica ou
social a nível sectorial, regional ou local.
É o caso do Conselho criado na Região Autónoma da Madeira. Nada impede também,
naturalmente, que a Administração Pública utilize pontualmente os métodos típicos de
concertação em diversos aspectos da política económica e social, sem que para isso
tenha de criar um novo órgão.
As principais áreas da regulação pública económica
As principais áreas da regulação pública económica têm variado ao longo deste século
por razões que se prendem quer com o desenvolvimento tecnológico, quer com os
fenómenos da internacionalização e globalização da economia, quer mais
recentemente,
com as políticas desreguladoras e de privatização.
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Não obstante as variações sucessivas e a dificuldade de traçar fronteiras precisas entre
as diferentes áreas de regulação pública da economia, podemos destacar sete áreas
principais que adiante serão analisadas, tendo em conta a experiência portuguesa:
- Planeamento e formas de orientação e auxílio aos agentes económicos;
- Restrições e condicionamentos ao acesso à actividade eco nómica;
- Concorrência e preços;
- Actividade monetária e financeira;
- Ambiente;
- Qualidade e protecção dos consumidores;
- Informação.
Como se assinalou mais acima, em qualquer destas áreas cruzam-se muitas vezes os
objectivos de polícia ou de restrição da liberdade dos agentes económicos com os de
promoção ou apoio à sua actividade, mas o peso relativo de cada um deles é muito
variável.
I. O planeamento e as medidas de estímulo ou fomento
Noção
O plano é um acto jurídico, aprovado por órgãos ou autoridades públicas, que «define e
hierarquiza objectivos a prosseguir no domínio económico-social durante um
determinado período de tempo, estabelece as acções destinadas a prossegui-los e
pode
definir os mecanismos necessários à sua implementação».
A elaboração do plano assenta num conjunto de instrumentos técnicos (diagnóstico de
situação, técnicas de previsão macroeconómicas) e de decisões políticas (definição de
objectivos). A sua execução pressupõe a coordenação de acções entre vários agentes
estaduais (da Administração central ou regional) e não estaduais.
O plano, embora seja um instrumento, global ou sectorial, de política socioeconómica
do Estado, não implica deveres de comportamento para as empresas privadas.
Permite, sim, que os agentes económicos passem a dispor de um horizonte
relativamente claro sobre as intenções do Estado, antecipando cenários e consolidando
expectativas e só nessa medida é de molde a facilitar ou influenciar a respectiva
tomada
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de decisões. Nesta perspectiva, o plano é em larga medida «uma aplicação sofisticada
dos meios de informação e de comunicação».
As medidas de estímulo (fomento)
Tipos
As medidas de estímulo consistem basicamente em prestações da Administração
Pública a favor de actividades de interesse geral desempenhadas por agentes
económicos que lhe são estranhos.
Visam «criar estímulos à prática de certos actos ou ao desenvolvimento de uma dada
actividade no quadro de um conjunto de objectivos definidos pela administração,
normalmente constantes de um plano. As empresas, em consequência de condições
particulares que lhes são próprias ou do exercício da sua actividade em conformidade
com os ditames da política económica, colocam-se em condições de receberem
determinadas vantagens em relação ao regime comum».
Em função do seu conteúdo assumem diferentes formas tais como as ajudas
financeiras,
os benefícios fiscais, a assistência técnica ou mesmo, em determinadas circunstâncias,
a
participação pública no capital das empresas.
De acordo com E. PAZ FERREIRA as ajudas financeiras «podem ser agrupadas em
três grandes tipos:
- entregas directas de verbas aos beneficiários;
- renúncia de créditos;
- e, a utilização dos mecanismos de crédito.
As entregas directas incluem os subsídios de exploração, a fundo perdido ou
reembolsáveis, subsídios de equipamento, subsídios para garantir o rendimento.
As renúncias a créditos dizem respeito às «situações em que o Estado aceita a não
remuneração de capitais públicos aplicados em empresas ou renuncia a receber
participações em lucros que lhe eram devidas ou, ainda, permite o não cumprimento de
obrigações legais por parte dos subvencionados».
Nos mecanismos de crédito incluem-se a concessão directa de empréstimos, a simples
bonificação e a garantia. Esta é normalmente concedida através do aval do Estado o
qual consiste num «acto unilateral pelo qual o Estado garante o cumprimento de
dívidas
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de outras entidades assumindo em caso de incumprimento as respectivas
responsabilidades perante os credores».
Estas medidas podem aplicar-se em geral a todas as empresas ou apenas àquelas que
pertençam a determinados sectores ou preencham determinados requisitos, estejam
estabelecidas ou se estabeleçam em certas regiões ou simplesmente que ofereçam
determinadas contrapartidas (por exemplo, adequarem a sua actividade a
determinados
objectivos da política económica).
II. O regime de acesso à actividade económica
2.1. A liberdade de acesso
Na ordem jurídica portuguesa, a questão do acesso à actividade económica,
especialmente à actividade industrial, foi, durante um longo período, um domínio claro
do controlo da Administração Pública sobre a iniciativa económica privada.
Com efeito, durante largas décadas, no Estado Novo, vigorou o regime do
condicionamento industrial, o qual fazia depender de autorização administrativa a
instalação, reabertura e transferência dos estabelecimentos industriais.
A abolição do regime do condicionamento industrial, como medida de intervenção com
carácter geral, e a consagração do livre acesso à actividade industrial e da liberdade de
estabelecimento não excluem, no entanto, a existência de limitações ou
condicionamentos sectoriais, os quais, como se viu, são permitidos quer pela CRP,
quer
pelo Tratado CE (neste caso, com a condição de não haver discriminação
relativamente
a estrangeiros originários de países da UE).
As excepções ao regime de livre acesso à actividade económica
As reservas do sector público e os regimes de acesso condicionado
As excepções admitidas ao regime enunciado no ponto anterior são, desde logo, as
que
resultam da possibilidade de existirem sectores vedados à iniciativa privada (vedação
que tem sido entendida como definição de reservas a favor do sector público) e, em
geral, das limitações e condicionamentos relativos ao exercício de determinadas
actividades económicas.
Com efeito, em obediência ao estabelecido pelo art. 86.° da CRP, a lei de delimitação
de
sectores define, em primeiro lugar, os sectores onde existe uma reserva de controlo,
isto
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é, embora admitindo a participação de capital privado, se exige a maioria de capital
público nas empresas.
É esta a situação das actividades de captação, tratamento e distribuição de água para
consumo público, da recolha, tratamento e rejeição de efluentes, em ambos os casos
através de redes fixas, e da recolha e tratamento de resíduos sólidos, no caso de
sistemas
multimunicipais e municipais em que o investimento do Estado seja predominante. A
maioria do capital público pode ser detida pelas autarquias (art. 1. °, al. a) e n.o 2 e n.o
3
da Lei 88-A/97).
Para outras actividades, é consagrada a reserva de propriedade, admitindo-se que a
sua
exploração possa ser entregue a entidades privadas, em regime de concessão ou outro
que não envolva a propriedade dos recursos a explorar (art. 2. ° da Lei). E o caso, por
exemplo, dos recursos do subsolo e dos recursos naturais que, de acordo com o art.
84. °
da CRP, são bens do domínio público, como a exploração do gás natural, das auto-
estradas ou das águas minero-medicinais e da Rede Nacional de Transporte de
Energia
Eléctrica (RTN).
Esta reserva pode ser igualmente aplicada à exploração dos transportes ferroviários
em
regime de serviço público, à exploração de portos marítimos e às comunicações por via
postal que constituam serviço público de correios (art. 1. °, n.o l e art. 3. °).
Outro domínio de acesso reservado é o das actividades de prospecção, pesquisa,
desenvolvimento e produção de petróleo em áreas do território nacional a definir.
Finalmente, no art. 4.° da Lei, define-se um regime de reserva de autorização para o
acesso à indústria de armamento e exercício da respectiva actividade.
O licenciamento
Noção
Em sentido amplo a questão do acesso ao exercício de uma dada actividade
económica
abrange ainda o processo de licenciamento.
Diferente de um regime de condicionamento (industrial ou de outro tipo), o qual, como
se viu, se traduz na necessidade de autorização prévia para o exercício de uma
actividade económica, o regime do licenciamento não limita o direito de iniciativa
privada, mas condiciona o seu exercício em concreto, o qual depende da obtenção de
uma licença para instalação e laboração.
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O regime geral do licenciamento industrial
Objectivos
O regime de licenciamento industrial procura conciliar o direito ao livre exercício da
actividade industrial com outros direitos susceptíveis de por ele serem postos em
causa.
São eles, basicamente, a saúde pública e dos trabalhadores, a segurança das pessoas
e
dos bens, a higiene e segurança dos locais de trabalho, o correcto ordenamento do
território e a qualidade do ambiente.
O regime de exercício da actividade industrial abrange não só o licenciamento para
instalação e laboração do estabelecimento, mas também a fiscalização do exercício da
actividade.
Dado que as duas formas de intervenção da Administração existem para proteger os
mesmos interesses, justifica-se a sua análise conjunta.
O processo que conduz ao licenciamento visa essencialmente assegurar a instalação
do
estabelecimento nas melhores condições. Exige-se, para o efeito, a apresentação de
uma
série de elementos (identificação, localização, natureza das actividade, estudo de
impacte ambiental, etc.) que variam consoante o tipo de estabelecimento e actividade
que se pretende instalar e desenvolver.
Por sua vez, a fiscalização compreende todos os actos da Administração
subsequentes,
já depois de instalada a actividade industrial. Estes referem-se tanto à verificação do
cumprimento dos regulamentos relativos ao exercício da actividade, como à imposição
de outras condições consideradas necessárias ou ainda à tomada de medidas
cautelares.
As obrigações do «industrial»
Embora o regime do exercício da actividade industrial seja um regime típico de polícia
económica, e, como tal de intervenção administrativa na actividade privada com
carácter limitador, proibitivo e eventualmente repressivo, de facto o primeiro e principal
responsável pela protecção dos valores acima indicados é o «industrial», isto é, «a
pessoa singular ou colectiva que pretenda explorar ou seja responsável pela
exploração
de um estabelecimento industrial ou que nele exerça em seu próprio nome actividade
industrial» (art. 2. ° do DL n.o 209/2008 de 29 de Outubro).
A ele incumbe um dever geral de prevenção de risco.
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Em consequência, as suas obrigações excedem a conformação da sua actividade à
legislação aplicável, cabendo-lhe, além disso, em geral, prevenir, eliminar ou reduzir
riscos susceptíveis de afectarem, pessoas, bens ou o ambiente (art. 4.°, id.).
Deverá, para o efeito, tomar as medidas adequadas e mesmo suspender a laboração
se
tal se mostrar necessário. Em casos de alto risco (por exemplo, estabelecimentos de
refinação de petróleo, estabelecimentos químicos, etc.) é-lhe mesmo exigida a
realização de um seguro de responsabilidade civil (art. 5.°, id).
Tem ainda, em qualquer caso, o dever de prestar todas as informações necessárias à
entidade fiscalizadora e de facilitar o processo de inspecção.
O controlo da Administração
A Administração tem, pois, uma função de controlo realizado quer no momento da
instalação, que depende da sua prévia autorização, quer na fase de laboração.
A determinação da entidade competente em matéria de fiscalização depende da
entidade
coordenadora responsável, com a salvaguarda das competências próprias de cada
uma
das entidades de fiscalização possíveis.
As entidades responsáveis pela fiscalização no âmbito do licenciamento industrial
podem recorrer a meios coercivos.
Estes meios vão desde as medidas cautelares até às sanções acessórias às coimas
em
virtude de contra-ordenações.
Caso o estabelecimento industrial apresente perigo grave para a saúde pública, pode
ser
determinada tanto pela entidade coordenadora como pelas entidades fiscalizadoras
(inclusive a título individual) a suspensão de actividade, ou o encerramento preventivo
parcial ou total, bem como o a apreensão do equipamento por selagem, até seis
meses.
Caso estas medidas não sejam respeitadas, pode ter lugar a suspensão do
fornecimento
de energia eléctrica.
Esta possibilidade é igualmente admitida em caso de quebra de selos apostos no
equipamento, ou de «reiterado incumprimento das medidas, condições, ou orientações
impostas para a exploração».
Em resultado de contra-ordenações, o industrial pode ser sujeito a coimas, bem como a
medidas acessórias a estas, como a privação de subsídios, a apreensão de
equipamento
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mediante selagem, ou mesmo a suspensão de licença de exploração ou o
encerramento
do estabelecimento e respectivas instalações.
Os direitos de terceiros
Concede-se a terceiros o direito de reclamação relativamente às condições de
funcionamento de qualquer estabelecimento.
Terceiros para este efeito devem ser considerados não apenas os directamente
interessados (os trabalhadores, outros industriais, pessoas directamente lesadas), mas
também os cidadãos em geral, designadamente os que habitam em áreas limítrofes,
independentemente de serem afectadas directamente pelo exercício irregular de uma
actividade industrial.
Tendo em conta a natureza difusa de alguns dos interesses protegidos (como o
ambiente) parece ser este o entendimento mais conforme com os objectivos e com a
letra da lei, que não estabelece quaisquer restrições.
Enquadramento jurídico da organização privada do mercado
Organização privada do mercado e evolução das formas jurídicas da empresa
O comerciante em nome individual
Ao longo dos tempos tem existido um certo paralelismo entre a evolução das formas
jurídicas e a dos fenómenos económicos.
Assim, ao modelo liberal clássico, centrado no empresário individual (no pequeno
artesão, no pequeno comerciante), correspondia um direito dos comerciantes
individuais. A figura legal do comerciante em nome individual era o «actor
paradigmático deste direito comercial emergente», constituindo «indubitavelmente o
quadro jurídico de organização da actividade económico-empresarial mais difundido».
A empresa individual cedo mostrou, porém, as suas insuficiências para fazer face ao
desenvolvimento mercantil.
A sociedade anónima, paradigma das sociedades de capitais
No plano jurídico, uma figura dotada de capacidade ímpar para congregar esforços de
múltiplos comerciantes e agentes económicos, bem como para captar recursos
financeiros, veio progressivamente a impor-se: a sociedade por acções (anónima: SA).
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Objecto, primeiro, de restrições e de necessidade de autorização estatal, mais tarde
susceptível de livre constituição, a SA, ao possibilitar a fundação de grandes
instituições
financeiras, ao limitar a responsabilidade do património dos sócios, ao permitir uma
fácil transmissibilidade do capital investido, ao potenciar uma tendencial dissociação
entre propriedade e gestão, veio a revelar-se um poderoso instrumento de
concentração.
Particularmente importante neste processo é a consideração da sociedade como
pessoa
colectiva, isto é, o facto de lhe ser a atribuída uma personalidade jurídica distinta da
dos
sócios.
O regime jurídico das S.A., veio a possibilitar o fenómeno do controlo interno da
empresa colectiva por parte de um núcleo reduzido de titulares do capital ou do
património.
De facto, numa SA, o poder concentra-se, em regra, em minorias organizadas o que é
particularmente facilitado pela existência, institucionalizada ou não, de diferentes tipos
de accionistas.
Tudo se passa como se estes, pessoas singulares ou colectivas, partilhando embora,
ainda que desigualmente, os riscos sociais, se dividissem em dois grupos: os
accionistas
de controlo, «activos» ou com poder de decisão, isto é, titulares do poder de comando
na empresa (a minoria dirigente) e os accionistas de gozo ou «passivos», sem poder
de
decisão, isto é, meros investidores de capital de risco ou de pequenas poupanças.
Os primeiros podem, de facto, dispor da empresa como se dela fossem verdadeiros
proprietários; os segundos são, quando muito, remetidos para uma função de
fiscalização, sendo a sua posição real muito semelhante às dos credores da empresa
ou
dos obrigacionistas.
Por vezes, institucionaliza-se este tipo de accionistas no contrato de sociedade.
A sociedade europeia
A SE (também designada por «Societas Europaea») foi criada através do Regulamento
n.° 2157/2001 (cf. JO L 294 de 10.11.2001), para que sociedades constituídas em
diferentes Estados-Membros possam proceder a fusões, constituir
sociedades «holding»
ou formar filiais comuns.
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O Regulamento (CE) n.o 2157/2001 do Conselho, de 8 de Outubro, em vigor desde 8
de
Outubro de 2004, cria um novo tipo de pessoa colectiva, de natureza societária,
designada pelos nomes «societas europaea» ou sociedade anónima europeia.
A sociedade anónima europeia tem como características essenciais a sua natureza de
sociedade, a divisão do seu capital em acções, a limitação da responsabilidade de
cada
accionista à realização do capital por ele subscrito, o dever de adopção de uma firma
que integre, ao início ou no final, a sigla «S.E.», a obrigação de os seus fundadores
estarem, imediata ou mediatamente, ligados a mais de um Estado membro da União
Europeia, a localização da sua sede estatutária num dos Estados membros, bem como
a
sua sujeição a registo no Estado membro da localização da sede estatutária.
O referido Regulamento está transposto para a legislação nacional pelo Decreto-Lei n.o
2/2005 de 4 de Janeiro de 2005.
A constituição da SE pode ser operada de quatro formas: por fusão; por criação de
uma
sociedade «holding»; sob a forma de uma filial comum; por transformação de uma SA
de direito nacional.
A SE tem um capital social mínimo de € 120.000. Porém, se um Estado-Membro exigir
um valor mais elevado às sociedades a operar em determinados sectores, será este o
aplicável às SE nesse Estado (art. 4.°).
A sede da SE deve corresponder ao local de tomada real de decisões sobre a
administração da sociedade.
A SE pode facilmente transferir a sua sede no espaço comunitário sem ter de proceder
à
sua dissolução num Estado-Membro e à criação de uma nova sociedade noutro
Estado-
Membro.
Na constituição de uma SE poderá optar-se por um modele monista ou dualista de
gestão. No caso da SE, pode optar-se ou por um órgão de administração (modelo
monista), ou por um órgão de fiscalização e um órgão de direcção (modelo dualista),
para além da assembleia geral de accionistas (por oposição às assembleias especiais:
cf.
art. 389.° do CSC).
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