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Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da UFOP

Disciplina: Performance, Gênero e Feminismo


Professora: Nina Caetano
Aluna: Keila Assis

- Como construir epistemologias a partir de afro perspectivas que possam


desenhar outras possibilidades de rede, encontros, afetos e produção de um corpo
político relacional.

CONTRA-RESENHA: (Re)existências negras para o futuro

“Os sistemas de representação são os sistemas de significado pelos quais nós


representamos o mundo para nós mesmo e os outros.” (Hall, 2003)

Este trabalho é uma contra-resenha da resenha de Itamar Araujo, aluno de pós


graduação da Universidade Federal do Ouro Preto. Tanto sua resenha quanto está
contra-resenha estão buscando apresentar possibilidades de construir epistemologias a
partir de afro perspectivas que possam desenhar outras possibilidades de redes,
encontros, afetos e produção de um corpo político e relacional. Vou dar seguimento
primeiramente fazendo alguns apontamentos a resenha de Itamar e mais adiante
apresentar minha concepção do que acredito que possa vir a ser esse caminho de nova
epistemologias que possibilitem redes e potencializem corpos políticos.
Tudo que for aqui enunciando parte de uma mulher, periférica, negra, feminista
interseccional e artista educadora, acredito de que nós mulheres devemos sempre nos
apresentar para que não façam por nós, mulheres negras em trabalhos acadêmicos é
ainda mais necessário, pois quanto mais aparecermos nestes espaços, mais força outras
mulheres como nós terão para chegar aqui. Não é de hoje que os espaços de mulheres
negras e outros corpos diversos são delimitados por barreiras preconceituosas machistas
e racistas, o Brasil veem explorando e marginalizando corpos que o olhar do homem
branco define como diferente, a branquitude se entende como referencial, logo tudo que
difere é deixado de fora, como já bem expos Itamar em sua resenha:

(...) corpo este marcado por um processo de estigmatização historicamente


constituído num contexto que tem sua base em “ um sistema de mundo no
qual a opressão de gênero é racializada e oriunda de uma lógica colonial,
capitalista e heterossexista” (BACELLAR apud ARAUJO, 2019, p.1)

O capitalismo colonial tem de fato grande influência nas formas que a cultura se
molda constantemente, considerando que a cultura brasileira é multicultural, pois é
composta por diferentes comunidades culturais, temos sérios problemas com a aceitação
das culturas subalternizadas, logo das pessoas que estão nesta situação. Contudo
sabendo que não existe culturas puras em países híbridos socialmente, entendemos que
o fator financeiro age de forma cruel para definir o que pode e não pode ser apresentado
como cultura, e quem pode e não pode ser apresentado como brasileiro. Corpos negros,
mulheres cis, mulheres trans, pessoas não binarias são massacradas todos os dias seja
por armas ou seja pela exclusão do capital, pois a cultura dominante se faz do mercado e
a classe dominada é refém desta lógica mercantil, e como já colocado o mercado
delimita barreiras. Infelizmente a ideologia organizacional brasileira é colonial e
capitalista.
Apresento o problema do capital-cultural para contra argumentar a noção de
Araujo à colocação: “não bastará pensar para além da ideia de negro, buscando uma
suposta universalidade que congregre a esse corpo a fuga dos estigmas e marcas nele
postas – ainda que este já esteja emoldurado por subjetividades diversas.” (ARAUJO,
2019, p.1) Me pergunto que subjetividade é esta? Quem emoldurou estas subjetividades
diversas? Se subjetividade diz respeito ao particular de cada pessoa, como pode esta já
estar emoldurada? Acredito sim que buscar a fuga dos estigmas e marcas postas nos
corpos excluídos é o início do caminho para que criemos outros modos de ser e estar no
mundo, pois se até a nossa subjetividade já está escrita, e não é por nós, é sim preciso
balançar está estrutura para podermos SER em todas as áreas da sociedade;
Atentamos para o fato que nosso corpo, enquanto texto, se constrói a
partir do que sabemos sobre ele e também sobre o que é dito sobre ele. A
população negra brasileira tem um texto pré-escrito não muito favorável à
sua ascensão e valorização cultural. A corporeidade negra sofre em ser-no-
mundo. (SILVA J. G., out. 2014, p. 270)

Voltemos ao capital-cultural como delimitador, quando digo que ele define o


que pode e o que não pode, apresento o ponto chave desta contra argumentação, pois
como podemos ignorar o que emolduram sobre nós e criar novos espaços se toda a
cultura é cerceada pelo capital como delimitador? Não é fácil, partir para um viés
decolonial vivendo uma lógica colonial, no Brasil estes texto que carregamos nos
matam todos os dias, pondo isso creio que pensar formas de se pôr no mundo
enfrentando os estigmas e marcas que outros nos colocam é uma fase que não pode ser
pulada. Concordo com Araújo que para criarmos novas fabulações do corpo negro e
outros corpos discriminados é necessário sim pensarmos uma forma de nos projetar em
um sistema decolonial, mas não acho que é possível sem antes repensar os estigmas que
carregam nossos corpos para lapides.
A relação criada por meu colega de grupo, entre a experiência queer e a
interseccionalidade é muito rica, pois os corpos marginalizados pela classe não são
somente afetados por isso, para se entender melhor como funciona a exclusão social no
Brasil é preciso analisar por três categorias raça, gênero e classe, uma pessoa pode ser
atravessada por todas estás e ainda ter outras questões que a empurrem para fora do que
é aceito culturalmente.
O termo interseccionalidade (muito usado até aqui) e a teoria
interseccional foram cunhados e desenvolvidos pela advogada dos direitos
civis e professora americana Kimberlé Crenshaw, em 1980 e consiste em
entender que diferentes opressões se inter-relacionam. (...) Acredito que, pelo
fato da interseccionalidade no feminismo ser um conceito que parte das
mulheres negras, ele tende a ser muito associado a nós. No entanto, isso não
quer dizer que só as mulheres negras feministas deviam atentar para as
intersecções das opressões. A interseccionalidade é uma urgência de todos os
movimentos sociais e de toda a sociedade. (RIBEIRO, Stephanie. Explosão
feminista, p. 143)

Stephanie Ribeiro nos apresenta nesta citação o conceito de interseccionalidade


que foi cunhado por Kimberlé, mas essa ideia já estava sendo pensada por Lélia
Gonzales alguns anos antes aqui no Brasil, segundo o mesmo livro. As opressões
sofridas por mulheres trans, periféricas, negras e lésbicas é diferente das que mulheres
cis nas mesmas condições passam, e a interseccionalidade vem de uma preocupação que
foi levantada dentro do movimento feminista para se ouvir e dar voz a absolutamente
todas as mulheres, para que cada uma pudesse expor a sua realidade, entendendo que
não existe verdades universais e nem contexto únicos, cada um e uma saem de locais
diferentes. Mas como disse Stephanie a interseccionalidade está longe de ser somente
voltada para o feminismo é uma noção que deveria estar instaurada na cultura brasileira.
Pensar o movimento queer e a intersecionalidade para demonstrar que não é de hoje que
existe tentativas de rupturas com o sistema fechado e binarista que nos mantem nesta
sociedade colonial, é interessante para instigar artistas e não artistas a entender os
múltiplos contextos de vidas que não se encaixam nos modelos pré-determinados.
A cultura e a arte caminham juntas, vejo a arte como mais um campo de
representação crítica ou não critica da cultura, pois isso não trabalho sem relacionar
ambas. O corpo e a mente são espaços de expansão, ressignificações e pluralizações de
si, muito mais aberto que a cultura estruturante atual, creio ser por isso que vejo a arte e
a cultura andando lado a lado, ambas se afetam. E a corporeidade negra e dos demais
corpos que desviam do padrão, estão constamente neste campo de batalha, onde o que
está em jogo são suas vidas, por este motivo passam a ressignificar este corpo como
uma “tela de representação” (Hall, 2003). Por isso o corpo no campo da arte, vai ganhar
cada vez mais amplitude política por suas possibilidades infinitas. O corpo negro, por
exemplo, passa a ter muito mais visibilidade em todos os campo a partir das lutas
sociais pela valorização de sua cultura.

O corpo negro, a partir de então com toda sua corporeidade,


englobando expressões corporais, estética e comportamento, tem sua
visibilidade assegurada a partir das lutas das populações negras em legitimar
sua cultura, lutando pela anulação dos estereótipos. (SILVA J. G., out. 2014,
p. 273)

O corpo negro é um espaço vazio pronto para ser preenchido, acredito


seriamente que a branquitude nos veja desta forma. Mas vejo que cada dia mais
tentamos fugir da perspectiva colonial branca, e buscar neste tecido histórico partes de
nossa história que está fragmentada no tempo, fomos silenciados desde que chegamos
as terras do novo mundo que evoluiu para um Brasil racista, que nos negou acesso a
nossa própria história. Como sabemos da cultura negra que esse solo carrega?
Narrativas, contações de mães pretas, filhas e netas de pessoas negras escravizadas,
estamos hoje descobrindo sobre quem somos, quem fomos e abrindo espaços para
sermos. A busca pela ancestralidade é a exploração de um território de trocas de
experiências que nos partilha signos que são ressignifcados para esta realidade. “A
cultura é o movimento da ancestralidade” (Oliveira, 2007 apud SILVA R., MAIO/AGO.
2017) afrontosamente o movimento vem tomando a cultura e ressignificando e
significando o corpo preto na nossa história.

A crueldade das representações operada simbólica e fisicamente no


corpo do africano e de seus filhos no processo de escravidão não conseguiu
emudecer ou paralisar a capacidade de expressão pelo corpo de negro que,
alimentado pelo mito, memória e imaginário, ressignifica a vida pela
ancestralidade. (Rosa, 2015, apud SILVA R. d. MAIO/AGO. 2017, P. 255)

A arte é pioneira em falar do que ninguém mais quer, logo artistas negros estão
falando de si, do seus, dos nossos e abrindo uma rede interminável de ações que nos
colocam como protagonistas de uma história jamais contada. O corpo negro adoecido
propositalmente vem se embebedando de ancestralidade e criando novas fabulações
para o povo preto, a arte afeta diretamente a cultura que em movimento trança de forma
definitiva em sua história o que os artistas negros gritam. A ponto que como fomos
calados, escravizados, objetificados e domesticados hoje não falamos de um jeito dócil e
confortável para quem sentado no seu trono de privilégio nos escuta por querer ou não.
A arte negra nem sempre vai ferir olhares, mas sempre vai fazer verem o que não
gostariam de ver, pois um corpo negro em evidencia para hegemonia branca já causa
incomodo.
No texto, Presenças: A performance negra como corpo político, é apresentado
quatro artistas negros que através da performance fazem dos seus corpos, incômodos
críticos em meio a massa branca “(...) tanto esses artistas quanto o coletivo A presença
Negra permitem refletir a acerca da importância do corpo como forma de estar,
problematizar e usar os espaços tido por culturalmente legítimos” (BISPO, Abril. 2015,
p. 112) Os espaços tão bem demarcados pela branquitude quando percebe a presença
negra, não lavando chão, mas criando consciência crítica, se ofende, pois mesmo
inconsciente entende que aquilo lhe afeta de alguma forma, seus privilégios estão sendo
expostos e criticados por alguém que devia somente limpar a sua sujeira. A performance
negra é dispositivo de múltiplas problematizações, mesmo quando o performer não está
trabalhando pelo viés do racismo, o corpo negro levanta sempre questões, pois é o corpo
que destoa-se em lugares legitimados por pessoas brancas.
O corpo é nossa representação no mundo, e a importância de representação dos
corpos negros vem sendo cada vez mais pautado, para que isto não seja feito por outros
e sim por nós mesmo. A ancestralidade é cumplice desta representação, pois é a partir
dela que entendemos a importância de sermos e entendermos politicamente o corpo que
levamos, o corpo que chega antes de qualquer expressão. O corpo escravizado está até
hoje marcado, então a representatividade buscada pelas gerações atuais reformulam
tudo o que estava “prescrito” sobre a pele negra. Apresento a geração Tombamento no
Brasil, Fashion Rebels na África do Sul, o Afropunk nos EUA como redes e encontros
de perspectivas novas sobre o corpo negro, estes grupo através da estética dos cabelos,
roupas e autoestima afrontam os padrões brancos normativos, e os entendo por rede
porque mesmo não pertencem ao mesmo país, estão conectados por potencializar corpos
negros, que de afetos se afetam e se encontram em espaços que somente os povos
negros em diáspora ou na África podem acessar e sentir
.
Permeada por memórias individuais e coletivas que ressoam ao longo
do tempo em caráter resistente, a performance negra (Cf. Rosa, 2015) é
expressão de negras e negros no mundo assimilando a dimensão simbólica do
corpo naquele tempo e espaço específicos e, por conseguinte, a dimensão
dramatúrgica do corpo. Esse núcleo ancestral torna-se também sentido. A
ancestralidade é potência da dramaturgia do corpo na performance negra.
(SILVA R. d., MAIO/AGO. 2017, p. 255)

A performatividade negra na arte está caminhando exatamente por este caminho,


a arte questiona por isso incomoda, o corpo preto questiona por isso incomoda, os
artistas negros performers ou não estão criando uma rede de extensão mundial para falar
sobre o racismo. No Brasil temos muitas(os) performers falando das questões da
população negra que são questionadas(os) por só tratarem deste assunto, assim como a
estética das geração tombamento o corpo negro na arte também rompe com as normas
brancas, até porque a arte é extremamente elitizada, e o performer negro(a) abre
caminho para saudar outros na mesma caminhada não sendo possível mais que estes
caminhos se fechem, acredito que a performance seja instigadora de outras
performances, está vertente artística junto a população diaspórica negra tende a expandir
muito mais criando possibilidades de futuros diferentes.
Creio que para criarmos novas epistemologias, redes, afetos e encontros temos
que pensar no futuro, nos projetar em lugares ainda não explorados. Trago o conceito de
AFROFUTURISMO de Marck Dery citada no texto Geração tombamento e
Afrofuturismo que é “ficção que trata sobre temas afro-americanos e questões afro-
americana sobre a tecnocultura no século XX” (SANTOS, Maio, 2018, p. 169) essa
ideia pouco conhecida ainda, é em minha opinião um caminho a se pensar, pois o afro-
futurismo não é nada mais que a ideia de que no futuro existirão negros, este
movimento se constrói de forma em que elementos tecnológicos futuristas e
características de matrizes africana, se encontrem e criem possibilidades de
representação negra, onde abre espaço para discutir a questão de raça pelo viés
futurístico criando possibilidades da população negra existir em futuros desconhecidos.

Em seu ensaio, Dery traz para discussão alguns apontamentos sobre


problemas de gênero e de raça na ficção cientifica e nas ideias acerca da
tecnologia. Ele relaciona a figura do robô, aos movimentos quebrados do hip
hop como uma das expressões propostas pelo Afrofuturismo para reinventar a
ideia de futuro e de corpo tecnológico. Nos movimentos mecânicos e nas
batidas que imitam aparelhos eletrônicos do beat box, a gestualidade de
homens e mulheres negras produz noções de tecnologia que antes eram tidos
como opostas aos seus corpos. (SANTOS, Maio, 2018, p. 169)

O Afrofuturismo sem dúvida vai contra os projetos de homogeneização branca e


higienização social, onde o genocídio da população negra impede jovens negros de
chegarem no dia seguinte e estimula a juventude branca a pensar nos seus futuros. Não
sei exatamente que futuro está planejado, mas é pertinente questionar se nós pessoas
negras chegaremos até lá, pois estão tratando de acabar com nossa população em negra,
assim como com a população indígena, sacrificam desde de nossas culturas até nossas
vidas. Logo o Afrofuturismo na minha opinião contrapõe os ideais brancos, e de forma
avassaladora, pois é a partir de uma união tecnológica e ancestral negra que nos
projetamos em futuros que vão além de onde a branquitude jamais pensou que
poderíamos chegar. Percebe-se isso em filmes que tratam de questões futurísticas
raramente vai haver negros(as) no elenco, se houver atores/atrizes negro(as) eles serão
minorias, porque no futuro ideal não teriam negros, isto é simbolicamente muito
determinante para o imaginário futurista.
No campo artístico temos o cantor Sun Rá (1914-1993) que contrariando os
estereótipos de negros hipersexualizados trazia em sua estética visual (cores, partes das
roupas, máscaras, pinturas) que remetiam ao Egito antigo misturado com ficção
cientifica. Não posso por falta de estudos aprofundado no Afrofuturismo denominar
artistas da atualidade como afrofuturistas, mas creio que os artistas negros que estão
quebrando com as regras coloniais, a partir de suas performatividades agregando outros
matérias aos seus cabelos trançados, as maquiagens, turbantes, roupas que fogem do
convencional e se colorem, usam estampas metalizadas e fluorescente estão dialogando
com a estética do Afrofuturismo.
Este é um conceito pouco estudado ainda e não só no Brasil, creio que tem muito
a oferecer pois não se trata só de uma estética, a relação que vejo de negação da história
NEGRA, do genocídio da população NEGRA, e da falta de representatividade NEGRA
em narrativas futuras não me parece coincidência, o Afrofurismo está aqui para ocupar e
preencher todas as narrativas passadas, presentes e futuras para que assim possa nos
projetar em amanhãs mais sadios para a existência NEGRA.
Bibliografia:

ALBUQUERQUE, h. (2018). Explosão feminista. são paulo: schwarcz s.a.

ARAÚJO, I. S. B. Abril. 2019

BISPO, A. A. (abril de abril. 2015). Presenças: A performance negra como corpo


político. harper's bazzar aaart.

FABIÃO, E. (dez. 2013). Programa performativo: O copo em experiência. revista do


lume.

HALL, S. (2003). Da diáspora: Identidade e mediações culturais. belo horizonte: ufmg.

SANTOS, A. P. (maio, 2018). Geração tombamento e afrofuturismo: A moda como


estratégia de resistência as violências de gênero e raça no brasil. dobras, volume
11.

SILVA, J. G. (out. 2014). Corporeidade e identidade, ocorpo negro como espaço de


significação.

SILVA, K. C. (s.d.). O afrofuturismo como forma de representação cultural.

SILVA, R. D. (maio/ago. 2017). Perfomance negra e a dramaturgia do corpo no


batuque. revista brasileira de estudos da presença.

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