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Filosofia contemporânea: visa se desvencilhar das influências dos dualismos

metafísicos típicos, que a tradição filosófica ocidental herdou dos gregos: as distinções
entre essência e acidente, substância e propriedade, aparência e realidade. Eles estão
tentando substituir as visões de mundo gregas pela visão de um fluxo de relações em
contínua mudança, relações sem termos, relações entre relações. Um dos efeitos
desse panrelacionismo é o que discuti na primeira conferência: permitir-nos deixar de
lado a distinção entre sujeito e objeto, entre os elementos do conhecimento humano
para os quais a mente contribui e aqueles para os quais o mundo contribui,
permitindo-nos assim deixar também de lado a teoria da verdade como
correspondência.
Vários rótulos e slogans estão associados a esse movimento antiessencialista e
antimetafísico: existencialismo, desconstrução, holismo, pragmatismo, pós-
estruturalismo, pós-modernismo, wittgensteinianismo, anti-realismo e hermenêutica.
Talvez por razões meramente patrióticas, meu termo favorito seja pragmatismo.
Dentre os slogans temos “tudo é uma construção social” e “toda consciência é um fato
linguístico”. O primeiro slogan é tipicamente europeu e tem Foucault como ponto de
partida. O segundo foi cunhado pelo grande pensador Wilfrid Sellars, e o epíteto que
ele escolheu para o sistema de pensamento que incorpora esse slogan foi nominalismo
psicológico.
Quero mostrar que esses dois slogans acabam sendo uma mesma coisa. Ambos
são maneiras de dizer que nunca seremos capazes de pisar do lado de fora da
linguagem, nunca seremos capazes de apreender uma realidade que não seja mediada
por uma descrição linguística. Assim, ambos são maneiras de dizer que devemos
suspeitar da distinção grega entre aparência e realidade, e que devemos tentar
substituí-la por algo como a distinção entre “descrições menos úteis do mundo” e
“descrições mais úteis do mundo”. Dizer que tudo é uma construção social é dizer que
nossas práticas linguísticas estão tão entrelaçadas com nossas outras práticas sociais
que nossas descrições da natureza, assim como nossas descrições de nós mesmos,
serão sempre uma função de nossas necessidades sociais... Nosso conhecimento é
formado por descrições adequadas aos nossos propósitos sociais correntes.
Essa afirmação é antimetafísica no sentido mais amplo do termo metafísica – o
sentido empregado por Heidegger, quando ele dizia que todo platonismo é metafísica
e toda metafísica é platonismo. Platonismo, nesse sentido amplo, é uma tentativa de
libertar-se da sociedade, do nómos, da convenção e dirigir-se para a physis, a natureza.
Mas se os dois slogans que acabei de citar estão corretos, então não existe algo como
a physis a ser conhecido. A distinção nomos-physis – convenção-natureza – desaparece
pelas mesmas razões que a distinção aparência-realidade também desaparece. Uma
vez que se tenha dito que todo conhecimento é uma descrição, e que as descrições são
funções de necessidades sociais, então “natureza” ou “realidade” só podem ser nomes
para algo incognoscível – algo como a coisa-em-si de Kant.
...

Quero recapitular agora a dialética que conduz ao nominalismo psicológico de


Sellars e portanto, indiretamente, ao construcionismo comum a Foucault e Dewey.
Desde o século XVII os filósofos vêm sugerindo que talvez nunca conheçamos a
realidade, já que há um véu entre nós e a realidade – um véu de aparências produzido
pela interação entre sujeito e objeto, entre a constituição de nossos órgãos sensoriais
e nossas mentes e o jeito como as coisas são em si mesmas. Desde Herder e Humbolt,
os filósofos vêm sugerindo que é a linguagem que forma essa barreira – que nossa
linguagem impõe aos objetos características que podem não ser intrínsecas a eles. A
resposta dos pragmatistas aos argumentos dos filósofos do século XVII é que não
precisamos tomar a visão como um modelo para o conhecimento. Assim, não há
nenhuma necessidade de pensar nos órgãos do sentido ou na mente como algo que se
interpõe entre o olho da mente e seu objeto. A resposta dos pragmatistas para os
argumentos acerca das distorções produzidas pela linguagem é dizer que a linguagem
não é um meio de representar as coisas. Ao invés disso, a linguagem é um intercambio
de sinais e ruídos, executados com o fim de alcançar algum propósito específico. A
linguagem não pode ser incapaz de representação acurada, já que nunca representou
coisa alguma.
Os pragmatistas insistem em maneiras não-oculares e não-representacionais de
descrever o pensamento e a linguagem, porque eles gostariam de eliminar a distinção
entre conhecer as coisas e fazer uso delas. Partindo da afirmação de Bacon de que
todo conhecimento é poder, os pragmatistas prosseguem afirmando que poder é tudo
o que há no conhecimento – que afirmar que conhecer X é afirmar ser capaz de utilizar
X, ou ser capaz de colocar X em relação com alguma outra coisa. Para dar
plausibilidade a essa afirmação, entretanto, eles têm que se contrapor à ideia de que
conhecer X é uma questão de estar relacionada a algo que é intrínseco a X, enquanto
que utilizar X é uma questão de estabelecer uma relação extrínseca, acidental, com X.
Para combater essa noção, eles têm de eliminar a distinção entre intrínseco e
extrínseco – entre o cerne duro de X e a área periférica de X, que é constituída pelo
fato de que X estabelece certas relações com outros itens que compõem o universo.
Chamarei de antiessencialismo a tentativa de acabar com essa distinção. Para os
pragmatistas, não existe nada que seja um aspecto não-relacional de X – do mesmo
modo que não existe algo que seja a natureza intrínseca, a essência de X. assim, não
pode haver uma descrição que se ajuste perfeitamente ao modo como X realmente é,
que independa das relações de X com necessidades humanas, ou com a consciência ou
a linguagem humanas. Livres da distinção entre o intrínseco e o extrínseco, nos
livramos da distinção entre realidade e aparência, e assim nos livramos também de
preocupações sobre a existência de barreiras entre nós e o mundo.

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