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Análise Psicológica (2003), 1 (XXI): 31-39

Programa clínico para o tratamento


das perturbações da relação e da
comunicação, baseado no Modelo
D.I.R.

PEDRO CALDEIRA DA SILVA (*)


CLÁUDIA EIRA (**)
JOANA POMBO (**)
ANA PATRÍCIA SILVA (**)
LEONOR CORRÊA DA SILVA (**)
FILIPA MARTINS (***)
GRAÇA SANTOS (***)
PAULA BRAVO (****)
PAULA RONCON (*****)

1. INTRODUÇÃO mo as incertezas relativamente à etiopatogenia,


diagnóstico e prognóstico, fazem deste tipo de
As perturbações do espectro autista enqua- perturbação uma área de intenso estudo, debate e
dram-se no grupo de perturbações mais severas preocupação tanto para os clínicos quanto para
com que os profissionais de saúde mental os investigadores (Volkmar & Lord, 1998). Ape-
infantil têm de lidar. sar da vasta literatura e programas de interven-
A gravidade das repercussões no funciona- ção que têm vindo a ser desenvolvidos, os resul-
mento das crianças, em áreas como a socializa- tados obtidos na maior parte dos casos têm sido
ção, a comunicação e a aprendizagem, bem co- restritos (Harris, 1998).
Os esforços realizados ao nível do diagnóstico
precoce, bem como o aumento da preocupação
por parte das famílias e profissionais, tornaram
(*) Pedopsiquiatra. evidente a insuficiência e inadequação dos mo-
(**) Psicóloga. delos terapêuticos das perturbações do espectro
(***) Terapeuta Ocupacional.
(****) Terapeuta da Fala. autista já existentes, quando aplicados ao trata-
(*****) Técnica de Serviço Social. mento de crianças pequenas, e fizeram sentir a

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necessidade de desenvolver novos programas Council on Developmental and Learning Disor-
de intervenção adaptados aos problemas e neces- ders (ICDL, 2000), dirigido por Stanley Green-
sidades específicos desta faixa etária (Charman span e Serena Wieder, nos EUA.
& Baird, 2002). É um modelo de intervenção intensiva e glo-
Os recentes avanços na forma como as per- bal, que associa a abordagem Floor-time com o
turbações do espectro autista são reconhecidas envolvimento e participação da família, com di-
lançaram uma nova luz sobre esta problemática. ferentes especialidades terapêuticas (integração
Assim, as Perturbações Multissistémicas do De- sensorial, terapia da fala) e a articulação e inte-
senvolvimento (MSDD), uma categoria diagnós- gração nas estruturas educacionais.
tica introduzida na Classificação Diagnóstica
DC: 0-3 (Zero to Three, 1994), surgem como 2.1. Abordagem Floor-time
uma resposta inovadora ao valorizar a importân-
cia dos aspectos interactivos da relação sobre a A abordagem Floor-time é um modo de inter-
diferenciação emocional e cognitiva e, por outro venção interactiva não dirigida, que tem como
lado, ao chamar a atenção para o enorme poten- objectivo envolver a criança numa relação afecti-
cial preventivo de uma intervenção nestas idades va. Os seus princípios básicos são:
(Gonçalves & Caldeira da Silva, 2001), na me-
dida em que descrevem as dificuldades apresen- - Seguir a actividade da criança;
tadas pelas crianças pequenas como muito de- - Entrar na sua actividade e apoiar as suas in-
pendentes da adequação do ambiente relacional tenções, tendo sempre em conta as diferen-
em que elas se encontram às suas características ças individuais e os estádios do desenvolvi-
particulares de reactividade, de processamento mento emocional da criança;
sensorial e da linguagem e de planeamento mo- - Através da nossa própria expressão afectiva
tor. e das nossas acções, levar a criança a en-
S. Greenspan e colaboradores têm vindo a de- volver-se e a interagir connosco;
senvolver um modelo integrador da abordagem - Abrir e fechar ciclos de comunicação (co-
das perturbações da comunicação e da relação, municação recíproca), utilizando estratégi-
baseado numa perspectiva estruturalista do de- as como o «jogo obstrutivo»;
senvolvimento, na certeza de que em todas as - Alargar a gama de experiências interactivas
crianças existe alguma capacidade para comuni- da criança através do jogo;
car e que essa capacidade depende do seu grau - Alargar a gama de competências motoras e
de motivação (Greenspan, 1992a; Wieder, 1992). de processamento sensorial;
Este autor propõe que a falha nuclear nas crian- - Adaptar as intervenções às diferenças indi-
ças pequenas com perturbações multissistémicas viduais de processamento auditivo e visuo-
do desenvolvimento consiste numa incapacidade -espacial, planeamento motor e modulação
em ligar o afecto ou a intenção ao planeamento sensorial.
motor e à simbolização emergente. Desta forma, - Tentar mobilizar em simultâneo os seis ní-
as dificuldades na empatia, no pensamento abs- veis funcionais de desenvolvimento emo-
tracto, nas competências sociais, na linguagem cional (atenção, envolvimento, reciprocida-
funcional, e na reciprocidade afectiva, descritas de, comunicação, utilização de sequências
nestas crianças, derivariam desta falha nuclear de ideias e pensamento lógico emocional)
(Greenspan, 2001). (Greenspan, 1992b; Greenspan & Wieder,
1998).

2. O MODELO D.I.R. Em conjunto com as interacções não directi-


vas do Floor-time, devem ainda ser usadas in-
O modelo D.I.R. (Modelo baseado no Desen- teracções semi-estruturadas de resolução de pro-
volvimento, nas Diferenças Individuais e na blemas em que a criança é levada a cumprir ob-
Relação) é um modelo de intervenção que tem jectivos específicos de aprendizagem através da
vindo a ser desenvolvido, com a obtenção de re- criação de desafios dinâmicos que a criança
sultados encorajadores, pelo Interdisciplinary quer resolver.

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2.2. Integração Sensorial lação vestibular e terem medo de activida-
des movimentadas (por ex., baloiços, es-
A integração sensorial é o processo neurológi- corregas). Podem também ter dificuldade
co através do qual o S.N.C. recebe, regista e or- em aprender a subir e descer escadas, andar
ganiza a informação sensorial que vai usar para em pisos irregulares, em superfícies instá-
criar uma resposta adaptada do corpo ao meio veis, etc. Outras crianças são sub-reactivas
ambiente (Ayres, 1979). à estimulação vestibular e procuram ex-
Na criança, défices no processamento da in- periências sensoriais muito fortes tais como
formação e modulação sensoriais parecem ter saltar repetidamente ou rodopiar, a fim de
consequências emocionais e frequentemente le- estimular constantemente o sistema vesti-
vam a um défice na adaptação social, dificulda- bular.
des na relação com os outros, assim como a difi- - Proprioceptivo (processa a informação da
culdades em interpretar as reacções emocionais posição do corpo e membros, que recebe
(Greenspan & Greenspan, 1989). através dos músculos, tendões e articula-
O tratamento/intervenção tem como objectivo ções). Quando o sistema funciona de ma-
dar oportunidade para a integração da informa- neira eficaz, o indivíduo adapta-se de ma-
ção sensorial, no contexto de actividades que te- neira automática às mudanças de posição
nham significado e sejam apropriadas para a cri- do corpo. É em grande parte o sistema res-
ança, facilitando o aparecimento de padrões de ponsável pela capacidade de planeamento
movimento de modo a conseguir uma resposta motor, isto é a capacidade para sequenciar
adaptada, facilitando a interacção da criança movimentos de forma ordenada para atingir
com o meio. um objectivo. A disfunção no sistema pro-
Esta resposta adaptada é a resposta adequada prioceptivo pode manifestar-se em crianças
em intensidade e duração a um «input» sensorial desajeitadas com tendência para cair, com
e é a base da integração sensorial. Para que ela dificuldades na motricidade fina e dificul-
ocorra, é necessária uma participação activa da dade em adaptar-se a situações novas.
criança na actividade, de modo a promover opor-
tunidades diversificadas de informação sensorial. Para cada criança são estabelecidos objectivos
As respostas adaptadas podem ser motoras e específicos de tratamento incidindo a interven-
emocionais. Neste contexto, é importante com- ção nas seguintes áreas: processamento vestibu-
preender como é que os sistemas sensoriais tra- lar e proprioceptivo, processamento táctil, pla-
balham em conjunto e a sua influência no desen- neamento motor, percepção visual, organização
volvimento. perceptivo-motora e mecanismos de integração
A Integração Sensorial centra-se em três siste- bilateral.
mas sensoriais básicos:
2.3. Terapia da Fala
- Táctil (processa a informação que nos che-
ga através da pele). Uma disfunção no sis- A Terapia da Fala com crianças com Pertur-
tema táctil pode manifestar-se por uma bação da Comunicação e da Relação tem que ser
sensação de desconforto ao ser tocado, por sensível às dificuldades específicas da perturba-
uma recusa em comer alimentos com deter- ção e às diferenças individuais de cada criança.
minadas texturas, não gostar de determina- Isto pressupõe uma avaliação cuidada e muito
do tipo de roupa, não gostar de lavar a cara mais abrangente do que com outras patologias,
ou a cabeça, evitar sujar as mãos e usar às uma vez que estas crianças apresentam graves
vezes um dedo ou as pontas dos dedos para alterações não só de linguagem, mas de comuni-
manipular, em vez da mão toda. As crian- cação, nomeadamente da comunicação não-ver-
ças podem ser sub- ou sobre-reactivas ao bal.
toque e à dor. Estas dificuldades são evidentes quer ao nível
- Vestibular (processa informação de movi- da compreensão – no processamento da informa-
mento, gravidade e equilíbrio). Algumas ção verbal e não-verbal, quer ao nível da expres-
crianças podem ser sub-reactivas à estimu- são – na utilização do gesto natural, do gesto co-

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dificado e da palavra para entrar em comunica- Nas crianças verbais, a intervenção da Tera-
ção com o outro. peuta da Fala incide no desenvolvimento da
Torna-se assim fácil de perceber que as for- compreensão e da expressão verbal, essencial-
mas comunicativas mais usadas por estas crian- mente nas suas vertentes Semântica e Pragmá-
ças são formas pré-simbólicas não convencionais tica, áreas sempre em défice. Também com as
(movimento global do corpo, grito, manipula- crianças verbais a comunicação não verbal é tra-
ção). balhada em simultâneo.
Estas formas servem um leque muito restrito Pretende-se que estas crianças desenvolvam
de intenções comunicativas. As crianças usam a progressivamente uma motivação para comuni-
comunicação quase exclusivamente para pedir car, através de formas comunicativas facilmente
objectos, pedir acções e rejeitar, ou seja, para a compreensíveis pelo outro, abram e fechem cada
categoria pragmática de Regular o Comporta- vez mais ciclos de comunicação com os diferen-
mento do Outro, mas não para as categorias tes interlocutores, o que se vai traduzir numa
pragmáticas de Interacção Social – chamar a maior autonomia, funcionalidade e independên-
atenção para si – e de Atenção Conjunta – orien- cia.
tar a atenção do outro para objectos e aconte- Para atingir estes objectivos utilizam-se al-
cimentos interessantes, com o propósito de par- gumas estratégias:
tilhar a experiência com essa pessoa (Wetherby
& Prutting, 1984). - Introdução de uma terceira pessoa na ses-
A Terapia da Fala tem, assim, como objectivo são, para servir de modelo de comunicação;
fornecer à criança instrumentos convencionais - Partir dos interesses individuais de cada
de comunicação, pré-simbólicos e simbólicos, criança (personalização da linguagem);
alargando as suas intenções comunicativas às ca- - Dar intencionalidade e significação a todo
tegorias pragmáticas não utilizadas. e qualquer sinal comunicativo;
Pretende-se que a criança comece a usar ges- - Criar situações facilitadoras da utilização
tos naturais como a alternância do olhar, o apon- funcional da comunicação/linguagem em
tar (proto-imperativo para a intenção comunica- diferentes contextos;
tiva de Pedir e proto-declarativo para a Atenção - Utilização de suportes visuais à oralidade:
Conjunta), a expressão facial, o acenar com a Gesto natural, objectos, fotografias, ima-
mão e com a cabeça, o beijar e abraçar, como gens, etc.;
formas comunicativas pré-simbólicas convencio- - Utilização de comunicação aumentativa,
nais. nomeadamente do Programa de Linguagem
Como objectivo último, pretende-se que a do Vocabulário MAKATON, gesto codifi-
criança venha a utilizar formas comunicativas cado e símbolos gráficos, em simultâneo
simbólicas: a palavra, o gesto codificado e o com a fala;
símbolo codificado. Para isso, é utilizado como - Redução da complexidade da linguagem
principal estratégia de intervenção o Programa pelo terapeuta.
de Linguagem do Vocabulário Makaton, desen- - Adaptação às competências linguísticas da
volvido por Margareth Walker nos anos 70, que criança (nível da palavra isolada, duas pa-
pressupõe a utilização de gestos (retirados da lavras, três ou mais palavras);
Língua Gestual Portuguesa) e símbolos a acom- - Ênfase na entoação, ritmo e melodia (Pro-
panhar a fala. A Terapeuta da Fala, os pais e os sódia);
outros interlocutores são liderados pela modali- - Ênfase na expressão facial e mímica corpo-
dade preferida pela criança, fornecendo-lhe es- ral.
trutura e consistência nas interacções comunica-
tivas em todos os contextos. Nas crianças que 2.4. Intervenção Social em Rede
apresentam uma linguagem emergente com pou-
cas palavras altamente funcionais, este programa O apoio aos pais de crianças com perturbação
também é utilizado, pois fornece um meio de au- da comunicação e da relação visa essencialmente
mentar o vocabulário e de iniciar a construção de a formação de uma rede social de suporte à famí-
frases. lia no seu todo, em que se procura valorizar o

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contexto em que esta se insere. O foco da inter- irá constituir uma base de sustentação e de in-
venção não é tanto a criança ou a própria família fluência assim como um meio impulsionador ao
em si, mas antes a integração dos vários sub- desenvolvimento infantil.
sistemas que com ela se relacionam e para ela Assim, pais e familiares, técnicos e outros
convergem: valências de carácter pedagógico e parceiros comunitários são interpelados a cons-
recreativo e as de cariz profissional, político, re- truir um projecto comum para a criança, num
ligioso ou cívico. esforço conjunto de solidariedade e exercício de
Para Ross V. Speck (1987), rede social é um cidadania.
grupo de pessoas formado por membros da famí-
lia, vizinhos e outras pessoas susceptíveis de
proporcionar a um indivíduo ou a uma família, 3. DESCRIÇÃO DO PROGRAMA
uma ajuda e um apoio efectivo e duradouro.
Esta abordagem sócio-terapêutica tem uma Partindo dos pressupostos acima referidos,
dimensão comunitária e decorre sempre no ter- projectamos uma intervenção clínica intensiva, o
reno, preferencialmente na escola onde a criança Programa de Estudo e Intervenção nas Pertur-
está inserida. Porém, antes de dar início a esta bações da Relação e da Comunicação, que teve
intervenção, realizamos uma entrevista prelimi-
início em Novembro de 1997.
nar cujo objectivo é conhecer a rede primária em
Este programa funciona através de uma
que a família se encontra informalmente envol-
associação privada sem fins lucrativos, a Asso-
vida: familiares, vizinhos, amigos e pessoas
ciação de Apoio à Unidade da Primeira Infância
influentes. Em seguida procuramos caracterizar a
(AAUPI), em horário pós-laboral, com o apoio
rede secundária de suporte social, esta de ca-
rácter formal, composta por instituições privadas da Unidade da Primeira Infância. Desde Novem-
ou públicas de referência para a família. Uma bro de 2002, está também a funcionar um pólo
avaliação cuidada das redes sociais permite-nos do programa na margem sul do Tejo, em colabo-
conhecer o contexto em que a família se move, ração com a Equipa dos Apoios Educativos do
assim como determinar o nível de isolamento Seixal.
psicossocial em que se encontra, indicador por Da equipa técnica fazem parte:
excelência de inserção social de cada família. - Um Psiquiatra da Infância e Adolescência
A experiência de serem incluídos na rede, (Coordenador);
além de estruturante, traduz-se num reforço da - Quatro Psicólogas Clínicas;
auto-estima e visa capacitar os pais, na medida - Três Terapeutas Ocupacionais;
em que eles próprios se converte em parceiros
- Duas Terapeutas da Fala.
sociais e agentes de mudança de todo este pro-
cesso. O seu parecer é valorizado e procura-se
O programa destina-se a crianças com diag-
envolvê-los nas tomadas de decisão quanto à tra-
nóstico de Perturbação Multissistémica do De-
jectória psicopedagógica que em conjunto é tra-
senvolvimento, padrão A ou B segundo a classi-
çada para a criança.
Ao constituir-se a Rede Social onde todos os ficação diagnóstica DC: 0-3, (Zero to Three,
parceiros estão envolvidos (educadores de in- 1994), depois de um mínimo de 10 sessões de
fância, terapeutas, pais e familiares), é de funda- observação (2 meses) na Unidade da Primeira
mental importância haver um gestor cuja função Infância, com idade inferior a 4 anos e com orga-
é articular, coordenar e dinamizar todo o proces- nização familiar suficiente para garantir uma
so em curso, conferindo amplitude e coesão à frequência regular.
rede. Com este tipo de intervenção verifica-se As crianças são avaliadas pelo coordenador
um acréscimo dos factores de protecção e assis- do programa. A avaliação clínica inclui também
te-se a uma redução dos factores de risco até aí avaliação do desenvolvimento, que é feita por
presentes na situação (Roncon, 1995). Aos sen- uma psicóloga clínica, sempre que possível atra-
timentos de desmoronamento e impotência reve- vés da Escala de Desenvolvimento de Griffith’s,
lados inicialmente, sobrepõe-se o sentimento de avaliação neurológica e da audição, despiste da
pertença a um todo, uma espécie de ninho que deficiência mental, e a administração da «CARS

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– Childhood Autism Rating Scale» (Schopler et gumas acções de formação junto de pais e técni-
al., 1980). cos que lidam com crianças com este tipo de per-
Cada criança tem três sessões semanais de turbação (psicólogos, pediatras, pedopsiquiatras,
floor-time, com uma Psicóloga e duas sessões de enfermeiros, terapeutas ocupacionais e da fala,
integração sensorial com uma Terapeuta Ocupa- educadores e professores, entre outros) com o
cional. Após um período inicial, os pais ou ou- objectivo de divulgar este modelo de intervenção
tras figuras representativas são convidados a e fornecer algumas estratégias facilitadoras no
participar nas sessões. Quando a comunicação trabalho com estas crianças.
emerge de forma suficiente, adiciona-se uma ou
duas sessões semanais de terapia da fala. Os pais
recebem apoio individual na UPI, se assim o de- 4. DESCRIÇÃO DAS CRIANÇAS
sejarem. A duração da intervenção é, no mínimo,
de dois anos. Das 22 crianças inscritas no programa desde o
Para além disso, a equipa técnica promove seu início já saíram 10, das quais oito com mais
reuniões regulares de articulação com os técni- de dois anos e duas com menos de dois anos de
cos dos Jardins de Infância, com a participação programa. Actualmente beneficiam da interven-
dos pais, dentro do modelo de intervenção social ção 12 crianças, 9 rapazes e 3 raparigas. Todas
em rede, com a colaboração da Técnica de Ser- estão integradas em Jardim de Infância regular,
viço Social e da Enfermeira Especialista da UPI. na sua maioria com apoio individualizado.
Realizam-se ainda reuniões periódicas (de Os Quadros 1 a 3 apresentam uma caracteriza-
dois em dois meses) com os pais em grupo. ção sumária das crianças.
Nestas reuniões, que são de tema livre, os pais
são convidados a falar sobre as suas dificulda-
des, experiências e conquistas relativamente aos 5. RESULTADOS
seus filhos, o que tem funcionado de uma forma
informal como grupo de inter-ajuda. O programa tem agora cinco anos de funcio-
Paralelamente, a equipa tem desenvolvido al- namento. É conhecida a dificuldade em seleccio-

QUADRO 1
Idade Actual e Tempo de Permanência no Programa

Idade Tempo no Programa

MESES 31-35 36-48 49-60 60-71 0-6 6-24 24-30

N 3 3 3 3 4 6 2

QUADRO 2
Cotação Inicial com a Escala C.A.R.S.

Autismo Ligeiro a Moderado Autismo Severo

COTAÇÃO 32-37 37.5-49.5

N 10 12

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QUADRO 3
Distribuição diagnóstica DC: 0-3, Eixo I – Diagnóstico Principal 700. Perturbação
Multissistémica do Desenvolvimento

Padrão A Padrão B

N 6 16

QUADRO 4
Evolução Global das Crianças Inscritas
(n=18; 4 crianças com menos de 6 meses de programa)

Evolução

Má Razoável Boa/Muito Boa

N 6 8 4

nar instrumentos sensíveis e não enviesados na nicação e motoras, adaptação escolar (percurso
avaliação da eficácia terapêutica, bem como na académico e necessidade de apoio) e adaptação
selecção de grupos homogéneos e comparáveis familiar.
(Tsakiris, 2000). No entanto, os dados da avalia-
ção feita nos domínios do Desenvolvimento
Funcional Emocional (eixo V da DC: 0-3), da 6. CONCLUSÃO
Integração Sensorial e da Terapia da Fala, bem
como as informações dos pais, a adesão ao trata- A abordagem Floor-time e o Modelo DIR
mento e a nossa impressão clínica, sugerem for- constituem, no estado actual do conhecimento, a
temente a utilidade deste modelo de intervenção. resposta mais adaptada à pratica clínica com be-
Todas as crianças têm registado progressos bés e crianças pequenas com perturbações da co-
observáveis embora de nível variado no humor, municação e da relação. Apesar das dificuldades
na relação e adequação social, na comunicação, inerentes à aplicação de um programa de inter-
na adaptabilidade às mudanças, nas competên- venção intensiva com custos elevados para as
cias motoras e no processamento sensorial. Em famílias do ponto de vista material, de disponibi-
relação ao desempenho cognitivo, no entanto, te- lidade e organização, a experiência tem demons-
mos verificado que muitas crianças mantêm difi- trado, tanto pela clínica como pela adesão das
culdades. Estas dificuldades no desempenho famílias e dos técnicos, que este é um modelo
cognitivo nem sempre estão em correspondência útil e suficientemente eficaz para ser recomenda-
com os resultados apresentados na avaliação da a sua aplicação e divulgação.
inicial, o que vem reforçar a noção da dificulda-
de em estabelecer prognósticos mesmo após um
período de avaliação inicial extenso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O Quadro 4 apresenta a distribuição da evolu-
ção global das 18 crianças que beneficiaram do Ayres, A. J. (1979). Sensory integration and the child.
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