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Tópicos Especiais em Psicologia C

Aula 3
Seria o estado patológico apenas uma
modificação quantitativa do estado normal?
(Continuação)
Prof. Camilo Venturi
– O médico francês Claude Bernard (1813-1878) transportou a
medicina para o laboratório, sendo um dos pais da medicina
experimental.

Claude – Foi capaz de mostrar como o Princípio de Broussais poderia ser


Bernard e a colocado em prática com experimentos.

patologia – “Toda doença tem uma função normal correspondente da qual ela é
experimental apenas a expressão perturbada, exagerada, diminuída ou anulada.
Se não podemos, hoje em dia, explicar todos os fenômenos das
doenças, é porque a fisiologia ainda não está bastante adiantada e
porque ainda há uma quantidade de funções normais que
desconhecemos”.
– Claude Bernard teve um papel importante na formulação de um
modelo para a compreensão do Diabetes.
– Isolamento dos principais sintomas: poliúria (vontade de urinar),
polidipsia (vontade de comer), glicosúria (presença de glicose na urina),
etc.

– Diabetes como aumento da glicemia no sangue para além do limiar


normal, resultando em glicosúria (transbordamento de glicose para a
O modelo urina);

experimental
– Explicação quantitativa, quase mecânica, da produção da glicosúria.
do Diabetes
– Resultados deste modelo:
– fundação da patologia sobre a fisiologia.
– Aplicação experimental do Princípio de Broussais.
– Curar como voltar a um estado anterior de normalidade, à “inocência
biológica”
– Variação quantitativa, por si só, não é índice de patologia.
Patologia implica em uma novidade, uma qualidade, um valor.

– A redução de normal e patológico a diferenças de quantidade


Observações depende de um procedimento artificial de decomposição do corpo
em partes isoladas.
críticas de
Canguilhem – Para Canguilhem, não é uma parte que adoece, mas a totalidade
orgânica.
– Adoecer é “viver uma vida diferente”, estar no mundo de uma outra
maneira;
– Adoecer implica em uma experiência qualitativamente distinta;
– Adoecer é uma “ruptura biográfica”;
– “o diabetes não é uma doença do rim, pela glicosúria, nem do
pâncreas pela hipoinsulemia, nem da hipófise; a doença é do
organismo cujas funções todas estão mudadas, que está ameaçado
pela tuberculose, cujas infecções supuradas se prolongam
indefinidamente, cujos membros se tornam inutilizáveis pela artrite e
pela gangrena; mais ainda, a doença é do homem ou da mulher
ameaçados de coma, frequentemente vítimas de impotência ou de
esterilidade, para quem uma gravidez, se ocorrer, é uma catástrofe, e
cujas lágrimas – ironia das secreções! – são doces.”
É todo o
organismo que – “É de um modo bastante artificial, parece, que dispersamos a doença
em sintomas ou a abstraímos de suas complicações. O que é um
adoece! sintoma, sem contexto, ou um pano de fundo? O que é uma
complicação, separada daquilo que ela complica? Quando
classificamos como patológico um sintoma ou um mecanismo
funcional isolados, esquecemos que aquilo que os torna patológicos é
sua relação de inserção na totalidade indivisível de um
comportamento individual. De tal modo que a análise fisiológica de
funções separadas só sabe que está diante de fatos patológicos
devido a uma informação clínica prévia.”
– Se a patologia implica em uma experiência, como explicar o fato
de o clínico moderno adotar mais frequentemente o ponto de
vista do fisiologista do que o ponto de vista do doente?
– Sintomas subjetivos nem sempre coincidem com sinais objetivos.
– “A inaparência de certas infestações ou infecções levam o médico a
considerar a experiência patológica direta do paciente como
René Lériche e irrelevante e até mesmo como falsificadora do fato patológico
objetivo... Talvez seja por isso que a patologia levou tão pouco em
o engano da consideração essa característica da doença: de ser realmente para o
doente uma forma diferente de vida.”
subjetividade
doente – Para René Leriche, o “silêncio nos órgãos” não equivale
necessariamente à ausência de doença.
– Podem existir lesões ou perturbações funcionais que, durante muito
tempo são imperceptíveis para aqueles cuja vida tais perturbações
estão colocando em perigo.
– “Se quisermos definir a doença será preciso desumanizá-la”.
– “na doença, o que há de menos importante, no fundo, é o homem”.
– “Não há nada na ciência que antes não tenha aparecido na consciência
e que especialmente no caso que nos interessa, é o ponto de vista do
doente que, no fundo, é verdadeiro”.
– “médicos e cirurgiões dispõem de informações clínicas e utilizam
também, às vezes, técnicas de laboratório que lhes permitem saber
que estão doentes pessoas que não se sentem doentes. É um fato.
Mas um fato a ser interpretado. Ora, é unicamente por serem os
Resposta de herdeiros de uma cultura médica transmitida pelos clínicos do
passado que os médicos de hoje podem se adiantar e ultrapassar em
Canguilhem a perspicácia clínica seus clientes habituais ou ocasionais. Pensando
bem, sempre houve um momento em que a atenção dos médicos foi
René Lériche atraída para certos sintomas, mesmo que unicamente objetivos, por
homens que se queixavam de sofrer ou de não serem normais, isto é,
idênticos a seu passado. E se, hoje em dia, o conhecimento que o
médico tem a respeito da doença pode impedir que o doente passe
pela experiência da doença é porque outrora essa mesma experiência
chamou a atenção do médico, suscitando o conhecimento que hoje
tem. Sempre se admitiu, e atualmente é uma realidade incontestável,
que a medicina existe porque há homens que se sentem doentes, e
não porque existem médicos que os informam de suas doenças.”
– É a clínica, e não a fisiologia, quem detém a primazia do saber
sobre o normal e o patológico;

– O patológico não é uma mera variação quantitativa do normal,


mas uma qualidade distinta;
Resumo da
Parte I: – Essa qualidade distinta só pode ser apreendida do ponto de vista
Seria o estado patológico
global do organismo, e não das suas partes isoladas. Isso implica
apenas uma modificação na noção de comportamento orgânico global.
quantitativa do estado
normal?
– É a experiência dos doentes a autoridade última na determinação
de fatos normais e patológicos, e não o saber de cientistas e
especialistas.

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