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A filha do senador estava dormindo. Luke vigiava o sono dela com uma
pistola .44. A casa em que estavam escondidos ficava afastado do centro da cidade.
Havia outros dez policiais espalhados pelo quarteirão, fazendo rondas, todos com
os dedos nervosos prontos para atirar no primeiro que aparecesse e não se
identificasse. Ninguém iria matar ela, não enquanto eles estivessem alí a
protegendo.
Luke viu a jovem e os remédios que ela teve que tomar para dormir. Foram
tantos que ele estava com medo dela ter uma overdose. Ele se afastou, pegou um
rádio e começou a conferir as rondas de cada policial.
-Bravo seguro.
Silêncio.
Chiado.
-Eu pensei que depois de todos os avisos que eu dei vocês se preparariam
bem mais, mas olhe só. Já estão todos mortos.
Outro tiro. Mais alto no peito, na altura do pulmão. E tudo ficou escuro.
Despertou com luzes piscando no seu rosto. Percebeu que havia pessoas o
abrindo com facas e ficou horrorizado. Deu um soco no primeiro e tentou se
levantar.
-Eu?... Onde?
-Você está no Hospital Santa Madre, sobreviveu a dois tiros e teve que fazer
uma cirurgia. Demora, mas você vai se recuperar.
-A garota… Eles a levaram…
O comandante pegou uma foto e mostra para ele. Uma jovem numa poça
de sangue com uma faca na mão e a barriga rasgada.
-Isso foi a uma semana. Ela está morta! Por sua culpa!
Ele não sabia o que pensar. Estava triste pela garota e sentiu o seu corpo
inteiro doer mais por isso, tentou se sentar na cama, mas a dor o impediu.
-Me desculpe senhor. Eu… fomos cercados. Eles tinham armas militares
com eles…
-Já sabemos. Se recupere. O senador irá querer conversar com você assim
que puder andar.
-Estamos sem tempos para formalidades então serei direto: soube o que
aconteceu com a minha filha?
-Senhor?
-Eu pensei muito no que fazer com você e com seus colegas policiais, mas
então percebi que demitir vocês não vai resolver nada. Ela não vai voltar. E eu não
quero justiça. Eu quero aquele desgraçado morto. Você entende.
-Me dê um esquadrão confiável e as armas que ele usou que não vai ter
lugar na terra ou no inferno que ele possa se esconder.
Uma oportunidade: matar um homem e ter sua vida de volta. Luke chegou
em casa e esperou sua mulher voltar do serviço. Passou a tarde toda pensando no
que iria falar com ela e quando a viu se sentiu perdido.
-Você o quê?
-Eu estava na rua protegendo a casa que ela estava escondida. Então eles
vieram atirando e… acho que você já entendeu.
Luke se questionava por que estava mentindo num detalhe tão pequeno
para ela.
-Você quase morreu Luke. E se você tivesse morrido eu não ia nem saber
porque!
Ela estava certa. E não havia nada que ele pudesse dizer para se defender.
-O que você falou com o senador hoje? Ele te culpou pela morte da filha?
-Sim, bem, não. Mais ou menos. Mas ele não vai mandar me demitir. Eu vou
continuar trabalhando normalmente para a polícia.
Ele continuava mentindo, agora cada vez mais. Por que não falava a
verdade? Porque não dizia que agora era um matador contratado para matar outro
assassino? Ele sabia porque não dizia isso para ela. Ela nunca aceitaria, e quem
poderia julgá-la? Ele sabia que o que queria não era justiça, era vingança. Uma
morte pela outra.
-O que você não está me falando amor?
-Eu não consigo parar de pensar naquele dia. Eu sinto tanta raiva, tanta
raiva. Eu quero fazer algo!
-Você precisa voltar a trabalhar, e esquecer. Nada de bom vai vir se você
ficar pensando nisso. Você só vai sofrer mais. Não há nada que você possa fazer.
Havia sim. Ele podia terminar de se recuperar e começar a caçar. Foster iria
pagar.
-Escuta aqui. Não brinca comigo. Eu não preciso de você. Se você não
falar, outro fala. E você? Vou te fatiar até você ficar irreconhecível.
-Está bem senhor policial. Já que está sendo tão gentil eu te conto sim. Ele
está naquele galpão abandonado no leste da cidade. Sabe? Aquele que explodiu
uns anos atrás.
-Eu disse o que você queria desgraçado. O que mais quer de mim?
-Isso foi um aviso, se for uma armadilha eu vou voltar e continuar te
cortando.
-O que foi?
Não teve direito a um “aló” nem a um “tudo bem”. Se bem que ele não
merecia.
-Voltar porque? Para fingir que eu tenho um marido que me ama? Para
fingir que você não está obcecado com o seu serviço que não pensa em mais nada
direito? Não, isso não vai acontecer.
Ela desligou. Estava louca de raiva, mas ela não tinha o direito de impedi-lo
de ver o filho. Adotado ou não ele ainda era o pai. Começou a pensar quando foi
que as coisas ficaram assim tão bagunçadas. Ele estava trabalhando infiltrado
quando ela o deixou. Ele tentava ligar para ela várias vezes e quando ela finalmente
atendia dizia a ele que se ele estava sozinho isso era bom, assim ele saberia como
ela se sentia. Luke pensou que se dissesse o que estava fazendo, as pessoas que
estava torturando e matando ela iria se separar dele. Não conseguia compreender
por que ela o odiava tanto. Ele só queria terminar o serviço. E agora isso estava
perto. Mais perto do que nunca.
A missão tinha sido comprometida, Foster sabia sobre eles, tinha que se
apressar. Como se todos os assassinos do prédio tivesse ido para o saguão Luke
sentiu os tiros o pressionarem e se sentiu cercado. Se era verdade que o
desgraçado tinha um exército de uns cinquenta, estavam todos ali naquele
momento. Correndo o quanto conseguia e atirando, subiu as escadas do hall para o
primeiro andar ainda recebendo os tiros quando sentiu um deles acertar sua perna.
Pegou um lança granadas e começou a atirar. Pilastras e partes do teto desabavam
e o som das armas automáticas aos poucos foi silenciando. Continuou atirando os
explosivos até que tudo o que escutou foi gritos de dor no meio da destruição. Essa
era a vingança que ele estava querendo.
-Isso é tudo o que você tem? Para mim isso não é nada.
-Todos vocês são uns malditos, e eu vou matar cada um por isso. Seus
assassinos.
-Muitos deles nunca pegaram numa arma antes de hoje. Vamos, chame
eles de assassinos se isso te fizer se sentir melhor. Isso não torna a morte deles
pelas suas mãos menos injusta.
-Nãããããão!!!
-Eu fui o único que viu eles como realmente são, como pessoas iguais a
mim e você. Fui o único que falou com eles, que lhes escutou, que lhes deu um
propósito.
-se defender dos assassinos de farda como você e dos ladrões de terno
como seu querido Senador. Ele te disse porque eu sequestrei a filha dele?
-Não, isso é entre você e todos os que você machucou para chegar aqui.
Na porta para o terceiro andar havia apenas mais um assassino. Ele olhava
para os corpos dos outros e chorava. A arma dele jogada no chão. Vestía kevlar e a
mesma maldita máscara escura que os outros. Luke pegou e o rifle e mirou no
rosto. Apertou três vezes o gatilho e nada. Tinha acabado com a munição. O
assassino então olhou para ele e baixinho disse:
-Luke, não…
Tentou pegar sua arma para matar ele, mas estava sem forças. Tremia de
raiva, medo e tristeza. Queria se matar, queria morrer, queria ela de volta.
-Agora nós dois não temos mais nada. Vamos, termine o que começou. Me
mata. Culpe a mim por tudo o que você se tornou. Me mata!
-Não. Eu vou prender você! Você vai pagar pelo que fez!
-O que você está fazendo? Nós dois vamos morrer! Diz o maníaco.
Diário de um esquecido
Viver livre para ser triste ou se manter preso em algo que te obriga a ser
feliz?
Eu já passei por tanta coisa, e eu nunca fiz mal a ninguém. Eu tentei ser
bom. Será que agora eu já posso ser feliz?
Eu tentei beber, mas a bebida não tinha sabor, eu usei remédios, drogas,
jogos, fiz de tudo para que alguma coisa nublasse a minha mente e me fizesse
parar de pensar. Mas eu não conseguia, eu via nitidamente tudo o que estava
errado, e era impossível tirar isso da minha cabeça
Sabe o que me irrita? As mentiras que nos contaram, como nos iludiram
falando que éramos bons do jeito que éramos. E agora, ninguém se importa
conosco
Não há nada que faça um ser humano agir de maneira tão degradante
quanto a esperança de se ter um dia melhor.
Se alguém mais me disser “Mas olhe o lado bom das coisas...” eu juro que
não sei o que sou capaz de fazer.
Por que você me odeia? Você acredita em Deus padre, e eu estou apenas
fazendo um favor encaminhando seus anjinhos para ele antes que possam pecar
mais e mereçam o inferno
A felicidade é uma droga feita pela nossa cabeça, nos relaxa e estimula,
mas tal como os remédios antidepressivos, ela não é real
Denunciei ele, mas me ignoraram. Nada vai mudar. Ninguém vai ser punido.
Eu fui até a casa dele e o matei. Não vou deixar isso acontecer de novo.
Esses anjos caídos são minha única família. Anjos feios, tortos, e ainda sim
pobres almas torturadas iguais a minha
Fizemos outro vídeo hoje, para que todos saibam que estamos falando sério
e que não seremos mais ignorados. Chega de sermos mortos. São meus filhos,
meus irmãos, ninguém pode detê los, eles estão nas ruas, em todos os lugares, e
agora eles têm armas
Picolé de amaciante
Você não sabia? É muito fácil fazer o que eu faço, difícil é aceitar as
consequências, vamos tente, você pode me culpar depois e dizer que eu te obriguei
Eu disse para ela: “Eles vão entrar atirando, não vão se importar com
reféns, com vítimas, com nada. Eu não quero te matar, só quero te mostrar isso,
então tudo fará sentido”
Agosto de 2020.