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A Cada Dia Mais Perto da Morte

A filha do senador estava dormindo. Luke vigiava o sono dela com uma
pistola .44. A casa em que estavam escondidos ficava afastado do centro da cidade.
Havia outros dez policiais espalhados pelo quarteirão, fazendo rondas, todos com
os dedos nervosos prontos para atirar no primeiro que aparecesse e não se
identificasse. Ninguém iria matar ela, não enquanto eles estivessem​ alí a
protegendo.

Luke viu a jovem e os remédios que ela teve que tomar para dormir. Foram
tantos que ele estava com medo dela ter uma overdose. Ele se afastou, pegou um
rádio e começou a conferir as rondas de cada policial.

-Alpha seguro capitão.

-Bravo seguro.

-Delta seguro senhor.

-Esperem um pouco. E Charlie? Rios, informe ponto Charlie! Disse Luke


preocupado.

Silêncio.

-Todos a seus postos estamos sendo atacados!

O som que veio a seguir pegou Luke completamente de surpresa, disparos


tão altos que pareciam vir de uma metralhadora antiaérea. Os tiros passaram pelas
paredes e abriram rombos de um lado a outro. Luke ficou deitado no chão
esperando os tiros passarem e então parte do teto ruiu sobre ele. Os assassinos
fariam de tudo para sequestrar a jovem, mas ele não pensou que chegaria a tanto.

Quando a poeira assentou Luke sob os escombros pegou o rádio:

-Alguém na escuta? Estou preso. O pacote está comprometido. Alguém


precisa tirar ela daqui. Na escuta?

Chiado.

-Olá senhor policial. No momento seus homens estão ocupados morrendo,


mas não se preocupe que estamos aqui para ajudar a sua garota.
Escutou então os gritos dela e de alguém a levando. Pegou seu rifle de
assalto que estava do seu lado e atirou no escombro que o prendia. Sob uma
nuvem de estilhaços se levantou e em segundos mirou e matou dois dos assassinos
com tiros precisos na cabeça. Então um disparo. Luke olhou para o próprio peito
onde havia o colete e viu um buraco saindo sangue. Sem forças caiu no chão. Com
passos lentos um dos assassinos se aproxima dele.

-Eu pensei que depois de todos os avisos que eu dei vocês se preparariam
bem mais, mas olhe só. Já estão todos mortos.

Na sua frente um homem de roupa social branca, e o rosto sujo de


vermelho, talvez sangue. Luke se esforçava para não deixar a dor o paralizar:

-Eu vou te caçar maldito, vou te caçar e vou te matar!

-Quando foi que vocês policiais se tornaram os guarda-costas de políticos e


assassinos?

Outro tiro. Mais alto no peito, na altura do pulmão. E tudo ficou escuro.

Despertou com luzes piscando no seu rosto. Percebeu que havia pessoas o
abrindo com facas e ficou horrorizado. Deu um soco no primeiro e tentou se
levantar.

-Enfermeira, mais anestesia, rápido.

Apareceram outros e o seguraram. Quando ele acordou de novo estava


numa cama de hospital, ligado a soro e a vários remédios. Sentado ao lado da cama
o comandante da polícia.

-Senhor? O que está fazendo aqui?

-Você sabe onde está capitão Luke?

-Eu?... Onde?

-Você está no Hospital Santa Madre, sobreviveu a dois tiros e teve que fazer
uma cirurgia. Demora, mas você vai se recuperar.
-A garota… Eles a levaram…

O comandante pegou uma foto e mostra para ele. Uma jovem numa poça
de sangue com uma faca na mão e a barriga rasgada.

-Isso foi a uma semana. Ela está morta! Por sua culpa!

Ele não sabia o que pensar. Estava triste pela garota e sentiu o seu corpo
inteiro doer mais por isso, tentou se sentar na cama, mas a dor o impediu.

-Me desculpe senhor. Eu… fomos cercados. Eles tinham armas militares
com eles…

-Já sabemos. Se recupere. O senador irá querer conversar com você assim
que puder andar.

A porta se abriu e a esposa de Luke ficou ali na entrada, chorando de


alegria, sem reação por vê-lo acordado. Ele estava feliz por ver ela e por estar vivo.
Mas sua vida estava acabada. O senador iria exigir do comandante o pior para ele,
sua prisão, sua demissão e se ele fosse particularmente rancoroso podia até
mandar matá-lo. Não. Não estava a salvo ainda. Na verdade estava num perigo
ainda maior. Três semanas depois, mesmo sem estar totalmente restabelecido Luke
foi até a casa do senador que o recepcionou pessoalmente. Chegaram no escritório
dele e fecharam a porta. Luke olhava para os lados buscando uma saída para uma
emergência, mas não havia nenhuma.

-Como está sua saúde capitão?

-Me recuperando senhor.

-Estamos sem tempos para formalidades então serei direto: soube o que
aconteceu com a minha filha?

-Sim senhor. Me perdoe por iss…

-Não pense em se desculpar seu canalha, vocês tinham apenas uma


missão e deixaram aquele maluco levar ela. Não, não pense que pedir desculpas
vai te tirar dessa tão fácil.
-Eu vou atrás dele senhor. Assim que eu puder eu vou atrás dele e fazer ele
pagar!

-Então tivemos a mesma ideia.

-Senhor?

-Eu pensei muito no que fazer com você e com seus colegas policiais, mas
então percebi que demitir vocês não vai resolver nada. Ela não vai voltar. E eu não
quero justiça. Eu quero aquele desgraçado morto. Você entende.

-Sim. Eu penso exatamente a mesma coisa.

-O nome dele é Foster. Já sequestrou e matou outras pessoas importantes


e agora começou a colocar vídeos na internet. Ele acusa o governo, e
principalmente acusa a polícia pelas coisas que estão acontecendo. Como se toda
essa violência não fosse culpa dele mesmo. Está reunindo seguidores e agora ele
se tornou nossa prioridade número 1.

-Me dê um esquadrão confiável e as armas que ele usou que não vai ter
lugar na terra ou no inferno que ele possa se esconder.

-Você será demitido da polícia. Apagaremos seus registros como se nunca


tivesse trabalhado. Isso vai te dar toda a liberdade que precisar para fazer o que for
necessário para matá-lo. Você trabalhará infiltrado e disfarçado diretamente para
mim e somente eu e o seu comandante saberemos disso. Você aceita matar aquele
homem?

-Considere morto senhor.

-E se alguém se meter no seu caminho?

-Não se preocupe com isso.

Uma oportunidade: matar um homem e ter sua vida de volta. Luke chegou
em casa e esperou sua mulher voltar do serviço. Passou a tarde toda pensando no
que iria falar com ela e quando a viu se sentiu perdido.

-Você está bem amor?


-O peito dói um pouco ainda.

-Aqui, toma o remédio.

Ele a encarava. Precisava dizer alguma coisa para ela.

-O que foi amor?

-Eu conversei com o senador hoje.

-Pobre homem, deve estar em choque. Exibiram na tv as fotos do que


aconteceu com a filha dele, estão dizendo que forçaram ela mesmo a se matar.
Pobre homem.

-Eu fazia a proteção dela aquele dia, eu e um grupo de outros policiais.

-Você o quê?

-Eu estava na rua protegendo a casa que ela estava escondida. Então eles
vieram atirando e… acho que você já entendeu.

Luke se questionava por que estava mentindo num detalhe tão pequeno
para ela.

-Quando você ia me contar sobre isso?

-Era uma operação secreta.

-Você quase morreu Luke. E se você tivesse morrido eu não ia nem saber
porque!

Ela estava certa. E não havia nada que ele pudesse dizer para se defender.

-O que você falou com o senador hoje? Ele te culpou pela morte da filha?

-Sim, bem, não. Mais ou menos. Mas ele não vai mandar me demitir. Eu vou
continuar trabalhando normalmente para a polícia.

Ele continuava mentindo, agora cada vez mais. Por que não falava a
verdade? Porque não dizia que agora era um matador contratado para matar outro
assassino? Ele sabia porque não dizia isso para ela. Ela nunca aceitaria, e quem
poderia julgá-la? Ele sabia que o que queria não era justiça, era vingança. Uma
morte pela outra.
-O que você não está me falando amor?

-Eu não consigo parar de pensar naquele dia. Eu sinto tanta raiva, tanta
raiva. Eu quero fazer algo!

-Você precisa voltar a trabalhar, e esquecer. Nada de bom vai vir se você
ficar pensando nisso. Você só vai sofrer mais. Não há nada que você possa fazer.

Havia sim. Ele podia terminar de se recuperar e começar a caçar. Foster iria
pagar.

-Onde está o Foster?!?!

Segurou o mendigo pelo pescoço e deu outro soco na cabeça dele.

-Eu mandei me dizer onde ele está.

O mendigo deu a ele um riso feio, com os dentes quebrados e com o


sangue escorrendo para fora da boca. Estava resistindo muito, devia ter usado
drogas.

-Foster? Nunca ouvi falar.

E sorriu de novo. Ao redor dos dois estavam outros quatro policiais


mascarados do esquadrão da morte, todos apontando seus rifles para o mendigo.
Luke perdeu a paciência, sacou uma faca e apontou para o pescoço do homem.

-Escuta aqui. Não brinca comigo. Eu não preciso de você. Se você não
falar, outro fala. E você? Vou te fatiar até você ficar irreconhecível.

-Está bem senhor policial. Já que está sendo tão gentil eu te conto sim. Ele
está naquele galpão abandonado no leste da cidade. Sabe? Aquele que explodiu
uns anos atrás.

Luke pegou a faca e enfiou no braço do mendigo que urrou de dor.

-Eu disse o que você queria desgraçado. O que mais quer de mim?
-Isso foi um aviso, se for uma armadilha eu vou voltar e continuar te
cortando.

O mendigo olhou para o próprio braço rasgado, o sangue brotou


rapidamente do furo.

-E agora? O que eu faço?

-Paga um hospital, ué.

Os cinco policiais saíram e pegaram uma van. Finalmente, após um ano o


encontraram. Precisavam agora se preparar para invadir o local e matá-lo. Com
certeza era uma armadilha por isso precisavam se preparar rápido. Luke chegou em
casa e tirou a própria máscara. Como odiava ela. Estava sozinho. Precisava
descansar, mas só pensava na esposa. Ligou para ela implorando mentalmente
para ela atender. Fazia dias que ela deixava cair a ligação.

-O que foi?

Não teve direito a um “aló” nem a um “tudo bem”. Se bem que ele não
merecia.

-Oi, eu queria falar com você.

-Está falando agora, o que você quer?

-Eu queria saber… quando você vai voltar para casa?

-Voltar porque? Para fingir que eu tenho um marido que me ama? Para
fingir que você não está obcecado com o seu serviço que não pensa em mais nada
direito? Não, isso não vai acontecer.

-Eu estou com saudade do Antony.

-Deixa o meu filho fora disso. Você não é o pai dele.

-Nem você é a mãe dele amor.

Ela desligou. Estava louca de raiva, mas ela não tinha o direito de impedi-lo
de ver o filho. Adotado ou não ele ainda era o pai. Começou a pensar quando foi
que as coisas ficaram assim tão bagunçadas. Ele estava trabalhando infiltrado
quando ela o deixou. Ele tentava ligar para ela várias vezes e quando ela finalmente
atendia dizia a ele que se ele estava sozinho isso era bom, assim ele saberia como
ela se sentia. Luke pensou que se dissesse o que estava fazendo, as pessoas que
estava torturando e matando ela iria se separar dele. Não conseguia compreender
por que ela o odiava tanto. Ele só queria terminar o serviço. E agora isso estava
perto. Mais perto do que nunca.

Passou a tarde seguinte preparando o ataque ao galpão. Conseguiram


armas proibidas no país e vestiram os trajes, um misto de kevlar com blindagens
metálicas e uma máscara de ferro preto. Cada um iria atacar por um lado diferente
para não deixar ninguém escapar. Foster tinha muito mais assassinos agora do que
antes, suspeitavam que estavam em desvantagem de um para dez, mas não faria
diferença, isso iria terminar naquela noite. Chegaram no local o notaram em silêncio.

-Eles sabem que estamos aqui. Começar operação.

Se separaram e apenas Luke ficou ali aguardando o sinal para invadir a


entrada. Segundos depois escutou o sucessivo som de várias granadas explodindo.
Correu até a entrada e viu três assassinos que o metralharam. Quando pararam
para recarregar receberam os tiros do rifle de Luke na cabeça. A blindagem resistiu
e o kevlar não se partiu dessa vez. Hora da vingança. Entrou no saguão e uns oito
assassinos começaram a atirar. Todos com coletes e capacetes metálicos roubados
de uma armoria militar poucas semanas antes. Sem rostos, apenas máscaras
escuras. Num velho alto falante na parede uma voz chiada saiu:

-Irmãos acordem, estamos sendo atacados por animais. E no saguão está o


pior de todos eles. Olá capitão, saiba que pensei em você todos os dias nesse
último ano. Pensei em como eu deveria ter atirado na sua cabeça e te matado de
uma vez. Um erro que estou pronto para corrigir agora. Eu não me importo com os
outros policiais, eu quero você. Estou no terceiro andar, te aguardando. Venha,
mostre suas garras.

A missão tinha sido comprometida, Foster sabia sobre eles, tinha que se
apressar. Como se todos os assassinos do prédio tivesse ido para o saguão Luke
sentiu os tiros o pressionarem e se sentiu cercado. Se era verdade que o
desgraçado tinha um exército de uns cinquenta, estavam todos ali naquele
momento. Correndo o quanto conseguia e atirando, subiu as escadas do hall para o
primeiro andar ainda recebendo os tiros quando sentiu um deles acertar sua perna.
Pegou um lança granadas e começou a atirar. Pilastras e partes do teto desabavam
e o som das armas automáticas aos poucos foi silenciando. Continuou atirando os
explosivos até que tudo o que escutou foi gritos de dor no meio da destruição. Essa
era a vingança que ele estava querendo.

Entrou no primeiro andar e viu vários homens diferentes com


submetralhadoras. Não eram os mesmos assassinos e pareciam apenas drogados
comuns. Enquanto os matava gritou:

-Isso é tudo o que você tem? Para mim isso não é nada.

Quando todos morreram uma voz saiu do altofalante:

-​Ninguém olhou para esses marginais e perguntou se eles precisavam de


ajuda. Ninguém viu aquela pobre garota vendendo drogas e lhe ofereceu um
emprego. Todos passaram por cima deles. Todos inclusive você que jurou servi-los
e protegê-los. Aliás, você só repara neles quando se tornam seus alvos.

-Todos vocês são uns malditos, e eu vou matar cada um por isso. Seus
assassinos.

-Muitos deles nunca pegaram numa arma antes de hoje. Vamos, chame
eles de assassinos se isso te fizer se sentir melhor. Isso não torna a morte deles
pelas suas mãos menos injusta.

Subiu para o segundo andar em fúria. As partes metálicas da armadura


cediam, retorcidas pelos tiros começavam a cortar a carne e mais de um tiro tinha
acertado ele, mas isso não importava. Tudo o que importava era o fim da missão.
Luke se viu numa grande sala escura. Pegou sua arma e através do visor noturno
viu várias pessoas escondidas pelos cantos. Mirou e atirou na cabeça do mais
próximo.

-Nãããããão!!!

Surgido das sombras um homem alto apareceu do nada e se jogou em cima


de Luke. Com uma machete furou o kevlar e tentou cortar o pescoço na parte onde
a máscara não protegia. Luke com toda a força pegou uma faca na sua perna e
começou a esfaquear a barriga do homem até que ele finalmente enfraqueceu e
caiu do seu lado. Quando se levantou reconheceu o mendigo que tinha dado a
localização. Sacou seu rifle e terminou de executar todos os outros escondidos
antes que tivessem tempo para outra emboscada. Não importava se eram mulheres
ou idosos, eram criminosos. A medida que as luzes foram se acendendo a voz de
Foster foi sendo ouvida novamente. Não mais no alto falante, mas sim de perto dalí,
em algum lugar.

-Eu fui o único que viu eles como realmente são, como pessoas iguais a
mim e você. Fui o único que falou com eles, que lhes escutou, que lhes deu um
propósito.

-Se vingar e matar aqueles que vocês não gostam?

-se defender dos assassinos de farda como você e dos ladrões de terno
como seu querido Senador. Ele te disse porque eu sequestrei a filha dele?

-Isso não importa. Isso é entre eu e você.

-Não, isso é entre você e todos os que você machucou para chegar aqui.

Na porta para o terceiro andar havia apenas mais um assassino. Ele olhava
para os corpos dos outros e chorava. A arma dele jogada no chão. Vestía kevlar e a
mesma maldita máscara escura que os outros. Luke pegou e o rifle e mirou no
rosto. Apertou três vezes o gatilho e nada. Tinha acabado com a munição. O
assassino então olhou para ele e baixinho disse:

-Luke, não…

Foi interrompido por três tiros no peito da pistola .44.

Quando se aproximou do corpo caído no chão notou um chumaço de cabelo


loiro saindo da máscara preta que o assassino usava. Tirou a máscara dele e sentiu
seu mundo girar. Não era um assassino, era sua esposa. Como? Ela não podia
estar alí, estava na casa dela, estava trabalhando. Ela tinha que estar em qualquer
outro lugar, ela não podia estar alí. Sentiu-se sufocar. Retirou a própria máscara de
ferro. Ela não respirava. Verificou pelo kevlar dela, os três tiros passaram direto.
Ainda havia tempo. Ainda havia… não, não havia mais nada para fazer, ela estava
morta.

Descendo das escadas do terceiro andar Foster se aproximou. Desarmado.


Com o mesmo terno branco e ainda a cara de psicopata suja de sangue. Ele olhava
triste os mortos no local até que percebeu Luke sentado perto do corpo da esposa.

-Ver sangue é sempre uma experiência mágica. Você se lembra da morte e


passa a valorizar a vida. Sinto pela sua perda policial.

Tentou pegar sua arma para matar ele, mas estava sem forças. Tremia de
raiva, medo e tristeza. Queria se matar, queria morrer, queria ela de volta.

-Todos os assassinatos que você cometeu contra a minha família te levaram


até aqui Luke. Eu sabia que você viria e por isso tenho um segredinho para te
contar: eu adiantei minha vingança contra você. Seus pais, os seus irmãos, seu filho
Antony e todos da sua família. Eu mandei matar eles essa manhã.

Foster pegou a pistola .44, avaliou e colocou na mão de Luke.

-Agora nós dois não temos mais nada. Vamos, termine o que começou. Me
mata. Culpe a mim por tudo o que você se tornou. Me mata!

Luke mirou com a pistola no rosto de Foster, se levantou, gritou e… joga a


pistola no chão.

-Não. Eu vou prender você! Você vai pagar pelo que fez!

-Não, não vou.

Ele retira das costas um dispositivo pequeno, parecido com um celular.


Aperta um botão e um tremor abala o prédio, em seguida outro e Luke identifica as
explosões vindo da base do galpão. Saca rapidamente suas algemas e se prende
em Foster.

-O que você está fazendo? Nós dois vamos morrer! Diz o maníaco.

-Eu já estou morto.

Fechando o ciclo de ódio iniciado um ano antes o galpão desaba sepultando


os dois.
Agosto de 2020.

Diário de um esquecido

Frases encontradas no diário de um assassino em série atualmente


desaparecido, não há datas nelas e vários registros não estão legíveis:

Fui demitido. Não foi minha culpa.

Sério que a vida é um eterno pedido de desculpas?

Meus silêncios gritam através de mim.

Viver livre para ser triste ou se manter preso em algo que te obriga a ser
feliz?

Eu sou um fracasso até naquilo que eu amo fazer

Eu já passei por tanta coisa, e eu nunca fiz mal a ninguém. Eu tentei ser
bom. Será que agora eu já posso ser feliz?

Eu tentei beber, mas a bebida não tinha sabor, eu usei remédios, drogas,
jogos, fiz de tudo para que alguma coisa nublasse a minha mente e me fizesse
parar de pensar. Mas eu não conseguia, eu via nitidamente tudo o que estava
errado, e era impossível tirar isso da minha cabeça

Sabe o que me irrita? As mentiras que nos contaram, como nos iludiram
falando que éramos bons do jeito que éramos. E agora, ninguém se importa
conosco
Não há nada que faça um ser humano agir de maneira tão degradante
quanto a esperança de se ter um dia melhor.

Você não ganha nada sendo bom.

Se alguém mais me disser “Mas olhe o lado bom das coisas...” eu juro que
não sei o que sou capaz de fazer.

Matei um padre hoje. Não sei o que pensar.

Hoje no jornal um policial deu uma entrevista dizendo as seguintes palavras


para mim: “eu não acredito que esse mundo é bom, nem acredito que o que faço é
certo, mas ele funciona, e se for preciso eu vou matar esse louco para que tudo
continue funcionando”.
Dúvida: Esse mundo funciona para quem?

Adapte-se ou morra. É assim que o mercado de trabalho funciona, hoje


você é útil, mas amanhã você precisa ser novo, melhor, mais incrível, senão você
vai ser esquecido e abandonado. Adapte-se ou morra. Nunca existiu algo tão cruel
quanto dizer para uma pessoa que ela precisava melhorar todos os dias para que
ela fosse considerada um alguém. Eu odiei todos os que me fizeram pensar que era
essa a verdade, que era assim que se devia viver, mas agora começo a perceber
algum sentido nisso. É, eu me adaptei, e agora muita gente irá morrer.

Por que você me odeia? Você acredita em Deus padre, e eu estou apenas
fazendo um favor encaminhando seus anjinhos para ele antes que possam pecar
mais e mereçam o inferno

A felicidade é uma droga feita pela nossa cabeça, nos relaxa e estimula,
mas tal como os remédios antidepressivos, ela não é real

A felicidade está apenas na nossa cabeça


A única coisa na vida que é realmente durável é a morte

Vi um policial matando um mendigo hoje. Ele se aproximou e o executou.


Animais, são todos uns animais. Malditos fardados.

Denunciei ele, mas me ignoraram. Nada vai mudar. Ninguém vai ser punido.

Eu fui até a casa dele e o matei. Não vou deixar isso acontecer de novo.

O padre não apareceu mais. Me pergunto aonde ele foi

Esses anjos caídos são minha única família. Anjos feios, tortos, e ainda sim
pobres almas torturadas iguais a minha

Você me pergunta por que eu sou assim? Eu te explico: Um estrangeiro, um


homem destro sem a mão esquerda e uma grávida fizeram uma entrevista de
emprego. Falaram com o estrangeiro como se ele tivesse um problema mental por
não falar corretamente nosso idioma, disseram ao maneta que ele não seria capaz
de trabalhar igual aos outros funcionários por causa da falta da mão, e trataram a
grávida como se ela tivesse uma doença contagiosa. Eles disputavam uma vaga
para telemarketing.

Fizemos outro vídeo hoje, para que todos saibam que estamos falando sério
e que não seremos mais ignorados. Chega de sermos mortos. São meus filhos,
meus irmãos, ninguém pode detê los, eles estão nas ruas, em todos os lugares, e
agora eles têm armas

Picolé de amaciante

Sequestrei uma mulher hoje. Michelle esposa de um policial. Ela acredita


que o mundo é bom. Vou mostrar para ela que ele não é.
Coitada, estava tão assustada. Tentei acalmá-la: Você não precisa ter medo
de mim. Deveria ter medo de nunca perder a esperança, pois a falta dela é
libertadora

Um traficante apareceu perto de nós tentando nos ameaçar e eu o matei


com a própria faca dele. Ela ficou horrorizada e me perguntou como eu podia fazer
aquilo com uma pessoa: “Não vejo pessoas, vejo apenas animais falsamente
socializados a espera de uma brecha para mostrarem suas garras”

Michelle olhe para mim, não estou preso a nada

Você não sabia? É muito fácil fazer o que eu faço, difícil é aceitar as
consequências, vamos tente, você pode me culpar depois e dizer que eu te obriguei

Eu disse para ela: “Eles vão entrar atirando, não vão se importar com
reféns, com vítimas, com nada. Eu não quero te matar, só quero te mostrar isso,
então tudo fará sentido”

Capturamos um policial agora a pouco. Ele se soltou, matou dois e tentou


matar a Michelle. Matei ele antes disso. Ela ficou em choque no chão, chorando
pedindo por ajuda. Levantei ela e disse: “​Você acredita que alguém virá aqui te
ajudar? Quem? Outro policial? Sua família? Algum político com um programa de
prevenção à violência? Se você acredita nisso você está completamente fora de si,
aqui, pegue a minha arma, você vai precisar​”

Ela finalmente entendeu. Agora falta pouco. Eles já vão chegar.

Agosto de 2020.

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