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Direcao - de - Arte - e - Estilo UFF - Luiza Gama Drable Santos - 2013.2 PDF
Direcao - de - Arte - e - Estilo UFF - Luiza Gama Drable Santos - 2013.2 PDF
2013
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, que me criaram pra ser a melhor das pessoas que eles puderam
desejar e estiveram ao meu lado em todas as minhas escolhas, apesar de discordar em algumas
delas.
Aos meus irmãos que sempre estiveram ao meu lado em todas as travessuras e todas as
dificuldades da vida.
Ao Lucas, pelo apoio constante em todos os passos, por me fazer acreditar em mim mesma.
À Camila, companheira, irmã de todas as horas, sem ela nada disso seria possível.
À Fernanda, amiga que me conhece mais do que eu mesma, me ensina todos os dias sobre a
liberdade.
À Silvia Rumen, minha amiga e sócia, pelo companheirismo de todos estes anos e a
transmissão de pensamento constante. E todos da Croquete Filmes, pelo conhecimento na
prática que tem me dado, e pela amizade que carrego no peito.
A todos os amigos do colégio que estiveram ao meu lado nesta jornada e que se mostraram
presentes, mesmo que a quilômetros de distância.
A todos os amigos da 2008.1, que apesar de ‘apagadinha’, sempre foi nossa turma querida.
À India Mara Martins, minha orientadora querida, por todos os momentos de orientação
precisa, por todas as conversas, todos os sets, todo o carinho dedicado a mim.
André Bazin
Manoel de Barros
RESUMO
The purpose of this paper is to analyze the role of the art director in the Brazilian
contemporary audiovisual context, proposing to review its field, with a different vision for the
aesthetic style that can be defined through its influence on the cinematic narrative. The
research will address the analysis of the creative process of three art directors who were active
during the brazilian cinema post resumption period (1990’s), and their contributions. They
are: Cassio Amarante, Carla Caffé and Raimundo Rodriguez. Finally, we seek to investigate
how these definitions of aesthetic style proposed by those art directors can affect the
cinematic narrative.
Keywords: art direction; production design; visual design; style; creative process
LISTA DE FIGURAS
Figuras 2.1 e 2.2: O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, Cao Hamburger, 2006 ....... 36
Figuras 2.3 e 2.4: O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, Cao Hamburger, 2006 ........ 37
Figuras 2.5 a 2.8: O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, Cao Hamburger, 2006 ....... 38
Figuras 3.3, 3.4 e 3.5: Narradores de Javé, Eliane Caffé, 2003 ........................................... 44
Figuras 4.3, 4.4 e 4.5: Capitu, Luiz Fernando Carvalho, 2008 ............................................. 53
Figuras 4.6, 4.7 e 4.8: Capitu, Luiz Fernando Carvalho, 2008 ............................................. 54
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 10
2.1.2. A cor................................................................................................................... 26
CONCLUSÃO........................................................................................................................ 55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................. 59
Referências da Internet........................................................................................................ 60
Filmografia.......................................................................................................................... 62
INTRODUÇÃO
Quando iniciei esta pesquisa e o caminho que viria a ser percorrido, e que ainda
pretendo percorrer no mesmo sentido, percebi o quanto era significativa a falta de material
didático e acadêmico voltado para o estudo de direção de arte. Mais ainda, percebi a
desvalorização da qual esta função padece. Sempre me perguntei por que dentro de uma
universidade que seria uma das melhores em cinema do país não teria uma só disciplina
optativa voltada para direção de arte e apenas uma disciplina que abrange o estudo do tema,
que por acaso começou no ano em que eu deveria iniciar tal estudo. Nunca entendi o porquê
da função ser relegada a um segundo plano, tendo menor importância em relação a outras
funções, como a direção de fotografia, já que a atividade fílmica sempre se deu para mim
como uma atividade de grupo e conjunta.
11
termo “cenografia”, segundo Mónica Gentile, “vem do grego “skenographis”, de
skenographos: cenógrafo, definição de perspectiva de um objeto. Arte de pintar cenários de
teatro. Atualmente, define-se a cenografia como conjunto de cenários de uma obra teatral,
cinematográfica ou televisiva. Arte de realizar cenários.” (GENTILE, 2007, p.17)
Portanto, o que se pretende discutir nesta pesquisa é o papel do diretor de arte para
construção da narrativa fílmica e com isso, investigar a possível formação de um estilo
próprio para estes atores, assim como observamos e estudamos para os diretores artísticos.
Avançamos para uma análise da função, mais a frente na história do cinema brasileiro,
quando a construção dos estúdios da Vera Cruz nos anos 50 e a determinação mais formal e
técnica de profissionais vindos do exterior que vão influenciar o pensamento e a formação dos
realizadores nacionais, até mesmo daqueles que vão discordar da construção desse modelo
industrial e decidirão ir por um caminho contrário a este.
No segundo capítulo será analisado como a direção de arte trabalha seus mecanismos
no cinema brasileiro contemporâneo, levando-se em consideração os elementos de
composição da imagem visual e conseqüentemente, os elementos que compõe o estilo estético
do filme a partir da teoria formulada por David Bordwell. Faremos uma decomposição dos
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elementos visuais que constroem a imagem cineplástica1 para analisá-los paralelamente à
narrativa fílmica no terceiro capítulo.
1
O termo ‘cineplástica’ vem da definição para atmosfera do diretor de fotografia francês Henri Alekan: “A
atmosfera é a integração no complexo plástico de elementos ativos (dinâmicos) - personagens e objetos, e
elementos passivos (estáticos) – lugar e cenário, num clima cuja origem é sempre psicológica. A atmosfera é o
ligante da componente fílmica ou pictórica. É a atmosfera que dá o tom à obra. É através dela que o visual
relembra à nossa memória – que acumulou as nossas experiências vividas, que os pendências psíquicas, que se
traduzem por desconforto, tristeza, mistério, medo, angústia, felicidade, alegria, etc.” (Henry Alekan. Des
lumières e des Ombres, Paris, Le Sycomore, 1984, ´n ; 67) IN MARTINS, India Mara. O Production Design e a
criação de atmosferas no cinema.
14
1. UMA BREVE PERSPECTIVA HISTÓRICA
Nos Estados Unidos, já a partir dos anos 20 a cenografia nos estúdios hollywoodianos
torna-se intimamente ligada ao sistema de estúdio. E assim como os estúdios, crescem os
departamentos de arte ligados a eles. Cria-se, dessa forma, uma tendência de estilo por
departamento de arte. Ou seja, cada estúdio acaba criando um estilo próprio. Era o chefe do
departamento quem conduzia seu estilo e por isso, ele era o “cabeça de equipe” e quem
levava o crédito do trabalho de todos os diretores de arte de cada unidade, os artistas de
sketches e os arquitetos das plantas-baixas.
Entre os trabalhos mais memoráveis produzidos por Cedric Gibbons podemos citar
cenografias como as dos filmes Terra dos Deuses, com Louise Rainier e Paul Muni, Anna
Karenina, com Greta Garbo e Frederic March e a reconstituição de Maria Antonieta. Os
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figurinos usados no filme foram expostos na década de 1980 em exposição de enorme êxito,
organizada por Diana Vreeland, no Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque.
Nos anos 30, se inicia a chamada Idade de Ouro de Hollywood e com isso, um
remanejamento definitivo dos diretores de arte entre os estúdios que estabeleceria um estilo
próprio para cada um deles. Nessa época, por vezes se acreditou que pela forte
departamentalização dos estúdios hollywoodianos, o chefe do Departamento de Arte poderia
estilizar um filme a tal ponto que um filme com mise-en-scène fraca poderia ser dominado
pelo diretor de arte.
Em 1939, pela primeira vez foi outorgado a William Cameron Menzies o crédito de
Production Designer do filme E o Vento Levou, pelo produtor David O. Selznick. A
realização contou com esforços conjuntos de vários diretores, porém Menzies visualizou o
filme como nenhum deles havia feito. Menzies havia desenhado mais de cem sketches para
câmera seguir, inclusive com os efeitos de luz. O seu projeto foi concretizado e ganhou o
Oscar de melhor filme; claro que não foi um esforço de um só homem, mas a visão de
Menzies foi de grande evolução para a direção de arte. A partir daí, a figura do production
designer passou a ser reconhecida dentro do cinema como produtor e designer ao mesmo
tempo.
Oficialmente, Ruy Costa foi o primeiro a ser creditado pela cenografia de Onde a
terra acaba, produzido em 1933 pela Cinédia, e depois por Alô, alô, Carnaval!, filme de
Adhemar Gonzaga, também produzido pela Cinédia em 1936, cuja montagem de cenários é
sua, mas a assinatura dos desenhos de cenários é dos cartunista J. Carlos. A cenografia nesta
época carrega esta característica teatral dos fundos pintados. O cineasta e jornalista Adhemar
Gonzaga é o grande responsável pela construção dos estúdios da Cinédia, empresa fundada
em 1930, que foi fruto das discussões sobre a implantação de um modelo de indústria
cinematográfica no país, em especial as exercidas pela revista Cinearte, dirigida por
Gonzaga, que sugeria uma transformação técnica e estética no intuito equiparar o produto
nacional ao estrangeiro (RAMOS, 2000, p. 130).
17
personagem para utilizá-lo como protagonista da trama, se baseando em uma estrutura de
novela radiofônica. O filme é uma adaptação a partir da famosa música homônima de
Vicente Celestino, e contou também com uma prévia encenação nos teatros de revista.
18
Ainda com o intuito de criar uma indústria de cinema no Brasil nos padrões
internacionais de produção, levando-se em consideração não só a técnica, como também a
estética do filme, em 1949, o empresário Francisco Matarazzo Sobrinho e o produtor
italiano Franco Zampari fundam a Companhia Cinematográfica Vera Cruz em São Bernardo
do Campo, no município de São Paulo. A cidade tinha ganhado entre 1940 e 1950, o Museu
de Arte Moderna (MAM), o Museu de Artes de São Paulo (MASP), a Escola de Arte
Dramática (EAD), a primeira Bienal de Artes plásticas, a Cinemateca Brasileira, o Teatro de
Cultura Artística, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), entre outros. O TBC, o MASP e a
Vera Cruz pertenciam ao mesmo grupo, tinham a mesma estrutura empresarial. Alimentados
por este rigor técnico de que o cinema industrial hollywoodiano estava imbuído e por uma
lei que isentava totalmente de impostos a importação de equipamentos para produções e
pós-produções cinematográficas, os empresários vão construir um estúdio em uma área de
100.000 m2 e importar todo o equipamento necessário para fazê-lo funcionar. Com o lema
“Produção Brasileira de Padrão Internacional”, o objetivo era produzir filmes com temáticas
culturais brasileiras no modelo internacional de produção, utilizando-se para tal bases
industriais.
19
e o artista plástico ítalo-brasileiro Pierino Massenzi como cenógrafo e construtor, que na
época devia ser uma designação semelhante a cenotécnico.
Figura 1.1
21
2. A FUNÇÃO DENTRO DA INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA BRASILEIRA
A direção de arte no cinema é a área responsável pelo aspecto visual da obra. O diretor
de arte é encarregado por criar junto ao diretor e ao fotógrafo uma atmosfera2 na qual o
espectador será lançado pela história. Há um conjunto de elementos que compõe o design
visual de um filme, determinados por seu contexto histórico, social, político, estético e
imagético. A partir deste trabalho de contextualização que será realizado com base no roteiro
e nas intenções do diretor com o filme, o diretor de arte irá harmonizar elementos como a
cenografia, o figurino, a maquiagem e os efeitos especiais, criando um desenho de produção.
Isso significa que seu trabalho consiste na organização do espaço da mise-en-scène onde se dá
a ação, no qual composição de cor, texturas e ambientação interajam e produzam um estilo
singular.
Nos Estados Unidos o título de mais alto escalão da equipe de arte é de production
designer, o que equivale ao diretor de arte nos filmes brasileiros. Isso quer dizer que para as
produções norte-americanas o “cabeça de equipe” da arte é também produtor; e deveria ser,
porque ele pensa o filme junto com o diretor e tenta solucioná-lo da melhor forma possível,
estética e financeiramente. A definição de production designer, segundo Vincent LoBrutto, é
de que ele concebe toda a visualidade da imagem fílmica, sendo não só responsável pela
criação dos cenários e coordenando equipes de figurinistas, maquiadores, cenotécnicos e
contra-regras. Ele é responsável, portanto, pela criação de uma paleta de cores, a definição de
detalhes periódicos e arquitetônicos relacionados ao roteiro, a seleção de locações em função
disto e de outras questões, como o desenho e decoração de set.
2
Trabalha-se aqui com a definição de atmosfera que é apresentada nos estudos de Inês Gil, cuja característica é
dialogar com o espaço, que é “composto por forças visíveis e invisíveis , que têm o poder de desencadear
sensações e afetos nos receptores”.
22
Uma das funções do diretor de arte é colocar idéias visuais no papel através de
desenhos conceituais, ou seja, desenhos dos sets de filmagem que imaginou junto ao diretor.
Depois de aprovados esses desenhos, que em um primeiro momento podem ser somente
rascunhos, são desenvolvidos e detalhados, além de plantas baixas para construção dos sets,
fotos e plantas baixas das possíveis locações, que serão adaptadas para o filme.
23
Além de pensar em todas essas características, o diretor de arte deve elaborar um
plano orçamentário desde a pré-produção até a pós, cujas escolhas levarão em consideração
não só a estética, mas também o que é mais vantajoso na relação custo-benefício. Por isso,
podemos perceber que a função do diretor de arte combina a concepção criativa do projeto
com a organização da estrutura orçamentária que será necessária para realizá-lo. Sendo assim,
o termo production designer se faz mais adequado para definir a margem de trabalho na qual
o diretor de arte atua dentro do filme, levando-se em consideração que o alcance da função no
Brasil é o mesmo.
24
2.1 Elementos Visuais de Composição
Vamos trabalhar aqui com a definição de três conceitos visuais: textura, cor e uso do
espaço. Definindo estes conceitos poderemos determinar mais facilmente a matéria em si da
direção de arte, delineando as funções figurativas e dramáticas dos conceitos apresentados. Se
o diretor parte de um espaço tridimensional vazio de sentido que é o set de filmagem e a partir
daí projeta e constrói todo um conceito para direção de arte para que os personagens se
movam neste ambiente, como este processo criativo se desenvolve? Para Jacques Aumont
3
No original: “el punto, la línea, la forma, el espacio, el equilibrio, el valor, la textura e el color se consideran
como elementos que hacen a la composición de una obra visual.”, tradução nossa.
4
Grifos do autor.
25
2.1.1 A Textura da imagem
Dondis explica que “a textura, óptica ou tátil, transmite um caráter de superfície dos
materiais visuais” (DONDIS, 1991, p. 23), acrescentando a esta definição uma característica
de superfície, fazendo alusão à aparência de real criada pela direção de arte quando trabalha
com materiais cenográficos, que nem sempre são os materiais verdadeiros usados na
arquitetura de construção, mas são necessários para dar realismo ao ambiente, sem a
necessidade de serem materiais de uso perpétuo.
2.1.2 A Cor
Na historia das artes visuais, a luz tem uma estreita relação com as cores criadoras de
atmosfera. A utilização de cores cria narratividade através de um contexto tonal, se
26
apresentando como um modo de expressar ou definir um mundo dentro do filme, na
construção de atmosferas. O diretor de arte vai definir uma paleta de cores para o projeto
visual do filme e partir daí, criar significado com estas cores. É através da escolha de uma
dominante de cor, ou seja, de um matiz, que o diretor de arte irá definir um papel expressivo
da cor com claras intenções dramáticas para o roteiro. Donis A. Dondis define a cor como a
“contraparte do tom com acréscimo do componente cromático, o elemento expressivo visual
mais expressivo e emocional” (DONDIS, 1991, p. 23).
No momento de criação do matiz que tenderá a película, o diretor de arte vai trabalhar
com a definição de uma paleta de cores como elemento expressivo para contar história.
Segundo Gentile, isto “constitui um recurso estético que não só unifica a obra, como também
funciona como reforço dramático da obra” (GENTILE, 2007, p. 154) 5. A importância aí está
no papel metafórico da cor, como criadora de significado dramático. LoBrutto afirma que a
cor “não é só um meio de atingir verossimilhança nas imagens; cor pode comunicar tempo e
espaço, definir personagens, e estabelecer emoção, estado expressivo, atmosfera, e uma
sensibilidade psicológica. Em uma narrativa visual, cor é um dos melhores recursos do
realizador.” (LOBRUTTO, 2002, p.77).6
5
No original: “contituye un recurso estético que no solo unifica la obra, sino también funciona como refuerzo
dramático del relato.” , tradução nossa.
6
No original: “Color is not only used to archieve verisimilitude in the images; color can communicate time and
place, define characters, and establish emotion, mood, atmosphere, and a psychological sensibility. In a visual
storytelling, color is one of moviemaker’s greatest assets.”, tradução nossa.
27
2.1.3 A Composição Espacial
O uso do espaço na tela pode simbolizar emoções e atmosferas, baseados nas relações
entre os personagens e seus ambientes. Já o uso da perspectiva cria uma terceira dimensão
para dentro da tela que faz o espectador acreditar na imagem e entrar no filme.
A cenografia (de teatro), por exemplo, não tem o efeito de criar um universo
diegético, não passa de uma convenção dentro do próprio mundo real.
(Poderíamos acrescentar, na mesma perspectiva, que a assim chamada
‘ficção’ no cinema é a diegese, enquanto no teatro a ‘ficção’ só existe como
‘convenção’ [...].) O espetáculo cinematográfico, pelo contrário, é
completamente irreal, ele se desenvolve num outro mundo [...]: o espaço da
diegese e o da sala (que envolve o espectador) são incomensuráveis, nenhum
dos dois inclui nem influencia o outro, as coisas ocorrem como se houvesse
uma parede invisível, porém intransponível. (METZ, 1972, p. 26)
28
Isso quer dizer que no cinema, o espaço tridimensional criado para dentro da tela, o
torna verossimilhante conforme convenções que se desenvolvem na construção desta imagem;
e por isso dependem da composição de recursos ceno-plásticos para fazer com que o
espectador acredite naquela realidade imaginária. Já o espetáculo teatral tem em sua forma
mesmo sua matéria de criação do espaço, que se encontra mais atual para o espectador.
29
A partir desta breve exposição de alguns elementos que constituem a composição
visual, é essencial destacar a integração entre os elementos como importante meio de
constituição da imagem.
30
3. O QUE DÁ AO DIRETOR DE ARTE UMA VOZ PRÓPRIA?
De acordo com a teoria formulada pelo teórico britânico John Gibbs, o conceito de
estilo visual identifica uma intenção autoral por parte do realizador que visa à produção de
sentido através da interação dos elementos que compõe a mise-en-scène. O termo mise-en-
scène vem do francês, e literalmente, quer dizer “colocar em cena” e está atrelada a função
diretor. Como conceito que concerne estilo visual, mise-en-scéne abrange os elementos que a
compõem e que são organizados para formar uma unidade visual e estética. Assim sendo, os
elementos que compõem a mise-en-scène, segundo Gibbs, são: iluminação, figurino, cenário,
objetos de cena e atuação dos atores.
Há diferentes formas visuais com as quais o realizador pode trabalhar e essas formas
vão se definindo conforme esses elementos se relacionam com a produção de significado para
contar a história, ou seja, para elaborar a narrativa. É importante notar, portanto, como os
conceitos de forma e o conteúdo são organizados dentro da imagem. Como explica Mónica
Gentile (2007), cada diretor de arte vai desenvolver seu conceito de cenografia partindo do
lugar em que trabalha, o teatro, o cinema, a televisão, porém concordando que todas estes
lugares tratam de uma forma visual de trabalhar um roteiro. Sendo assim, cada um deles vai
desenvolver sua prática de compor visualmente o espaço de representação, aqui fundamental
para nosso estudo, partindo de sua própria matéria.
Neste sentido, vemos a direção de arte como uma potente porta de comunicação de
estados expressivos, possibilitando a criação de atmosferas através do estilo proposto com
uma intenção autoral, já que o design visual é parte integrante do processo narrativo
contribuindo com vários elementos de composição da mise-en-scène, como a cor, o cenário, o
figurino e os objetos de cena.
(...) a tarefa que realiza o diretor de arte, quem deve criar, no espaço
tridimensional, um mundo de formas, cores, luzes e sombras que rodeiam e
definem os personagens, onde o diretor do filme possa mover os atores de um
lado para o outro, enquadrando-os com liberdade dentro deste mundo que
agora pertence a eles. (GENTILE, 2007, p. 139)7
7
No original: “(…) la tarea que realiza el director de arte, quien debe crear, en un espacio tridimensional, un
mundo de formas, colores, luces y sombras que rodee a los personajes y a la vez los defina, donde el director del
filme pueda mover a los actores de un lado a otro, encuandrándolos con libertad dentro de ese mundo que ahora
les pertenece a ellos.”, tradução nossa.
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Partimos do pressuposto, portanto, conforme analisou Bordwell, que a história
percorrida pelo estilo no cinema pode nos dar suporte teórico para pesquisar as diferentes
formas com que este vem sendo utilizado e comparar a sua formação nos dias atuais,
definindo padrões e a importância dos mesmos.
Vamos analisar estas entrevistas através de três perspectivas diferentes, todas elas tendo
como postulado o que os próprios diretores de arte consideram essencial em seu processo
criativo. A partir daí, faremos um diálogo entre a teoria trabalhada e a construção narrativa
construída através a direção de arte. A metodologia utilizada aqui será a análise de dois filmes
ou obras audiovisuais de cada diretor de arte proposto no discurso, que tenham relevância no
percurso da obra destes diretores. No caso de Cássio Amarante, analisaremos os filmes O Ano
em que Meus Pais Saíram de Férias (2006) e Xingu (2012), ambos dirigidos Cao Hamburger,
cada um por seu destaque no cenário contemporâneo do cinema audiovisual brasileiro.
Para abordar os projetos visuais de Carla Caffé, vamos considerar a direção de arte de
Narradores de Javé (2004), de Elianne Caffé e Central do Brasil (1998), dirigido por Walter
Salles, no qual ela divide a assinatura com Cássio. Este último foi significativo no contexto
pós-retomada do cinema brasileiro, tanto quanto para história do cinema brasileiro como um
todo, como por sua notoriedade no cenário internacional. Já a análise da obra de Raimundo
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Rodriguez tem a excepcionalidade de não referir-se a um filme, mas sim a uma minissérie da
TV Globo, chamada Capitu (2008), dirigida por Luiz Fernando Carvalho e baseada na obra de
Machado de Assis, Dom Casmurro. Pretendíamos desta maneira também abordar outras
janelas de exibição, que mantém a direção de arte e o projeto visual como ponto importante
para construção da narrativa.
Carla Caffé veio a trabalhar com Cássio dividindo a direção de arte do filme Central
do Brasil, também dirigido por Walter Salles. Assim sendo, de uma forma ou de outra, desde
o inicio de sua carreira, ele sofreu a influência de cineastas que tiveram um conhecimento
prévio de documentário muito forte, o que provocou uma série de inspirações neste sentido,
como podemos perceber neste depoimento:
Eu quando caí dentro do cinema, caí nas mãos do Walter Salles e do Walter
Carvalho, fotógrafo, ambos documentaristas, ambos com um background de
documentário muito forte. Então quando eles vieram para ficção para fazer
no início dos anos 90 o “Terra Estrangeira”, eles não conseguiam se
desassociar dessa condição, então eles não queriam vender barato nada. E a
Daniela estava vindo do teatro, e ela é uma pessoa com uma visão muito
aguçada das coisas, ela não estava vindo com nada estereotipado. E nem o
trabalho dentro de teatro dela tinha a ver com o teatrão que tem por aí, quer
dizer, era um trabalho visceral, com uma outra pegada. Então, essa ligação
com o teatro da Daniela e essa disposição documentarista dos dois, pra mim
foi uma escola de cinema. Porque eu passei a fazer as coisas para que elas
parecessem de verdade. Essa experiência de que a película do filme funciona
como a minha retina, quer dizer, a sensação que eu tenho dentro da sala de
cinema é de que eu estou vendo aquelas coisas pra mim. Eu fiquei preso a
essa obsessão, de que as coisas parecessem verdadeiras, de que as coisas
parecessem que já estivessem lá. (AMARANTE, 2012, não publicada)
34
De acordo com o depoimento de Cássio Amarante, percebemos que os fundamentos
do documentário instigaram o processo criativo do diretor de arte para que mais tarde ele
pudesse criar seu próprio estilo.
O estilo é definido pela forma como se pratica a ação ou pelo conteúdo da ação
praticada? Se for pela forma como se pratica tal ação, definir-se-á o estilo como um caminho
a se seguir, na sua relação com o outro no coletivo de trabalho? Em Sintaxe da Linguagem
Visual, o ponto de vista de Donis A. Dondis é que “qualquer acontecimento visual é uma
forma com conteúdo, mas o conteúdo é extremamente influenciado pela importância das
formas constitutivas, como cor, o tom, a textura, a dimensão, a proporção e suas relações
compositivas com o significado.” (DONDIS, 1991, p. 22)
No conjunto dos filmes criados por este diretor de arte pudemos perceber uma unidade
na relação estética com a imagem e com sua formação pessoal como personagem atuante no
espaço. Como se define esta fala na imagem? Observemos projetos como O ano em que meus
pais saíram de férias (2010) e Xingu (2012): ambos tiveram a direção de arte de Cássio
Amarante, e apesar dos diferentes meios de produção e planos orçamentários, os dois projetos
visuais possuem este teor documentarista de um cinema que tem o potencial de nos oferecer
“mundos a serem explorados e contemplados; ou podemos simplesmente nos deliciar com o
prazer de passar do mundo que nos cerca para esses outros mundos de possibilidades
infinitas” (NICHOLS, 2001, p. 26). Nichols diz que “mesmo a mais extravagante das ficções
evidencia a cultura que a produziu e reproduz a aparência das pessoas que fazem parte dela”
(ibid), relacionando a narrativa ficcional com histórias que necessitam transmitir significado e
valores, através da criação de mundo plausível e aproximação do espectador do contexto
explorado, que é exatamente o que o Cássio propõe na sua concepção da direção de arte.
35
Podemos ressaltar essa correlação da experiência fílmica como processo de construção
de um estilo para o diretor de arte em projeto como Xingu e O ano em que meus pais saíram
de férias quando observamos a criação de uma dinâmica entre espaço e personagens, onde os
mesmos se percebem e atuam no espaço de acordo com a composição de valor simbólico,
estados expressivos e atmosferas. A direção de arte, como ferramenta eficaz no processo
narrativo, possui a função de interpretar a cidade e construir uma cidade que fala por si só,
para expressar um ponto de vista não só visualmente como também social, econômica e
politicamente. Cássio Amarante ressalta a importância deste papel da cidade em uma de suas
falas:
8
Do original: “Space can express power, oppression, freedom, fear, joy, paranoia, and a myriad of emotions,
moods, and atmospheres based on the relationship between the characters and their enviroment.”, tradução
nossa.
36
transformações na vida de um menino, que durante a ditadura militar no Brasil, é deixado
com o avô, enquanto os pais, um casal de militantes políticos fogem do governo militar.
Desde o inicio do filme, percebe-se o clima de tensão em relação à policia: ao passar pelo
carro do exército enquanto os pais levam o menino para casa do avô, eles tentam disfarçar e
viram o rosto. Quando ele chega em sua casa temporária, descobre que seu avô morreu e
acaba ficando hospedado com um vizinho judeu solitário e ranzinza, Schlomo. Pela ótica
ingênua de um menino de 12 anos, a ditadura militar e a repressão se transformam em um
pano de fundo da história, que na verdade se concentra na espera pelos pais e na expectativa
pelo Brasil na Copa do Mundo, quando os pais prometeram voltar para buscá-lo.
A história se passa no bairro judeu de Bom Retiro, em São Paulo, no ano 1970, ano
em que o Brasil venceu a Copa do Mundo. O contexto é importante para localizar histórica e
socialmente os personagens desta narrativa. Podemos iniciar a análise observando a paleta de
cores criada para o filme, que se baseia em uma evolução dos personagens no curso da
história, o que é essencial para a construção da característica tonal da obra. Em um primeiro
momento podemos perceber que Mauro, o personagem principal, se sente sozinho e
abandonado ao ser deixado pelos pais na casa do avô e ainda por cima ao descobrir que o avô
faleceu. Neste, a utilização de cores mais sóbrias e sem muitas variações tonais nos apresenta
o mundo como o menino vê agora, sem graça e sem excitação; estes sentimentos também são
passados para o espectador através da cor na imagem fílmica, como ilustrado pelas figuras 2.1
e 2.2.
37
Nestes primeiros momentos, portanto, percebemos poucas variações tonais, com o uso
de cores sóbrias e frias, alguns marrons e azuis; sem a utilização de cores vivas. No
reconhecimento deste novo espaço (esta nova cidade, porque ele vai de Belo Horizonte para
São Paulo) para onde Mauro é levado, ele percebe os caminhos e as pessoas que encontra.
Junto a isso, elementos que lembram o personagem da presença dos pais e do avô,
como o álbum de figurinhas e o futebol de botão, irão carregar a carga semântica da saudade
de casa. Estes objetos de cena, como também o telefone, fazem parte do imaginário que se
constrói em volta do menino. O telefone (Figuras 2.5 e 2.6), que está presente em muitas
cenas, é parte importante deste imaginário, pois este elemento (objeto de cena integrante da
mise-en-scène) liga o personagem à imaterialidade da ausência dos pais e ao mesmo tempo ao
38
lugar que está no presente. Portanto, no mecanismo criado através deste objeto de cena, o
telefone ganha importância semântica na expectativa que Mauro tem no retorno dos pais.
Além disso, a direção de arte vai compor o filme de época, contribuindo para a
contextualização da década de 70. É desta forma que o espectador é jogado no contexto da
ditadura, acreditando na conjuntura do filme, sem que o cenário lhe pareça falso, por ser
extremamente trabalhado, seja nas cenas internas ou externas. É possível para o espectador
39
perceber o exterior, sem o receio de que a qualquer momento a câmera abra o enquadramento
e o espectador já não possa mais acreditar no espaço. É na necessidade do personagem
principal de aprender a conviver com a casa do avô falecido e no ambiente externo
desconhecido por ele, aliado a sua necessidade de transformação, que o filme contribui para
esta construção de um cenário bem apurado nesta década de 70. É um filme que fala sobre a
passagem e o descobrimento da adolescência, e a perda da inocência e da ingenuidade. Para
isso, a narrativa se utiliza dos artifícios da história (do Brasil e dos pais de Mauro)
descortinando as verdades da repressão para o menino entender um pouco do que se passava
com os pais. Como ressalta Cássio no making of do filme: “a cidade é um personagem do
filme de época. E tudo que permeia a vida na cidade: os carros, as pessoas, os hábitos.” Com
certeza, foi na pesquisa que se pôde conceber este mundo verossimilhante, tanto para os
personagens como para o espectador. A dificuldade em reproduzir esta realidade (ou recriar
uma realidade que seja verossímil) dos anos 70 sem torná-lo idealizado está justamente em
torná-lo palpável para os espectadores, aí entra um trabalho de pesquisa intensa, tão ressaltado
por Cássio Amarante.
Na perspectiva de O Ano em que meus pais saíram de férias, a direção de arte tem um
papel de concepção de uma atmosfera que, apesar de construída a partir do ponto de vista de
uma criança, não é infantilizada, pois é na transformação desta criança que se dá a narrativa e
na dimensão não onírica e mais real do mundo. Dito isto, observamos o que podemos
compreender de fato como sugestão de estilo estético, uma busca por identidade. Como
função da cenografia observamos também a construção ambientes ligados a identidade e
características dos personagens, dotando-os de significado, como aponta Gentile (2007) em
seu estudo.
Já em Xingu (2012), filme mais recente dirigido por Cao Hamburger e com direção de
arte de Cássio Amarante, verificamos a construção do projeto visual baseado na idéia de que a
aldeia também é cidade, com toda sua complexidade. Xingu aborda a trajetória dos irmãos
Villas-Bôas, quando decidem partir em direção ao Brasil Central, na Marcha para o Oeste (de
caráter militarista) em 1943. Os irmãos se deparam com os índios e descobrem sua cultura e
seus costumes, e acabam se envolvendo na defesa dos direitos indígenas. Para isto, querem
40
construir um parque ecológico e reserva indígena, que na época, era o maior do mundo. No
meio da história, se envolvem em diversas batalhas e obstáculos, até conseguir seu objetivo.
Com base nesta concepção de que a própria aldeia é uma cidade, a intenção de
simular uma parte da cidade indígena parecia pouco e se preferiu filmar as próprias aldeias
reais, com os índios enquanto personagens ‘reais’ em sua própria casa, como coloca Cássio
em seu depoimento:
Neste ponto, podemos perceber que este valor humano como modo de absorção
daquela realidade, além da assimilação da ‘cidade indígena’ enquanto espaço a ser
descoberto, acrescentou verossimilhança ao projeto. Apesar da superficialidade em tratar da
complexidade e dificuldade operacional das aldeias, o filme mostra de perto e por dentro as
ocas, feitas de palha e folhas de palmeiras, com colunas de sustentação e redes para dormir.
(Figura 2.9 e 2.10)
Por conter muitas cenas em externa na floresta amazônica, a paleta de cores compõe-
se de tons esverdeados e marrons, revelando o solo de cor avermelhada e rios de águas claras.
Esta composição de cores quentes se equilibra e estrutura com figurinos de cores leves e
41
claras, e as próprias ocas que possuem cores puxadas para tons de bege (da palha e da folha
palmeira seca). Esta paleta cromática é essencial para criar a atmosfera proposta para o filme
e dar o aspecto necessário para que o espectador acredite nos personagens e naquele
ambiente, como ilustrado nas Figuras 2.11 e 2.12.
Figura 2.13
42
Este conceito do projeto visual, de se destacar pelo diálogo entre a geografia física
daquele ambiente e o material humano, faz parte da característica de estilo do diretor de arte
de abordar o processo criativo a partir de viés realista. Cássio Amarante aponta que:
(...)o Walter Salles me ajudou muito nisso, de criar um conceito. Não é que
ele veio e me deu uma aula sobre isso. Mas o processo com ele de trabalho,
me obrigou a construir um raciocínio no qual eu acreditasse antes de atacar o
problema, quer dizer, realmente construir um universo na minha cabeça
primeiro. E aí começar a tirar as conclusões, criar um conceito a respeito
disso e com esse conceito me aproximar. Claro que isso tem a ver com
realismo, que isso tem a ver com honestidade com aquilo que você está
contando, honestidade com os personagens de quem você está falando.
(AMARANTE, 2012, não publicada)
Com outro viés, temos a perspectiva da diretora de arte Carla Caffé, que realizou
filmes como Narradores de Javé e Central do Brasil, o último dividindo a direção de arte
com Cássio Amarante. Nos dois projetos, o que norteou seu trabalho foi a necessidade de
criação de uma interação entre a comunidade onde se produziria o filme e a forma de
produção. Ou seja, para ela, parte importante da função é:
Ao analisar a direção de arte do filme Narradores de Javé, dirigido por Eliane Caffé,
destacamos a intenção do projeto de arte de criar a atmosfera voltada para a palavra e a
memória. O filme é narrado por Zaqueu, que conta a história do povoado do Vale de Javé,
que está prestes a ser inundado para a construção de uma hidrelétrica. A comunidade se
reúne para decidir uma saída para a situação e vendo-se diante de um discurso oficial das
autoridades que afirmam só ser possível salvar a cidade se ela for patrimônio histórico a ser
43
preservado, Zaqueu tem a idéia de criar um documento sobre memória das histórias
contadas sobre a cidade. Eles são obrigados a chamar para empreitada o único morador da
cidade que sabe escrever, o que já demonstra a carência social do local. A partir daí,
desenrola-se um choque de versões da narrativa da tradição oral da comunidade, que são
subjetivas e coletivas ao mesmo tempo; contrastando com a história da cidade em si e
formulando muito mais do que só uma memória coletiva e “científica”, como muitas vezes
os personagens falam.
Figura 3.5
9
EM ENTREVISTA, cineasta Eliane Caffé fala do seu segundo longa, Narradores de Javé. Revista Época, Rio
de Janeiro, Globo Editores, ed. 296, 19 jan. 2004.
45
Para facilitar a produção e como forma de integrar a população local à realização, a
diretora de arte acabou absorvendo as costureiras locais ao projeto; também com este
objetivo, realizaram-se oficinas para a incorporação da comunidade na produção do filme.
Além disso, utilizaram-se processos de trocas de roupas e objetos, que como explica Carla já
possuíam uma vivência do próprio local:
A gente pegou roupa de São Paulo, compramos roupas feitas aqui e fomos
pro interiorzão, fomos pra roça e aí a gente trocava roupa velha por nova.
Nisso daí, a gente já resolvia milhões de coisas, a gente já resolvia paleta de
cor, porque a roupa que vem da roça ela tem cor de terra, já vinha pronta,
com camadas, com rasgos.(...) E isso também ajudou a gente a criar esse
universo imaginário, pouco previsível. Então, na verdade, em “Narradores”
toda a parte de memória, imaginativa, a gente acabou fazendo com as pessoas
de lá, através de oficinas. (CAFFÉ, 2012, não publicada)
Um recurso utilizado pela diretora de arte para suavizar as interferências negativas e
ampliar as positivas da realização do projeto naquele local foi introduzir na comunidade uma
maneira diferente de lidar com o lixo. Esta questão demonstra como o método coletivo de
produção junto à comunidade e a forma como ela vai produzir no local, que se delineia como
a maior marca de estilo de Carla, vai definir o processo criativo:
Porque era uma cidade que não sabia o que fazer com o lixo, não tinha
logística de como lidar com o lixo. E ao mesmo tempo, eu via que eu
precisava limpar aquela cidade, pra primeiro, filmar; depois, pra conviver
naquele espaço e terceiro, porque a gente ia produzir muito lixo. (...) eu gosto
de inserir a direção de arte na comunidade. E extrair quem são as pessoas que
podem ajudar a criar o universo do filme. Como relacionar a equipe e as
necessidades do filme com as cidades e as comunidades que a gente ia
encontrando pela frente. (CAFFÉ, 2012, não publicada)
A pesquisa iconográfica para este filme foi, portanto, essencial para composição
visual. A utilização de materiais próprios da região para compor os figurinos, mesmo nas
seqüências de reconstituições lúdicas, foi uma das saídas para baratear os custos e trazer
texturas próprias ao local.
Em Central do Brasil, dirigido por Walter Salles, e com a direção de arte de Carla
Caffé e Cássio Amarante, o composição do espaço na imagem é um elemento essencial para a
construção da narrativa. Por se tratar em parte de um road movie, cujos personagens se
deslocam da metrópole para interior do país, numa migração inversa a socialmente comum no
Brasil, as paisagens são relevantes ferramentas de composição da narrativa visual, como
ilustram as Figuras 3.6 e 3.7.
46
Figura 3.6 Figura 3.7
O filme é sobre o encontro entre Dora, uma professora aposentada que escreve cartas
para analfabetos na estação Central do Brasil, e Josué, um menino que acaba de perder a mãe
em um acidente de carro. E é na jornada da procura pelo pai de Josué no interior, que Dora e
Josué criam um vinculo de amizade que vai fazê-los superar os obstáculos do caminho. Com
o decorrer da viagem, Dora vai se humanizando e o menino vai se apegando a sua
companheira. É na forma de elaboração deste road movie que as paisagens se compõem como
importantes dispositivos de apreensão de descoberta: do país e dos personagens.
47
infinitos passantes, que se tornam objetos (pois promovem o teor caótico do local) e sujeitos
ativos (pois também contam suas histórias) na narrativa, como ilustra a Figura 3.9.
Analisamos ainda, mais uma vez, a importância da pesquisa de campo para realizar o
road movie. Como ressaltou Cássio Amarante, o cenário da romaria, que teve como
característica principal sua pré-produção e montagem, contou com um extenso material de
pesquisa para ser realizado:
Decidimos não filmar nessas áreas, porque essas áreas oscilam muito com a
romaria. É um evento que o cinema não tinha como se posicionar, nem como
absorver, porque é monumental mesmo. E aí a gente se deslocou pra uma
cidade de chão de terra e resolveu deslocar os pertences, deslocar os objetos
das salas de ex-votos. E já é uma coisa difícil, porque são objetos que tem seu
sentido, e é muito forte. Tem uma importância para aquela cidade, para
aquelas pessoas. (CAFFÉ, 2012, não publicada)
48
Figura 3.10 Figura 3.11
É importante observar que a criação de significado também passa pela maneira como
o diretor de arte vai dar o seu olhar a obra. Neste ponto, a contribuição de Carla Caffé
atravessa a concepção do projeto, para ir além, concebendo um vinculo com o material
humano e com a maneira que se produz. A diretora de arte salienta que:
49
O que acho que é mais importante para um diretor de arte é o olhar. É o olhar
que ele pode trazer pra uma realidade. Você pode ambientar, maquiar, mas
você não precisa necessariamente só fazer isso. Você pode também fazer
uma leitura específica e trazer isso pro filme. Sem que isso seja ambientação,
sem que isso seja cenografia. (CAFFÉ, 2012, não publicada)
Em Capitu, o uso de mecanismos estilísticos e teatrais para contar a história vai guiar
o projeto visual. A trama é narrada por Bentinho, já velho e caracterizado como um
melancólico clown10, ele vai nos conduzir por suas memórias tendo como ponto de partida a
noticia de que seria mandado para o seminário por uma promessa de sua mãe e teria que
deixar Capitu, seu amor de adolescência. O set de filmagem foi um único galpão (que foi
10
A tradução literal de do termo clown, em inglês, é palhaço. Porém, a definição de clown, segundo Federico
Fellini, é de “uma caricatura do homem como animal e criança, como enganado e enganador. É um espelho em
que o homem se reflete de maneira grotesca, deformada, e vê a sua imagem torpe. É a sombra.”. In "Fellini por
Fellini", L&PM Editores Ltda., Porto Alegre, 1974, págs. 1-7.
50
construído em um galpão na sede do Automóvel Clube, no centro do Rio de Janeiro) onde
todos cenários foram desenvolvidos e trabalhados. As paredes do local foram revestidas com
muitas camadas de papel, para fornecer uma textura própria de ruínas. Aparecendo como
espectador e personagem de suas próprias lembranças, Bentinho vai conduzir o espectador
pela estética de toda minissérie, permitindo que houvesse uma abertura para o lúdico e que a
direção de arte e a cenografia corroborassem para construção dessa estética. Todo o espaço
cenográfico foi construído no mesmo local sem divisão de paredes, ou seja, todas as cenas
aconteciam no mesmo espaço, porém ocupando lugares distintos.
Figura 4.1
Os figurinos foram trabalhados com referência aos trajes utilizados no séc. XIX, tal
como os móveis da casa de Bentinho e Capitu. Porém, a atemporalidade é uma característica
51
que perpassa todo trabalho, cujo teor está em ressaltar atualidade da temática da obra
machadiana. O tempo parece ser tratado como um personagem de composição da narrativa. O
uso de elementos que não pertencem ao espaço temporal da história demonstra mais uma vez
que a liberdade cênica permite a criação deste tipo de jogo: imagens atuais combinadas a
imagens arquivos, músicas atuais, mp3, a tatuagem de Capitu são alguns exemplos destes
elementos.
Figura 4.2
11
No original: “Al planear una determinada atmósfera visual – que se corporizará a través de las texturas, de una
cierta gama de color y de valor, de las formas y características propias de cada elemento del decorado y su
disposición en el espacio bajo criterios compositivos –, se está definiendo el estilo pictórico que tendrá el
decorado y, en consecuencia, también la imagen final.”, tradução nossa.
52
O figurino abarca a escolha do projeto de criar um ritmo visual. Durante sua fase
adolescente, a personagem de Capitu segue com roupas de cores mais claras e vestidos mais
leves, com colagens que seguiam os padrões florais da própria cenografia. A delicadeza da
personagem transparecia em seus figurinos, penteados e maquiagem; assim como em seus
hábitos de costura (Figura 4.3). A representação do olhar de “cigana oblíqua e dissimulada”
aparece melhor quando mais velha, quando a personagem de Capitu ganha cores mais quentes
no figurino e seus vestidos também se tornam mais pesados e chamativos (Figura 4.4). Os
figurinos de uma forma geral têm como característica a assimetria, como podemos observar
na Figura 4.5, que mostra o figurino da mãe de Bentinho logo depois da morte do pai. Esta
fragmentação propõe um exercício constante de observação por parte espectador.
Figura 4.5
53
amoroso. Porém, em alguns momentos-chave da trama, esta característica tonal destoa
completamente da usual, utilizando-se de recursos estéticos para propor uma releitura da
historia, tal qual é o caso do enterro de Escobar, melhor amigo de Bentinho, onde a sala toda
branca com o caixão no meio intensificam as desconfianças de Bentinho em relação à Capitu
e Escobar. (Figuras 4.6 e 4.7)
Figura 4.8
54
O termo “instalação”, apesar de bastante debatido no cenário da arte contemporânea
atual, conta ainda com uma definição instável. Tentei aqui chegar a um conceito que pudesse
abarcar o estilo deste artista plástico/diretor de arte, que tem por inspiração uma vasta criação
em arte contemporânea. Por isso, acredito que exista um teor experimental de desconstrução
do espaço em seus projetos, próprio de uma possível definição de instalação, que permite
dizer que sua marca estilística estaria justamente nisto. Rodriguez ressalta, desta forma, a
importância do processo criativo:
55
CONCLUSÃO
Assim sendo, podemos concluir que a definição de estilo visual para a imagem
fílmica consiste em uma interação de elementos capazes de produzir sentido implicando na
organização da mise-en-scène, criando potencial para uma intenção autoral por parte do
realizador. Como coloca Gibbs, “mise-en-scène é um pré-requisito para que se façam outros
questionamentos sobre o cinema, e qualquer argumento que você quiser realizar, qualquer
motivação para sua discussão, um senso de como estilo se relaciona ao significado necessita
ser central à sua inquisição.”(GIBBS, 2002, p. 100)12.
Utilizamos essa definição para delimitar uma possível atuação da figura do diretor de
arte como production designer neste processo de construção da composição da visualidade
da obra. É através deste viés que notamos na análise das entrevistas propostas na pesquisa,
que a criação de um estilo próprio é baseada na produção de um conceito único para a
composição da visualidade pelo diretor de arte, que procura um convergir em um amálgama
de visões um projeto visual coeso para a obra como um todo e uma conexão poética entre o
conteúdo e a forma. Esta perspectiva única se forma, portanto, numa combinação de
elementos como a bagagem pessoal que o diretor de arte vai trazer para o filme, sua
pesquisa em relação ao roteiro e seu processo criativo, definindo desde a pré-produção os
rumos da direção de arte para o projeto.
12
Do original: “mise-en-scène is a prerequisite for making other kinds of claims about film, and, whatever
argument you want to make, whetever the motivation for your discussion, a sense of how style relates to meaning
needs to be central to your enquiry.” , tradução nossa.
56
atingir esta finalidade, a pesquisa de iniciação científica PIBIC/Faperj, intitulada “A
influência da tecnologia no processo criativo dos diretores de arte do cinema brasileiro pós-
retomada (anos 90)” foi um grande estopim e serviu de base para o processo de trabalho de
campo.
Através da análise realizada de cada um dos diretores de arte e seus projetos visuais,
foi possível observar que o estilo estético parte de diferentes motivações. E apesar do que se
acredita usualmente, que somente o diretor tem voz nesta criação de um estilo que fala
ativamente, acredito que se possa dizer que esta produção também está em outros pólos
criativos. Neste caso, defendi o lado da autonomia da direção de arte como discurso. Entende-
se, portanto, a direção de arte como meio de expressão dos sentidos narrativos e estéticos da
imagem.
A escolha do diretor de arte certo para cada projeto vai fazer diferença nos caminhos
estilísticos seguidos pelo diretor. Quero dizer, dependendo do diretor este caminho a ser
seguido vai depender de uma escolha por parte também de que equipe o acompanhará. Talvez
então, por isso, diretores que mantém um estilo mais autoral e autêntico na maior parte de
suas carreiras mantenham o mesmo diretor de arte por tanto tempo, como é o caso de Woody
Allen nos Estados Unidos, cuja direção de arte de muitos de seus filmes é de Santo Loquasto;
ou Jorge Furtado, que possui como diretor de arte de várias de suas obras Fiapo Barth.
57
Assumir o diretor de arte como visionário, que conserva uma estética bem definida,
desenhando e construindo espaços necessários para fornecer contexto às ações que
apresentam o roteiro, proporcionando elementos que acentuam os traços psicológicos dos
personagens e viabilizando uma localização espaço-temporal da ação dramática. Além de
desenhar um projeto conceitual de todo o aspecto artístico do filme sem abandonar a
viabilidade econômica do mesmo. Para isso, como colocou William Cameron Menzies
A afirmação de Menzies, apesar de ter sido feita em 1929, continua muito atual.
Através desta podemos observar que o diretor de arte deve estar presente em todas as etapas
do fazer audiovisual, e se desdobrar em atividades distintas para atender a todas as demandas
do mercado de compor visualmente a imagem.
Podemos constatar, portanto, baseado na análise das obras Cássio Amarante, que o
processo criativo de um diretor de arte como este parte de uma natureza realista, já que ele
procura sempre estar em um diálogo constante com a realidade, fazer pesquisas apuradas
sobre o tema do filme, além de sempre procurar uma característica física da geografia do
espaço da cidade para trabalhar em seus projetos, o que também acaba trazendo um caráter
mais realista para a visualidade fílmica, o que vai delinear a sua forma de aproximação da
temática. Além disso, o processo de Cássio também se determina por uma tentativa de
elaboração de um caráter identitário para o projeto, aliando às suas expectativas de construção
da imagem cinematográfica.
58
formação de uma fala mais voltada para a forma como se atua naquela região e para
dramaturgia.
Raimundo Rodriguez tem como marca de estilo seu modo de apreensão do espaço
diferenciado, que se caracteriza por uma desconstrução das formas habituais de uso de
materiais, pela invenção e elaboração de recursos cênicos, pela fragmentação da lógica
espacial e dos elementos que a constituem, assim como de um resgate do trabalho manual do
artista. Estes aspectos compõe o que seria a inspiração do artista plástico também para suas
obras.
Desta forma, podemos notar uma intensa ligação entre a intervenção destes diretores
de arte na imagem e o que se percebe como uma marca de estilo estético, o que caracteriza e
diferencia cada obra produzida, influenciando a narrativa e até mesmo a visão do diretor.
59
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Filmografia:
ANO em que Meus Pais Saíram de Férias, O. Direção: Cao Hambuger. Elenco: Michel
Joelsas, Germano Haiut, Daniela Piepszyk, Caio Blat, Paulo Autran. Brasil : Globo Filmes,
Lereby Produções, Gullane Filmes, 2006. (110 min.), DVD, son., cor.
CAPITU. Direção: Luiz Fernando Carvalho. Roteiro: Euclydes Marinho, baseado na oba de
Machado de Assis. Elenco: Maria Fernanda Cândido, Michel Melamed, Eliane Giardini,
Letícia Persiles, César Cardadeiro, Bellatrix Serra, e outros. Brasil, Rede Globo. Minissérie 5
capítulos de aprox. 30 min., 2008. DVD, son., cor.
CENTRAL do Brasil. Direção: Walter Salles. Roteiro: João Emanuel Carneiro e Marcos
Bernstein. Elenco original: Fernanda Montenegro, Vinícius de Oliveira, Marília Pêra e Othon
Bastos. Brasil. (113 min.), vídeo, son., cor.
63
NARRADORES de Javé. Direção: Eliane Caffé. Roteiro: Eliane Caffé e Luis Alberto de
Abreu. Elenco original: José Dumont, Gero Camilo, Rui Resende, Luci Pereira, Nélson
Dantas, Nélson Xavier, e outros. Brasil, 2003. (100 min.), DVD, son., cor.
XINGU. Direção: Cao Hamburger. Produção: Fernando Meirelles, Andrea Barata Ribeiro e
Bel Berlinck. Produção executiva: Bel Berlinck e Andrea Barata Ribeiro. Roteiro: Elena
Soárez, Cao Hamburger e Anna Muylaert. Elenco original: João Miguel, Felipe Camargo e
Caio Blat. Brasil: O2 Filmes e Globo Filmes, 2012. (102 min.), DVD, son., cor.
64