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26 May, 2022 | created using PDF Newspaper from FiveFilters.org

Judith Lauand, a primeira mulher na sociedade brasileira, quando Lauand aborda temas
como violência, sexualidade, submissão e liberdade feminina”,

concretista do país, faz cem analisa Fernando Oliva, curador da exposição no Masp.

anos e terá mostra no Masp Dentre as cerca de cem obras selecionadas, o museu vai exibir
“Atenção”, de 1968, “Stop the War” e “Temor à Morte”, de 1969,
representativas dessas derivações políticas.
May 24, 2022 03:00PM
Além da retrospectiva, o Masp prepara um livro com textos de
autoras brasileiras e internacionais sobre a obra de Lauand. “A
mostra irá rever sua produção a partir de novas perspectivas,
reforçando o fato, muitas vezes negligenciado pela história da arte
brasileira, de que Lauand concebeu um dinamismo muito próprio
em suas composições, para além dos dogmas do concretismo em
que havia se iniciado”, diz Oliva.

“Em seu trabalho a artista cria uma nova relação entre formas,
linhas e cores que logo buscaria transcender regras e convenções
da época, as décadas de 1950 e 1960.”

Lauand, Maurício Nogueira Lima e Hermelindo Fiaminghi se


incorporaram ao Ruptura dois anos depois da exposição que
aglutinou Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Luiz Sacilotto,
Anatol Wladyslaw, Leopold Haar, Lothar Charoux e Kazmer Féjer
no Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM, há sete décadas.
O salto vanguardista da pintora e gravadora Judith Lauand ocorreu A história desse núcleo pioneiro da arte concreta ganha uma
no ano de sua primeira exposição individual na galeria Ambiente, revisão na mostra “Ruptura e o Grupo: Abstração e Arte Concreta,
em São Paulo. Em 1954, a convite do artista plástico Waldemar 70 anos”, em cartaz no MAM paulistano até 3 de julho.
Cordeiro, ela passou a integrar o grupo Ruptura, o movimento
disparador da arte concreta no Brasil. Organizador de exposições de Lauand nos anos 2000, Celso
Fioravante destaca o papel da artista na conquista de espaços para
Em confronto com o abstracionismo lírico, sua pintura absorveria as mulheres nas artes plásticas. “Judith Lauand teve menos
mais e mais, a partir daquele ano, os processos matemáticos na visibilidade, provavelmente porque o circuito de arte reflete o país
composição de cores e planos. e a sociedade em que vivemos. Se ainda hoje vivemos em uma
Aos 32 anos, à diferença de seus amigos concretistas, ela encarnou sociedade machista, patriarcal e intolerante com mulheres que
uma segunda vanguarda. Era a única mulher do Ruptura e uma buscam sua autonomia e seu espaço próprio, não é difícil imaginar
presença feminina expressiva num círculo artístico de poderio como era nos anos 1950 e 1960”, diz o crítico de arte.
masculino. Cercada de pioneirismo estético e social, Judith Lauand “O próprio grupo Ruptura era um predominantemente masculino
faz cem anos nesta quinta-feira. e, apesar de Judith dizer que havia um clima de cordialidade entre
Há dez anos, com a saúde frágil, ela deixou de trabalhar no ateliê todos, ela própria percebia que Waldemar Cordeiro buscava o
instalado em seu apartamento na rua Fradique Coutinho, no bairro protagonismo no grupo”, ele acrescenta.
paulistano de Pinheiros. Sua última aparição pública se deu na Elissa Lauand, sua sobrinha-neta, lembra da resistência da tia às
abertura da exposição “Judith Lauand: Os Anos 50 e a Construção pressões familiares para que se casasse. Sem querer abandonar a
da Geometria”, no Instituto de Arte Contemporânea, o IAC, em pintura, desmanchou um noivado. “Ela sempre teve muita certeza
2015. Desde então, ela permanece em casa, não dá entrevistas e do que queria na vida. Não vou dizer que levantava a bandeira do
chega a descrer da própria idade. feminismo, mas a vida dela tem essa clareza de propósito. Ela
Numa celebração familiar do centenário, seus sobrinhos Elissa e estudava muito, tinha um amor incondicional à arte”, diz a
Manoel decidiram transpor um óleo sobre tela sem título, de 1960, sobrinha, que agora cuida da artista.
para uma gravura em metal de tiragem pequena. A artista assina A família de Judith Lauand veio do Líbano. A mãe nasceu na cidade
lentamente cada uma delas. De 25 de novembro a 2 de abril do de Rachaia; o pai, em Zahle. Nascida em Pontal, no interior de São
ano que vem, o Masp vai realizar a principal homenagem com a Paulo, em 1922, Lauand não tardou a se transferir com a família
mostra “Judith Lauand: Desvio Concreto”, integrante do biênio para Araraquara, também no interior paulista.
dedicado às “Histórias Brasileiras”.
Num gesto de mecenato, a família Lupo ofereceu a ela uma viagem
“Um aspecto crucial de sua trajetória que foi deixado à margem é de estudos à Itália. Com menos de 18 anos, ela não ganhou a
a presença de questões políticas em sua obra, como a repressão da autorização do pai. O sonho de olhar de perto os quadros dos
ditadura militar no Brasil, a Guerra do Vietnã e a condição da mestres da pintura só seria realizado aos 76 anos.

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Em 1998, acompanhada pela irmã, Olga, e pelas sobrinhas-netas
Elissa e Patrícia, Lauand entrou pela primeira vez em um avião e
realizou uma viagem extensa pela Europa, visitando museus da
Espanha, da Itália, da França e do Reino Unido. À noite, de tão
ansiosa, perdia o sono. No Louvre, choraria diante da “Mona Lisa”,
de Leonardo da Vinci. O sorriso interessou a ela menos que as
mãos.

“Ela foi exclusivamente artista durante a vida inteira. Não


escreveu críticas nem fez curadorias. Sempre viveu apenas da
venda de seu trabalho”, conta Manoel Lauand, seu sobrinho. Hoje,
ela é representada pela galeria Berenice Arvani.

A pintora deve a sua iniciação à Escola de Belas Artes, em


Araraquara, mas começou a identificar seu caminho pessoal como
monitora da segunda edição da Bienal de São Paulo, em 1953 e
1954, ao conhecer as obras de Paul Klee, Alexander Calder e Piet
Mondrian. Premiado na primeira Bienal paulistana, o artista suíço
Max Bill, teórico da arte concreta, também inspirou seu trabalho.

“Minha integração na arte concreta foi total”, disse a artista em


um texto autobiográfico. “Não vi com bons olhos a criação do
neoconcretismo. Pensei ‘se os concretos do Rio colocaram a
necessidade de se exprimir, de tornar expressivo o vocabulário da
arte concreta, que o façam.” Lauand insistiu em dinamizar as
“estruturas através de relações cambiantes de cor, espaço, forma.”

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Em 1956, ela participou da união histórica das artes visuais com a


poesia concreta. A primeira Exposição Nacional de Arte Concreta,
no MAM paulistano, marcou sua aproximação com os poetas
paulistas Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de
Campos, que a homenageou com um profilograma.

“Assim como no caso do grupo Ruptura, foi a poesia concreta que


percebeu as qualidades de Judith Lauand e dela se aproximou. O
que a artista então fez foi se apropriar daquela nova expressão e a
incorporar em sua produção. Mas não o fez de uma maneira
automatizada, mas sim deu a ela a sua fisionomia”, avalia Celso
Fioravante. “Sua aproximação com a arte concreta se dá de
maneira mais popular, poética e pessoal que intelectual e
acadêmica.”

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