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PARAISO
Roteiro de Coelho De Moraes pautado sobre Nietzsche e Gerald Thomas e Grotowski
Persona MULHER 1 / MULHER 2 / HOMEM / O SENHOR
1.
CENA 1
EXT. TARDE CAINDO / abre com paisagem / se possível um pano
vermelho que balança com o vento
MULHER 2
amarrada em um poste / triste / roupas esfarrapadas / repete
várias vezes em tons diferentes
CENA 2
EXT. NOITE. LUAR DENSO
centro de um jardim ou estrada de terra / luz de lua e
azul profundo / Mulher 1 treme / está ajoelhada ou de
cócoras / a seu lado jaz sua mala de roupas e uma bacia com
água onde ela mexe com a mão, fazendo rodopios. A mulher
que está observada para a plateia se volta para a plateia e
vem aos gritos se aproximando. A plateia pode surgir no
primeiro plano, vindo de trás da câmera no formato de um
coro grego.
MULHER 1
Para onde foi Deus?
PLATEIA
Já lhe direi! Nós o matamos —
você e eu.
MULHER 1
Assustada.
A Plateia vem surgindo passo a passo.
A MULHER 1 sempre atenta.
1
2.
PLATEIA
Ao fundo, por detrás da mulher, andando pela estrada vem um
HOMEM, carregando sua mala, enquanto rola a fala.
HOMEM
O que você quer?
Eu não represento o teu sonho?
Não sou eu o ideal que você deseja na vida
real?
MULHER 1
Sempre tensa.
Olhar um tanto desvairado.
2
3.
Não!
Eu só vim me divertir.
Você tem as respostas?
HOMEM
Por que não me fala da tua felicidade?
MULHER 1
Por que não me faz outra coisa se não me
olhar?
HOMEM
Isso acontece por que esqueço sempre o que
pretendo responder.
MULHER 1
Homem e Mulher 1 andam seguindo a estrada.
Caminham até uma casa.
HOMEM/ MULHER 1
HOMEM
Retira-se para dentro da casa.
Tenho sono.
3
4.
MULHER 1
Segue Homem.
HOMEM
Estou cansado.
MULHER 1
Quem tem sono acabará dormindo.
Pode ser uma benção.
A realidade some.
HOMEM
Me deixa dormir.
MULHER 1
Quem tem sono acabará dormindo.
Pode ser uma benção.
HOMEM / MULHER 1
A realidade some.
CENA 2
MULHER 1 e HOMEM cantam a canção / felizes / olham-se –
PAMÉ DAWORA é a canção que lembre africanismos / pegam
cipós ou cordas. MULHER 2 vem com a mala / anda com passos
rápidos e para e olha / repete esse movimento várias vezes
trocando de canto na estrada, em ações paralelas no plano
4
5.
HOMEM
Rola para o lado, exausto, um tanto contente
MULHER 2
Grita, não muito contente
HOMEM
Arfa.
MULHER 1
Que é o amor?
Do que é que você está falando?
MULHER 2
Grita.
HOMEM
Há sempre alguma loucura no amor.
Mas há sempre um pouco de razão na loucura.
MULHER 1
Clichês... você fala por clichês.
O amor pode causar a minha morte...
Aquilo que não provoca minha morte...
faz com que eu fique mais forte.
MULHER 2
5
6.
Grita.
Não quero ficar magoada!
MULHER 1
Grita.
HOMEM
... não há verdades absolutas!
MULHER 1
Eu posso ser sua amiga, com facilidade.
Mas, para manter essa amizade,
é preciso uma pequena antipatia física.
HOMEM
Seja você mesma.
Não inventa outra pessoa.
MULHER 1
Eu sou isso o que você vê?
Não acredita?
Sou sempre outra pessoa...
A cada instante.
HOMEM
Bate as costas de uma mão na palma da outra.
MULHER 1
Você tem as respostas?
MULHER 2
Grita.
6
7.
CENA 3
MULHER 2 cansada / tonta / vai para o chão / HOMEM e
MULHER 1 tomam Mulher 2 / cada um de um lado / carregam
Mulher 2 com para dentro da casa / MULHER 2 é dobrada /
desdobrada / carregada / passos e pausas entremeados de
texto, vão derrubando os móveis da casa. Ouve-se de fora o
canto Pamé Daworo executado pelo grupo plateia.
HOMEM
Quanto mais nos elevamos...
MULHER 1
...menores parecemos aos olhos...
HOMEM
... daqueles que não sabem voar.
MULHER 2
Não quero ficar magoada.
7
8.
MULHER 1
A multidão vem assistir...
e nos seguirá por todo o canto.
HOMEM
A plateia vem ver aquilo que não tem
coragem de fazer.
MULHER 1
A multidão e as platéias são covardes,
pois preferem o falso.
HOMEM
Preferem as comédias e as ficções.
MULHER 1
As multidões não suportam a realidade.
MULHER 2
Não quero ficar magoada.
HOMEM
Dá um tapa na bunda de Mulher 2.
MULHER 1
Eu quero o jogo mais perigoso.
HOMEM
A mulher sempre quer o jogo mais perigoso.
MULHER 1
É no amor que temos mais probabilidades de
ver as coisas tal como elas NÃO são.
HOMEM
Já eu prefiro a má consciência do que
viver com má reputação.
8
9.
MULHER 2
Quem luta com monstros...
deve tomar cuidado para que não se
transforme também em monstro.
MULHER 1
Você tem as respostas?
HOMEM
Temos a arte para não morrer da verdade.
MULHER 1
Temos arte.
Não precisamos da verdade.
MULHER 2
Não quero ficar magoada.
CENA 4
MULHER 1 vem vestida de anjo / sobe numa cadeira / óculos
exagerados, lentes grossas, estranhos / óculos de proteção
contra acetileno / vestido longo e branco acetinado / HOMEM
se aproxima como se puxasse um carrinho invisível que
range muito, de modo irritante / HOMEM anda de um lado
para o outro, leva e trás objetos que deposita com o
carrinho / Aproxima-se de MULHER 1 / toca em seus vestidos
/ massageia as pernas de MULHER PRIMA / beija seus braços /
MULHER 1 entremeia Sins e Nãos à vontade, enquanto HOMEM
fala:
HOMEM
Ora, ora, o que termos aqui?
Olá bela mulher.
O que é que você sozinha por aqui?
HOMEM
9
10.
Ouve! Ouve!
Você tem que aceitar o meu presentinho.
MULHER 1
Mostra para mim.
MULHER 2
Ei!
Ninguém vai me tirar daqui?
HOMEM
Na vingança e no amor...
a mulher é mais bárbara do que o homem.
MULHER 2
Olha bem pra mim.
Você acha mesmo?
Tenho cara de vingativa?
10
11.
MULHER 1
Você está acabando com nosso clima.
HOMEM
Se você não fosse uma perdedora saberia da
resposta.
Nenhum vencedor acredita no acaso.
MULHER 2
Pode acreditar...
Não sou vingativa...
Isso quer dizer que eu valho alguma coisa!
MULHER 1
O mais valoroso dentre todos nós...
raras vezes tem o valor de afirmar tudo o
que sabe.
A porta se aquieta.
Lentamente Homem e Mulher 1 retornam para o centro da sala.
Mulher 1 para HOMEM.
HOMEM
Se você fosse uma pessoa inteligente já
teria se afastado de mim.
MULHER 2
Vocês podem me tirar daqui...?
ou então acabo no sono.
HOMEM
Abençoados os que têm sono,
pois não tardarão em dormir.
MULHER 2
Eu odeio vocês dois.
MULHER 1
Nunca odiamos aos que desprezamos.
HOMEM
Odiamos aos que nos parecem iguais...
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12.
ou superiores a nós.
HOMEM / MULHER 1
Você tem as respostas?
Se não tem... cala essa boca.
MULHER 2
Não quero ficar magoada.
MULHER 2
Eu não quero ficar magoada.
12
13.
MULHER 2
Não quero ficar magoada.
MULHER 1
Odeio as almas estreitas,
sem bálsamo e sem veneno...
HOMEM
... feitas sem nada de bondade...
e sem nada de maldade.
MULHER 2
Para HOMEM e MULHER 1 num grito repentino.
HOMEM
Cala tua boca!
Você tem as respostas?
MULHER 1
Pensa bem!...
Nossos pensamentos são as sombras de nossos
sentimentos...
HOMEM
Pensa bem...
Sentimentos sempre mais obscuros,
mais vazios, mais simples.
MULHER 2
Para HOMEM e MULHER 1 num grito repentino.
13
14.
MULHER 1
Nós sabemos mentir com a boca,
mas os gestos dirão a verdade.
HOMEM
Perdoa!
O amor perdoa mesmo o desejo do ser amado.
MULHER 1
Não sou eu quem perdoa.
É teu pai quem pode perdoar.
HOMEM
Mesmo que eu tenha sido criado
e me veja em tudo a todo tempo...
tudo evolui;
não há realidades eternas:
tal como não há verdades absolutas.
Você tem as respostas?
MULHER 1
Talvez a resposta seja a criação e
evolução. Tudo junto. Tudo ao mesmo tempo.
Sem nenhuma relação moral.
Pausa.
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15.
HOMEM
Não posso acreditar num pai...
que deseja ser louvado o tempo todo.
MULHER 1
Quem tem medo louva.
Não te encha de ar:
a menor picada te esvaziará todinho.
Segura tua onda, rapá.
CENA 5
EXT. TERRENO. NOITE
A plateia coro grego se reorganiza.
PLATEIA
Nem Moral, nem Religião têm qualquer ponto
de contato com a realidade.
Gritam aleatoriamente.
CENA 6
INT. SALA. NOITE
15
16.
MULHER 2
Para de rosnar.
Observa a janela como referência ao silêncio de fora.
Mulher 1 retorna sem asas.
MULHER 1
Eu descobri, depois de muita observação...
que também na demência há algo de razão.
MULHER 2
O inimigo...
O inimigo mais perigoso...
que você poderá encontrar...
será sempre você mesmo.
16
17.
VOZ OFF
Voz divina.
17
18.
CENA 7
Enquanto se desenvolve o texto falado, a plateia toma das
malas que estão escondidas no mato / pegam guarda-chuvas,
cada um de uma cor forte / protegem-se da chuva / tentam
correr / o relâmpago os assusta / grande movimento /
tentam, escapar / quando conseguem a chuva para / todos com
guarda-chuva na mão / se afastam cobertos pelo guarda chuva
/ assim cobertos / enquanto isso MULHER 1 se deita sobre
uma mesa na sala como morta / HOMEM se esconde atrás da
mesa na sala / MULHER 2 sai para o terreno olhando os céus
que ainda relampagueiam e trovejam.
VOZ OFF
Qualquer grande pessoa... possui força...
possui o tempo...
milhares de segredos do passado saem de
seus esconderijos para se iluminarem à sua
luz. Ninguém pode prever o que acontecerá.
O passado talvez ainda continue por ser
explorado!
Necessitamos ainda tantas forças!
Precisamos parar!
Precisamos pensar!
Precisamos refletir sobre o que pensamos!
Precisamos ter paciência com a música,
com a arte, com o teatro.
Hoje a pessoa é pobre,
mas não porque lhe tenham tirado tudo,
mas, sim pela recusa de tudo.
Que lhe importa?!
Os pobres compreendem mal sua voluntária
pobreza.
Aceitam a pobreza. Não reagem.
Mesmo os pobres de espírito.
Uma visita ao hospício mostra que a fé não
prova nada.
Mas devo dizer que sou nacionalista,
admito, mas admiro a Palestina,
e toda aquele gente que eu mandei matar.
Ou uma das minhas imagens mandou matar...
e, qualquer filho desta bela nação;
uma vez, me perguntaram, o que eu gostaria
de ser, e eu respondi:
Gostaria de ser Palestino.
A essência da felicidade é não ter medo.
Na verdade, o único cristão morreu na cruz.
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19.
Rufar do tambor.
O Homem observa a Mulher 1 sobre a mesa.
Ele não.
Ele não tem ninguém.
Nem mesmo um macaco, ou um cachorro.
HOMEM se enternece por MULHER 1 / deixa o serrote / olha
para ela com pena / passa sua mão por todo o corpo de
MULHER 1 que não se move / HOMEM está triste. Mulher 2
aparece na porta, molhada.
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20.
Pausa.
Schoemberg! Sim!
Não, não.
Inteligente demais e intelectuais deixam
pistas e não servem para coisa alguma.
Pausa.
20
21.
HOMEM
Mestre?
É o senhor?
O senhor trouxe as respostas?
É o Senhor...?
mas, não é o Deus vingador,
da propensão universal ao pecado?
da predestinação pela graça e do perigo de
uma condenação eterna...,
não é?
Pausa.
Homem fica mais opinativo.
Tal Deus...
seria um sinal de fraqueza de espírito...
e seria falta de caráter não se fazer
padre, apóstolo, evangélico ou missionário,
e, não trabalhar com o temor dos fiéis...
pobres fiéis que desejam a salvação.
Pausa na fala.
O ANCIÃO procura algo na mochila.
Acha uma lousinha de criança com giz.
Pausa.
O ANCIÃO para de escrever.
Vai á mochila, retira um lenço.
Assoa o nariz, estrepitoso.
Sem olhar para o Homem volta a escrever.
Homem fica mais comedido,
mas vai crescendo, em ênfase, no texto.
Senhor, me ouve...
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22.
HOMEM
Senhor... estamos juntos nessa?
Você sabe as respostas?
Todas?
Eu preciso falar...
ainda hoje na inócua interpretação cristã-
moralista que relaciona os eventos pessoais
à glória de Deus e salvação da alma...
... essa tirania, esse arbítrio,
essa extrema e grandiosa estupidez educou o
espírito;
ao que parece, a escravidão é,
no sentido mais grosseiro ou no mais sutil,
não sei mais, a escravidão é o meio
indispensável para a disciplina e cultivo
espiritual...
Somos muito injustos com Deus.
Não Lhe permitimos nem pecar.
HOMEM
Não concorda?
O Senhor não concorda?
Ó Senhor... não concorda?
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23.
HOMEM
Fala como se desabafasse.
HOMEM
Por favor...
Homem olha a plateia e sorri...
23
24.
desvanece
fim
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