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Deus é ou não a divindade descrito nos textos bíblicos?

Perante todo este enigma complexo eis: “O outro deus”

Classificação da obra: Contradições bíblicas


O outro deus
Rompia a aurora de um dia de Dezembro quando a boa nova do nascimento de dois
meninos se espalhava na aldeia. Quem os viu crescer sempre disse que eram “unha
com carne”, mas a sua separação foi inevitável depois de irem para a escola, de onde
cada um seguiu uma carreira: Maurício a eclesiástica e Daniel a físico-química.
Passaram alguns anos e o padre Maurício caminhava por entre as ruínas de
Conímbriga 1 , respirando o ar puro das fragrâncias campesinas, enquanto soprava uma
aragem que empurrava o sol fogoso de Agosto, refrescando-lhe o rosto e agitando o
monte na direcção dos matagais. Ao longe avistou o seu amigo Daniel que fixava o
olhar nas ruínas como que pasmado pela mágica emanada daquele lugar. Aproximou-
se sorridente e diz-lhe: — Porque estás pensativo rapaz! — Daniel ficou surpreendido
com a presença do amigo de infância: — Olá Maurício! Há que tempo homem! — Um
longo abraço e meias palavras fê-los recordar velhos tempos e só se desprenderam
quando Daniel pede ao amigo para sentar-se, enquanto lhe dizia: — Pensava eu como
terá sido o obscurantismo deste antigo povoado — O padre olhou em redor e Daniel
descreveu o seu pensamento, como se num imago repentino lhe afigurasse a lufa-lufa
inquietante das azáfamas daqueles tempos.
Maurício convidou-o a espairecer e seguiram pelas veredas, enquanto o Sol se
aproximava da Serra e Daniel despedia-se para regressar a casa no seu automóvel.
Percorreu alguns quilómetros e deparou com agentes de trânsito que desviavam o
tráfego para uma via circundante. Muitos automobilistas olhavam para essa multidão de
duas filas que caminhava vagarosamente, ostentando imagens de culto e solfejando
cânticos. Um homem gesticulava na direcção desse préstito, Daniel aproximou-se e
pôde escutá-lo: — «… fazem tudo isto para que chova… Já num ano destes andaram
nessa inquietação» — Intrigado, perguntou-lhe se era tradição, mas o relato do homem
foi surpreendente: — «não sei se é tradição, se fé ou ignorância!».
— Daniel dirigiu-se para o automóvel apreensivo pelo que ouvia quando ligou o
rádio: «a seca alonga-se aos próximos anos». Nas histórias dos seus avós também
estavam presentes manifestações de fé como estas, aquando de condições climatéricas
adversas. O jovem ficou pasmado com a paixão 2 dos crentes e durante vários anos
dedicou-se a conhecer essa tendência dominante. Com alguma experiência adquirida,
pelo que investigou, apercebeu-se de que o misticismo terá sido responsável por
marcas indeléveis de violência descritas na História. Preocupado, resolve telefonar a
Maurício que lhe pede para passar algum tempo na sua casa e Daniel partiu com
alguma bagagem ao encontro do velho amigo…
Nos primeiros dias viram algumas das suas fotos de infância, falaram da opção de
vivência do Maurício e, como se esperava, as prosas tomaram um certo nível de
discussão. Daniel detinha a palavra: — Como é possível a sustentação da crença
padre, quando estamos na volta do segundo milénio 3 , em que o Homem desmistificou
os monstros da terra, do mar e dos céus! Afinal, já tentámos visionar o macrocosmo até
ao Big Bang 4 ! No microcosmo abrem-se as primeiras páginas do livro do genoma! No
abissal descobrem-se novas formas de vida e, na crosta terrestre, há muito que se
desenterra a hominização 5 ! Será por a crença religiosa ser uma realidade de fantasia
que não há consenso global, uma vez que, para uns, o Universo teve início há 13,7 mil
milhões de anos 6 , por efeito da explosão de uma singularidade 7 , tendo os primeiros
registos de vida surgido há 3-2 mil milhões mas que, para outros, conjectura-se a
1
Conímbriga foi habitada, pelo menos, entre o séc. IX a.C. e Sécs. VII-VIII, da nossa Era. Em 465 e em 468 os Suevos capturaram e saquearam parcialmente a cidade, sendo
esta parcialmente abandonada. Conímbriga corresponde actualmente a uma área consagrada como monumento nacional, definida por decreto em 1910.
2
Caracteriza-se por uma tendência dominante, mais ou menos constante, que exerce acção directora sobre a conduta e o pensamento, orientando os juízos de valor e
impedindo o exercício de uma lógica imparcial. As características do apaixonado podem ser de afecto, violência, desgosto, alegria, parcialidade, egoísmo, exaltação, etc.
3
Contagem tradicional do Tempo, com base no calendário gregoriano.
4
Convencionou-se chamar Big Bang à singularidade que teria dado origem à grande explosão que daria lugar a este Universo.
5
Evolução física e intelectual do homem desde a sua fase primitiva até ao estádio de desenvolvimento actual.
6
Notícia in Lusa, 12 Fevereiro do ano 2002: NASA determina idade do Universo – 13.700 milhões de anos.
7
A dita singularidade seria um lugar tão estranho que nenhuma lei física poderia existir, tal como os deuses.

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intervenção de um criador há 6-5 mil anos 8 por causa do que foi gravado no granito e
pergaminhos há 3-2 mil anos 9 !?
 — Maurício aguardava pela sua oportunidade de intervir, mas Daniel estava cheio
de questões para lhe colocar: — A tradição já não é o que era padre, talvez porque o
Homem tomou conhecimento de que a sua memória terá chegado há um milhão de
anos, aquando das primeiras explorações de territórios, em que as fronteiras estavam
nos limites da insegurança. Só uma omnipotência poderia criar algo tão extraordinário
como os deícolas 10 crêem, embora nunca fossem unânimes na invasão do planeta por
extraterrestres, os quais terão elevado aos céus todos os da sua anuência. No texto que
foi consagrado estão implícitas e explicitas as entidades que visitaram o nosso planeta,
as quais tinham a capacidade de o transformar 11 e alterar os nossos afectos e
sentimentos. No contexto abundam experiências elitistas pela linhagem religiosa, o que
explica os génios, sábios, semideuses e intermediários 12 como sendo a reminiscência
dessa herança recessiva, resultante de transmutações da genética 13 e das relações
amorosas entre os extraterrestres e autóctones seleccionados 14 …
 — Sabes Maurício, existem galáxias com mais ou menos milhões de estrelas e mais
ou menos anos-luz de distância entre elas, mas ninguém de bom senso poderá ignorá-
las, ao passo que os deuses, os santos e toda a hierarquia celícola 15 somente existem
na imaginação humana. — Maurício ouvia e olhava para os montes como quem procura
sentir a aragem que soprava na copa das árvores, mas Daniel volta-se para o padre: —
A última parte da evolução do bípede 16 homem foi submetida ao domínio de criaturas
poderosas de outros mundos. — O padre hesitou por alguns segundos, mas lá foi
dizendo que era melhor ele não tentar entender os insondáveis mistérios dessa tradição
milenar, mas Daniel insiste: — Provavelmente, em tempos remotos, chegaram seres
extraordinários à Terra e impressionaram os nossos antepassados que os descreveram
de criadores e exterminadores 17 . Será que esses visitantes estranhos os arrebataram
para os centros genésicos, descritos de Génesis na primitiva versão verbal e gravados
no granito, pergaminho e papiro pelos antepassados?
— O silêncio do padre originou alguns momentos de pausa nas suposições de
Daniel e Maurício aproveita: — Afinal, a que se deve o teu silêncio! Será que não tens
mais dúvidas? — Não padre, as minhas dúvidas continuam, sabes porquê!? — Fala
Daniel! Estou curioso! — Então aqui vai: Os textos da antiguidade religiosa 18 revelam
rituais de violência em defesa do culto da latria 19 . Não será a religião um vício
tradicional que eliminou as crenças sucessivas da pré-tradição! Os primeiros
tradicionalistas evocaram o que foi descrito nas Escrituras Sagradas, mas os últimos
defendem um novo deus não descrito. A pré-tradição politeísta quase foi exterminada
pelos religionários 20 em torno de um deus único 21 e da sua linhagem 22 , mas a
exegese 23 responsabiliza-os pela deturpação dos lendários das sucessivas gerações. A
História tem sido testemunha da paixão que levou os crentes a mistificarem, inclusive
um novo deus que o Homo sapiens 24 não pudesse desmistificar, mas o velho bípede já
deu provas de superação, desde que observava os fenómenos assombrosos dos céus
8
Tomando como base a data mais antiga dos textos consagrados, evocada pela religião judaica.
9
Os manuscritos mais antigos remontam à monarquia israelita, cerca do século XI antes da nossa era (a.n.e.).
10
Adjectivo que referencia aquele que adora uma divindade.
11
A primeira intervenção cirúrgica aconteceu através da costela de Adão que deu lugar à primeira mulher, de todo impossível para o conhecimento humano da altura.
12
Intermediários são humanos ou deuses que em algumas versões da religião nos representam perante o supremo Deus.
13
Ciência biológica que tem por objecto o estudo dos fenómenos e das leis da transmissão hereditária (considerando os genes) dos caracteres e a variação destes.
14
Homens do grupo que foi seleccionado para o «Jardim de Éden». Supostamente cobaias dos expedicionários de civilizações extraterrestres.
15
Segundo os teístas são os habitantes dos céus
16
Animal ou designativo do animal que se desloca, utilizando normalmente dois membros locomotores, ou seja, os dois pés. Neste caso o Homem.
17
Encontraremos esta expressão de Daniel em excertos dos textos sagrados mais adiante.
18
Referente a um período violento do passado religioso: 0-4 mil anos antes da nossa Era.
19
Culto devido a Deus.
20
Sectários de uma religião.
21
Nenhum texto consagrado refere um deus único: «Façamos o homem à nossa imagem, à nossa semelhança» (Génesis, 1, 26).
22
Série de gerações de uma família; genealogia; estirpe; raça; casta; condição social.
23
Arte de encontrar e explicar o verdadeiro sentido de um texto, aplicando as regras da hermenêutica.
24
O Homo sapiens é a nossa espécie que cientificamente foi conhecido desde 40.000 anos.

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e as erupções vulcânicas na Terra. Muito antes de se sociabilizar já reparava no que
atormentava e dizimava a sua espécie quando se subjugou a milhões 25 de celícolas, só
que as suas preces não tiveram reciprocidade e o seu desespero chegou mal
interpretado à posteridade. Os mais novos relatos ajustam-se à última paixão do
etnocentrismo 26 , não se identificam com os primitivos e nem com os consagrados.
Dessa crença e descrença emergiram predições e divergências que enfureceram os
impérios 27 da fé, os quais oprimiram quem os perturbava. Os ícones dos seus ídolos
foram exibidos para subjugar os mais resistentes, quando não os venciam pela força
prometiam paraísos para depois da morte e intimidações de extermínio pela sua recusa.
São reveladas chacinas macabras desses tempos, talvez ainda não soubessem que a
morte é um sono eterno sem sonhos.
O padre intervém: — Calma Daniel, não é preciso ficares tão nervoso! — Achas
mesmo que há motivos para eu estar calmo Maurício, quando o sangue humano jorrava
e os ossos amontoavam-se nas ruas! As marcas dessa crueldade persistem indeléveis
num zelo fervoroso que provocou o insucesso da civilização, dividindo-a e banindo-lhe
as tradições de milhões de deuses. No pensamento dos aliados 28 havia motivo para o
seu procedimento, as suas histórias sagradas não chegariam à posterioridade e os
guerreiros divinos seriam ignorados. Porém, o sentimento da fé não deixou que
captassem os sinais desses textos, nomeadamente a destruição das cidades Sodoma e
Gomorra 29 , em que os defensores dos autóctones 30 foram exterminados por se
erguerem contra o senhor dos exércitos 31 . Afinal, apregoa-se uma bondade infinita a
quem tudo criou, mas não se estranha que também exterminou e mandou exterminar os
que contestaram esse abuso celipotente 32 . Dessa irreflexão emergiu uma sociedade de
culto interessada em deuses e alheada da espécie, não dando um passo sem apelar
aos ditos que provocaram o sofrimento e a imaturidade civilizacional. A sociedade
teísta 33 acredita ser uma exclusividade do Universo, mas adora outras criaturas: «de um
mundo longínquo, da extremidade dos céus» (Isaías, 13, 5).
Maurício não resiste: — Talvez seja melhor não enveredares por aí, olha que Isaías
foi um grande profeta — Daniel contrapõe ao argumento do padre: — Como é que
podes estar tão certo disso! Além do que crês tens as provas da veracidade desses
textos!? — Claro que não, mas também ninguém as tem — disse Maurício — Então,
porque acreditas neles!? As religiões sustentem a verdade de textos de que não têm as
provas, na defesa das quais já atingiram a mais elevada taxa de crueldade, tal como na
religião que professas Maurício, em que as pessoas eram atiradas para as fogueiras por
não quererem seguir o Cristianismo! O mais grave é que não foi e nem é a única onde
se evocam os deuses para matar as outras pessoas! Não achas estranho! — Sim, acho
muito estranho, todos aqueles que o fizeram deviam estar loucos — Loucos de fé
padre?! — Maurício fica calado e Daniel prossegue: — Os deuses são evocados para
se atingirem objectivos de crueldade e os crentes exibem os seus rituais em qualquer
lugar, como se fossem a ordem absoluta e não o sentimento da fantasia da sua
imaginação. Falam em paz quando exibem os seus rituais e ignoram que há mais gente
neste planeta que também procura a paz sem rituais. Logo, deveriam recatar-se nos
“seus” locais de culto.

25
Desde as divindades mitológicas às actuais. Só na Índia já existiram mais de 300 milhões.
26
Atitude baseada na convicção de que o povo a que se pertence, com as suas crenças, tradições, valores, é um modelo a que tudo deve referir-se.
27
Grupos político-religiosos que impuseram as suas doutrinas escravizando e dizimando os povos que contestavam as sua exacerbada religião.
28
Os teístas da antiguidade-religiosa que exterminaram os que contestaram o seu deus e os que insistem em defender as injustiças transcritas nos antigos pergaminhos.
29
«Deus fez chover do céu enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra. (Génesis, 19, 24). Para o caso de essas cidades terem existido, a ciência encontrou explicação para o Deus
que os teístas acusam de exterminador dos habitantes dessas cidades. Afinal, um fenómeno tectónico de fluidificação poderá estar na origem do deslizamento das terras que
arrastaram essas cidades para as profundezas do mar morto.
30
Os aborígenes que foram descritos como os primeiros homens no texto sagrado, a partir do Jardim de Éden, sujeitos às experiências de civilizações extraterrestres.
31
Deus foi descrito por guerreiro e racista: «antes a morte do que a vida por todos os que restarem desta raça maligna... diz o senhor dos exércitos» (Jeremias, 8, 3).
32
Que tem poder no céu.
33
Teísta é a pessoa que acredita na existência de Deus.

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Bem sei que a tua crença é mais fácil de explicar, basta acreditares ou convenceres
a acreditarem nas tuas homilias, mas a vida real é muito mais complicada do que o teu
sentimento de fé. Não compreendo porque fazes isso quando sabes como eu que os
Hominídeos 34 iniciaram o longo percurso do conhecimento acerca de um milhão de
anos, o período mais lento da intelectualidade, altura em que se despertou para
princípios de organização social. A primeira noção de sobrevivência, com carácter
inteligente, talvez fosse a do tempo, principalmente nas regiões onde os povos
primitivos se fixavam. Além da noite e do dia foi necessário controlar períodos mais
longos através da observação dos astros e das estações climatéricas. O novo
fenómeno da evolução impunha regras hierárquicas aos povos primitivos, levando-os a
aperfeiçoar em termos de sobrevivência e astúcia para vencer os demais. Sem as
referências de hoje socorreram-se da sua ténue inteligência para refinar posições
jerárquicas 35 , os que melhor articulassem o discurso mais se fortaleciam socialmente
para ocupar lugares na liderança, a causa proposta reuniu grupos fortes e coesos. Em
resposta aos medos e anseios, as comunidades da Idade Antiga 36 produziram as suas
lendas, levando a que as ocorrências catastróficas fossem descritas pela submissão ao
endeusamento 37 .
O padre Maurício olhava para o Daniel enquanto este se expressava continuamente:
— A ciência ocupou o seu lugar e houve algum abrandamento na fé 38 primitiva, embora
no final do ano 2000 a comunidade judaica reafirmasse o princípio do mundo 39 há 5761
anos, os nipónicos sustentassem um calendário com pouco mais de 4000 e os católicos
2000, havendo pequenas religiões que declaravam a criação religiosa com menos de
mil anos. Nos pilares da religiosidade assenta a vivência civilizacional que é sustentada
nos textos das Escrituras Sagradas 40 e afecta ao aparecimento do homem primigénio 41
num jardim há menos de sessenta séculos, tal como é em físico e intelectualmente.
… Sendo um pensamento fantástico não discerne como tudo se terá passado antes
dessas datas, já que o Tempo 42 e a expansão (espaço-tempo 43 ) poderão resultar da
grande explosão a que chamam Big Bang. O calendário de Júlio César do ano 46, a.C.,
reformulado pelo Pontífice Gregório XIII deu origem ao almanaque gregoriano 44 , assim
como o egípcio 45 , 4241 anos antes da nossa era (a.n.e.), mas não previram o Tempo do
Universo 46 e sim um período de onde derivam os anos, dias, noites e as quatro divisões
do ano, determinadas pelos equinócios 47 e solstícios 48 . Só agora foi possível ao
Homem produzir telescópios para captar as imagens de mundos primitivos e saber que
o planeta Terra onde vive tem 4,5 mil milhões de anos e sustenta vida há 3-2 mil
milhões.
— Maurício tentou interromper Daniel, mas este insistiu: Desculpa lá mas os crentes
falam há milénios da mesma coisa sem interrupções, agora deixa-me falar: — Antes da
ciência poder explicar o Tempo e a expansão do Universo predominava a crença com
as suas alusões ao final do mundo, o qual acabaria de forma trágica, arrastando o
Homem para o extermínio. Ora, as datas previstas para as antevisões que se
34
Hominídeos eram homens primitivos com um só género (Homo). Espécie a que pertence o homem.
35
Subordinação gradativa de poderes.
36
Idade Antiga compreenda-se todo o período que antecedeu a Idade Média; esta última representa o período histórico que decorreu desde a queda do Império Romano do
Ocidente (476) até à tomada de Constantinopla pelos Turcos (1453); Idade Moderna: período que decorreu desde a tomada de Constantinopla pelos Turcos (1453) até à
Revolução Francesa (1789); Idade Contemporânea: período que começou com a eclosão da Revolução Francesa e abrange os tempos actuais.
37
O êxtase que levou os crentes a erguer quase mil milhões de deuses (só na Índia existem cerca de 300 milhões).
38
Diz-se da crença absoluta na existência de certo facto, mas facto não pode ser crença.
39
Pode ser tudo quanto existe ou tudo aquilo que o desejo da inteligência pode abranger: Universo; Terra; planeta; multidão; grande quantidade de coisas; a vida terrestre; etc.
40
Como é conhecido um conjunto de alguns dos textos milenares, classificado de sagrado pelos defensores religionários.
41
O primeiro da sua espécie.
42
Ao contrário do tempo atmosférico, o Tempo decorre desde o Big Bang (espaço-tempo); (acontecimento cósmico). Sem espaço não há Tempo, sem Tempo não há espaço.
43
Explica Einstein: «Toda a descrição de acontecimentos no espaço necessita do emprego dum corpo rígido ao qual esses acontecimentos são relacionados.». Um outro
exemplo, na Grande Explosão (Big Bang), no hiper-cosmos, teve início o espaço e o Tempo, ou seja o Universo.
44
Calendário reformado pelo Papa Gregório XIII, cuja mudança ocorreu em Portugal em 1582, mas só foi aceite em todos os países em 1917.
45
Relógios de água egípcios (clepsidras). Recipientes de pedra que brotavam água a um ritmo calculado. Mais tarde «relógios de estrelas» que indicava cada posição da noite.
46
A noção do tempo existe em viventes de mundos em que hajam referências de astros em movimento. São desprovidos dessa noção os que não têm essas referencias
47
Momento em que o Sol, no movimento anual aparente, atinge cada um dos dois pontos equinociais;
48
Em astronomia é o momento em que o Sol alcança, no movimento anual aparente, qualquer dos dois pontos da eclíptica mais afastados do equador celeste (ponto solsticial
de Junho e ponto solsticial de Dezembro), e onde parece estacionar alguns dias.

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profetizavam expiraram. No entanto, ao abrigo do calendário gregoriano, a volta do
milénio foi assinalada com portentosas festividades em quase todo o planeta, mas o
Tempo real voltou a não ser festejado, não obstante o esforço científico para que se
integre a data do seu início 49 . Os discursos articularam-se, inspirados em dogmas 50 e
tradições para se dar firmeza às prosas de autores desconhecidos que transmitiram o
mitismo 51 ao crente povoléu, o dito gentio 52 que atribuiu fama aos seus ídolos da
desgraça, como as lendas de um tal Bandarra que se perdem no tempo. Recordemos
Lessing: «o valor do homem não é aferido pela verdade que detém ou julga deter, mas
pelo esforço sincero que ele fez para chegar à posse dessa verdade.» 53 .
 — Daniel apercebe-se que Maurício está inquieto para intervir, mas pede-lhe um
pouco de calma: — Vais ter muito tempo para te pronunciares durante a minha estadia
na tua casa. Afinal, os ateus, ditos infiéis como lhe chamam, sempre foram obrigados
ao silêncio e sobreviveram! Sabes que os teístas preferem o falso conforto da gnose 54
anunciada, mas quem fica calado, submisso e limitado aos vícios ancestrais adopta
uma posição cómoda, todavia conivente. A liberdade sempre foi asfixiada por
estratagemas subtis, inclusive os rituais que foram reajustados aos sentimentos
humanos para susceptibilizar a aceitação dessa ilusão. Louvados os que arriscaram em
perder popularidade e a vida por argumentarem ao arrepio dos falsos populistas,
descritos de cruéis pelos escritores da Idade Antiga.
 — Maurício retoma a palavra para dizer ao Daniel que a Religião tem feito muito de
bom pela humanidade — Daniel aceita o argumento de Maurício — Não digo que não
Maurício, mas o que fez poderia ser feito por outro qualquer grupo de pessoas
mobilizadas para esse efeito. Logo, por esse prisma, a religião torna-se dispensável.
Claro que, no tocante ao bem-estar da humanidade alguma reflexão de sociatria 55 vem
sendo notada, sobretudo no empenho de atenuar o sofrimento e de se instalar
definitivamente a paz. A humildade e a abnegação de quantos lutam por esses ideais,
promovendo acções filantrópicas 56 , suscitam emoções na vivência humana quando
proclamam conforto e tranquilidade à nossa espécie. Porém, há algo que não está bem,
as acções humanitárias seriam dispensáveis se o mundo tivesse sido criado para o
bem-estar do Homem. Por isso, os seguidores do endeusamento são responsáveis por
esse processo enganador, em tempo útil não tentaram compreender o que vinha
descrito nos pergaminhos 57 que consagraram e, não permitindo que alguém o fizesse,
deixaram que uma paixão incontrolável se instalasse, levando os aliados semideuses 58 ,
reis loucos, seus súbditos e multidões manipuladas a assassinar inocentes até aos
nossos dias.
 … Pela segunda vez Maurício faz uma intervenção para contrapor: — Não tens
provas do que afirmas Daniel — São precisas provas para quem leu a História! Então,
dá-me as provas da tua crença! — Segue-se um momento de silencio — Meu caro
Maurício, não vês que os crentes protestam pelo desmoronar das suas crenças e nos
locais de culto deixaram de citar esses textos, em alguns casos não os recomendam
por lhes reconhecerem contradições, como a tal bondade infinita desse criador ter sido
descrita como cruel e exterminadora, veja-se aquando de catástrofes ditas naturais, em
que muitas pessoas são exterminadas por problemas num mundo dito criado e bem
feito, visto pelo prisma da religiosidade claro. Vê bem, nas orações dos vários credos
49
O Tempo verdadeiro, o do Universo, terá a mesma idade do Big Bang, mais de 15 mil milhões de anos.
50
Doutrina proclamada como verdade de fé por um concílio ecuménico ou pelo Papa. Proposição apresentada como irrefutável, cuja opinião imposta é aceite sem crítica.
51
Ciência dos mitos, que interpreta narrativas fabulosas de origem popular; relatos das proezas de deuses ou de heróis; representações falsas, mas geralmente admitidas por
todos os membros de um grupo; alegorias ou representações de uma coisa inteiramente irreal; lendas.
52
Todo aquele que seguia a religião pagã era considerado, pela religião, de gentalha, idólatra, selvagem, etc.
53
Dramaturgo e crítico alemão Lessing, Gotthold Ephraim (1729-1781). A sua influência foi determinante na altura em que se formava o espírito nacional da literatura alemã.
54
Eclectismo teosófico que pretende conciliar todas as religiões e explicar o seu sentido profundo por meio de um conhecimento esotérico e perfeito das coisas divinas.
55
psicoterapia do comportamento social, que visa o aperfeiçoamento das relações inter-humanas.
56
Interesse teórico e prático pela felicidade dos homens (forma laica e racionalizada da caridade cristã).
57
Pele de carneiro, cabra, ovelha ou cordeiro preparada para nela se escrever; neste caso refiro-me aos escritos da antiguidade-religiosa.
58
Indivíduo que os antigos pagãos consideravam superior aos outros homens e inferior aos deuses; herói divinizado.

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enfatizam-se cânticos e palestras que saltitam por excertos e versículos mal traduzidos,
um mistifório de frases iludentes que extasiam os intervenientes à prática de rituais para
honrar compromissos tradicionais. As manifestações descritas em textos designados de
sagrados, como a Bíblia 59 , Vedas 60 , hinayana 61 , mahayana 62 , Alcorão 63 , etc., não
teriam chegado aos nossos dias sem o fascínio do simbolismo da crença. Os celícolas
perceberam isso, pelo que a mensagem atravessou tempos conturbados, perpetrados
pelos étnico-religiosos durante gerações múltiplas. As doutrinas do teísmo 64 , deísmo 65 ,
panteísmo 66 e politeísmo 67 causaram perturbações sociais, mergulhando a humanidade
no temor 68 e na submissão. Portanto, não se deve desprezar uma proposta de reflexão
sobre o excesso de zelo da fé e do cientismo apressado... Maurício interrompeu Daniel
para lhe dizer que estava a preparar um lanche. Continua Daniel, eu estou a ouvir-te
com muito interesse – Daniel prossegue com vivacidade sobre o que aprendera nos
últimos tempos em que esteve na Universidade. – Parece-me boa ideia, estou com
apetite. Então cá vai…
 … Sabes que a vivência histórica dos povos crentes levou o Homem Moderno 69 a
aprofundar o seu conhecimento sobre a religiosidade antiga, mas até hoje ainda não
conseguiu comprovar o que foi descrito na fantasia da imaginação. Insistiu-se somente
no sentimento da fé é desprezou-se a realidade dos primitivos que deveriam ser
estudados numa metodologia específica, na sua originalidade e multiculturalidade, não
apenas na fenomenologia das religiões. A progressão da descrença provocou
insegurança na sociedade do culto religioso, mas esta nada terá a recear do ditado
popular, em que «ninguém desfaz o que Deus fez». Se ambas as partes sofrem na
defesa das suas causas e parecem não saber quem ofende a quem, então que
prevaleça a tentativa sincera da procura da verdade, só assim podemos discutir o
mundo em iguais circunstâncias…
 … Impressionado com as imagens dos novos olhos mecânicos (telescópios), o
homem científico começou a dar os primeiros passos para a construção de mundos que
se reclamavam aos deuses, talvez venha a explicar o antes do Big Bang e a aparição
dos primeiros celícolas. Novos conhecimentos vão chegar e um outro sentido de
reminiscência fará esquecer a consagrada criação, impulsionando os crendeiros 70 para
a apreciação do objectivo e origem da elegante arquitectura cósmica…
 … O obscurantismo 71 enfraqueceu com a evolução natural do conhecimento, mas
os seguidores tentam reerguê-lo dos debilitados pilares que cederam à ciência de
Copérnico 72 , Galileu 73 , Darwin, Haeckel 74 , Huxley 75 , Einstein 76 e ao racionalismo de
Voltaire 77 , Diderot 78 , etc. No horizonte vislumbra-se uma nova ideia sobre o cosmos 79 , a
exploração de outros mundos que os celícolas e aliados não explicaram. Os ateístas 80 ,

59
Colecção dos livros sagrados do Antigo e do Novo Testamento. Antes houve três fases: período de prováveis acontecimentos; tradição verbal; tradição escrita.
60
O Hinduísmo tem uma origem que remonta a vários milénios a.C. Os seus livros sagrados são os Vedas.
61
O Budismo é na realidade uma religião sem Deus. Buda não acreditava em nenhum ser divino e negava que o homem tivesse uma alma imortal. Essa religião da Índia
mantém-se no Ceilão, na Birmânia e na Tailândia. Uma divisão do Budismo denomina-se hinayana, o pequeno veículo (da salvação).
62
Uma outra divisão do Budismo chama-se mahayana, o grande veículo, e predomina no Japão, China e Tibete, adora Buda como um deus.
63
O Islamismo apregoa que Alá é o único Deus e Maomé o seu profeta. Tem aspectos da religião árabe antiga do Judaísmo e do Cristianismo. O livro santo é o Alcorão.
64
Doutrina filosófico-religiosa que admite a existência de um Deus único, pessoal e criador do mundo.
65
Concepção filosófico-religiosa, muito divulgada no período iluminista, que admite a existência de Deus como criador de todas as coisas, mas nega a sua intervenção no
mundo, regulado por leis inalteráveis. Rejeita a revelação religiosa, aceitando, todavia, a imortalidade da alma.
66
Doutrina, segundo a qual, Deus não é um ser pessoal distinto do mundo, mas Deus e o mundo seriam uma só substância.
67
Doutrina ou religião que admite a pluralidade de deuses.
68
Se a palavra temer a Deus não significa terror para os teístas, para muitos ainda é o Futuro Conjuntivo e Infinito pessoal do verbo temer.
69
Segundo a ciência antropológica, o Homem Moderno pode ser uma espécie independente do homem de Neandertal, mas também a sucessão ou fusão das duas.
70
Os que acreditam em absurdos.
71
Estado dos que vivem na escuridão e na ignorância; doutrina dos que se opõem ao desenvolvimento da instrução e do progresso.
72
Copérnico – (1473-1512) cientista, considerado herege pela religião que não aceitava a sua teoria da Terra a rodar em torno do Sol.
73
Calileo Galilei – (1564-1642) cientista, considerado o primeiro físico moderno. A religião condenou-o a prisão perpétua domiciliária.
74
Haeckel – Ernest Haeckel – ecologista, (1834-1919)
75
Huxley – Thomas Henry Huxley (1825-1895) colega e seguidor de Darwin.
76
Vide obra Albert Einstein e a Relatividade — Hilaire Cuny. Editora Odisseia 1965.
77
Voltaire – Escritor e filósofo. (1694-1778)
78
Diderot – Denis Diderot, filósofo intérprete da natureza (1713-1784)
79
Cosmos – O universo considerado no seu conjunto, do microcosmo ao macrocosmo.
80
Pessoa que não crê em Deus; ateu.

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O outro deus
materialistas 81 e racionalistas 82 tentaram alterar a genealogia do demiurgo 83 com a
introdução do acaso 84 , mas os espiritualistas 85 basearam-se em textos antigos e
fixaram-no como criador imaterial e transcendente, ignorando o desenlace que ocorre
antes do Homo sapiens e do Homo habilis 86 .
 — O argumento sustentado de Daniel impressionou Maurício que intervém: —
Espera lá, queres dizer-me que tudo o que consta dos textos sagrados está errado!? —
De modo algum — Disse Daniel ao retomar a conversa — Embora muitos escritores já
se prenunciaram sobre esses textos, considerando-os de medíocres e suportados por
falsos lendários. Claro que o meu argumento não fica distante, mas convida a não se
ignorar que algo muito importante ocorreu, já que alguns escritos enunciam
coincidências, ainda que se verifiquem divergências. Os grupos religiosos defendem as
suas tradições, mas não é seguro garantirem essa autenticidade tradicional, já que a
procedência é desconhecida, logo improvável. A vivência dos antepassados não foi
igual para todos: Uns sofreram intervenções exterminadoras da violência do homem
endeusado, em muitos casos responsável pelo sofrimento, pobreza e morte, outros
foram condicionados pelo isolamento e a precariedade da Natureza que lhes causou
insipiência.
 — Maurício aproxima-se mais de Daniel, puxa por uma cadeira e tenta desviar a
prosa para a sua vocação de fé, mas Daniel faz questão de ir bem fundo — Não se
podem realçar as tradições que separaram os povos e, ao mesmo tempo, propor uma
vivência harmoniosa para os juntar Maurício. Os povos que são conhecidos por ciganos
derivam dos jinganis da Índia e eram nómadas, mas abdicaram desses passos
ancestrais para ficarem circunscritos à integração na civilização. O povo judaico
abandonou a tradição nómada dos ancestrais pré-hebreus, talvez por o seu
nomadismo 87 e monoteísmo ter importunado outros povos e serem descritos desta
forma cruel: «Derrubai os seus altares... quebrai os monumentos, queimai os bosques
sagrados e abatei as imagens dos seus deuses... somente evocareis o Senhor, vosso
Deus» (Deuteronómio, 12, 3).
 — Excertos dos textos consagrados começaram a ser citados por Daniel para
sustentar a sua argumentação e Maurício compreendeu de que ele estava bem
elucidado quando prossegue desta forma: — Muitas tradições foram extintas para dar
lugar às que não sacrificavam as crianças, não queimavam pessoas vivas, não
arrasavam as cidades e os países para que os impérios da fé se expandissem. Algumas
chegaram aos nossos dias e de tão perigosas como as anteriores surpreenderam a dita
civilização, como foi exemplo o ataque às Torres gémeas do Word Trade Center (WTC).
O terror tem sido o impulso primitivo mais usado por esses impérios e os seus discursos
iludentes continuam a arrebatar multidões. Nessa tragédia foi evocado um deus único
para exterminar pessoas em nome da sociolatria. Os executantes repetem a tradição e
levam à letra o texto do Génesis e do Pentateuco 88 , plagiando, transformando e
consagrando-os na Bíblia, no Alcorão e noutros livros ditos sagrados.
 — Maurício não aceitou esta argumentação de Daniel dizendo-lhe que nenhuma
fracção religiosa aprovou essa acção — Isso não é bem verdade — Diz Daniel — O
repúdio que alguns religiosos manifestaram, como resposta a essa acção inqualificável,
também não faz muito sentido. Afinal, conhecem o descrito nos textos antigos que
consagraram, pelo que deveriam concordar com essas atrocidades devastadoras, já

81
A filosofia materialista é o estudo da matéria que nos poderá explicar o Universo.
82
Partidário do racionalismo. Doutrina segundo a qual só na razão devemos confiar e não admitir nos dogmas religiosos senão o que ela reconhece como lógico.
83
Princípio organizador do Universo. Não havendo uma palavra para definir o acaso cósmico, os filósofos encontraram forma de se expressar, como o fez Platão e outros gregos.
84
Expressão da origem do Universo que diferencia o criador do acaso cósmico (Big Bang).
85
O que afirma a existência da alma no homem. Em sentido mais lato, doutrina que reconhece a existência de Deus e a imortalidade da alma.
86
Homo habilis – um antepassado longínquo, com cerca de 122-140 cm de altura. Onde foram encontradas os primeiros utensílios de pedra junto às suas ossadas.
87
Vida dos nómadas; género de vida das populações das estepes e dos sub desertos, forçadas à deslocação por várias necessidades, cuja habitação era a tenda desmontável.
88
Os cinco primeiros livros em que se sustenta terem sido escritos por Moisés.

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O outro deus
que foi evocado um deus único, pelo qual dão a vida e matam os da sua própria
espécie. Nenhuma religião ou seita está imune dessas acções macabras, todas
emergiram do obscurantismo, algumas foram obrigadas a evoluir 89 para serem aceites
na actualidade. Aos humanos resta a esperança de que essa desinteligência acabe por
enfraquecer e se extinga, a memória a conservar será em defesa dos mais fracos, não
dos poderosos impérios de fé que voltariam a atirar para o inferno 90 da sua imaginação
todos os que se rebelassem porque acreditam nesse castigo celífluo 91 .
 — O padre pede a Daniel para o deixar falar dos textos sagrados e contrapor mas
ele insiste: — Não se pode levar em conta os textos antigos Maurício, afinal foram
escritos em total desconhecimento como se sabe hoje. Rapara: a velha tradição verbal
foi descrita e posteriormente seleccionada, dando origem ao reajustamento de muitos
textos para serem considerados sagrados, o que retardou a nova tradição científica e
fê-la passar por momentos de fracasso até à descoberta de Mendel 92 e do controverso
evolucionismo de Darwin 93 . Não havendo conhecimento de que outra paixão, como a
religiosa, tivesse permanecido tantos milénios na memória da humanidade talvez seja
algo pernicioso que repousa na estrutura genética do homem moderno, já que os
defensores matam e se deixam matar para igualar esse sofrimento lendário. Os líderes
religiosos mais fanáticos 94 sempre submeteram a juventude às lendas e aos martírios
das anuências de deuses imaginários, onde não faltam armas para matar 95 a própria
espécie.
 — Maurício interrompe Daniel — Sou teu amigo mas se outra pessoa te ouvisse
diria que só há maldade nos textos sagrados e quem os ler poderá ser candidato a
matar alguém — Daniel disse: — Não foi bem isso o que eu disse, mas olha que andas
lá perto. Repara, esses textos em que se apoiam os impérios religiosos não foram
exercidos ao abrigo de algo semelhante à Declaração dos Direitos do Homem,
conferindo a liberdade e a procura da verdade, inclusive a religiosa no artigo 18º. As
vítimas dos político-religiosos são, principalmente, os que crêem e não discernem essa
ilusão, deixando-se influenciar por promessas para depois da morte, vidas em mundos
paradisíacos de leite e mel, orgias entre virgens e auspícios de antigos profetas que os
aguardam depois da morte. Afinal, em que critério se sustenta o bem que se apregoa de
Yahveh 96 e Elohim 97 se foram descritos de exterminadores! Leia-se: «Destruirei desde
o homem ao animal, porque me arrependo de os ter feito» (Génesis, 6, 7).
— A estadia de Daniel na casa de Maurício já contava com 15 dias, altura em que se
preparam para viajar pelo Centro Norte de Portugal. Pararam no Hotel da Cúria por 8
dias e dedicaram os primeiros 2 ao passeio pelas localidades circunvizinhas.
Saboreavam o leitão da Bairrada quando veio de novo a conversa da crença, mas desta
vez é Maurício que puxa Daniel para um discurso longo e profundo — Na tua
perspectiva como é que surgiu esta apetência pelo sagrado — A crença surgiu da visão
beatífica que remonta aos primitivos sinais da inteligência. A superstição 98 produziu
crentes que divergiram no seu crer, desde o humilde cidadão ao mais alto cargo social
ainda recorrem à crença para o bem e para o mal, inclusive para provocar a morte da
pessoa de que não gostam.

89
Entenda-se no aspecto do altruísmo, embora não seja conhecida nenhuma dessas expressões nos textos que consagraram.
90
A palavra inferno só aparece em textos posteriores a Jesus, o Cristo (Novo Testamento).
91
Que mana do céu.
92
Johann Gregor Mendel, 1822-1884; monge austríaco; professor de Ciências Naturais e Física na cidade de Brünn; descobriu três leis da hereditariedade.
93
Darwin – cientista, mentor da teoria evolucionista da natureza.
94
Primitivamente eram os sacerdotes de certas divindades (Cíbele, Belona) que entravam em delírio sagrado, durante o qual se feriam e faziam correr o próprio sangue. Hoje é
aquele que se inspira numa divindade ou que está animado do zelo excessivo de uma religião.
95
Os impérios da fé que hoje não usam as armas com que mataram os opositores das suas crenças poderão voltar a usá-las, basta que o seu deus esteja de novo em causa.
96
Yahveh quer dizer Deus, assim como o tetragrama hebreu YHVH (Yahveh) quer dizer Senhor e é uma definição de Deus. Elohim e Yahveh têm sentido plural e provém de uma
tradição Yahveista das tribos originárias da Judeia, que segundo escritos da antiguidade-religiosa eram viajantes do espaço e representavam uma só pessoa: Deus.
97
A tradição Elohista designa Deus por Elohim. Calcula-se que viria das tribos do Norte. Segundo o texto sagrado a tradição Yahveista teria iniciado os trabalhos da criação:
«Deus criou os céus e a terra», enquanto na Elohista, 300-400 mais tarde: «plantou Deus um jardim no Éden».
98
Apesar de se ter instituído como certo de que superstição é um desvio do sentimento religioso, na verdade ambos assentam na crença, cujo fundamento é discutível.

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— Maurício interrompe da cozinha: diz lá que não entendi bem — Recomeça Daniel:
— O tempo deu lugar à evolução e gerou a inteligência do bípede que não se libertou
da superstição, melhor dizendo, da opinião da fé e da convicção que agravou a vivência
dos povos com a separação dos credos. As mais antigas tradições passaram ao
mitológico e foram depreciadas em favor das consideradas verdadeiras, quantas vezes
instituídas pela força. Nos manuscritos mais antigos foram denunciadas as crenças
primitivas e os registos de crueldade que remontam ao século XI a.n.e., altura em que
surge o documento «Yahveista» 99 do primeiro autor do Génesis. Com o crescente
interesse pela escrita formou-se o Pentateuco para relatar os cantos da tradição antiga,
só posteriormente surge o texto «Elohista» 100 , a versão «Sacerdotal» 101 . O apelo ao
zelo religioso fez nascer novas interpretações e alguns dos escritores passam a ser
inspirados por Deus. Dos antigos 4000 manuscritos apuraram-se 73 102 , mas não se
evitaram as histórias controversas e embaraçantes ao preceito canónico posterior. —
Muito bem, estou a ver que estás mais informado sobre os textos da Antiguidade do que
eu — Disse Maurício —.
— Daniel continuou dizendo: Esse é o problema dos crentes, acreditam e isso chega-
lhes, mas um ateu tem de pensar sobre as coisas que incomodam e que matam
pessoas … Os textos que formam hoje as ditas Escrituras Sagradas reportam-se a
menos de 6 mil anos, quando a investigação científica assegura o início da vida no
nosso planeta há 3-2 mil milhões de anos, por consequência de uma longa
transformação físico-química. Repara nesta prosa: As primeiras referências à religião
surgem na Suméria pela reunião de princípios que se opunham: Apsu era o princípio
masculino do bem e, Tiamat, o princípio feminino do mal. Do lado masculino reinava o
pai do mar e das plantas, no feminino a mãe do lodo e dos monstros. Os investigadores
descobriram o que não se conseguiu em milénios de crença. Em Brassempouy (Lanes)
foi encontrada uma estatueta feminina de marfim que remonta ao Paleolítico superior,
mas não deverá ser a única figura da aurora da hominização a sustentar sinais de
inteligência com mais de 40 mil anos.
… Nos textos ditos sagrados não foi descrita a vida inicial do planeta nem os povos
primitivos que se fixaram junto a grandes rios como o Nilo, Eufrates e Tigre, adoptando
as lendas aos seus anseios que aumentou o número dos deuses. Os textos científicos
aludem a que o Império Egípcio terá nascido de pequenas comunidades urbanas nas
margens do rio Nilo. Por volta de 3100, a.n.e., Menés era o primeiro rei do Alto e do
Baixo Egipto e nomes como Alexandre o Grande remetem-nos para os primórdios
civilizacionais, mas entre essas personagens contam-se trinta dinastias. Das duas
primeiras (tinitas) não se conhecem os reis, só a partir da terceira é que as datas são
mais seguras por se situarem na época dos grandes construtores, 2700 a.C., cujas
residências reais foram primeiro em Sakkara e depois Gizé.
 … A partir do ano 2350, a.n.e., há um grande período de declínio (1750 anos) que é
evidenciado por guerras civis e expedições dos povos montanheses do Norte, altura em
que é notada a motivação de se pôr alguma ordem nos direitos humanos. Surge o
primeiro legislador Hamurábi de Babel que exorta à imparcialidade do juiz, o falso
testemunho era severamente castigado. O objectivo: «disciplinar os maus e mal-
intencionados para impedir que o forte oprima o fraco». As inscrições na estrela de
Hamurábi revelaram o mais antigo código do mundo, descoberto em 1901 na antiga
cidade persa de Susa, num bloco de diorito coberto de inscrições cuneiformes que terá
sido para ali levada no século XXII, a.n.e.

99
Deus é chamado Yahveh por esta tradição.
100
Deus é chamado Elohim por esta tradição.
101
A tradição que provem dos sacerdotes de Jerusalém.
102
Existiram mais de 4.000 manuscritos na antiguidade-religiosa, mas ao cânone da religião Católica só sobreviveram 73, os restantes foram considerados livros apócrifos.

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O outro deus
 — Ok., ok., interrompe Maurício, vais dizer que os “10 Mandamentos” não foram as
primeiras leis inscritas nas pedras que Moisés mostrou ao seu povo Hebreu e lhe disse
que tinham sido ditas por Deus — Isso mesmo. Mais, respondeu Daniel — Se assim foi
teremos de admitir que o tal Deus e quem aparecia com Ele seriam criaturas de outro
planeta, de outro mundo. Numa interpretação de hermenêutica 103 verifica-se que
durante mil anos 104 pousaram na Terra criaturas celígenas 105 para alterar os
sentimentos dos autóctones, tornando-os afectos a uma linhagem. Os convertidos
foram empolgados a exterminar os que contestavam as experiências desses celícolas,
desapossando-os das suas terras, bens e dignidade. Esse divinismo 106 chegou
revivescido aos nossos dias pela ênfase da religiosidade que apressadamente divulgou
essas memórias maculadas de parcialidade, voluteando pela tradução da «Vulgata» 107
no final do séc. IV, generalizando no Ocidente os textos bíblicos da Idade Média. A
mensagem foi impressa no ano 1455 por ser urgente espalhar a boa nova pelo mundo,
mas só foi discutida no Concílio de Trento e no ano 1546.
 — Sim eu sei disso, disse Maurício — Ainda bem, porque era aqui precisamente
aqui que eu queria chegar Maurício. Nos textos que os deícolas consagraram tudo foi
criado há menos de 6 mil anos, mas os cientistas calculam que o Homem começou a
pensar há um milhão de anos 108 e, numa prospecção antropológica, os Hominídeos
Neandertais 109 instalaram-se na Europa há mais de 800 mil 110 , assim como os primeiros
sinais de inteligência e os homens modernos datam do período Plistoceno 111 . O período
histórico-religioso é tão novo, relativamente ao histórico-natural, que a fusão dos textos
Yahveistas e Elohistas, originária da constituição do Tora 112 , só veio a acontecer por
volta do ano 721 a.n.e., aquando da tomada da Samária pelo reino de Judá que pôs fim
ao reino de Israel e se terá dado a redacção do texto Deuteronómio.
 — Caramba, as coisas que tu aprendeste em tão pouco tempo Daniel — Só as
pessoas que observam de longe o fenómeno religioso podem aprender a entendê-lo e
não só a crê-lo… Olha Maurício, não sei como há pessoas que se realizam acreditando
quando a antiguidade religiosa está cheia de atrocidades. Os escritores desses textos
relataram exterminações que foram perpetradas pelos impérios da fé auxiliados pelos
celícolas. Porém, as expedições 113 nem sempre estavam na Terra para os auxiliar, daí
que alguns perderam guerras importantes. O império de Israel não foi o único vencido,
embora nunca perdesse a fé de exterminar os infiéis, sustentando uma verdade que
talvez estivesse nos textos que considerou de apócrifos 114 para os banir mais tarde. A
colecção desses textos demorou dez séculos a juntar, mas o etnocentrismo que definiu
o Velho Testamento no segundo Concílio Trulano, final do século VII, atirou tudo por
terra ao enunciar no Oriente e Ocidente o cânone do Novo Testamento.
… Imagina Maurício que um certo estilo musical do nosso tempo seria escolhido por
uma grande maioria de adeptos, os quais o impunham como sendo o melhor e baniam
os restantes. Por muito que essa escolha fascinasse os seus simpatizantes poderia não
interessar aos vindouros. De forma semelhante ficámos desprovidos dos textos dos
nossos antepassados. Os impérios dessa verdade dita infalível teriam tantas dúvidas
como as que têm hoje, quando observam o texto do Evangelho 115 de Mateus e não

103
Interpretação de textos (primitivamente, da Bíblia; por extensão, interpretação de qualquer outro texto, histórico, jurídico, (apócrifo), etc.).
104
Período calculado entre a primeira e última palavra que foi descrita para os textos dos pergaminhos na antiguidade-religiosa.
105
O que provém do céu.
106
Teoria dos que professam o culto das divindades.
107
Nome dado à tradução latina da Bíblia feita da versão dos 70 e revista por São Jerónimo. Assim se dominava porque deveria ser divulgado entre o povo para seu uso.
108
Cálculo científico actual, embora algumas teorias apontem para a possibilidade de um milhão e meio de anos.
109
Hominídeo de estatura pequena que viveu na Europa antes do Homem moderno que veio de África.
110
Descoberta de humanóides com mais 800 mil anos, na serra de Atapuerca, em Espanha, no ano 2001.
111
Época mais antiga do Quaternário, na qual se encontram os primeiros sinais da existência do homem e onde começa, portanto, a pré-história.
112
Nome que os judeus portugueses davam ao livro da sua lei.
113
Uma das expedições da civilização extraterrestre que os autores do Génesis relatam, a qual estaria na Terra a fazer experiência com os humanos.
114
Livros apócrifos são escritos antigos que foram rejeitados. Os critérios são compreensíveis, certamente revelavam algo contrário ao que se apregoa religiosamente.
115
Evangelho é um termo grego que significa boa nova. Os seus autores não se identificaram, e por isso ninguém os poderá conhecer.

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O outro deus
encontram a cronologia antes de Abraão 116 . Não sendo mencionado que algum escrito
fosse arrancado, destruído ou perdido revela que houve actualizações sistemáticas.
 — Queres que deixe de ser padre com toda essa tua argumentação — Não
Maurício, deves ser quem és e fazeres o que gostas, mas não é disso que estamos a
falar, pretende-se com a nossa discussão uma reflexão sobre esta questão milenar de
fantasia insustentável. Sabe-se hoje que o Universo, o planeta Terra, o Homem e o seu
cérebro surgiram muito antes dos seis dias da criação e da recriação 117 do jardim de
Éden, tal como indicam os domínios da astroquímica 118 , biologia 119 , antropologia e
sociologia cultural 120 . Recentemente 121 , à medida que os Hominídeos evoluíam, os
primeiros pensamentos surgiam da consciência ténue que evoluiu para a realidade. O
Tempo aponta num único sentido, possibilitando armazenar o conhecimento e definir os
pesadelos dos sonhos quando dormimos, embora acordados também muitos os tenham
e, quando livres de teopsias 122 ou novas utopias proféticas tornam-se de interesse
humanitário, como o sonho de Luther King 123 e de muitos astrónomos que estimam a
vida inteligente em cerca de um milhão de mundos só na nossa galáxia. O sonho
religioso está desmistificado, embora os ditos fiéis mais zelosos não o queiram aceitar,
o professor catedrático Zeev Herzog da Universidade de Telaviv em Israel demonstrou,
em Dezembro de 1999, que o: «Êxodo do Egipto sobre a conquista judaica da terra
prometida não pode ser sustentado numa base científica».
 … A paixão de endeusar fez desviar o sentido harmonioso da espécie humana,
reflectindo-se nas atitudes grotescas para com os outros animais, ignorando-se o facto
de já ter vivido em cavernas e nas árvores antes de ser bípede e de os ditos deuses
aparecerem. Se houve acção de hipnose terá sido profunda, o leão uivou ingloriamente,
protestando, mas não lhe perdoaram essa ousadia de rei. Contudo, é apenas um
vislumbre da ponta do iceberg que os celícolas teriam ensinado: «Sejais o medo e o
terror de todos os animais e de todas as aves do Céu… Eles estão entregues nas
vossas mãos» (Génesis, 9, 2).
 … Salvas as excepções, os animais foram mal entregues. No último século
extinguiram-se milhares de espécies por culpa do homem crente, já que nesse tempo
não havia lugar para incrédulos, ditos agnósticos e muito menos para os ateus. As
espécies que escaparam estão enjauladas nos jardins zoológicos, aguardando os seus
últimos dias de humilhação. Tudo começou depois do disparate supracitado, este
escritor do Génesis alude a uma casta 124 entre os homens, referindo-se ao criador
dessa estratificação 125 que não mostrou respeito pelos viventes do futuro: «O Senhor
multiplicou extraordinariamente o seu povo e o tornou mais forte que os seus inimigos...
Mudou-lhes os corações para que odiassem o seu povo e tratassem com perfídia os
seus servos» (Salmos, 104, 24-25).
 … A ânsia de se propagar uma estirpe levou à hiperdemia que hoje é reconhecida e
os outros viventes foram reduzidos à leviandade que se escreveu e consagrou. Repara:
«Se um boi escornar um homem ou uma mulher até à morte certamente será
apedrejado o boi e a sua carne não se comerá... Se o boi dantes era escorneador e o
seu dono tendo sido advertido não o guardou, o boi será apedrejado e o seu dono será

116
Patriarca da antiguidade-religiosa. O nome de Abraão foi Abrão, como irá saber oportunamente. Consta que o monoteísmo já existia antes do seu tempo.
117
Esta questão vai ser abordada neste livro.
118
Estudo da natureza química dos corpos celestes.
119
Ciência que estuda os seres vivos, os fenómenos vitais e as suas leis.
120
Relativo à ciência dos fenómenos sociais, que se apoia em dados diversos, de origem estatística, linguística, histórica, demográfica, etnográfica, sociográfica, etc.
121
Observação a um período muito recente, tendo em conta os 5-4 mil milhões de anos da evolução do planeta Terra.
122
Suposta visão de uma divindade.
123
Na marcha de protesto contra a descriminação racial Marthin Luther King pronuncia, em Washington 1963, o seu célebre discurso «eu tenho um sonho...», que se tornou
uma realidade através da Declaração dos Direitos do Homem.
124
Grupo hereditário que implica estratificação de base religiosa.
125
Disposição hierárquica dos elementos de uma sociedade em castas, classes, etc.

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O outro deus
morto... Se escornar um servo ou uma serva o seu senhor receberá trinta siclos 126 de
prata e somente o boi será apedrejado» (Êxodo, 21, 28-32).
 — Maurício ouvia sem pestanejar o seu amigo Daniel — Há mais Maurício: A
descrição supracitada refere uma clara filosofia racista, algo de estranho se passa na
mente de quem não quer reflectir sobre esses textos, principalmente no que terá sido
dito a Moisés: «à meia-noite sairei pelo meio do Egipto... eliminarei todo o primogénito
do Faraó... da serva e de todos os animais» (Êxodo, 11, 5-4). A dificuldade que muitos
têm para renunciar à crença milenar que interiorizaram é compreensível, nenhuma
tradição ancestral foi fácil de abandonar, talvez nem os celícolas soubessem que os
animais iriam ser reconhecidos como amigos do Homem: «um altar de terra me farás,
sobre ele sacrificarás as tuas ovelhas e os teus bois.» (Êxodo, 20, 24).
 — Ouve Daniel, eu sempre li a Bíblia e nunca vi esses textos — Desculpa dizer-te
Maurício mas a crença cega as pessoas, posso afirmar isto pelo seguinte: Nos locais de
culto apregoam-se divindades maravilhosas, mas os textos em que crentes se apoiam
descrevem criaturas celipotentes e subjugantes que levaram os homens à desgraça:
«Imolaram os seus filhos e suas filhas aos demónios... derramaram o sangue inocente.»
(Salmos, 105, 37, 38).
 … Repara no que está escrito na Bíblia que lês todos os dias e que é o livro mais
vendido no mundo ocidental: Parece que o mundo civilizado está seguro de que a
sociedade do culto religioso reflectiu e entrou na fase evolutiva pro-humana, mas não
passa de uma longa esperança, os impérios da fé continuam a publicitar o culto de
forma astuciosa. Vejamos alguns excertos da introdução à Bíblia Sagrada, Difusora
Bíblica, 1964:
— «A Escritura, sendo um livro de Deus, é também livro de propriedade da Igreja…
ninguém, sem comissão sua e aprovação ao menos táctica, tem direito a difundi-la e
interpretá-la… uma missão que por Deus lhe foi confiada.» (in Introdução - Cânone da
Sagrada Escritura);
— «Não se pode aceitar qualquer interpretação bíblica que lhe dê sentido falso,
contraditório ou absurdo, porque isso se opõe à veracidade e santidade de Deus.» (in
Introdução - Géneros Literários);
— «Deus moveu eficazmente os escritores sagrados para comporem as suas obras,
iluminou-lhes a inteligência para saberem o que haviam de escrever, revelando-lhes o
que era necessário revelar, e assistiu-lhes para não errarem nem dizerem nem mais
nem menos do que Ele queria que dissessem.» (in Introdução – Inspiração da Sagrada
Escritura).
…Com três excertos apenas pudemos constatar a paixão e não a reflexão dos
embustes que introduziram nos textos da antiguidade-religiosa. Excederam tanto o zelo
para convencer os leitores às novas traduções, com prefácios, glosas e notas de rodapé
intimidantes que subjugaram os indivíduos mais susceptíveis, aplicando um exercício de
influência nas suas funções psíquicas. Os líderes deícolas empolgaram as ilusões dos
seus dogmas servindo-se da força, mas estariam tão certos do que mandaram
reescrever, obrigando a acreditar que o mundo era plano, estável e que a sapiência era
exclusiva dos pergaminhos! Sabe-se hoje que não, mas deram ênfase à irrealidade e à
retrogradação civilizacional. Talvez tivessem receio de que a ciência desmistificasse os
textos que consideraram sagrados, em defesa dos quais baniram as ideias modernas,
abatendo quem os contestava com o crime capital.

126
Designação de um peso e de uma moeda, entre os Hebreus.

Celestino Silva Página 13


O outro deus
 — Disse Maurício: Esse perigo pertence ao passado, as religiões evoluíram e não
voltam a iludir e a massacrar quem escolhe os deuses que quer ou não ter. — Não é
bem assim Maurício, a realidade é bem diferente, recordo-te algumas das atrocidades
que o monoteísmo produziu, empolgando a destruição de todos os outros deuses e
confinando-se a um para arrasar países e cidades. A crença atinge níveis de facto
incontroláveis, isso foi evidenciado no ataque ao WTC (Torres Gémeas). O terror
silenciou muitos comentaristas, mas alguns disseram: Como puderam cometer uma
acção sanguinária e tão devastadora contra a própria espécie!
 … A religiomania 127 tornou-se bem evidente, não podia ser mais clara, mas os
eruditos formaram-se em escolas endeusadas e essa acção brutal foi muito mal
explicada. Se não há palavras para se descrever a horrível tragédia do WTC também
não as há para os seis séculos de Inquisição, em que os seguidores do profeta Jesus
exterminaram por meio do fogo as pessoas mentalmente saudáveis. Se algum préstimo
houve nessa alienação mental foi em benefício dos celícolas e não dos humildes
habitantes da Terra.
 … A vivência dos povos quase sempre foi condicionada por grupos poderosos e
perigosos que se organizaram em torno da superstição, a lei da força imperava e
subjugava. O discurso só é possível porque os ateus decidiram viver em paz e
aceitaram a religiomania, o contrário ficou provado ser impossível, como pudemos
comprovar nas supracitadas alusões à introdução da Bíblia, em que os escritores não
se atreveriam a duvidar dos textos ditos sagrados. Afinal, tinham sido escritos pelo
próprio criador e foram instituídos como infalíveis.
 … Felizmente que a espécie se superou e, na sua maior parte, se desvinculou dos
seus deuses e profetas intermediários, não porque a sua fé se alterasse, mas porque os
historiadores se empenharam mais na verdade e menos no preconceito, por isso são
portadores de um manancial contrário ao da crença. Afirmam que o texto do Pentateuco
foi alterado logo de início, aquando do cativeiro do Povo Hebreu que durou 150 anos no
século VI a.n.e., onde foi proibido quaisquer práticas religiosas. Com uma proibição
absoluta e tão duradoura seria improvável a memorização de lendas tão complexas.
 … Agravando mais a precariedade desses textos descobriram que o Papa Leão XIII
mandou queimar quase todos os evangelhos, deixando apenas 4, nos quais são
reconhecidas imensas divergências pelos próprios crentes. A juntar a toda essa
desconfiança surge Tomás de Aquino, um grande intelectual da Igreja Católica que
reescreveu muitos dos textos consagrados. A veracidade textual ficou ameaçada e a
sua falibilidade aumenta com avanços corajosos, mas nunca as instituições religiosas
vão ser responsabilizadas pelo sofrimento e a mortandade dos humanos, os seus
líderes estão atentos e as movimentações altruístas estão aí para confundir as massas
religionárias. Os seus soldados jamais serão julgados porque faleceram ou ganharam o
estatuto de anjos, santos e mártires.
 … Importa clarificar alguns campos de acção, em que o discurso de uma literatura
novelesca teima ser considerado verdadeiro, razão “sine qua non” para que se imprima
um pensamento livre, visando desmistificar os enigmas paralisantes do progresso que
insistem em confundir as ideias contemporâneas. Reconhecida a dificuldade de muitos
para este entendimento sugere-se a apropriada declaração de Pierre Bayle: «Não sei se
não se poderá dizer que os obstáculos a uma boa análise vêm tanto do facto do espírito
estar vazio de conhecimentos como cheio de preconceitos» 128 .

127
Mania da religião.
128
Pierre Bayle – professor de filosofia (1647-1706.

Celestino Silva Página 14


O outro deus
… O meu argumento Maurício poderá não agradar a alguns defensores do
etnocentrismo, mas não o poderão declinar por procurar a verdade, separando a
realidade da ilusão, não se reconfortando em dogmas irrefutáveis e distinguindo-se na
crítica à conduta expressa nas Escrituras Sagradas, sobretudo a exterminadora. É uma
tese lógica que propõe proteger o bem-estar dos humanos e não dos deuses, mas
poderá não ser uma visão agradável para os teístas mais zelosos, embora se
fundamente nos textos que amam: «Deus disse: Façamos o Homem à nossa imagem...
Crescei e multiplicai-vos... Destruirei desde o homem ao animal porque estou
arrependido de os ter feito» (Génesis, 1, 26-28 e 6, 7). Que motivaria o destacado
celícola a exterminar os viventes do mundo que acabava de criar? As respostas não
vão faltar, como sempre, mas sustentadas numa tradição insegura que faz, desfaz e
destrói as próprias personagens, como substituir o diabo por espírito do mal no início de
1999, a efémera criação de 2000 anos que acabou extinguida pela evolução do novo
conceito religioso.
 … Com a nova exigência dos crentes mais activa poucos dos simbolismos sagrados
chagarão à posteridade, não há diferença entre o espírito do mal, o Diabo, Demónio,
Satanás, Lúcifer e por aí adiante. Nada vence a lógica, por isso as reflexões terão de
ser mais abrangentes do que o simples facto de se trocar ou eliminar o nome do
demónio, a humanidade continua sendo amaldiçoada depois que Deus disse: «Não
tornarei a amaldiçoar a terra… nem a matar todo o vivente como fiz.» (Génesis, 8, 21).
Será que um dia vão apontar o dedo a quem os autores desses textos se inspiraram!
Neles se lê que Deus mandou violentar mulheres e matar grávidas, crianças e recém
nascidos desde Jericó a Maqueda, Libna a Eglon, Hebron a Dabir! (Vide o livro Josué,
capítulo 6, 21 e 12, 7-24).
… Os novos religiosos têm feito de tudo 129 para disfarçar a barbárie descrita: «Eu, o
Deus, dei ordens para executarem a minha ira aos que exultam com a minha
majestade… Toda a pessoa encontrada será trespassada… as suas crianças
despedaçadas... as suas casas saqueadas... as suas mulheres violadas… não se
compadecerão do fruto do ventre.» (Isaías, 13, 3-18). Em vez de sinais da bondade
infinita os escritores relatam extermínios, afogamentos e destruições em massa: «Deus
fez chover enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra... destruiu aquelas cidades, toda
aquela campina e o que nascia da terra» (Génesis, 19, 24-25). O criador intervém, não
para ajudar e salvar o quer que seja, mas para defender a linhagem e exterminar os
opositores: «quando os amorreus iam fugindo na descida de Bete-Horom, o Senhor
lançou sobre eles, do céu, grandes pedras, matando mais do que os mortos à espada
pelos filhos de Israel» (Josué, 10, 7-11).
— A hora do sono de Maurício fazia-o bocejar mas Daniel tinha muito para lhe contar
nessa noite inspirada de saber — A História revela que a fé é um zelo que se eleva ao
excídio da crença. A curta amostragem deste parágrafo talvez faça reflectir sobre a
paixão que abraça as desgraças consagradas, tais como as altas pirâmides de ossos
humanos que foram amontoados nas cinzas das cidades destruídas. Tudo começou na
chegada dos celícolas e nas primeiras experiências que foram descritas por grandes
transformações, como os seis dias fatigantes da criação; as experiências genéticas no
jardim de Éden; o dilúvio que afogou os contestadores dessas profanações; a
usurpação das terras nos ataques às cidades dos autóctones; a mortandade da
peregrinação no deserto para o aperfeiçoamento da linhagem; o longo período de
destruições maciças das populações por reis ávidos de sociolatria; o deicídio 130 de
Jesus que foi denominado o Cristo pelo novo império que sucedeu ao romano; os

129
O discurso religioso actual é totalmente diferente do que se proclamou e descreveu no texto consagrado.
130
Morte dada a um deus (emprega-se especialmente para indicar o acto da morte de Jesus Cristo, embora só pudesse ser morto como homem).

Celestino Silva Página 15


O outro deus
tribunais da “Santa Inquisição 131 que mandaram exterminar milhares de pessoas por
não seguirem o cristianismo; o império maometano que vergou os povos ao
fundamentalismo e fanatismo para atacar a própria espécie, etc.
… As crueldades justificam-se com a defesa de princípios tradicionais, o culminar de
uma miríade 132 de perpetrações que os impérios da fé levaram a efeito pela má
interpretação dos textos antigos, arrastando as multidões para a bondade infinita que
não foi descrita. Apesar de tudo refutam a envolvência da religiomania nesse passado
conturbado, quando as regiões ditas sagradas são ainda um palco de instabilidade
social e onde a paz está sempre ausente. Não se reconhecendo culpados revela que
não distinguem o convício desumano que os líderes religionários não se podem
desresponsabilizar, em tempo útil poderiam ter evitado todo esse sofrimento, mas
optaram por enaltecer as acções dos celícolas com quem falavam assiduamente, ou
talvez não, alguns escritores contaram histórias de personagens intermediárias a falar
com Deus: «frente a frente, como um homem fala com o seu amigo.» (Êxodo, 33, 11),
mas outros descreveram que: «ninguém jamais viu Deus» (João, 1, 18).
— Maurício aparentava alguma sonolência e Daniel concordou que também estava
um pouco maçado — Vamos dormir — disse Maurício — amanhã retomaremos a
conversa que por sinal está a agradar-me. — Na manhã seguinte foram até à praia,
refrescaram-se, deram alguns mergulhos e Maurício, o padre, pediu ao Daniel que
gostaria de retomar a conversa. Procuraram um lugar na areia e afastado da multidão.
Maurício não perde tempo e pede ao Daniel que lhe explique a questão de as pessoas
se armarem com bombas para as fazer explodir no meio da multidão, algo que não vem
escrito nos textos sagrados, disse Maurício. Daniel pergunta a Maurício — queres
mesmo que te responda a isso? Claro — Alguns especialistas da Psicologia estão
seguros da influência da tradição religiosa sobre a personalidade do Homem, por isso
vêm incluindo nos seus estudos a perturbada intelecção de alguns jovens, remetendo
as suas estranhas acções para falsas realidades que os conduzem a paixões
arrebatadoras, como sejam as dos homens-bomba que fazem explodir o seu corpo,
acabando com a sua vida e fazendo outras vítimas. Testemunhamos essas
barbaridades porque alguns escritores da Idade Antiga descreveram a falsa
amorosidade dos celícolas para darem asas à sua imaginação literária. Os
comentadores atribuem essas atitudes ao desespero da opressão dos povos, nalguns
casos talvez seja, mas nos relatos dos suicidas são evocadas palavras incitantes dos
livros sagrados, o que revela uma perigosa fantasia do imaginário religioso e não as
suas reivindicações. As religiões estão a reunir-se com uma frequência nunca vista,
presume-se que pesa na consciência dos líderes o facto de serem responsáveis pelas
guerras santas 133 , embora façam reuniões em nome da paz não há dia que não se ouça
a palavra cessar-fogo em vão por causa dessa sua paixão.
… Sóuma avançada civilização celícola conseguiria ludibriar uma espécie
inteligente, levando-a a acreditar na criação divina e a rejeitar a natural actividade
cósmica 134 , sendo mais grave quando ainda se encontra dividida e, pelo mesmo deus,
se combata mutuamente. Valha-nos o civismo da ciência que se esforçou por conhecer
a origem da espécie humana, sendo já capaz de comprovar períodos longínquos da
existência dos seus antepassados, como a do Homo sapiens há 40.000 anos e de
fósseis encontrados com mais de 6 milhões, pertencentes a criaturas com o seu
ADN 135 . Apesar disso, muitos religionários afirmam que a humanidade foi criada pelos
celícolas, melhor dizendo, transformada por expedicionários de civilizações

131
Instituída em 1232 pelo Papa Gregório IX a Inquisição vigorou até 1859. Portanto, mais de seis longos séculos de sofrimento. Em Portugal teve início em 1536.
132
Número grande, mas indeterminado.
133
Atitude de divinismo que tem levado ao ódio, à maldade e à destruição das pessoas, desde os primórdios, por causa de deuses que só podem existir na imaginação.
134
Os mais recentes teístas já aceitam, embora não fosse transcrita nos textos ditos sagrados.
135
ADN — código genético, ou ácido desoxirribonucleico.

Celestino Silva Página 16


O outro deus
extraterrestres, só assim se compreenderá porque não foram descritos os primeiros
seres monocelulares (Amibas ou amebas, protozoários e bactérias). Deduz-se da sua
crença que o homem terá surgido tal como é hoje: Na tradição Yahveista Deus criou o
homem e a mulher juntos, embora na tradição Elohista, mais nova em 400-300 anos,
tenha reaparecido solitário no Jardim de Éden.
… Alguns desses textos aludem a outros mundos, inclusive com vida, como o do
Evangelista João, em que Jesus diz: «vós sois deste mundo, eu não.» 136 . Os
seguidores garantiam que a Terra era o centro de toda a existência cósmica, sabem
hoje que os mais antigos estavam enganados, mas não sabem de onde terão vindo
esses deuses que amam: Se de outros mundos deste Universo ou de outros universos.
São contradições e embaraços que sustentam, tais como o dilema do Velho
Testamento 137 (VT), em que nunca se encontrou autoria para esses textos, assim como
o Novo Testamento (NT), igualmente sem originais, mas que se leva por diante o
dilema. Afinal, quem somos nós? Filhos de um só deus! Provavelmente não, o criador
disse: «Eis que o homem é como um de nós» (Génesis, 3, 22). Seremos a continuidade
das experiências de civilizações extraterrestres ou a reminiscência de organismos bem
sucedidos e resultantes de partículas que evoluíram do Big Bang?
… O gráfico-1 (abaixo) ajudá-lo-á a pensar no período da evolução do planeta 138 ,
seguramente mais antigo ao que se criou nos fadigosos seis dias, desde o primeiro
escritor do Génesis às revelações do último profeta Maomé 139 . Sendo que todos
descreveram o seu deus a dar ordens à linhagem deste planeta e não de outro torna-se
evidente que ignoravam a historicidade cósmica, revelando um desconhecimento de 5-4
mil milhões de anos relativamente ao planeta e 13,7 biliões em relação ao Universo.
Gráfico-1

A Terra, a vida e a sua evolução Escalada da vida


Yahveh, Elohim e Deus

Formação da Vida Vida Tempo dos Tempo dos Tempo Yahveh, Tempo do
Terra monocelular multicelular répteis mamíferos Elohim e Deus Homem
5
4.5
"criação"
4
< Escala de biliões de anos >

3.5
3
2.5
2
1.5
1
0.5
0

 … Face ao que vem sendo comprovado pela ciência surgiram novos crentes, alguns
não acreditam no contexto religioso por não descrever o seu deus, esse declínio é óbvio
e provém da desmistificação. O criador que foi associado a tudo o que se desconhecia
está reduzido à primitiva reminiscência, os textos que manuscreveu não passam de um
delírio literário dos autores. De facto, a tradição já não é o que era, principalmente a
religiosa que não abrange a vivência dos primeiros Hominídeos há milhões de anos.

136
«Disse-lhes ele: Vós sois de baixo, eu sou de cima; vós sois deste mundo, eu não sou deste mundo.» (João, 8, 23)
137
Velho Testamento é o período bíblico desde a criação ao tempo de Jesus Cristo, a partir do qual se chama Novo Testamento.
138
Tendo em conta que a data mais antiga que está implícita e explícita nos textos consagrados remonta a pouco mais de 5000 anos.
139
Maomé (Mohammad), fundador do islamismo (571-632). Segundo a crença dos seguidores Alá é o único Deus e Maomé o seu profeta.

Celestino Silva Página 17


O outro deus
 … Os religionários mais resistentes afirmam que a inteligência obedece à evolução
programada por Deus, mas nenhuma palavra com o sentido da evolução aparece
referida nos escritos da antiguidade-religiosa. A existir faria parte dos pergaminhos
apócrifos que foram rejeitados por compreensíveis critérios de avaliação. Os autores
que escreveram e os escritores que rescreveram esses textos, traduzindo-os para a
Bíblia 140 , não o autor como referem, divagaram na sua crença: «Deus, seu Autor, livro
da Igreja, a cuja guarda e interpretação Deus a confiou, a Sagrada Escritura... não é
indispensável para a salvação. O magistério vivo da Igreja é que é fundamental... Como
haviam de salvar-se os que não sabem ler?» (Bíblia Sagrada, in Introdução — Como ler
a Sagrada Escritura, 1964, Difusora Bíblica).
 … No antecedente às datas anunciadas existia somente a tradição verbal lendária, a
Igreja e as outras instituições do culto sagrado não existiam e ninguém saberia escrever
e ler. Logo, não havia textos que aludissem a quem o criador os terá decidido entregar.
Não havendo leitores antes desse período pré-intelectual «a palavra da salvação e o
magistério vivo da Igreja» não faziam sentido lógico para os autóctones deste planeta.
Assim sendo, a que magistérios e salvações se referem? Aos da pré-tradição ou aos
que foram escritos e reescritos em textos posteriores! Provavelmente referem-se a
salvações físicas, não se pede a salvação da alma quando todos pretendem a pessoa
viva! Ainda assim, como poderá alguém saber se foi salvo!
 … Imagina Maurício que uma pessoa cai do quinto andar de um edifício e fica com
vida. Na óptica dos crentes é um milagre, mas as leis que regem o Universo 141 não
reconhecem a fantasia, o mistério e a imaginação do Homem. Os impérios da fé
impuseram a paixão de endeusar pela força e dependência da crença, mais tarde
ajustada numa falsidade filantrópica. Não há memória de que os grupos religiosos se
ajudassem mutuamente, mas sim que subjugaram e destruíram, por isso ainda se
anseia por ajuda e salvação. O Tempo segue numa única direcção e os acontecimentos
têm lugar uma vez, não é possível a alguém saber se é salvo, para isso a expansão
teria de parar e o Tempo retroceder, só assim o dito milagre seria compreendido. O
crente da mística 142 sustenta a sua origem no crer, na dedução, no supor e na
irrealidade, mas afere a sua crença pelo conhecimento, daí a sua habitual expressão: “A
ciência não o pode provar, então é milagre”.
 … Não há referências ao código genético nos textos consagrados, estavam fora do
alcance dos escritores, a insipiência limitou-os a crenças que se tornaram nefastas para
a própria espécie. A missão dos impérios da fé foi assegurar a propagação dessa
escrita em dogmas, mas há muito que os próprios crentes a acham inadequada. As
reclamações à gestão das respectivas fracções religiosas são imensas, embora todas
se cingem à hierarquia e em torno do dito sagrado: Umas vezes são as mulheres que
querem dar o seu contributo e não são aceites, outras são os sacerdotes que não
aguentam o celibato, enfim. Por uma razão ou por outra parecem hierarquicamente
insatisfeitos, mas em nenhuma dessas reclamações aparece discutido o desprezo do
demiurgo pelos que não têm comida, abrigo, saúde, numa palavra o bem-estar do
prometido paraíso. Reconhecendo isso, iniciaram-se no altruísmo não descrito.
 … Os deícolas apregoam uma bondade infinita, mas uma inércia infinita talvez fosse
mais adequada. A todo o momento são confrontados com essa ausência, o que não
está em conformidade com os textos ditos sagrados que descrevem a construção do
planeta e as exterminações de autóctones. As associações humanitárias baseiam a sua

140
Relembro que a palavra Bíblia só aparece no século IV. Até aqui era conhecida por escritura. Sustenta apenas sete dezenas dos 4.000 escritos da antiguidade-religiosa.
141
Leis da Termodinâmica que exigem obediência a todo o Universo. Nem um deus lhes poderá desobedecer.
142
Conjunto de práticas conducentes ao êxtase, afectivamente assente numa fé irracional e numa doutrina de fanatismo.

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O outro deus
acção no mesmo interventor que ignora o sofrimento dos incontáveis pobres, enfermos,
crianças famintas e desnutridas que são as vítimas das desavenças dos impérios da fé.
 … Se existisse algum deus seria xenófobo, já que ajuda os da sua anuência,
desprezando os povos sofredores que os anuentes afirmam descenderem do dito Adão
e Eva: «Se houver um criador será cruel quando ignora sofrimentos terríveis dos seres
vivos. Se existir seremos os seus escravos e a sua presa.» 143 . Contudo, há quem viva
infinitamente feliz por curar o seu pé-de-atleta ou outra enfermidade com umas rezas,
mas também por evocar um deus e derrubar as maiores torres do mundo. Isto acontece
porque a intervenção ainda não se justificou até hoje, conforme referiu o
Reverendíssimo padre Furstenberg que descreveu o desprezo do seu deus numa
alusão ao texto Salmos 74, rodapé 17: «Deus pode levar o seu tempo em vir socorrer
os seus, deixando-lhes sentir uma espécie de abandono, mas intervirá no momento
oportuno» (Bíblia Sagrada, 1964, Difusora Bíblica, página 981).
 … A que momento se referia então o padre! Provavelmente a nenhum, não têm
faltado momentos oportunos para a intervenção do celícola que disse: «Acaso há
alguma coisa difícil para mim?» (Jeremias, 32, 27). Tudo isto é contraproducente, mas
os editores da Bíblia citada tiveram uma outra perspectiva e a prosa do padre
Furstenberg mereceu honras de prefácio bíblico. Reflicta sobre o sentido destas
palavras: «socorrer os seus», «sentir uma espécie de abandono», «intervirá no
momento oportuno». Nada poderia ser mais sarcástico quando nunca houve
intervenções em favor da humanidade, houve sim manifestações literárias que relatam
celícolas a defender as linhagens dos respectivos impérios da fé.
 … No primeiro capítulo da lei do cânone judaico, livro do Génesis, lê-se que Deus
fez a Terra, o Mar, o Sol, a Lua, as plantas e os animais em seis dias. A análise actual
revela que biliões de anos antes já existiam as galáxias e os respectivos mundos. A
observância dos escritores antigos talvez fosse semelhante à de hoje, quando se tenta
descrever universos que só mais tarde se haverão de descobrir.
 — Daniel faz uma pausa, olha para Maurício e diz: — Estás a ouvir-me ou queres
que me calo — Não, não — disse Maurício — continua, estou encantado com a tua
prosa, nunca ouvi falar assim na minha vida — Então prepara-te disse Daniel voltando
ao tema — Na posse do conhecimento sobre a vastidão cósmica que já se observa, em
que se terá ocupado o criador desde o Big Bang! As respostas dos religionários são
óbvias, mas não respondem à genuína questão, uma vez que podemos vir a encontrar
mundos como o nosso planeta e, em alguns, a vida poderá ter surgido. Assim, qual será
a perspectiva: Teremos o mesmo criador e os seis dias de tarefas árduas para a criação
desses mundos ou foram outros deuses que os criaram!
 … Os astrónomos sustentam a teoria de que a galáxia andrómeda poderá vir a
chocar com a “nossa”, transformando tudo em fluido cósmico, incluindo a espécie
humana que os deícolas não se cansam de afirmar que foi a melhor obra do criador. Os
matemáticos saberão que o dito não poderia fazer tantos mundos em 6-5 milénios, ou
mesmo em 13,7 mil milhões de anos. Sendo provável haver um número indeterminado
de mundos e universos, onde também possam existir outros seres inteligentes,
reivindicativos de um deus único, que veracidade se atribuirá na pretensão de quem
neles evoque a exclusividade do seu criador! Deduz-se que os escritores não
conheciam o seu mundo nem o criador que apregoavam, já que mais de uma tradição
prestava culto de latria a Yahveh e a Elohim.
 … No período de meio século questionámos mais seriamente o que foi escrito e
reescrito nos pergaminhos, mas não encontrámos milagres nem salvações e sim
143
Rény Chauvin – Deus das Formigas, Deus das Estrelas – página 172

Celestino Silva Página 19


O outro deus
atrocidades, principalmente onde há mais guerras por influência religiosa.
Comprovámos que não queremos o sofrimento, não edificaríamos instituições
hospitalares nem formaríamos médicos se a dor ou a morte fossem desejadas. Então,
propõe-se uma reflexão mais atenta sobre essa leitura, já sobrevoámos os céus e não
encontrámos os milhões de deuses que se apregoaram de salvadores e bondades
infinitas. Será que os escritores desses textos imaginavam o céu que nós observamos
hoje! Se sim, onde fica! Ao alcance da nossa vista, dos telescópios (que já varreram o
espaço sideral de 13 mil milhões de anos-luz) ou da ilusão da crença!
 … Pelo avanço da investigação ainda vamos encontrar os velhos deuses, não na
forma incorpórea mas da natural que resulta do dinamismo cósmico. Os antigos textos
dos pergaminhos aludem às cruéis acções dos celícolas, mas os religionários insistem
em deuses bondosos, uma contradição para ser analisada pelos vindouros, talvez eles
consigam o despreconceito para clarificar o que este encolher de ombros religioso
adiou. Afinal, ainda estão presos à paixão que levou os ícones dos ditos deuses aos
povos autóctones, obrigando-os a acreditar numa nova crença que lhes retirou a
vivência natural.
 … A paixão pelo crer convenceu muitos de que era a única forma de se humanizar o
indigenato, mas o pretensiosismo de endeusar colocou a espécie contra si própria.
Quando a ciência fez despertar os impérios da fé era tarde e não se renderam à
evidência, em vez disso organizaram exércitos poderosos e um elevado número de
apoiantes que foram exortados a exterminar os desmistificadores das crenças.
Finalmente reconheceram as controvérsias do Velho Testamento mas, numa atitude
insana e inusitada, separaram alguns desses textos para construir o Novo Testamento,
ao qual adaptaram os conhecimentos científicos da época para que o seu deus ficasse
distanciado da crítica.
 — Os dois jovens ficaram nesta conversa até ao anoitecer e
Maurício olha para cima e confessa ao Daniel que está um pouco
confuso porque os textos bíblicos referem o firmamento, o que
indica ser o Universo que Deus criou — Daniel discorda, diz a
Maurício que era impossível aos escritores da altura saberem algo
sobre o Universo e chama a atenção do amigo. — Agora que está
escuro e os nossos olhos podem ver melhor o tal firmamento, olha-
me bem para o céu. O que vês? — Maurício responde — vejo as
estrelas — (ver a ilustração-1). — Então, os pontinhos luminosos são estrelas visíveis
como o Sol, mas também galáxias com mais de 100-200 milhões de estrelas por cada
uma. À distância a que nos encontramos desses objectos cósmicos parecem todos
iguais e da mesma cor, mas é uma ilusão, nenhum de nós aguentaria viver o suficiente
para percorrer os espaços entre muitos deles, ainda que se viajasse à velocidade da
luz. Vistos do nosso planeta, a olho nu, torna-se impossível distinguir o seu papel no
espaço sideral, mas aceitemos que a ilustração-1 simbolize o tamanho da nossa
galáxia, a da Via Láctea, ainda assim o seu diâmetro ultrapassaria o bilião de anos-
luz 144 . Não detectamos essas distâncias porque não há mutualidade correspondente
nas longitudes colossais do cosmos, principalmente ao nível da percepção e da
longevidade humana. Nessa vastidão encontra-se um planeta chamado Terra, podemos
considerá-lo perdido como um grão de areia minúsculo numa tempestade do deserto,
embora nos textos bíblicos lhe seja atribuído exclusividade no cosmos.
… Imagina-te numa noite sem luar e luzes por perto. Olhando para cima serás
levado a balbuciar palavras como estas: O que levaria um criador a se preocupar
unicamente com um desses mundos (a Terra) se podem existir acima de uma miríade,
144
Um ano-luz equivale sensivelmente a 10 mil milhões de quilómetros. É o espaço cósmico percorrido pela luz em um ano à velocidade de 300 mil quilómetros por segundo.

Celestino Silva Página 20


O outro deus
obedecendo às mesmas leis físicas, neste e noutros universos que desconhecemos,
quando nada foi descrito sobre eles e, de lá, ninguém reclamou algum criador! Os
fenómenos da ovnilogia 145 sempre foram associados aos ateístas, quando não foi a
loucos, mas a religião foi pioneira a evocar extraterrestres neste planeta ao sustentar a
veracidade das Escrituras Sagradas. Contrariar essa realidade será pôr em causa tudo
o que se escreveu e idolatrou sobre esses celícolas.
… O mundo que a religião de hoje descreve de abençoado situar-se-á a 35-30 mil
anos-luz do centro da nossa galáxia. Portanto, bem longe do antigo centro do universo
que descreveram como sendo a Terra, em que tudo girava em seu torno e do criador.
Convenhamos que tais honrarias não nos situaram no centro do Universo ou da galáxia
e do sistema solar, já que vivemos na superfície e não no centro do nosso próprio
mundo. Havendo poucas dúvidas sobre a formação do planeta e do seu posicionamento
no cosmos, a inexistência de vida noutros mundos talvez seja a realidade menos
provável. Se os teístas acreditam na vinda de inteligências «dos confins dos céus» e os
cientistas pressupõem a vida num milhão de mundos, só na nossa galáxia, porque
criaria Deus um vivente, à sua semelhança, neste pequeno lugar 146 !
… Os escritores dos textos consagrados não tinham meios para discernir o que
estava para além do horizonte que observavam mas, como iremos aferir, foram
unânimes na descrição das manifestações dos seus deuses, afirmando que foram
exercidas neste e para este planeta. Tomando por certo que qualquer dos mundos da
ilustração tivesse sido produzido por um criador — não o que criou a Terra — que
veracidade se atribuirá à pretensão dos que vivem nessa infinidade e também
reclamem um deus para o seu bem! Seja qual for a conclusão não impedirá que os
mundos se continuem a gerar, não através de criadores mas das leis que governam
todo o cosmos. Logo, o nosso não seria a excepção, o que remete esses escritos para
a fantasia literária que apaixonou milhões, sendo oportuno relembrar alguns excertos,
dado que muitos ainda os consideram infalíveis.
… A Ciência astronómica refere o tempo e a expansão, ou seja, o início da matéria a
que chamou de Big Bang, em datas milhões de vezes anteriores às descritas para o
aparecimento do solitário casal Adão e Eva, mas os deícolas insistem num conjunto de
textos antigos que seleccionaram, afirmando que revelam factos quando já o
reescreveram várias vezes. Lembrar-se-á dos quatro milhares de manuscritos, em que
apenas sete dezenas foram apurados e divididos por dois testamentos, mas são tudo o
que temos desse tempo, por isso vamos ter de os interpretar para saber como poderá
ter surgido o fenómeno do etnocentrismo. Maurício segue o meu raciocínio e juntos
vamos analisar essas palavras ditas sagradas que logo no início rezam assim: «No
princípio criou Deus os céus e a terra.» (Génesis, 1, 1).
 … Os expedicionários começaram mal a experiência primitiva, quiseram ficar
distantes e separaram o Céu da Terra, ou seja, o seu mundo do nosso. A interpretação
começa no que terá sido o primeiro escrito sagrado, em que o autor se contradiz: «a
terra era sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo; o Espírito de Deus se
movia sobre as águas» (Génesis, 1, 2). Afinal, a Terra era sem forma, vazia ou havia
água! Vislumbra-se uma certeza, nenhum autor do Génesis assiste ao que descreve e
todos os outros que foram seleccionados referem algo que terá acontecido há muito
tempo. Veja-se: «era sem forma». A insipiência natural da antiguidade-religiosa gerou
lendas que os primeiros escritores ajustaram à religiosidade da sua época, mas sem
liberdade e discernimento não contiveram os seus impulsos literários e deram azo à
materialização da crença.

145
Um neologismo de onde provém a sustentação do estudo, informações, notícias e dados relativos à suposta existência de ovnis (objectos voadores não identificados).
146
Em nenhuma alusão do texto consagrado à criação religiosa foi relatado o Universo, mas sim o planeta Terra, ainda que mal descrito devido à insipiência da altura.

Celestino Silva Página 21


O outro deus
 … Estás a acompanhar o meu raciocínio Maurício? — Sim, sim, perfeitamente,
continua Daniel — Bom, então, antes de avançarmos para a dita criação convém reter a
existência de um segundo génesis no texto do Génesis, no qual é sustentado um
cenário paradisíaco no Jardim de Éden. O dito criador fez o homem e a mulher juntos,
mas este volta a surgir solitário num jardim, quando da sua costela se faz a
companheira Eva. O terceiro vai surgir na tradição sacerdotal, através dos herdeiros
espirituais de Ezequiel (o profeta do exílio na Babilónia). Os sacerdotes seguidores
retomaram as versões do texto Yahveista e Elohista do Génesis e, sobre o critério das
preocupações da época, remodelaram-nas tanto que ignoraram a fadiga de Deus há
400-300 séculos, quando descansava ao sábado.
 … Passados cerca de 5 mil anos, o quarto génesis está em marcha pela nova
religiosidade. A chamada Revolução Raeliana surge na volta do terceiro milénio com
uma crença nova: «os deuses terão sido confundidos com civilizações vindas de outro
planeta para criar toda a vida na Terra». Baseiam-se nos vestígios da epopeia da obra-
mestra da criação e dos protagonistas descritos, como Jesus, Buda e Maomé,
ignorando Adão, Noé, Abraão, Moisés e outros. Os celícolas que evocam visitaram a
Terra no dia 13 de Dezembro de 1973 e contactaram um jornalista francês chamado
Rael. Nesta nova teopsia ou encontro imediato: «o extraterrestre media cerca de um
metro e vinte, tinha cabelos pretos e compridos, olhos amendoados e uma pele de tez
esverdeada. Demonstrava harmonia e humor. Ele disse a Rael: Somos aqueles que
criaram a vida na Terra, vós nos tomastes por deuses; somos a origem de suas
principais religiões. Agora que sois suficientemente evoluídos para compreender isso,
desejaríamos estabelecer um contacto oficial com vocês» 147 .
 … As mensagens ditadas a Rael explicam que a vida na Terra não é o resultado de
uma evolução do acaso e nem da obra de um “Deus” sobrenatural, mas de uma criação
decididamente escolhida por um povo cientificamente desenvolvido que criou os
humanos à sua imagem. Segundo essa religião, o termo Elohim foi injustamente
traduzido por “Deus”, termo singular, apesar de ser um plural que significa: “aqueles que
vieram do céu”. Na sequência do treino dado aos citados protagonistas bíblicos os
celícolas voltaram para contactar o jornalista Rael, o qual recebeu as instruções dos
Elohim e fundou a religião Raeliana («ONG sem fins lucrativos» 148 ) para desmistificar
os velhos conceitos de Deus e da Religião.
 … Que tal Maurício, não te parece interessante ler os textos antigos, bíblicos e
outros, desde que não estejamos condicionalmente apaixonados por eles mas sim
pelas mensagens que contêm! — plenamente de acordo Daniel, continua — Das velhas
às novas religiões há a registar os dois pontos comuns, a crença e a tradição, que
ajustam às suas épocas. Os religionários defendem, de uma forma geral, que só Deus
pode fazer planetas como a Terra, nenhum outro vivente conseguirá superar essa
omnipotência, mas os mundos continuam a nascer e a desaparecer no cosmos sem
que algum relato religioso descrevesse essa azáfama! Os enunciados Yahveh e Elohim
sempre estiveram a braços com certos trabalhos, justifica-se no alívio e na incerteza
que os ditos sustentavam nas várias etapas da dita criação: «viu Deus que isso era
bom.» (Génesis, 1, 10).
 … Sendo que toda a descrição do Génesis voluteia pelo planeta Terra 149 , além de
uma imprecisa descrição do Sol, da Lua e das datas que não correspondem à
naturalidade cósmica, não foi relatado em nenhum desses textos qualquer alusão à
construção de outros mundos, assim como seus nomes, distâncias e tamanhos, por

147
Excerto da doutrina Raeliana, publicada no sitio oficial da Internet em 2002, altura em que apregoaram a concretização do primeiro clone humano.
148
O tempo se encarregará de esclarecer o futuro desta nova religião sem fins lucrativos.
149
O jardim de Éden, o dilúvio e outras manifestações da antiguidade-religiosa foram descritos como acontecimentos da Terra e não de outro lugar do Universo.

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O outro deus
isso teremos de imaginar a criação apenas neste planeta, mas já te vou falar disso mais
adiante. No texto do Génesis havia trevas antes de haver luz, o que é lógico antes do
aparecimento do Sol, o estranho é que essas trevas só existissem na Terra, num nicho
infinitamente pequeno do Universo.
 … O progressivo desmantelar da misticidade levou os defensores a convencer os
demais de que o criador perpetuou a sua ocupação criativa e transcendeu o próprio
Tempo, mas depois da azáfama na construção deste planeta não é mencionado mais
nenhuma tarefa de seis dias. Tanto quanto se sabe são as leis da física
(Termodinâmica) que criam, controlam, transformam e destroem mundos. No entanto,
são detectadas três criações no texto do Génesis, sendo que a última parece mais
humanizada pelos seis dias de trabalho por semana, já que os escravos não sabiam
como era um momento de descanso por serem vigiados e maltratados pelos deuses,
semideuses, reis, seus súbditos e fiéis seguidores.
 … Os astrónomos sustentam que a formação do nosso planeta surgiu a partir do pó
cósmico que formou todo o sistema solar. O Universo já contava com miríades de
mundos que o povoavam, enquanto no texto do Génesis a Terra aparece sem forma e:
«o criador se movia sobre a face das águas» (Génesis, 1, 2). O conhecimento fez
reconhecer a contradição nesses textos, mas os seguidores mais zelosos não pararam
de o actualizar e as suas tarefas ficaram cada vez mais difíceis, pelo que recorreram às
glosas explicativas, não para ajudar o leitor mas para converter os mais inseguros às
doutrinas da época.
 … Que o Universo estivesse mergulhado em trevas na singularidade ou que no
sistema solar existisse algo gasoso, antes de surgirem mundos como o Sol e a Terra,
ainda o bom senso o admitiria, mas existirem águas em vez de poeira cósmica só
poderia ser uma alegoria. Subentende-se que o primeiro autor do Génesis nos tente
descrever que ainda não havia mundos no Universo, mas isso remete-nos para um
período cósmico primitivo. Como poderia o demiurgo andar sobre as águas dentro de
uma singularidade com o tamanho de um ponto minúsculo e sem as leis físicas
definidas! Não havia nenhuma forma para que um ser, ainda que omnipotente e
incorpóreo, pudesse viver no estado terrível e confuso desses elementos. Então, porque
se dirigiria somente à Terra que levou seis dias a construir se, minutos após a explosão
havia matéria incandescente por todo o Universo, a qual deu a origem a concentrações
diversas que derivaram em objectos que hoje conhecemos! De onde teria dirigido as
operações dos seis dias! Onde estavam os terrestres que as testemunharam e, mais
tarde, as relataram aos escritores que as descreveram! Poderia o criador construir o
nosso planeta a partir de outro universo, quando os primeiros seguidores acreditavam
que a Terra era o centro de tudo, embora reconheçam hoje que é apenas mais um
pequeno objecto nas fraldas de uma entre milhões de galáxias!
… O escritor do Génesis descreveu que o criador se movimentou na superfície das
águas, passando de seguida à proeza da luz: «Disse Deus: Haja luz, e houve luz.»
(Génesis, 1, 3). Como poderia ser realizada tão facilmente, apenas com a expressão
«haja luz», quando os restantes passos para a dita criação são descritos de estafantes
e ao segundo dia já o dito resfolegava de alívio: «viu Deus que isso era bom» (Génesis,
1, 10). O escritor está inseguro, ignora que a luz já existia desde o Big Bang, ficando
depois restrita a mundos de combustível como as estrelas e outros, mas a sua
insipiência é compreensível, apenas os que se apoiaram nos primeiros passos da
ciência descreveram os mundos do Universo.
… Não sendo provável que alguém escreva nas trevas quando o pode fazer à luz do
Sol ou de alguma luminária do templo, conclui-se que o texto do Génesis foi elaborado
por quem vê, não seria normal haver uma espécie com olhos para testemunhar e
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O outro deus
descrever esses acontecimentos quando no seu mundo não havia a luz. A dita
separação entre a luz e as trevas não poderia ser testemunhada por nenhum vivente do
Universo, o escritor não se referia a nada que conhecemos hoje e, por certo, o que foi
descrito no livro Génesis é pura fantasia literária. A prova disso é que não se referiu
mais a essa luz e também mais nenhum sucessor o fez. Havendo trevas e não luz os
observadores teriam de se encontrar noutros universos, mas isso não foi mencionado.
Alguns exegetas atribuem ao conflito textual da existência de luz, antes de Deus criar o
Sol, uma outra luz, o que tornaria insignificante o astro que o mesmo escritor realça: «o
luminar grande para iluminar o dia» (Génesis, 1, 16).
… Não há lógica que sustente a fantasia descrita mas, através da experiência e da
investigação metódica dos fenómenos é possível reconhecer que nos primórdios houve
grandes transformações no nosso planeta, como terá acontecido a qualquer outro
mundo dinâmico com características de erosão. Se o dito criador não foi o arquitecto do
Universo nem dos objectos que nele coabitam, dado que essa azáfama não foi
mencionada nos textos que se consagraram, porque haveria de centrar a atenção na
construção deste pequeno planeta! Os celícolas não foram os edificadores e nós
também não, só aparecemos ao sexto dia, ainda que outro escritor do Génesis nos
remeta para uma criação posterior, alguns séculos mais tarde no jardim de Éden.
Confrontados com a desmistificação, os actuais fiéis percorrem esse texto ao encontro
de gralhas, na esperança de resolver os embaraços dos “seus santos escritores”. Eis
algumas:
— «Senhor, mil anos aos teus olhos são como o dia de ontem que passou» (Salmos,
90, 4).
— «Senhor, um dia é como mil anos e mil anos como um dia» (Segunda Epístola de
Pedro, 3, 8).
— «Um dia para o teu Senhor é como mil anos, dos que contais» (Surata, 22ª, 47).
— «Um dia, cuja duração será de cinquenta mil anos» (Surata, 70ª, 4).
 … O período de tempo de um dia podia esticar de 24 horas a 50 mil anos, mas os
seguidores actuais não têm essas dúvidas, embora reconheçam a insipiência desses
escritores ditos infalíveis. O nosso planeta nunca teve um dia desse tamanho, a não ser
que o sistema solar fosse diferente, mas dessa forma os textos da dita criação não se
referiam a este planeta porque a maioria dos escritores mencionou o mesmo período de
tempo, como ainda hoje o fazemos. No entanto, a Segunda Epístola de Pedro, a
descrição de Salmos e a contradição do autor do Alcorão inspira a algumas contas:
Multiplicando os 1000 anos por 365 dias haverá, num só ano, 365.000 anos. Se tudo
começou há menos de 6 mil anos, conforme crê a comunidade judaica, o que se
convencionou chamar criação terá acontecido há pouco mais de 2 mil milhões de anos.
Numa simples experiência podemos verificar que as contas mencionadas nos textos de
Salmos, de Pedro e do Alcorão estavam erradas, um dia não tem mais de 24 horas já
que, para os cristãos, Jesus “nasce e morre” há 2.000 anos. Será que não! Vejamos:
— Nas contas dos autores de Salmos e de Pedro teria sido há 730.000.000 anos:
(2.000x365.000).
— Segundo o autor do Alcorão 150 teria sido há 36.500.000.000 anos:
(50.000x365=18.250.000x2.000).
 … Se foi assim não o transcreveram claramente, mas nesta avaliação de aritmética
somos levados a concentrar num dia real da Terra, em que se vão esgotar todos os
simbolismos sagrados e os religionários vão ter de fazer contas mais difíceis. Na
tentativa de sustentar a veracidade dessas histórias, os escritores de épocas mais

150
O autor desta Surata do Alcorão produziu um assunto contraditório: refere um dia de 1.000 e 50.000 anos quando já podia recorrer ao conhecimento científico.

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O outro deus
recentes ficaram sem argumento e recorreram às gralhas antigas para as ajustar aos
novos tempos, mas a sua atitude veio a revelar que os deuses não são da Terra, onde
um dia tem 24 horas, pelo que seriam civilizações de outros mundos. Caso este
argumento seja insuficiente temos provas do que desenterramos da crosta terrestre,
como a ossada que Donald Johanson descobriu na Etiópia, no ano de 1974. A
comunidade científica chamou-lhe Lúcia e comprova ter sido uma fêmea adulta, de 25
anos, que terá vivido há 4-3 milhões, no período dos australopitecos afarensis. No ano
2000 o paleontologista britânico Martin Pickford descobriu ossadas de antepassados
mais antigos, como os Ardipithecus ramidus kadabba, viventes de há 6 milhões de
anos, aos quais chamou o Homem do Milénio, por isso não pode estar correcta a
história religiosa, em que o primigénio casal da Terra tem pouco mais de 5.000 anos.
 … Não havendo explicação religiosa para o tempo em que viveu a Lúcia menos
haverá para a descoberta de Pickford, cujo Adipithecus teria vivido 6 milhões de anos
antes da dita criação, melhor dizendo, antes de Deus 151 ter aparecido na Terra. Os
simbolismos vão escassear e os teístas terão de voltar a inventar para não cruzar os
braços à escrita que consagraram, cuja alegação transformou os dias normais em
períodos de mil e 50 mil anos, ainda assim afastados dos 4,5 mil milhões da formação
da Terra e dos 13,7 do Big Bang 152 . Se cada mundo demorasse seis dias a fazer, o
criador teria feito pouco mais de 300 mil. Astronomicamente é um número muito inferior
ao dos mundos que coabitam na fralda da galáxia onde nos encontramos.
 — Maurício estava pasmado com a prosa do Daniel e intervém para lhe dizer que
esta forma de interpretar os textos bíblicos e outros mais antigos é muito mais atraente
do que a leitura que lhe ensinaram no Seminário. Sabes, disse Daniel, fico muito
contente por pensares dessa forma, pena que nem todos os seminaristas partilhem da
tua opinião. Recosta-te Maurício porque a prosa vai ser longa — Daniel continua —
Sendo assim e uma vez que estás interessado no meu diálogo, perscrutemos como os
escritores da Idade Antiga observavam os fenómenos desconhecidos, quando
descreveram a rapidez com que o Universo ficou iluminado, na descrição «haja luz»,
referindo depois a qualidade da luz antes de aparecer o Sol: «Deus viu que era boa a
luz» (Génesis, 1, 4). Os mundos de onde vieram os celícolas deveriam ter pouca luz, ou
então a da Terra seria muito diferente, deduz-se do termo de comparação «era boa a
luz», talvez o dito criador caminhasse às escuras sobre águas no primeiro dia em que
tentou separá-las, uma vez que só foi referenciado o Sol ao quarto dia: «Deus fez os
dois grandes luminares: o luminar maior para o dia e o luminar menor para a noite»
(Génesis, 1, 16).
 … Nas descrições bíblicas supracitadas desconheciam-se os movimentos deste
planeta, o que não é surpresa para os seguidores da fé religiosa, visto que muitos ainda
sustentam os bailados do Sol em lugares especiais, tal como em Fátima 153 , deitando
por terra todo o conhecimento disponível sobre as estrelas e a actividade cósmica. O
conhecimento não é apenas convicção, uma estrela nunca poderia dançar e muito
menos iluminar somente aquele lugar. Os protagonistas dos lendários primitivos
descreveram uma luz que não viram e os escritores insipientes fantasiaram-na no
primeiro dia, quando não havia o Sol. Sabe-se que um sistema em equilíbrio não evolui
e só os objectos cósmicos dinâmicos poderão produzir a luz, mas não para iluminar o
mundo então criado, a sua existência depende das leis que governam o Universo, se
alguns brilham é porque ainda têm combustível da grande explosão do Big Bang.
… A vaguear entre as «águas de cima e o elemento seco» o “criador” disse:
«Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto»
151
Referência ao deus que é descrito nos textos ditos sagrados.
152
Segundo a principal teoria científica o Universo não foi criado, mas sim transformado da energia concentrada numa singularidade.
153
Muitos acreditam que no ano de 1917 apareceu em Fátima um extraterrestre (santa) a três pastorinhos. No acontecimento o Sol bailou somente para esses crentes.

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O outro deus
(Génesis, 1, 11). Embora não conste esse abastecimento em nenhum outro mundo, no
Universo, tudo o que era preciso para os viventes da Terra estava disponível. Segundo
a comunidade judaica, isso terá acontecido há menos de 6 mil anos e as primeiras
árvores do jardim de Éden apareceram 3-4 séculos mais tarde. Então, como apareceu a
vegetação luxuriante neste planeta há 120-60 milhões, no tempo dos dinossáurios, se a
criação estava a meio da semana! Resolveríamos tudo isso juntando os mil anos dos
autores de Salmos e Pedro, assim como os 50 mil do autor do Alcorão, mas nem pelas
contas excepcionais que já fizemos lá chegaríamos.
… No quarto dia descrevem-se as estrelas, curiosamente aparecem depois do
planeta Terra, do Sol e da Lua que são dos mais novos astros que se alcançam a olho
nu. O escritor do Génesis continua baralhado com a luz, não aparenta conhecimento de
quando é noite, para uns, ao mesmo tempo pode ser dia para outros no mesmo planeta.
A grande lacuna é que a Lua não surgiu quando o Sol e a Terra, mas passados 100
milhões de anos, prevendo-se que na sequência da colisão de um objecto cósmico com
o nosso planeta. Ficou demonstrado um desconhecimento profundo sobre o nosso
planeta e o Universo, os «grandes luminares» não o são de facto, depreende-se a
inexperiência do escritor que não entendeu a personagem que designou por criador
deste planeta. O que os seus olhos viam não passava de um esplendor luminoso,
apenas os astros que pareciam maiores lhes chamaram a atenção: «Deus colocou-os
no firmamento dos céus para iluminar a terra» (Génesis, 1, 17).
… Chegado o quinto dia: «Deus criou os monstros marinhos e todas as aves,
segundo a sua espécie» (Génesis, 1, 21). As descrições revelam que escritores da
antiguidade-religiosa não foram inspirados, mas influenciados por uma paixão que
resultou da escuridão civilizacional da época. Só depois dos cientistas trazerem a vida
do mundo animal às nossas casas é que foi possível saber quanto estavam errados. As
espécies não seguiram a trajectória religiosa e nem todas tiveram a mesma evolução e
regressão. As baleias saíram do mar para viver em terra, mas voltaram para o mar. O
texto do Génesis refere «todas as aves», não as que há muito deixaram de voar e as
que posteriormente o passaram a fazer, assim como os animais que posteriormente
surgiram e se extinguiram.
… O sexto dia foi dedicado à melhor obra do criador. Observemos duas versões do
texto Yahveista: «Deus disse: façamos o homem, à nossa semelhança… Ele os criou
homem e mulher» (Génesis, 1, 26-27). Se o dito homem volta a reaparecer no Jardim
de Éden, em que dele se faz a mulher, não é de rejeitar a hipótese da chegada de uma
segunda expedição celícola. A tradição Elohista terá surgido depois da Yahveista e leva
alguns Hominídeos para o dito jardim. No texto do Alcorão há alguma diferença nessas
experiências. Em vez de sermos gerados do pó, como mais tarde se descreve no
Génesis, houve um período de gestação: «Deus criou todos os animais da água»
(Surata 24ª, 45).
… No tocante ao aparecimento dos animais nota-se uma associação ao mar, mas
antes dos Muçulmanos terem escrito que todos os animais, incluindo o homem,
apareceram sobre a forma de água há muito que o mar existia. Logo, está em
contradição ao que foi descrito na Bíblia, mais precisamente no texto do Génesis e
aquando do aparecimento solitário de Adão no Jardim de Éden. O texto que o mundo
Islão 154 consagrou também sofreu as actualizações inevitáveis do tempo: «Deus criou
os dois elementos do par: o macho e a fêmea, de uma pequena quantidade de líquido»
(Alcorão 53, 45-46). As traduções sucessivas e as glosas explicativas, das mais radicais
às moderadas, proporcionaram novos sentidos ao texto primitivo, constatando-se uma
grande evolução do dito «líquido» e da «pequena gota» para o esperma. No entanto, o
154
Religião maometana; conjunto dos países que se «resignaram à vontade de Deus».

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O outro deus
macho e a fêmea são descritos de forma mais clara do que no texto do Génesis, mas
como foi que apareceu o primigénio humano, em termos religiosos é evidente!
… A submissão aos deuses, fortemente instigada pelos dogmas religiosos, nunca
deixou que em tempo útil se discutissem essas experiências enigmáticas, mas algo de
reprovável terá acontecido nesse jardim esotérico, já que sempre foi inacessível aos
olhares curiosos dos autóctones, talvez escondesse a transformação genética da
espécie humana. Os celícolas empenhavam-se numa companheira cobaia que se
adequasse ao macho solitário: «Disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja
só; far-lhe-ei uma ajudante idónea para ele.» (Génesis, 2, 18). A companheira cobaia
surgiu por carestia 155 , já havia homens e mulheres no sexto dia da tradição Yahveista:
«Ele os criou homem e mulher», caso contrário teria sido descrito: «Ele criou a mulher
do homem ou criou o homem e depois a mulher».
… Não faz sentido que as experiências incidissem num único autóctone, o mais
provável é que a certa altura se tenha dado início à transformação generalizada,
embora simbolizada por uma única personagem: «Deus fez cair um sono pesado sobre
Adão e este adormeceu, tomou uma das suas costelas, cujo lugar preencheu de
carne... da costela que Deus tomou do homem formou uma mulher que trouxe a Adão.»
(Génesis, 2, 21-22). A história começa a ficar mais clara, descreve ora «homem» ora
«Adão». Portanto, das duas, uma: Ou se trata do mesmo escritor que se contradiz, ou
temos outra narração que revela a fusão dos antigos textos da tradição Yahveista com
os da Elohista. Se os conseguirmos interpretar, de forma cronológica, concluiremos que
no período dessa experiência os autóctones sofreram alterações morfológicas,
anatómicas e intelectuais. Os celícolas fizeram desfilar os animais frente às cobaias
mais desenvolvidas e não lhes encontraram companheiras adequadas, do que se deduz
termos sido hermafroditas, a descrição supracitada revela uma intervenção cirúrgica, da
qual surgiu os primigénios transformados, o homem e a mulher.
… A operação terá sido efectuada em dois seres hermafroditas, em que no primeiro
saiu Adão, ou seja Adam 156 e no segundo a Eva, a sua companheira. A intervenção
teria sido de transformação e não de criação, o que não corresponde à escolha livre e
voluntária do amor humano, o qual a religião moderna sustenta e afirma defender.
Estudos científicos recentes referem que os genes determinam a sexualidade e que os
sexos surgiram em épocas distintas, sendo o feminino anterior ao masculino. A
probabilidade de se terem realizado experiências genéticas na nossa espécie afigura-
se, mas o que faz render um leitor atento é a rapidez com que as concretizaram. Adão
era adulto quando isso aconteceu, só nessa altura é possível a manifestada apetência
por uma boa companhia. A Eva era muito mais nova e Adão teria sido o pai dela, já que
foi dos genes dele que ela surgiu como se explica à luz da ciência.
… Terminada a segunda etapa, sobre a transformação de Adão, deu-se início à
linhagem 157 que recebeu a bênção dos celícolas; «Frutificai e multiplicai-vos, enchei a
terra» (Génesis, 1, 28). A época era de dificuldade porque os autóctones defendiam
energicamente as cobaias, por isso o sucesso da linhagem foi enfatizado no tempo de
Moisés: «O Senhor, vosso Deus, já vos tem multiplicado, e em multidão sois hoje como
as estrelas do céu.» (Deuteronómio, 1, 10). Não parece que os expedicionários ou,
quem escreveu sobre eles, tivessem a noção da quantidade de objectos cósmicos que
povoam o Universo, talvez pretendessem dar uma ordem de grandeza (simbolismo),
dado que nem passados mais de 5 mil anos dessa propagação, reconhecidamente
desmedida, se atingiu tamanha soma. Confrontados com o dilema, muitos religionários

155
Sentimento de escassez e carência.
156
Segundo Pierre-Jean Moatti é no preciso momento em que uma «mulher» é tirada de um «homem» que a palavra Adam (invariável: homem-mulher) dá lugar, pela primeira
vez no texto hebreu, às palavras ish para homem e isha para mulher. (A Bíblia e os Extraterrestres, pág. 34)
157
A experiência celícola extraterrestre, descrita pelos deícolas como obra do criador dito deus.

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O outro deus
têm defendido que esse incentivo estimulava a difusão das gerações, mas nenhum dos
escritores deixou dúvidas quanto à expressão «multiplicai-vos», o dito criador referia-se
à estirpe dessas experiências e não à humanidade que tentou exterminar num dilúvio e
dentro das suas cidades.
… No fim do sexto dia: «Deus descansou de toda a obra que criara e fizera.»
(Génesis, 2, 3). Altura para um balanço de reflexão, o sentido da palavra criar
pressupõe algo onde não exista forma e energia. Como não foi descrita a antimatéria
teremos de elevar a imaginação para um lugar que signifique nada. Não sendo provável
que exista, talvez nem um supremo divino pudesse ser protagonista de tal proeza.
Sejam quais forem as substâncias da matéria ou antimatéria todas são energia, logo
existem e revelam que o criador descrito transformou a energia e não a criou, como o
fez aquando da costela de Adão para a mulher Eva, assim como também o faz toda a
gente no sentido criativo e intelectual do dia-a-dia, em que se cria, transforma ou
transfere energia da matéria preexistente. Se algo sobrenatural aconteceu foi mal
descrito, talvez por aparecermos ao sexto dia e só muito mais tarde aprendermos a
escrever.
… A proeza da aparição do homem num jardim só poderia acontecer com um
milagre dos celícolas mas, além das conjecturas textuais, eles nunca manifestaram tais
capacidades. Se foi complicado a dita criação, a definição do vivente humano também
não foi mais fácil: «Deus formou o homem do pó da terra e soprou-lhe nas narinas o
fôlego da vida» (Génesis, 2, 7). Existem várias traduções dessa peripécia, mas o
narrador foi claro quanto ao sopro nas narinas que deu a vida ao primigénio. Os
celícolas não explicaram as etapas sucessivas da evolução da energia 158 até ao
oxigénio que é hoje respirável, mas a ênfase exaltada justifica reparo, nenhum outro
animal precisou desse sopro e todos respiram a energia que ocupa um quinto da
atmosfera terrestre.
… Como seria hoje a religião se o discurso dos defensores actuais fosse o mesmo
dos escritores do Génesis! Talvez já não existisse ou fosse muito diferente, por isso
aperfeiçoaram e articularam as suas prosas para poderem contestar os argumentos
científicos, pelo que se justifica tentar compreender melhor tudo isto. A teoria da
explosão do Big Bang é absolutamente diferente da criação divina: O mundo não foi
feito em seis dias, os viventes não aparecem ao quinto dia, o Homem não foi moldado
do barro e a sua vida não surgiu através de um sopro.
… Partimos deste entendimento para o que mais interessa. Os primeiros mil milhões
de anos da Terra foram demasiado quentes para a vida se desenvolver, mas os
restantes três mil milhões foram ocupados pelo processo lento da evolução biológica,
desde os microrganismos mais simples até aos humanos, capazes de ler e interpretar o
Tempo para trás. No primeiro segundo da Grande Explosão (Big Bang) o cosmos
começou a arrefecer e, devido à força de intensidade que foi formada no interior da
onda de choque, concentraram-se as poeiras cósmicas a partir dos primeiros minutos,
dando lugar às galáxias primitivas. Neste processo desenvolveram-se mundos que
tomaram posições no tecido cósmico, conforme a concentração de massa que
adquiriram. Aqueles que conseguiram mais matéria no seu núcleo transformaram-se em
estrelas e começaram a brilhar, os de menor concentração ficaram presos ao gravítico
dos maiores, subdividindo-se em planetas, cometas e outros objectos cósmicos.
… O leitor mais informado, nestes assuntos, terá entendido que acabou de ler uma
síntese da história cósmica, haveria muito mais para adicionar, mas supõe-se o
suficiente para que se pense melhor sobre o planeta Terra, onde a vida terá irrompido

158
A energia nuclear é a libertada pelas reacções nucleares exoenergéticas; a energia termonuclear é libertada numa fusão nuclear.

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O outro deus
depois de uma longa transformação físico-química. A ciência assegura, de uma forma
geral, que o sistema solar teve origem numa nebulosa de gás e pó estelar que se foi
juntando por remoinhos, em torno de um núcleo central, acabando por formar camadas
amplas de gases que se converteram no Sol e nos restantes planetas que o orbitam.
Nesse primevo a luz solar não existia, embora noutros mundos próximos de estrelas
brilhasse a luz e provavelmente a vida. À medida que a massa se comprimia no núcleo
central, pela acção da gravidade, o Sol começou a brilhar.
… A maior parte das atmosferas de hidrogénio e hélio, existentes em volta dos
planetas vizinhos, acabou por se perder no espaço. A atmosfera actual do planeta
Terra, constituída fundamentalmente por Azoto e Oxigénio, libertou-se da superfície
quando as camadas superficiais arrefeceram e se endureceram. Quantidades enormes
de vapor de água e bióxido de carbono 159 condensaram-se, formando bancos de
nuvens, das quais caiu chuva sobre a crosta terrestre quente. Esse fenómeno repetiu-
se ao longo de milhares de anos. Quando a superfície finalmente esfriou, a chuva
acumulou-se nas depressões e formaram-se os primeiros mares. As trocas de matérias
transportadas entre os mundos pelos meteoritos foram, nessa altura, muito assíduas.
Pelas descargas eléctricas das constantes trovoadas e as radiações ultravioletas do Sol
formou-se oxigénio livre e uma camada de ozono. A partir daqui teria surgido a vida de
uma forma primitiva, por sua vez produziu oxigénio e facilitou o desenvolvimento de
seres rudimentares nos mares pré-históricos.
… Concluiremos melhor o raciocínio do desenvolvimento do oxigénio, no nosso
planeta, se dermos uma espreitadela ao argumento do especialista John Gribbin,
através de um breve excerto de um dos seus livros: «os primeiros fotossintetizadores...
não deitavam fora o oxigénio produzido como resíduo da fotossíntese; embalavam-no
cuidadosamente com outras moléculas, formando um composto seguro e não reactivo
antes de o injectarem, como desperdício, da célula. Para essas primeiras células vivas,
o oxigénio era um veneno reagindo tão violenta e rapidamente com os compostos
orgânicos que destruiria o metabolismo de qualquer célula que o libertasse no seu
estado puro. Quando surgiram, as primeiras células que aprenderam a viver com o
oxigénio livre passaram a ter uma vantagem enorme sobre outras formas de vida. Já
não precisavam de passar pelo ciclo desgastante de embalagem do oxigénio residual
antes de o deitarem fora e, como bónus, o oxigénio que libertavam era de facto
prejudicial às outras células vizinhas que ainda não tinham aprendido a tolerá-lo.
Quando apareceram, os produtores de oxigénio devem ter-se instalado rapidamente
através dos mares do mundo. Vários registos comprovam que a transição mais
importante de uma atmosfera livre de oxigénio para uma que contém pelo menos 1 por
cento, como a actual, se terá dado num período de duas centenas de milhões de anos.
As melhores provas disso são os depósitos amplos de óxidos de ferro que actualmente
se encontram por todo o lado. São as chamadas formações de ferro em camadas, e
têm todas entre 1,8 e 2,2 biliões de anos. O ferro pode formar vários compostos
diferentes com o oxigénio, mas nem todos eles são solúveis na água. Na presença de
um pouco de oxigénio, o ferro forma um óxido «ferroso» solúvel; havendo mais
oxigénio, forma o óxido «férrico» insolúvel. A explicação para o surgimento das
formações de ferro em camadas é que nos mares primitivos do nosso planeta, sem
oxigénio livre nas vizinhanças, o ferro se dissolveu no seu estado ferroso. Quando o
oxigénio se tornou acessível, desencadeou uma reacção muito conhecida, chamada
ferrugem, na qual todo o ferro ferroso em solução se converteu em óxidos férricos
insolúveis, acumulando-se em espessas camadas no fundo do mar. Quando o oxigénio
apareceu na Terra, todo o ferro enferrujou. Para conseguir isso em umas centenas de
milhares de anos deve ter havido um fornecimento regular de oxigénio proveniente de
159
Designação antiquada de dióxido, isto é, óxido com dois átomos de oxigénio e um do outro elemento.

Celestino Silva Página 29


O outro deus
alguma fonte, e somente pela fotossíntese aeróbica (a fotossíntese que liberta oxigénio)
se poderá explicar o esquema de acontecimentos. A concentração de oxigénio na
atmosfera só poderá ter começado a aumentar depois da sedimentação das camadas
de ferro, uma vez que antes de todo o ferro enferrujar o oxigénio ficava preso na
ferrugem assim que era produzido. Desde então, as mudanças têm sido rápidas. Isso
deve-se em parte ao facto de existir energia à disposição de organismos que podem
utilizar o oxigénio na respiração... à invenção da reprodução sexual que permite o
alastramento das diversidades entre a troca de genes de uma espécie.» (John Gribbin,
O nascimento do Universo, página 118-121).
… Tendo em conta que o excerto do livro Gribbin trouxe algum esclarecimento,
sobre o fenómeno que levou ao aparecimento e aproveitamento do oxigénio pelos
viventes deste planeta sem o sopro nas narinas, recordemos as tradições Yahveista e
Elohista, já que alguns afirmam que referiam Yahveh e Elohim como o mesmo deus,
mas o Texto Hebreu emprega essas duas designações indistintamente. Que motivos
terão levado esse povo a escolher dois plurais para designar o seu deus único se,
durante milénios, foi monoteísta e viveu no meio de populações pagãs possuidoras de
uma infinidade de deuses!
… A religião é um sistema universal que sustenta paixões e crenças
transcendentais. No texto do Génesis são conhecidas as diferenças em ambas as
tradições: Na Yahveista é o homem e a mulher que aparecem juntos e na Elohista é o
solitário Adão, do qual se tirou uma costela para fazer a primeira mulher. Algo
semelhante é apresentado pela ciência racional: O Homem de Neandertal e o Homem
Moderno de África são apresentados como as duas únicas espécies inteligentes. Falta
saber se a civilização actual resultou dessa fusão ou se uma espécie exterminou a
outra, já que os Neandertais se extinguiram.
… Enquanto aguardamos por esse esclarecimento, venha ele da crença espiritual ou
da ciência racional, regressemos aos textos da tradição Elohista que descrevem um
jardim botânico paradisíaco e um laboratório de experiências: «Deus fez desabrochar
da terra toda a espécie de árvores belas à vista e de frutos saborosos para comer, a
árvore da vida, ao meio do jardim, e a árvore da ciência do bem e do mal» (Génesis, 2,
9). No mesmo texto alude-se a árvores que dão frutos saborosos enquanto outros são
venenosos e proibidos com a morte.
… A descrição deixa notar uma zona perigosa e não paradisíaca, sobre a qual teria
de haver algumas precauções que foram designadas pela proibição da ingestão dos
frutos de algumas das árvores, a da ciência, a do bem e do mal e mais tarde a da
eternidade. Lendas ou experiências tão terríveis seriam inatendíveis para as mentes
incipientes da época, por isso foram simbolizadas por escritores que as associaram aos
quatro rios: Pison, Gion, Tigre e Eufrates, os fornecedores de água e nutrientes para
essas plantas especiais. O que descreveram denota a intenção de propagarem esses
infortúnios à posteridade, mencionando o rio Pison: «que rodeia toda a terra de Évilat,
onde há ouro… e o ouro dessa terra é bom» (Génesis, 2, 11-12).
… Se a insipiência da época não permitia saber que estavam nus menos saberiam
qual era o melhor ouro, pelo que se vislumbram acções exploradoras de minérios no
planeta. Algumas narrações podem ser omissas, mas nas chegadas dos
expedicionários e das suas acções usurpadoras são bem claras, principalmente quando
aludem a lutas exterminadoras por os autóctones se recusarem às intenções dos
celícolas que lhes usurpavam o ouro, jóias, terras, o bem-estar das suas famílias, não
poupando as suas vidas. Quem eram essas criaturas, evidenciadas de guerreiros cruéis
e pilhantes de materiais preciosos, quando hoje são evocadas, apregoadas,
cantaroladas, dançadas e retratadas de forma tão diferente nos locais de culto! Por

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O outro deus
muitas voltas que se tente dar à contextura, a astúcia e a violência pelo ouro são
encontradas em quase todos os textos consagrados, embora só alguns excertos sejam
aqui citados por uma questão de espaço – vejamos os seguintes exemplos:
— «Deus disse a Moisés... jóias de ouro e prata... desapossareis aos egípcios» (Êxodo,
11, 15 e 3, 22).
— «Os acessórios do tabernáculo e o Testemunho eram em ouro maciço» (Êxodo, 25,
8-40).
— «Tomai do que tendes, uma oferta para o Senhor... ouro, prata e cobre.» (Êxodo, 35,
5).
— «Oferta dos príncipes de Israel... o ouro foi cento e vinte siclos 160 » (Números, 7, 84,
86).
— «O ouro da oferta alçada que os chefes... fizeram ao Senhor, foi 16750 siclos»
(Números, 31, 52).
— «Queimaram a cidade; somente a prata e o ouro... foram colocados na casa de
Deus.» (Josué, 6, 24).
— «Tu me hás-de entregar a tua prata e o teu ouro, as tuas mulheres e os teus filhos» (I
Reis, 20, 5).
— «O peso do ouro que se trazia cada ano a Salomão era de 666 talentos 161 » (II
Crónicas, 9, 13).
— «Tiro edificou fortalezas, e amontoou prata como o pó, e ouro como a lama das
ruas.» (Zacarias, 9, 3).
— «João viu que vinte e quatro anciões tinham nas suas cabeças coroas de ouro.»
(Apocalipse, 4, 4).
— «Minha é a prata, e meu é o ouro, diz o Senhor dos exércitos.» (Ageu, 2, 8).
 … A obcecação de posse pelos minerais atravessou os últimos milénios e muitos
ainda insistem em tirar para «o tesouro de Deus» recursos aos humanos mais frágeis e
debilitados. A ganância não é uma exclusividade dos protagonistas descritos, a avidez e
a opulência prosseguem nos locais que simbolizam esses tempos. Nenhum criador
bondoso exterminaria tanta gente inocente, como a violência que é descrita na Idade
Antiga: «eu trago o dilúvio sobre a terra, para destruir, de debaixo do céu, toda a carne
em que há espírito de vida; tudo o que há na terra expirará» (Génesis, 6, 17).
… A espoliação parece ter sido um propósito das expedições celícolas, ajudadas
pela linhagem terrestre, outro intento não encaixa na avidez pelos minerais. O jardim de
Éden também ficou longe de ser um lugar paradisíaco da Terra. Sabe-se que cobria
uma região enorme, avaliando pelos rios que o irrigavam, mas apenas um homem lá foi
colocado: «para o lavrar e guardar.» (Génesis, 2, 15). Certamente haveria melhor
guardador do que o Adão, avaliando pela tecnologia de protecção que posteriormente
foi colocada: «Depois de ter expulsado o homem, Deus colocou a oriente do jardim do
Éden querubins, armados de espada flamejante, para guardar o caminho da árvore da
vida.» (Génesis, 3, 24).
 … O escritor da tradição Elohista descreve o casal do jardim de Éden como sendo o
primigénio na Terra, ao mesmo tempo alude aos invasores desse vergel. Sendo certo
que Adão não se guardava a si próprio e nem podia impedir as experiências dos
celícolas, de quem guardaria ele esse jardim! A narração supracitada deveria chegar
para desvendar a história do Éden, tanto mais que alguns dos novos seguidores não
reconhecem o seu deus nesses textos e nem os guerreiros e as armas que matavam
quem entrasse nesse lugar paradisíaco: «querubins armados de espada flamejante.»
(Génesis, 3, 24).

160
Designação de um peso e de uma moeda, entre os hebreus.
161
Nome de um peso e de uma moeda na antiguidade grega e romana.

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O outro deus
 … Sendo os invasores do Éden terrestres autóctones, tentando impedir o elitismo
racista da linhagem, porque teria o escritor da tradição Elohista aludido aos povoados
dos arredores 162 quando refere o Adão solitário no Éden! Está bom de ver que o dito
não estava só e que as expedições 163 beligerantes semearam na Terra o terror e as
hostilidades das suas experiências, enquanto que os autóctones as tentaram impedir.
Os professantes do etnocentrismo enfatizam o seu imaginário de alegria com estas
peripécias, mas o texto do Génesis refere crueldades terríveis contra a espécie
humana. Apesar disso, classificam a crítica de supérflua por não provar o que diz, como
se o que acreditam tivesse alguma comprovação. Em Jericó foi descoberto uma cidade
com mais de 10 mil anos quando a criação religiosa tem menos de 6 mil.
 … Conhecida a resignação teísta, face às comprovações científicas sucessivas,
talvez os menos apaixonados venham a render-se à evidência da ciência, participando
na diminuição da sociolatria que é impelente de um deus único mas intolerável com o
deus do vizinho. Este obsidente mistério 164 não sobreviria sem o fascínio explícito no
culto que torna a fé inabalável, seja sustentada pelo etnocentrismo judaico 165 ,
católico 166 , muçulmano 167 e outros, mas o argumento pode influenciar a regeneração de
ideias, o conhecimento é um acto vivo que implica a reconstrução no tempo.
 … Os líderes religionários reconstruíram as tradições lendárias para que ninguém as
pudesse desmistificar, mas as respostas estão no próprio texto que consagraram.
Quem terá invadido esse jardim para que Adão tivesse de o guardar! A curiosidade
humana constituía grande repto à fidelidade desse compromisso, pelo que uma placa
gigante com a descrição «PERIGO DE MORTE» poderá ser imaginada na entrada do
dito jardim, avisando os intrusos da intolerância dos celícolas. Numa altura de
insipiência e terror só poderia escrever-se ou reescrever-se a frase desta forma: «da
árvore da ciência do bem e do mal não comerás; no dia em que dela comeres
morrerás.» (Génesis, 2, 17).
… A morte foi expressamente anunciada aos violadores das regras no jardim, mas o
dito casal violou-as e não morreu pela ingestão desses frutos proibidos e mortíferos. Os
escritores descreveram os celícolas como inteligentes, pelo que estes nunca imporiam
uma regulamentação violenta às cobaias sabendo que não iriam ser compreendidos. As
árvores dos frutos da ciência, do bem e do mal eram simbolismos que não poderiam ser
entendidos pelo incipiente casal do Éden. O escritor apoiou-se nas lendas primitivas e
simbolizou-as no seu argumento ficcionista, tal como fez com outro arbustiforme, a
árvore misteriosa da vida eterna que assombrou a espécie humana.
… Alegorias perturbadoras da civilização foram descritas nos textos ditos sagrados,
mas os seguidores acabaram por ignorar e dar menos importância à que deram quando
os consagraram. Lamentavelmente fizeram-no com o apoio da ciência moderna,
concluindo tardiamente que são textos desactualizados, ridículos e contraditórios, só
que nesta altura já não podem evitar os danos físicos e intelectuais que a primitiva e
média religião perpetrou. Vislumbra-se um abandono triste para a paixão do berço da
humanidade, os textos dos nossos antepassados não se respeitaram em tempo útil.
… Tomámos conhecimento dos primeiros sinais da religiosidade, em que o escritor
do Génesis descreve as intervenções cirúrgicas e transformações genéticas no jardim
de Éden: «Deus fez cair um sono pesado sobre Adão... Tomou uma das suas costelas,
cujo lugar preencheu de carne» (Génesis, 2, 21-22). Não são conhecidas leis físicas e

162
Vide o capítulo deste livro: “Deslealdade entre os primeiros irmãos da linhagem religiosa”.
163
No que foi descrito pelos escritores do texto consagrado estão explicitas as expedições extraterrestres que correspondem às tradições dos celícolas Yahveh e Elohim.
164
Tudo o que tem causa oculta ou parece inexplicável, vago, incerto e incompreensível.
165
Relativo aos Judeus ou ao judaísmo.
166
Relativo aos que professam a religião católica.
167
Relativo ao muçulmanismo ou aos adeptos de Maomé, fundador do islamismo (571 - 632).

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O outro deus
orgânicas que sustentem o espírito imaterial 168 do dito criador, mas os crentes
sustentam o imaterialismo 169 tradicional da imaginação humana primitiva e acitam que o
criador terá utilizado os métodos das intervenções cirúrgicas de hoje.
… A fusão das tradições Yahveista com a Elohista trouxe alguns embaraços a quem
rescreveu o texto: «Esta é, realmente, o osso dos meus ossos e a carne da minha
carne. Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do homem.» (Génesis, 2, 23). Adão
parece satisfeito com «esta» nova companheira, será que teve outras antes da Eva ser
submetida à intervenção cirúrgica da dita costela! As discordâncias sobre o
aparecimento e o acasalamento do bípede homem são perceptíveis nos textos
consagrados: «deixará o homem o seu pai e a sua mãe e apegar-se-á à sua mulher…
ambos estavam nus e não se envergonhavam.» (Génesis, 2, 24-25). Na actualização do
texto tentou-se demonstrar a maturidade do casal, em capítulos posteriores do Génesis
foi confrontado com a noção da sua nudez, quando tal nunca perturbou a vivência dos
antigos povos que ficaram isolados e que são hoje a civilização.
… Os antigos escritores retrataram as lendas tradicionais pelos únicos elementos
que conheciam, as árvores e os animais. Suspensa numa árvore a serpente tenta a Eva
para comer o fruto proibido. A astúcia das serpentes é conhecida, mas não seriam
capazes de infringir regras de morte quando a Eva era a única fêmea inteligente criada
por Deus. Em qualquer organismo vivo ou animal, como na mulher e no homem, a
finalidade natural é a reprodução da espécie, tal acontece há 2-3 mil milhões de anos,
muito antes de o Homem ter a noção da sua existência. O terror instituído pela violência
dos celícolas subjugou tanto os antepassados que conservaram por milénios as suas
lendas, mas chegaram mal interpretadas por quem reescreveu esses textos da Idade
Antiga. Algumas mensagens passaram intactas, como a citadas neste livro, mas a
maioria foi sustentada numa ilusão que ignora a origem de todas as espécies, na sua
relação de biodiversidade 170 e em complexos meios de transferência de energia.
… O fecho do dito jardim leva a entender que houve intervenções consideráveis nas
experiências dos celícolas, a mais significativa seria uma acção copular externa ao
casal transformado da jovem linhagem. Um projecto como o do Éden, demasiado
dispendioso, não seria suspenso por se comerem frutos, ainda que fossem venenosos.
O mais provável é ter sido um intruso ou espião da expedição que acabava de estragar
o apuramento da linhagem. Vejamos o que a dita serpente diz a Eva: «Deus sabe que
no dia em que desta árvore comerdes se abrirão os vossos olhos» (Génesis, 3, 5).
Quem mais estava nesse jardim que possuísse tão elevado conhecimento se, no texto
consagrado, eles foram os primeiros e os únicos seres inteligentes deste planeta!
… As árvores podem dar bons frutos e serem simbolismos de boas e más histórias,
mas não se designam ao bem, ao mal, à ciência e à vida eterna. Na primeira criação
não apareciam árvores extraordinárias e sim «frutíferas», essas são posteriores e
pertencem ao tempo das expedições Elohistas. O enredo dos narradores citados
remete-nos para um lugar de experiências inexplícitas, provavelmente um laboratório
para transformar seres humanos e não um jardim paradisíaco. O que o dito casal
aprendeu foi através da relação com intervenientes mais sabedores «da ciência, do
bem e do mal». A presença desse elemento, descrito de «serpente», forneceu a Eva um
tal conhecimento que surpreendeu os celícolas: «Deus percorria o jardim pela frescura
do entardecer e Adão e Eva logo se esconderam por entre o arvoredo.» (Génesis, 3, 8).
Repare no procedimento de um ser imaterial que está em todo o lado, em espírito, e
não viu o que se passou no jardim: «Deus chamou Adão, e disse-lhe: onde estás?»
(Génesis, 3, 9).
168
Não se prevê que nas leis deste universo haja lugar para espíritos de luz (visíveis ou invisíveis), mas apenas matéria ou antimatéria.
169
Doutrina dos que negam a existência da matéria, reduzindo toda a realidade a manifestações ou criações do espírito.
170
Variedade de animais, plantas e microrganismos existentes à face da Terra.

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O outro deus
… O casal cobaia tinha adquirido conhecimentos que não eram contemplados pelas
imponências regulamentares do jardim: «Ouvi os teus passos no jardim e, porque estou
nu, escondi-me.» (Génesis, 3, 10). Repare na segunda intenção da pergunta que refere
a nudez e muita incerteza: «Quem te disse que estás nu? Comeste algum dos frutos da
árvore que proibi comer?» (Génesis, 3, 11). Quem passeava nas ruelas do jardim não
era portador de omnipotência, pelo menos não sabia o que se passava noutros lugares.
A curiosidade levou o dito casal a locais proibidos, simbolizados por árvores, os
terrestres só sentiriam a sua nudez na frente de uma civilização avançada. A hipótese
mais provável é que o Adão estava na frente de um superior da expedição, por sinal
muito preocupado com a violação das regras que impôs, com a agravante de não saber
quem terá sido o traidor expedicionário que encorajou as cobaias.
… A ameaça de se comerem os frutos mortais não seria procedente de quem
soubesse que a mensagem poderia não ser compreendida, mas a expedição tinha
regras bem definidas para quem merecia a morte. Recordemos um exemplo de outro
capítulo: «se Deus te ordenou que morras, fê-lo porque é Deus.» (Manuscritos do Mar
Morto, 4-16). A necrofobia 171 imposta pretendia ser dissuasora, as ditas árvores ficavam
próximas do laboratório e do respectivo staff das expedições. Os encontros das cobaias
com os efectivos expedicionários, naquela zona operacional, tornaram-se desastrosos
para as experiências em curso, como se entende da colérica expulsão do casal e do
encerramento definitivo do jardim do Éden.
… O empreendimento deveria ser muito importante para os celícolas, em nenhuma
outra altura é reportado uma envolvência tão intransigente do dito criador com um
animal, deduz-se que o culpado não seria a serpente, não justificava a humilhante
desavença: «Por teres feito isto, serás maldita entre todos os animais ferozes dos
campos. Rastejarás sobre o teu ventre e alimentar-te-ás de terra todos os dias da tua
vida. Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela.»
(Génesis, 3, 14). Tendo em conta a religiosidade de que o escritor se acercava é
compreensível a sua ênfase literária, as serpentes não se alimentam de terra, não são
malditas entre as feras e muito menos odiadas pelas mulheres. Os defensores do
etnocentrismo sabem disso, mas a sua missão não é interpretar e sim temporalizar a
linhagem. Quem ler as suas glosas notará essa minuciosidade, não para levar a
compreender os respectivos textos mas para manter os crentes nessa paixão. Na base
de que «Deus escreveu direito por linhas tortas» tudo lhes tem sido permitido, inclusive
fomentar a violência dessa escrita como uma bênção.
… Os escritores da Idade Antiga descreveram as lendas da tradição, mas só uma
infimidade desses textos chegou aos nossos dias, a maior parte foi destruída e
tendenciosamente alterada pela intervenção de copistas e glosadores 172 . Ainda hoje se
tenta explicar o que há milénios outros tentaram fazer, mas só na interpretação se
conseguirá discernir a discussão entre o chefe celícola e um elemento da expedição,
por ser traidor às experiências foi pejorativamente designado por serpente. O
nervosismo da expedição revela que os expedicionários não estavam autorizados a
este tipo de experiências, por isso não arriscaram em regressar à sua civilização com a
infracção e o dito intruso.
… As serpentes não falam, mas se essa falasse não se queixaria da insurreição no
jardim, afinal continua um réptil rastejante e bem sucedido. A ciência assegura a
semelhança dessas espécies primitivas às dos actuais ofídios e ápodes 173 , confirmando
a origem no mar para todo o vivente deste planeta mas, na antiguidade-religiosa todas

171
Horror mórbido e obsessivo à morte.
172
Interpretadores de um texto obscuro.
173
Cobra ou serpente; animal desprovido de membros locomotores.

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as espécies existentes teriam entrado na arca de Noé, incluindo: «todo réptil que se
arrasta sobre a terra» (Génesis, 7, 14).
… Os rastejantes não eram apenas as serpentes, mas o escritor mistificou um
vivente que nunca se defenderá da embrulhada em que o colocaram. Desde então os
deícolas sustentam esses vícios primitivos, evocando um criador de tolerância e
bondade infinita, aceitando a ira e a violência dos celícolas que foi descrita nos textos
que consagraram: «Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua concepção; com dor
darás à luz filhos, mas o teu desejo será para o teu marido, ele te dominará.» (Génesis,
3, 16).
… Nenhuma mulher saudável, mentalmente, orgulhar-se-á da repressão machista
que foi descrita, mas algumas fracções religiosas ainda s incitam a morrer pela crença
de deuses milenares e não pela herança multimilenária, em alguns credos não é
permito que o seu sangue corra noutras veias e vice-versa, noutros procuram o parto
sem dor, contrariando a vontade do celícola que escorraçou a Eva do Jardim de Éden e
ordenou à descendência: «com dor darás à luz filhos».
… O excerto supracitado realça o mau comportamento de Eva por ter acasalado
com um elemento da expedição, certamente não haveria tanto clamor se fosse com o
Adão, mas ela não resistiu aos encantos do estranho celícola. A violência dessa
censura é a evidência de quem vê a sua obra danificada pela intervenção de um outro
macho. Retirar o desejo sexual de Eva está implícito, os seguidores ainda extraem a
clitóride das meninas à nascença e o prepúcio aos meninos e adultos, não por opção
médica devido ao asseio e deficiência dos órgãos genitais, mas para se cumprir a
tradição dessa crença ancestral.
… A vida é difícil para todos os viventes e a dor do parto é generalizado nas fêmeas
dos mamíferos, mas o sofrimento humano poderia ser atenuado se não fosse a
inusitada e insana crença que apela à dor. O desejo sexual ir só para o marido não é
convincente, avaliando pelo agrado que as mulheres saudáveis manifestam na
satisfação das relações amorosas. No respeitante à dor do parto algumas até o fazem
com relativa facilidade, o que leva a pensar numa ridícula redução da pena por bom
comportamento. Quanto ao marido dominar a mulher está desactualizado, embora
primitivamente não fosse por influência da incompreensão dessas lendas e da má
interpretação dos que reescreveram e consagraram esses textos.
… Os respectivos narradores não tinham as referências de hoje, o que não lhes
permitiu desmistificar as lendas e mais tarde o texto que lhes chegava da Antiguidade.
Assim, ficou por resolver o estranho encerramento do jardim, apenas foi descrito que
dois estagiários foram abandonados à sua sorte e a sua descendência afogada num
dilúvio. O justo seria a espécie humana ficar livre dos impropérios dos celícolas, mas
pela conduta descrita jamais a deixaram em paz, ainda que tentassem corrigir alguns
erros com arrependimentos, como vestirem o casal que ultrajaram e humilharam por
descobrir que estava nu: «Fez o Senhor Deus a Adão e à sua mulher túnicas de peles e
os vestiu.» (Génesis, 3, 21).
… Quando a clemência amaldiçoa, extermina e depois se arrepende revela um
comportamento inseguro, tanto mais que houve grandes transformações nas cobaias,
os corpos foram desprovidos de pêlos e de hermafroditas passaram a macho-fêmea. As
experiências do Éden interromperam-se, mas o casal cobaia já se encontrava num
estado evoluído, adiante encontraremos algumas referências, aquando da rejeição do
primogénito Esaú, o filho de Isaac. A expedição voltou a recear a intelectualização das
suas cobaias: «Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal; para que

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O outro deus
não estenda a sua mão à árvore da vida, coma e viva eternamente, Deus o lançou fora
do jardim de Éden» (Génesis, 3, 22 e 23).
…. Nota-se o realce às cobaias em franco desenvolvimento, especialmente quando
as expedições dos celícolas se ausentavam da Terra e o perigo diminuía sobre os
geneticamente transformados. Novas tarefas foram-lhes atribuídas e não é seguro que
tenham sido expulsos, já que Adão voltou a guardador de um jardim que deveria estar
abandonado. O único homem do planeta nunca poderia receber uma condenação sobre
o que já fazia, escorraçado e readmitido na desbrava e cultura da terra. O escritor não
realça a ausência de Eva para se encontrar com a dita serpente, mas deixou implícito
que uma relação copular aconteceu no lugar paradisíaco do Éden, onde ela arriscou a
vida para descobrir os laboratórios dos celícolas, uma proeza que, sendo verdadeira,
veria a permitir diferenciarmos hoje o bem do mal.
… Acabado o primeiro nível das experiências, duas acções fundamentam o
desaparecimento do staff laboratorial e a aplicação da tecnologia nesse segredo
celífluo. A linhagem propagou-se e nunca se soube o que se terá passado nesse lugar,
mas ainda hoje é apregoado de paradisíaco. O escritor do Génesis relatou rios que
irrigavam o dito jardim, mas os investigadores paleólogos não encontram vestígios no
local e alguns desses cursos de água descritos não existem em parte alguma, embora o
texto revele conflitos entre duas forças político-religiosas: a tradição Yahveista que
dominava a Norte e, alguns séculos mais tarde, a tradição Elohista no Sul.
… Calcula-se que os expedicionários terão escolhido o nosso planeta para as suas
experiências, iniciadas por equipas que se guerrearam pelas disputas tecnológicas. Nas
ausências dos celícolas alguns terrestres seguiram a tradição, repetindo o que viram
antes deles partirem para o seu mundo. Sem a disponibilidade dos recursos bélicos,
descritos por omnipotências, várias vezes demonstradas por guerras e exterminações
de povos, terá nascido a tradição milenar que originou a narração escrita. Nessas duas
tradições há uma dissonância sobre os passos que levaram ao aparecimento do
Homem: Na tradição Yahveista foi ao terceiro dia que apareceram as árvores e os
frutos, na Elohista não havia arbustos nem erva, o homem vivia no lamaçal, embora
ambas revelem que as expedições vieram de outro mundo.
… As tradições descritas demonstram um avanço extraordinário nas suas
intervenções, quer no campo intelectual quer no tecnológico, isso ficou claro na
capacidade de criar e realizar experiências cirúrgicas complexas, como a de fazer a Eva
de uma costela do Adão. Nesses relatos os expedicionários descobriram o Sol e a
Terra, o que indica terem vindo de fora do sistema solar, de outra estrela ou galáxia. Os
celícolas teriam encontrado o planeta numa fase adiantada da vida, sustentando uma
miríade de animais, plantas e alguns seres de intelectos humildes que foram escolhidos
para as suas experiências. Como criaturas biológicas teriam alguma afectividade, nota-
se que tentaram aproximar essa espécie hominídea da sua forma física e não da
imaterial como hoje se apregoa.
… Munidos de poderosas tecnologias construíram ambientes artificiais no deserto,
um local discreto e propício para transformar o bípede que provavelmente lhes
recordava os seus longínquos antepassados, pelo que foram impelidos a lhe elevar a
inteligência, introduzindo elementos estranhos a um cérebro que se iniciava na
intelectualização. No texto do Génesis é referenciado o casal Adão e Eva, mas o autor
contradiz-se ao aludir a cidades com homens e mulheres, a acção foi propositada para
que pusessem os olhos na nova linhagem que acabava de surgir, só que muitos desses
autóctones se rebelaram. A partir desse dia os celícolas viram os seus trabalhos
dificultados, desde então são conhecidas guerras sangrentas e de extermínio. O que
era bom para esses viajantes do espaço deveria ser humilhante para alguns dos

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O outro deus
viventes deste planeta, mas na infância do intelecto muitos se renderam à supremacia
dos senhores dos exércitos. Os escritores descreveram de homens maus os que se
insurgiram, realçando essa insatisfação dos celícolas numa nova visita ao planeta: «a
maldade do homem é grande» (Génesis, 6, 5).
 … Não havendo nada que os invasores celícolas pudessem temer neste lugar,
irromperam com os seus exércitos expedicionários, ostentando a sua tecnologia para
impressionar e se apoderarem de tudo o que pertencia aos poucos opositores, incluindo
a paz, a liberdade e o bem-estar. Muitos resistiram, mas a maior parte foi convertida a
uma arrebatadora paixão, da qual os expedicionários tiraram partido para proteger os
futuros seleccionados da linhagem. Com um reconhecido avanço milenar não lhes terá
sido difícil a transformação dos terrestres, mas não colonizaram este planeta porque
não podiam cá viver. As experiências em marcha visavam recrutar líderes entre os
autóctones mais sugestionáveis, tornando-os seguidores e divulgadores das suas
doutrinas por toda a Terra. Os objectivos foram conseguidos, avaliando pelos
confrontos sangrentos que infligiram sobre o mártir ateísmo que ficou circunscrito,
enquanto o aliado teísmo, seus dogmas e símbolos estão em toda a parte.
— Maurício ouviu Daniel durante imenso tempo e com agrado com lhe referiu, mas
pediu-lhe para irem descansar porque a noite estava avançada. No dia seguinte partiu
para Coimbra sem conseguir tirar a pertinência de Daniel da sua cabeça e resolveu
confidenciar algumas dessas conversas ao bispo. Conhecendo o perigo que Daniel
seria para o sacerdote e para a sociedade religiosa, o bispo reuniu-se como outros e
decidiram enviar o padre para o Sri Lanka, um país devastado por um Tsunami em
Dezembro de 2004. Maurício estava confuso e já não dispensava a companhia do
amigo. Convence Daniel sem conhecimento da sua igreja e partiram com o objectivo de
tentar socorrer. Os habitantes locais acabavam de chorar os seus mortos, na cabeça de
Daniel surge um pensamento repentino que não resistiu em comentar com Maurício —
Sinto-me mal Maurício, mas não é por causa da calamidade, os sobreviventes estão
calmos com a sua dor e foram socorridas por médicos e psicólogos, mas olha ali os
padres, isto atormenta-me, o que estarão eles a dizer — Maurício reponde — a rezar
aos sobreviventes — Daniel colocou as mãos na cabeça — não acredito, rezar para
quê! Não sendo para lhes retirar a dor ou trazer de volta os seus mortos de que serve
rezarem ao celícola que deixou que acontecesse esta tragédia! Se não a pôde evitar
para que serve! Sabes, isto faz-me lembrar os soldados dos celícolas que há dias tentei
explicar-te Maurício, um passado longínquo em que a nossa espécie foi forçada a
converter-se às suas experiências pelo sacrifício que hoje é apregoado de fé.
… Nos livros antigos que os nativos conservaram religiosamente contavam-se
crueldades de estrangeiros religiosos, destacando os portugueses como os
protagonistas da evangelização que deixou marcas indeléveis naqueles povos, agora
afligidos pela fúria de uma bondade infinita apregoada. Aperceberam-se do diálogo
entre eles e confrontaram o padre Maurício com esses textos e pediram que ambos
abandonassem o país mas Maurício tinha aprendido no Seminário que uma certa
habilidade religiosa pode persuadir os mais resistentes à crença: — Tudo o que se
escreve ou escreveu é subjectivo — Daniel interrompe o seu raciocínio: — Então, como
podes crer nos textos da Bíblia como verdadeiros! Desculpa Maurício, mas os crentes
contradizem-se quando tentam sustentar a veracidade da sua crença: Se no que está
escrito Deus está em todo o lado eu pergunto-te: De que se ocuparia nesta altura em
que deixou afogar mais de 250 mil pessoas!
— A resposta de Maurício não difere dos crentes de outras facções religiosas
quando Daniel insiste em perguntar — Como é que, na tua crença, se explica toda esta
crueldade? — Maurício tenta convencer Daniel — Segundo a Ciência, a Terra está em

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transformação, pelo que o exterminador não podia ser Deus. – Retorqui Daniel — Não
tentes defender toda esta crueldade com a Ciência, estás a contradizer-te na tua crença
Maurício. No teu lugar eu parava para reflectir sobre a paixão que te domina. A religião
sempre aferiu os seus fenómenos no confronto com a Ciência, classificando-os de
milagres que se sucediam num passado obscuro da mente. Hoje são quase inexistentes
e, quando se vislumbram, logo são explicados cientificamente, como foram as Tsunamis
que se sucederam ao sismo, varrendo as zonas costeiras de 12 países na Ásia, ferindo
e matando incontáveis vítimas. Noutros tempos e na falta de algum rigor científico talvez
fôssemos levados a crer numa maldição bíblica como o dilúvio que os textos
consagrados descrevem, mas o Homem está a superar-se e não segue a religiosidade
com tanta paixão.
… A noite aproximava-se e ambos regressaram à sua hospedaria. O cheiro da
petrificação da mortandade tinha sido atenuado, não por milagre, mas pelo esforço
daqueles que, com ou sem fé, tentaram minimizar as epidemias. A certa altura Daniel
interrompe as preces do padre — ouve Maurício, a fé pode ser alocêntrica ou
egocêntrica e tão absoluta quanto absurda. Estou certo de que não gostas do que te
digo, mas as fracções religiosas continuam a impor-se pela militância descrita nesses
textos onde tu e os outros crentes só vêem bondade, quando afinal os seguidores mais
fiéis se armam para matar em nome de um deus que tudo criou, ainda que seja
conhecido o princípio e o fim do Universo de forma natural.
— Na manhã seguinte levantaram-se mais tarde mas com tempo suficiente para
uma caminhada numa mata que foi poupada à inundação por ficar numa colina. Nas
suas caminhadas Maurício pregava a “Palavra do Senhor” pelos sobreviventes que
estavam abrigados em tendas e tinham histórias tristes de famílias inteiras que foram
arrastadas pela fúria do mar. Os sofridos habitantes desconfiavam dele porque os
portugueses tinham cometido horrores em nome da sua crença religiosa. Daniel sentia-
se mal ao ouvir os comentários daqueles povos, não aceitava a ideia do mal que se lhes
tinha feito em nome do evangelismo que se espalhou orgulhosamente pelo mundo.
— Saíram dali ilesos e Daniel tenta explicar numa linguagem mais clara a civilização
humana ao Maurício — Desde o adolescer da civilização que a violência não pára de a
surpreender: Umas vezes por acção de catástrofes naturais e outras pela inflicção do
etnocentrismo. Os teístas associam ambas à sabedoria e à intervenção do criador, mas
nunca levantaram um dedo nem a voz para o culpabilizar dessas desgraças, talvez por
reconhecerem que o dito é uma ilusão primitiva que nunca intercederá. Isto prova que o
Universo, o Planeta e o Homem estão em acelerada mudança por valores humanos e
não transcendentais, espera-se que não haja retrogradação e que terminem os horrores
da opressão, da fome e da miséria, principalmente onde se realça e aplica a suprema
religiosidade mas não se respeita a humanidade.
 … Certamente já ouviste falar do dilúvio bíblico, o que talvez não conheças é as
crueldades, os assassinatos e incestos nas primeiras famílias das experiências do
Éden. Comecemos pelo Adão que tem dois filhos: Caim e Abel, os quais são mais
conhecidos por Caim ter assassinado Abel por ciúmes com o consentimento do dito
criador. Além deste primeiro assassínio bíblico houve mais vivências cruéis, os irmãos
Jacob e Esaú, os filhos do casal Isaac e Rebeca, no primeiro cruzamento 174
extraterrestre com a linhagem terrestre.
 … Para penetrarmos nesse período da antiguidade-religiosa vamos ter de abordar a
descendência do terceiro filho do casal do Éden: «Adão volta a conhecer sua mulher, e
ela deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Set» (Génesis, 4, 25). Da descendência
174
Em biologia é o acto de reprodução sexuada ou produto dessa reprodução, ou seja, a união sexual de indivíduos de raças diferentes para melhoramento da espécie a que
pertencem.

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de Set, também filho de Adão e Eva, nasceu Enós, seguindo-se Cainan, Mahalalel,
Jered, Henoc, Metusalém e Lamec que teve o filho Noé, a personagem bíblica de que
nos vamos ocupar por agora. Lamec tinha 182 anos quanto nasceu o seu filho Noé.
Nessa altura disse: «Este nos consolará... por causa da terra que Deus amaldiçoou.»
(Génesis, 5, 29).
 … A última citação suscita duas dúvidas. Primeira: Como poderia o criador
amaldiçoar a terra que criou se é apregoado de bondade infinita! Segunda: Como
saberia o pai Lamec do que iria acontecer com o seu filho, depois de adulto, se Noé
construiu a arca passados 5 anos da morte de seu pai: «Era Noé da idade de
seiscentos anos quando o dilúvio das águas veio sobre a terra» (Génesis, 7, 6). Se
pensarmos que Noé teve conhecimento do afogamento da sua espécie e não a
preveniu, por causa da excessiva dedicação ao seu deus, compreendemos que o
fanatismo e o egoísmo religioso são perturbações mentais muito antigas, tal é a atitude
de Noé que traiu a humanidade para salvar uma pequena parte da sua família, o que
justifica conhecer melhor esta personagem: «Viveu Lamec, depois que gerou a Noé,
quinhentos e noventa e cinco anos; gerou filhos e filhas» (Génesis, 5, 30).
 … Caso esse extermínio bíblico suscite dúvidas recordam-se as grandes gerações
das duas mulheres de Lamec, a Ada e a Cila: «Jabal, filho de Ada e, Tubal-Caim, filho
de Cila» (vide livro Génesis, 4, 19-23). Na arca entrou Noé: «juntamente com ele seus
filhos Sem, Cam e Jafet, como também sua mulher e as três mulheres de seus filhos»
(Génesis, 7, 13). Sendo assim, o que terá acontecido à numerosa família da geração do
cobre e do ferro, descendentes de Cila e, os pastores, descendentes de Ada, os irmãos
e irmãs de Noé! Na falta de melhor explicação do texto dito sagrado todos foram
afogados no dilúvio.
 … O pai Lamec suspeitava que o filho ia participar numa violência exterminadora,
talvez deduzisse das constantes insurreições contra os que não concordavam com as
experiências dos celícolas. A certa altura: «os filhos de Deus viram que as filhas dos
homens eram formosas e tomaram para si as suas mulheres.» (Génesis, 6, 2). Uma
atitude inaceitável para espécies racionais e, de uma forma geral, rejeitada pelas
irracionais. Havendo filhos de Deus e filhos dos homens estamos perante duas
civilizações, já notado aquando da primeira criação e a segunda no jardim de Éden, os
ditos filhos de Deus, os gigantes da antiguidade-religiosa e os patriarcas que desde
Adão até a pouco mais do tempo de Noé viviam perto de 900 anos. Do que se entende
do texto do Génesis já havia cidades antes de Adão ter sido escolhido para cobaia, daí
a descrição sustentar a junção das duas espécies na Terra.
 … Avaliando pelo titubeante depoimento da dita mistura talvez o objectivo da
primeira expedição celícola esteja neste versículo: «Havia naqueles dias gigantes na
terra; e também depois, quando os filhos de Deus conheceram as filhas dos homens e
delas geraram filhos; estes eram valentes que houve na Antiguidade» (Génesis, 6, 4). O
aparecimento dos antigos gigantes poderá dever-se às condições do mundo das
remotas expedições, antes das apregoadas, as quais se misturaram com os autóctones
da Terra. Ainda hoje temos as tartarugas que chegam a durar 400 anos, os ditos filhos
de Deus talvez resultassem de um tipo de organização biológica semelhante. Contando
que isso não passasse de lendas, na verdade ambas as espécies fecundavam, o que é
importante reter, só mesmo os da própria conseguem realizar a natural maravilha da
reprodução.
 … Podemos imaginar a que nível se encontraria hoje o conhecimento humano se
pudesse contar com uma esperança de vida tão longa, mas esse não era o intuito
expedicionário, já que reduziu a longevidade do homem e, consequentemente, a sua
intelectualidade passou a 120 anos (vide Génesis, 6, 3). As expedições tinham de
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O outro deus
relatar as suas experiências quando regressassem ao seu mundo, mas os seus erros
atingiram proporções incontroláveis e a missão já não podia abortar, dessa forma terá
nascido a estratégia do dilúvio que aparece camuflada e simbolizada, só muito
atentamente se encontram algumas referências em quatro versículos no Texto Hebreu.
 … Os textos da Idade Antiga remetem para os primórdios da antiguidade-religiosa o
aparecimento de gigantes: «homens de grande estatura... descendentes dos Nephilim»
(Números, 13, 31-33), mas os historiadores sustentam que a palavra Nephilim é a
tradução para os homens que desceram dos céus. A ciência não prevê que tivesse
existido habitantes na Terra com uma longevidade de 700-900 anos, mas os escritores
do Génesis descreveram-nos, assim como a redução desse longevo. Portanto, o mais
provável é que tais gigantes resultam da dita fusão, ou seja, da espécie autóctone com
civilizações de outros mundos. Pode-se pensar num cenário, em que uma expedição
terá interferido no ADN humano. Algum domínio científico aponta para que o
cromossoma 4 seja o responsável pela longevidade do ser humano, como foi testado
num estudo e detectado em todas as pessoas que atingiram 90-100 anos de vida. Será
que os celícolas terão inserido e retirado esse cromossoma! Se o fizeram esqueceram
de mandar manuscrever ou inspirar: «os escritores sagrados para comporem as suas
obras... não dizerem nem mais nem menos.» (in Introdução – Inspiração da Sagrada
Escritura).
 … Perante mais um arrependimento que não foi descrito no texto consagrado
percebe-se que ficou muito por dizer, como afirma o autor do Evangelho de João sobre
a vivência de Jesus: «Há, porém, muitas outras coisas que Jesus fez; se cada uma, da
qual, fosse escrita, cuido que nem o mundo todo poderia conter os livros que se
escrevessem» (João, 21, 25). Sendo assim, não podemos excluir nenhuma das
possibilidades apontadas, os escritores não o souberam explicar nas suas narrações e
os seguidores não têm resposta esclarecedora. A espécie humana não foi agraciada
como se apregoa nos locais de culto, a não ser que se ignore o afogamento da
humanidade, justificado por erros de um demiurgo que se apregoa de omnipotente e
infalível, mas que retirou direitos adquiridos de longevidade quando se irritou: «O meu
espírito não permanecerá para sempre no homem, porquanto ele é carne, mas os seus
dias serão cento e vinte anos.» (Génesis, 6, 3).
 … Sendo os celícolas demiurgos rectos não prometiam ajuda apenas aos da sua
anuência, essa atitude é conhecida entre os humanos por egoísmo, mas os escritores
da antiguidade-religiosa designaram esse celipotente de infinitamente bondoso apesar
de castigar e expulsar uma espécie autóctone. Isto prova que o jardim paradisíaco era
uma farsa: «Destruirei o homem que criei sobre a face da terra, tanto o homem como o
animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de haver feito.» (Génesis,
6, 7). De que se queixaria se podia fazer uma espécie inofensiva e incorpórea, em vez
de má como alguns escritores a descreveram! A humanidade terá culpa de ser de
carne, desajeitada e sofredora, quando poderia viver nas fofas nuvens do Céu!
 … Os autores do Génesis descreveram o homem divinizado e as suas crueldades
contra a própria espécie. A esperança derradeira reside no Homem que “crie” a sua
própria criatura feliz, capacitada, sensível, tolerante e afável. Dificilmente repetirá os
erros do Supremo Criador Omnipotente, Imortal, Transcendente e Incorpóreo que se
arrependeu do que fez. A mancha de sangue humano estende-se pelo que se
consagrou, mas os celícolas enganaram os próprios aliados, desrespeitaram os códigos
ontológicos e perderam o controlo: «A terra está cheia de violência dos homens; eis que
os destruirei juntamente com a terra.» (Génesis, 6, 13).
 … A interpretação dos deícolas poderá ser diferente, mas que culpas teriam os
antepassados de não serem perfeitos! Afinal: «quem deu a boca ao homem? Quem faz
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O outro deus
o mudo, o surdo, o homem que vê o cego? Não sou eu, o Deus?» (Êxodo, 4, 11). Se o
objectivo era refinar a maturidade da espécie descambou contra ela, a prepotência
humana nunca foi tão notada como depois do dilúvio, o que revela a intromissão
indevida dos celícolas e dos seguidores que colocaram a Religião no insucesso da
Civilização. O dito criador não deveria censurar a «violência dos homens» quando a
extrema crueldade está vinculada às improcedentes experiências do jardim de Éden, ao
afogamento no dilúvio e outras barbaridades que recordo a seguir.
 … Os escritores do Génesis referem várias vezes os arrependimentos do criador,
sobretudo no que reconheceu fazer mal, mas as posições da linhagem são conhecidas:
«em Deus não há arrependimento nem mudança alguma» (comentário de rodapé, da
Bíblia Sagrada, 1964, Difusora Bíblica página 23-24). Os líderes actuais confrontam-se
com os dilemas da antiguidade-religiosa, cada vez lhes é mais difícil argumentar, de
forma racional, sobre as maldades expressas nos textos que consagraram. Não sabem
se as deverão considerar factos históricos ou imaginação literária, apuraram sete
centenas dos milhares de manuscritos da Idade Antiga, mas vacilam perante a
veracidade da sua própria escolha. É o caso de uma carta que foi publicada na Bíblia
Sagrada (Difusora Bíblica, 1964) e assinada pelo Reverendíssimo Padre M. de
Furstenberg (Núncio Apostólico 175 ) que descreve a certa altura: «É de todo o coração
que abençoo esta Obra.». Será que o zelo ou a paixão o deixou reflectir sobre a
crueldade do seu deus, afogador da espécie humana, mas que ele considerou uma
bênção! Eis um excerto da obra que assinou:
— «O dilúvio é-nos apresentado como castigo dos pecados dos homens. A narração é
algo antropomórfica ( 176 ): Deus aparece-nos como arrependido, de ter criado o homem,
mas sabemos que em Deus não há arrependimento nem mudança alguma.
Simplesmente, tendo-se os homens tornado maus, deixaram de ser merecedores da
amizade de Deus, para serem dignos do castigo. O dilúvio é um facto histórico, de que
o hagiógrafo podia ter tido conhecimento ou pela tradição primitiva (o que explica como
esta tradição se conservou em muitos povos, sem dependência uns dos outros) ou por
outros meios. Quando à época em que sucedeu não sabemos nada de concreto, mas
provavelmente nem tem nada que ver com os dilúvios das épocas geológicas. O texto
bíblico, porém, parece supor uma idade relativamente recente, talvez o período
neolítico. A extensão do dilúvio é ponto que não se pode averiguar. Certamente, porém,
a sua universalidade é relativa, isto é, alcançou apenas a terra habitada e, ainda que
com menor probabilidade, é possível que nem toda a terra habitada fosse atingida, mas
só aquela que o autor sagrado tinha em mente ao fazer a sua narração ( 177 ). Teriam
escapado algumas pessoas antediluvianas que vivessem fora da zona atingida e não
tivessem merecido esse castigo? É improvável, está fora do ensino da Tradição
eclesiástica ( 178 ), mas nada há de definitivo a tal respeito. A narração bíblica fala
primariamente de chuvas torrenciais como causa instrumental do dilúvio; mas não exclui
outras, antes, a referência às fontes do grande abismo parece indicar que o mar
também saiu do seu leito, ou por qualquer convulsão geológica ou por fusão dos
glaciares.». 179
 — Na tentativa de se explicar, religiosamente, o que racionalmente se descreveu na
Idade Antiga levou ao reforço da fé e da linhagem, mas desonrou-se a espécie. Lembra-
te Maurício que em causa estão mais de 5 mil anos de aparente ilusão por desmistificar,
os defensores criaram discursos artificiosamente articulados 180 , apoiando-se em

175
Embaixador do papa junto de um governo estrangeiro; embaixador da Santa Sé.
176
O mesmo que Antropomorfia: Semelhança com o homem, do ponto de vista morfológico; antropomorfismo, ou seja, a doutrina que atribui à divindade forma humana; estado
de espírito no qual o homem representa todos os seres à semelhança de si mesmo; tendência para considerar qualidades humanas nas coisas da natureza.
177
Terá sido inspirado: «a não errar e não dizer nem mais nem menos do que Ele queria que dissesse.» (Bíblia Sagrada, supracitada)!
178
Estará também fora do alcance científico!
179
Bíblia Sagrada, 1964, Difusora Bíblica página 23-24 (comentário de rodapé).
180
Os discursistas que arrebataram multidões nunca foram o que se esperava. Os discursos dos ditadores e tiranos históricos, como Hitler e outros, são a prova disso.

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O outro deus
dogmas de instituições aparatosas. As convicções são relativas ou mesmo ilusórias, a
verdade religiosa de hoje não será certamente a de amanhã.
 … As narrações da antiguidade-religiosa referem expedições de civilizações com um
grande poder celífero 181 , não para ajudar os autóctones da Terra mas para banir os
seus deuses primitivos, sobre os quais produziram prodígios belicosos para exterminar
quem resistisse. Estranha-se que o tenham feito, já que, no próprio interesse dos
celícolas, a relação com os aliados da Terra teria de ser estreita, é nessa perspectiva
que o dilúvio não terá acontecido como foi descrito, o que levanta fortes suspeitas sobre
outras histórias ditas sagradas. O dilúvio teve uma duração de 40 dias no texto
Yahveista, enquanto no Sacerdotal 150, a tragédia diluvial não parece provável. Desde
a 3ª dinastia de Ur, ou seja, há 4.100 anos, período que precede o Médio Império, 2.100
a.n.e., que não há ocorrências diluvianas nessas civilizações. Talvez o dito dilúvio não
passasse de uma invernia assoladora de cinco meses: «prevaleceram as águas sobre a
terra, cento e cinquenta dias.» (Génesis, 7, 24).
 … Os geógrafos explicam facilmente os antigos maremotos 182 , provavelmente o
dilúvio não passou de uma destruição maciça de autóctones à maneira devastadora
desses celícolas, sendo evidente que nem todos os autóctones morreram afogados. A
associação à catástrofe é uma característica dos respectivos escritores para
impressionador e intimidar, não faz sentido que um dilúvio arrase todos os viventes da
Terra quando o homem desendeusado ou crente de outros deuses foi o alvo a destruir.
 … Entre a primeira «criação» Yahveista e a segunda Elohista decorre um período de
quatro a três centenas de anos. Deduzindo-se que a rendição acontecia por períodos de
centenas de anos, entre a ausência de uma e o regresso de outra expedição, talvez se
devesse entender por «criação» o momento da chegada dos primeiros celícolas ao
nosso planeta, o que não coincide com o exemplificado no gráfico-1 supracitado. Na
posse dos elementos disponíveis e partindo do momento em que a religião judaica
conta o tempo, talvez possamos organizar as datas implícitas e descritas. Sendo que o
texto consagrado adverte para uma decorrência de 1556 anos entre o encerrar do Éden
ao dilúvio e, no ano 2000 a comunidade judaica contava 5761 anos depois da criação,
permite-nos a seguinte reflexão.
Tempo ocorrido entre o encerrar do Éden e o dilúvio 1556 anos;
Tempo ocorrido desde o dilúvio 4205;
Tempo ocorrido desde a criação, contado pela comunidade judaica até ao ano 2000,
5761 anos.
 Feitas as contas o dilúvio teria ocorrido no ano 2204 antes da Era cristã, mas nesse
período e nas cidades dessas regiões não há registos de cataclismos semelhantes. O
mais provável foi terem engendrado tudo para alimentar os intentos celícolas e a
continuidade da linhagem. Os escritos consagrados representam lendas e não factos,
pelo que a única herança deve ser respeitada e não adorada em culto de latria.
… Os impérios da fé usurparam a maior parte do património literário da antiguidade-
religiosa. O que chegou à nossa época não elucida os leitores das atrocidades que
teriam infundido à nossa espécie por esta se ter rebelado e protegido. Calcula-se que
não lhes terá sido fácil resistir às manipulações genéticas e transformações físicas que
foram efectuadas pelos celícolas, através das experiências do jardim de Éden e da
barbárie diluvial, culminando no extermínio da dita peregrinação do deserto. Não havia
força tecnológica nem cultura social suficientes mas, apesar das incalculáveis baixas
sofridas, alguns superaram a expectativa e conseguiram moderar essa ira obsidente.

181
Poder celífluo que suporta o céu; que leva ao céu; que sustenta o céu sobre si.
182
Agitação marítima por vibrações sísmicas, erupções vulcânicas ou fenómenos de abatimento do fundo do mar que originam ondas solitárias devastadoras do litoral.

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O outro deus
 … Vejamos como se formaram esses grupos primitivos, observando os mecanismos
actuais. Sabemos que as novas tecnologias, nomeadamente as cinematográficas,
permitem a realização de obras de ficção tão próximas da realidade que confundem
muitos dos espectadores. Aplicadas de forma intencional podem tornar-se convincentes
e apaixonar excessivamente, sobretudo quando exibidas nos meios culturais. No filme
“A Arca de Noé” verifica-se que a personagem mediadora, na destruição de Sodoma,
não é a de Abraão que no texto do Génesis tentou evitar essa desgraça sem sucesso,
ao advertir Elohim: «Longe de ti, semelhante pensamento! O juiz de toda a terra não
fará justiça?» (Génesis, 18, 20-29).
 … As obras de ficção atingiram altos níveis de perfeição e têm levado muitas
pessoas a não reconhecerem onde começa e acaba a realidade. Dirigida a factos
históricos a fantasia pode ser mal entendida e levar os mais susceptíveis a materializar
a ilusão. A predisposição para se crer não é propriamente um acto voluntário, por vezes
é um sentimento perturbador, segundo os especialistas. O discurso social tenta
demonstrar que não quer a violência, mas consagra-a quando é procedente da
personagem que designa por criador. A historicidade sagrada não deixa dúvidas, a
garantia desta observância está no citado apólogo cinematográfico, em que havia uma
missão para exterminar os insurrectos de Sodoma e Gomorra. O realizador simula o
que assolou os povos das míticas cidades, a intenção seria centrar a imaginação nos
antepassados que pecaram, mas os textos que os descrevem revelam um carácter
firme na defesa de valores da espécie, não propriamente religiosos, ainda que lhes
restasse a exterminação. Sendo a sua causa séria e profunda talvez um dia venham a
ser lembrados, não como maus e contra Deus, mas defensores da sua espécie e da
liberdade no seu planeta.
 … Os amantes da cinefilia talvez tivessem visto o dito filme, provavelmente
estranharam o papel de Noé na personagem que defendia os homens de Sodoma do
intimidante celícola. Certamente não viram diabos nem anjos a defender os pobres
terrestres que lutavam pela defesa da sua espécie, perfeitamente perceptível nas
palavras generosas do rei de Sodoma quando disse a Abraão: «Dá-me a mim as
pessoas e toma os bens para ti.» (Génesis, 14, 21). Porém, não foi o filme que trouxe
as guerras à vivência terrestre, mas o discurso de manter a chama da paixão
transcendental ainda ilude os menos atentos. As histórias do patriarca Noé no dilúvio e
a de Abraão na destruição de Sodoma e Gomorra são bem distintas. Em defesa da
casta, quatro dos casais seleccionados: Noé, sua mulher, seus três filhos, Sem, Cam,
Jafet e respectivas mulheres partem para as experiências celícolas agora no mar.
 … O autor do Génesis descreve a entrada de todos os animais na arca de Noé:
«segundo a sua espécie» (Génesis, 7, 14). Conhecidas as medidas dessa embarcação
a família Noé deverá ter tido muita dificuldade em recolher um casal de dinossáurios,
nomeadamente a espécie Braquiossauro, mas foi poupada ao embaraço, o escritor
detalha a construção da arca mas nenhuma data acima de seis milénios. Logo, essas e
outras espécies corpulentas não teriam passeado pelos corredores da dita, dado se
terem extinguido há 65 milhões de anos. O primeiro plano dos celícolas foi seriamente
estorvado, não se concluindo com sucesso parte do objectivo experiencial, o que levou
a que escolhessem o mar, um local mais seguro para as novas experiências do que não
fora o jardim de Éden. Sem movimentações de naves estagiárias, onde se infiltravam os
espiões traidores como a dita serpente e longe da curiosidade feminina que tinha feito
abortar o projecto de Éden há 1556 anos, uma tripulação discreta de celícolas faz partir
uma família terrena, seleccionada e atemorizada com uma provisão extensa de animais,
à qual é transmitido que o dilúvio iria afogar todos os restantes viventes da Terra.

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O outro deus
 … Como todas as histórias dos textos consagrados, esta sofre de ambiguidade
aguda, não foram mencionadas as aves que a inundação não incomodara, nem os
animais que se deveriam sentir como peixes na água. Se a tragédia do dilúvio fosse
verdadeira a humanidade teria sofrido a maior vingança divina há pouco mais de 4200
anos, mas Noé não poderia ser ilibado desse crime universal. Imagine que o seu líder
espiritual lhe mandava construir uma embarcação recheada de provisões para ser
lançada no alto mar e, para o encorajar a entrar atemorizava-o com o afogamento de
todos os habitantes do seu planeta, incluindo os amigos e quase toda a sua família.
Será que preparava uma grande festa, sacrificava alguns dos animais que entraram e
ergueria um templo para comemorar!
 … Nenhum escritor da antiguidade-religiosa descreveu Noé a informar alguém, além
dos seus três filhos e as respectivas mulheres. À excepção dos que foram
enclausurados na dita arca nenhum vivente escapou ao dilúvio. Ora, para histórias
improváveis temos respostas prováveis, não faz sentido o dilúvio nem a destruição das
cidades de Sodoma e Gomorra por esses habitantes serem defensores da própria
espécie. Na mais avançada socialização, a democracia, os homens reivindicam os seus
ideais e direitos de cidadania, será que devemos exterminá-los como o dito criador que
tentou e não conseguiu!
 … Ao pisarem a terra firme os sobreviventes da arca de Noé pensavam ter
reconquistado o paraíso na Terra e que todo o mal teria ido com o dilúvio, mas a
violência veio com estas primeiras palavras: «Sejais o terror de todos os animais e das
aves» (Génesis, 9, 2). O excerto citado revela quem anda à deriva desde a arca
flutuante que o autor do Génesis descreveu. Os que se reconhecem nesses textos não
podem ser amigos da sua espécie nem dos outros animais, a menos que erradiquem o
versículo supra-mencionado.
 … De forma seriamente científica comprova-se que a vida de todos os viventes
nunca foi fácil, a sua existência é o fruto do seu sucesso na precariedade natural.
Portanto, não faz sentido que um deus tire a vida aos viventes quando não a deu nem
favoreceu capazmente e de forma imparcial. No período que segue ao dilúvio Noé terá
sido o único líder de um reduzido número familiar sobre o planeta, o primeiro navegador
engrandecido pela destruição de todo o ser vivo. Ao sair da arca mandou edificar um
altar e sobre ele sacrificou algumas espécies, fazendo: «o Senhor sentir o cheiro
suave» (Génesis, 8, 21).
 … Os defensores da linhagem apoiam todas as crueldades descritas, não faria
sentido que rejeitassem uma palavra do texto que consideram infalível e escrito ou
inspirado pelo criador. Os novos crentes parecem em melhor condição de optar pelo
deus que herdaram desses textos e o novo que apregoam, talvez por isso alguns
tenham afirmado que essa paixão violenta disciplinou o Homem. A ideia não parece
desapropriada, avaliando pelas barbaridades que se cometem em nome dessa crença e
à custa desse sacrifício inusitado. Afinal, foram sacrificadas espécies, embora não se
saiba quantas e quais. Serão os mesmos animais que embarcaram na arca, antes do
dilúvio! Entraram: «dois de cada espécie... macho e fêmea» (Génesis, 6, 19). Se Noé
não sacrificou nenhuma espécie da arca é porque havia mais animais no planeta, o que
leva a pensar que muitos não embarcaram e não foram mortos, principalmente os que
viviam no ar e no mar. A descrição do escritor do Génesis: «Destruirei desde o homem
ao animal» é absolutamente incipiente. No entanto, respeitável, atendendo à época.
 … Os aliados foram subjugados pelos expedicionários, tornaram-se as suas cobaias
submissas e não puderam evitar as alianças, reconhecidas de cruéis pelos próprios:
«Estabeleço o meu pacto convosco; não mais será destruída toda a carne pelas águas

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O outro deus
do dilúvio, não haverá mais dilúvio para destruir a terra.» (Génesis, 9, 11).
Arrependimento insano e tardio porque a macabra experiência já estava concretizada
contra a inferioridade intelectual dos terrestres. Não os podemos culpabilizar por
aderirem a esses pactos falsos e artificiosos, propagandeados pelas civilizações
proponentes que não cumpriram com as suas promessas, os dilúvios vão persistir em
assolar a nossa espécie e a todos os viventes terrestres até que sejamos nós e não os
ditos deuses a entender e a evitar as catástrofes.
 … A astúcia dos celícolas lograva com a insipiência dos nossos antepassados,
assegurando-lhes que um sinal funcionava como a chave da aliança: «O meu arco está
posto nas nuvens; este será por sinal da aliança entre mim e a terra.» (Génesis, 9, 13).
O autor refere-se ao arco-íris, mas a quem terá servido o tão apregoado sinal se os
terrestres continuam a morrer afogadas e enterradas em água e lama! Repare: «entre
mim e a terra» simboliza a Terra, os expedicionários dirigiam os seus comentários aos
habitantes deste planeta, não a outro; portanto, o que aconteceu na descrição da
criação e no dilúvio não era dirigido ao Universo, como tentam fazer crer os teístas. A
influência dos celícolas sobre os sobreviventes do dilúvio levou a que a linhagem os
subjugasse e lhes mentisse. Se nos recordarmos da descrição do Reverendíssimo
Padre M. de Furstenberg, quando tentou explicar o dilúvio de forma desigual à dos
textos consagrados, concluiremos que essa tragédia se deu na Terra e não na Lua, em
Marte, etc.
 … Não havendo argumento plausível para a ilusão que o teísmo sustenta, talvez a
altura seja boa para que voltem a mudar o discurso, já que a aliança foi totalmente
ignorada pela parte proponente. O dito sinal ainda aparece e os dilúvios também, a
maioria das crianças já sabe o que representa e como se apresenta aos seus olhos,
através do reflexo das pequenas gotas de água que atiram ao ar. As nuvens não são
necessárias para que esse sinal ligue a terra ao céu, em qualquer lugar e a todo o
momento podem reproduzir a descrição do autor do Génesis. O compromisso dos
expedicionários era falso, o dito arco-íris apenas podia ser colocado nas nuvens, talvez
o objectivo fosse impressionar os autóctones na sua insipiência. Sem uma prova
adequada à inteligência do nosso tempo leva-nos a admitir que os extraterrestres
agiram de má fé, abusando da ignorância natural dos terrestres dessa época.
 … Nenhum mistério descrito nos textos consagrados ficou por desmistificar, se
algum reside na imaginação dos seguidores é porque não se pode esperar melhor de
quem aceita, como bênção, a crueldade diluvial, talvez a única forma de resolverem a
problemática das gerações dos filhos dos ditos deuses e dos homens, tal como apagar
as dúvidas dos escritores da Idade Antiga. Inexplicável é a intolerância depois de
afogada a humanidade, já que eram os únicos sobreviventes que recebiam conselhos
dos celícolas, mas a próxima história bíblica revela bem essa paixão incontrolável:
— Noé plantou uma vinha e um dia embebedou-se. No meio da sua tenda despiu-se e o
seu filho Cam, pai de Canaan, viu a nudez de seu pai e foi contar aos seus irmãos que
estavam fora da tenda. Tinha decorrido pouco tempo, depois que Adão e Eva
descobriram que estavam nus, mas vejam o que aconteceu. Os irmãos Sem e Jafet
aproximaram-se, de costas para seu pai, cobrindo a sua nudez com uma capa. Quando
Noé despertou da embriaguez e soube do que o seu filho Cam lhe fizera, disse de
imediato: «Maldito seja Canaan; servo dos servos seja aos seus irmãos.» (Génesis, 9,
25). Esta atitude estranha e imprópria, provinda de um patriarca da casta seleccionada,
acabou por castigar um inocente e não o seu filho Cam, ainda que não devesse ser
castigado por tão pouco. Os Patriarcas dessa altura ainda não previam os direitos dos
homens e muito menos os das crianças. O resultado foi mais uma vítima, desta vez o
seu neto, quando o texto dito sagrado nem tão pouco informa se estava presente, mas

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que acabou por receber este humilhante castigo, a escravidão. Afinal, quem poderá
evitar de ver a nudez de quem indevidamente se embriaga dentro de casa e,
inadequadamente, se despe! Poderá o gesto natural do olhar merecer tamanho castigo!
Foi neste elenco que Noé ordenou ao seu neto Canaan que fosse escravo de seu filho
Jafet, porque era prática comum nos líderes político-religiosos como iremos poder
observar noutras citações. Por agora ficamos com a primeira lição do patriarca que foi
seleccionado, depois de todos os viventes da Terra terem sido afogados.
 … Na sequência da destruição de cidades e da exterminação dos habitantes por se
rebelarem contra as experiências dos celícolas, assim como das misteriosas histórias
familiares, em que os principais casais eram estéreis mas tinham filhos por milagre,
vamo-nos situar no tempo da geração de Sem, um dos filhos de Noé, de onde sai Taré
que gerou Abraão na terra dos caldeus. Da mesma geração surge uma bonita mulher, à
qual chamaram Sarai e depois Sara 183 , sobre a qual disse Abraão: «ela é realmente
minha irmã, filha de meu pai, ainda que não de minha mãe, e veio a ser minha mulher»
(Génesis, 20, 12).
 … Taré parte com a família para as terras de Canaan 184 e habitaram em Harân.
Passado algum tempo Taré morreu, Abraão faz 75 anos e os celícolas voltaram ao
planeta para o incitar a partir com a Sara e seu sobrinho Lot: «Sai-te da tua terra e da
casa de teu pai para a terra que te mostrarei» (Génesis, 12, 1 e 2). Abraão foi instalado
numa zona estratégica, hostil à sua evangelização (doutrina expedicionária). Para o
encorajar todo o apoio militar lhe foi prometido: «Abençoarei os que te abençoarem e
amaldiçoarei os que te amaldiçoarem» (Génesis, 12, 3).
 … O sentido das palavras abençoar 185 e amaldiçoar 186 talvez fosse diferente no
tempo dos celícolas. Na descrição em que o criador reconheceu que errou, na forma
como fez a Terra, o homem e a violência que lhe ensinou, tratava-se de uma ditadura
da pior espécie, só um militar sem escrúpulos violaria os direitos básicos dos humanos
ao dar tal ordem a um subordinado. O pregão citado não encaixa nas famílias da Terra,
muitas ainda vivem miseravelmente infelizes e para lá dos limites da pobreza.
 … Entretanto, Abraão chega a Siquém e edificou um altar ao líder celícola que lhe
disse: «À tua descendência darei esta terra.» (Génesis, 12, 7). O Lot, sobrinho de
Abraão, também foi enriquecido pelo espólio que era atribuído à liderança da linhagem,
por isso: «Lot e Abraão eram muito ricos em gado, em prata e em ouro» (Génesis, 13,
2). Os expedicionários celícolas perceberam que os líderes da progénie se
vangloriavam com o poder e os bens materiais, por isso usurparam as terras dos
cananeus para as dar como prémio aos defensores das suas experiências. Essa
intromissão profana foi desastrosa para os autóctones do planeta, contra a qual ainda
se erguem sofrendo extermínios devastadores.
 … Ambos líderes de povos e com uma riqueza incalculável, para altura, tiveram de
se separar para outras regiões. Na conveniência da linhagem escolheram as margens
do Jordão, mas quem mandava neste planeta eram as expedições dos celícolas que
lhes mostraram as terras por onde deveriam peregrinar, sendo que Abraão se mudou
para: «os carvalhos de Moré, junto a Hebron» (Génesis, 13, 18). Não foi por acaso que
o colocaram nessa região, onde já habitavam os cananeus: «homens de Sodoma que
eram maus e grandes pecadores contra Deus.» (Génesis, 13, 13). Nunca é demais
recordar a abnegação 187 de quem foi acusado de governar homens maus, mas que

183
Por uma questão de boa leitura chamemos Sara a esta personagem. Oportunamente, o leitor irá tomar conhecimento de que Sara se chamava Sarai.
184
Os filhos de Noé que saíram da arca foram Sem, Cam e Jafet. Cam é o pai de Canaan.
185
Forte sentido de protecção.
186
Lançar a maldição sobre alguém, ou seja: abominar, condenar, castigar e anatematizar.
187
Total desprendimento do próprio interesse que renúncia à própria vontade ou aos bens materiais.

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O outro deus
profere palavras tão nobres a quem lhe destruiu as cidades: «Dá-me a mim as pessoas
e toma os bens para ti.» (Génesis, 14, 21).
 … Com a chegada de poderosos defensores dos celícolas a essas terras rebenta a
guerra entre os povos circunvizinhos, envolvendo todos os reis da região que levaram:
«Lot que habitava em Sodoma... Ouvindo, pois, Abraão que seu irmão estava preso
levou os seus homens treinados, nascidos em sua casa, em número de trezentos e
dezoito, e perseguiu os reis até Dan» (Génesis, 14, 12-14). A seguir veio o auxílio militar
celífluo através dos sonhos de Abraão: «… eu sou o teu escudo, o teu grandíssimo
galardão.» (Génesis, 15, 1). O exército celícola entra em acção para ajudar a linhagem
e Abraão trouxe de volta: «Lot, todos os seus bens e o povo capturado.» (Génesis, 14,
16).
 … Num dia de muito sol Abraão estava sentado à porta da sua cabana quando: «viu
três homens de pé em frente dele... Prostrou-se na terra e disse: Meu Senhor 188 »
(Génesis, 18, 2-3). Ora, no Evangelho de João nunca ninguém viu Deus. Afinal, quem
se terá envolvido em sessões de macumba 189 , como se depreende desse êxtase, onde
não faltou hipnose, provavelmente droga, sangue derramado, carne amontoada e aves
que esvoaçavam em direcção à tocha de fumaça! Quem eram esses visitantes famintos
e devoradores de animais, hoje evocados de deuses 190 e anjos incorpóreos, quando
demonstraram um desfastio incrível nas patuscadas terrestres! Vejamos: «Toma-me
uma bezerra de três anos, uma cabra de três anos, um carneiro de três anos e uma rola
e um pombinho… Pondo-se o sol, um sono profundo caiu sobre Abraão… e eis um
forno de fumaça» (Génesis, 15, 9-12 e 17).
 … A narração deixa notar a introdução de um processo anestesiante em Abraão,
através da alimentação no festim e disfarçado numa sessão de falsa magia. Na altura
ninguém saberia apreciar o ilusionismo por causa da crença e só uma acção avançada
de terapia poderia desprover Abraão do pleno uso da sua faculdade mental, já que era
conhecida a sua reputação defensora, contra o seu senhor, desde a destruição da
cidade de Sodoma.
 … Os novos crentes apregoam o seu deus como único e incorpóreo, mas os
escritores da antiguidade-religiosa descreveram os celícolas no plural, como seres
corpóreos que comiam e bebiam à semelhança dos viventes da Terra, tal como na visita
dos três homens a Abraão, em que não faltou: «queijo fresco e leite, o bezerro que
mandara preparar, ficando em pé ao lado deles debaixo da árvore, enquanto comiam.»
(Génesis 18, 1-8).
 … No decorrer dessas sessões, só igualáveis em hipnopedia 191 , aconteciam
prevaricações adversas, e satisfazer o desejo de Abraão em ter um filho não fugiu à
regra: «Sara não lhe dava filhos... mas tinha uma serva egípcia de nome Agar e diz ao
Patriarca: Deus me tem impedido de dar à luz; toma, pois, a minha serva e terei filhos
por meio dela.» (Génesis, 16, 1-2). As vítimas da linhagem não arriscavam em reagir,
mas neste caso uma cena de ciúmes tornou-se inevitável, a serva Agar caiu em si e
foge impulsivamente ao reflectir no que lhe aconteceu. Os expedicionários, ditos
anjos 192 , atentos às reacções naturais dos humanos apareceram no caminho e
seduziram-na 193 à humilhação perante a sua senhora Sara, relembrando que do seu
ventre também se iria multiplicar uma casta (interpretação do texto Génesis, 16, 6-10).

188
Os patriarcas da antiguidade-religiosa chamavam Senhor a todos os líderes expedicionários: Deus, Yahveh, Elohim, YHVH, etc.
189
Cerimónia de cariz feiticista e com certa influência cristã, acompanhada de cantos e danças ao som do tambor, a qual se pensa que teve origem no Brasil.
190
Nos encontros imediatos de 1º grau Abraão tratava os visitantes celícolas por «Senhor», provavelmente dirigia-se ao chefe ou ao comandante astronauta.
191
Método de efeito duvidoso, exercido no decurso do sono.
192
No conceito religionário os anjos são imaginados como criaturas que vivem com Deus, talvez por isso nunca puderam ajudar a humanidade e sim os celícolas.
193
Enganar; corromper por meio de sedução; subornar; fascinar: atrair, etc.

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O outro deus
 … Na antiguidade-religiosa o homem casado não podia cometer o adultério com as
servas: «Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem a serva» (Deuteronómio, 5, 21).
Os mandamentos sagrados puniam-no com o casamento e as mulheres eram
enterradas até ao pescoço para serem apedrejadas até à morte. O caso da jovem
egípcia é muito estranho, já que nem a sua idade foi revelada. Seria uma menor e terá
sido violada! Sobre o vazio narrativo dessa escrita não havia contemplações para a
infidelidade das mulheres, na sua integridade física e intelectual, mas a descrição
privilegiou uma excepção para Sara. Agar teve esse filho e nenhum escritor aludiu à
manifestação de agrado da serviçal, mas enalteceram veementemente esse ritual
celífluo de reprodução: «Era Abraão da idade de oitenta e seis anos quando Agar deu à
luz Ismael.» (Génesis, 16, 16).
 … Na espécie humana não é normal que uma jovem se sinta atraída por um idoso,
principalmente quando o objectivo é ter um filho de um pai com cerca de 90 anos.
Talvez Agar fosse seduzida por meios não congénitos, pelos quais Abraão vê satisfeita
a vontade impulsiva de ter um filho. Sem esclarecimento para tão estranha reprodução
o escritor realça a confiança da expedição pela descendência do Povo Eleito a Abraão,
mas é evidente que a linhagem não provém da infecunda Sara, tanto mais que nenhum
elemento da expedição lhe dirigiu a palavra, a não ser para perguntar ao Abraão: «onde
está Sara, tua mulher? Ele disse: aí na tenda.» (Génesis, 18, 1-9).
 … O desejo de dar um filho a Abraão, ainda que da forma menos adequada,
precipitou Sara a permitir o adultério de Abraão com a serva Agar, mas não era aquele
filho que os celícolas pretendiam no final das suas experiências e sim a introdução de
um outro ramo genealógico na linhagem, através da inseminação numa mulher da
Terra. No texto do Génesis é revelado o filho misterioso dos dois velhotes, uma criança
chamada Isaac que não era natural deste planeta, conforme se entenderá em: “A
Experiência homicida de Deus em Moriah”, em que ficou claro de que os celícolas o
pretendiam entregar na Terra a tutores de confiança. Ismael nasceu para acalmar
Abraão do impulso de ter um filho, os intentos dos celícolas era a fusão de uma espécie
extraterrestre na terrestre. O objectivo foi conseguido, a confirmar está o facto de o dito
criador ter consentido que Caim matasse Abel, ser aceite Isaac quando havia o Ismael,
filho de Abraão, e os seus cinco filhos com Quetura depois da morte de Sara.
 … A humanidade já se encontrava na redução dos 120 anos de longevidade, pelo
que se poderá considerar Abraão muito idoso, mas isso não constituiu problema, Ismael
nasceu e a expedição prepara Abraão para amar outro filho, o qual deveria ser
considerado o seu único filho. Abraão mostra-se relutante com a nova proposta e insiste
para que o chefe celícola aceite o seu filho natural: «Oxalá Ismael possa viver diante de
ti!» (Génesis, 17, 18). Não obteve a resposta que desejava porque a linhagem sofria a
sua maior transformação: «Deus respondeu a Abraão: Na verdade, Sara, tua mulher, te
dará à luz um filho, e lhe chamarás Isaac; com ele estabelecerei o meu pacto perpétuo
para a sua descendência... Quanto a Ismael... multiplicá-lo-ei extremamente, numa
grande nação... O meu pacto, porém, será estabelecido com Isaac, o filho que Sara te
dará à luz no ano vindouro» (Génesis, 17, 19-21).
 … Nos planos dos celícolas estavam ausentes os sentimentos da nossa espécie,
nem tão pouco sabiam onde nos haviam de encontrar. Nota-se desde o jardim de Éden,
quando perguntaram por Sara para lhe dizer que ia ter um filho de Abraão, o que a fez
rir de espanto: «Terei deleite depois de haver envelhecido, sendo também o meu
homem já velho? (génesis, 18, 12). Os três homens, ditos anjos, ficaram admirados:
«porque ria Sara se a Deus tudo era possível» (Génesis, 18, 13-14). Outros escritores o
descreveram: «Eu sou Deus... acaso há alguma coisa difícil para mim?» (Jeremias, 32,
27). Na verdade o dito demiurgo não demonstrou capacidades omnipotentes e

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omnipresentes, mas os escritores dos impérios da fé não tinham por missão transmitir
factos e sim o mistério que chegou até nós, Sara teve um filho no próximo ano, embora
há muito não pudesse procriar e o seu homem ser demasiado velho.
 … Abraão insistiu para ser aceite o seu filho Ismael, mas o Isaac 194 nasceu
conforme foi projectado pelos celícolas. A linhagem decorria da violência do Éden e
propagou-se por séculos e milénios, dividindo e hostilizando os povos. Os pré-
hebreus 195 acabaram aprisionados na tecnologia dos celícolas, um fascínio que
transmitiram às sucessivas gerações, submetendo-as aos caprichos de várias
expedições. Os ismaelitas 196 foram bafejados com um presente envenenado: «Ismael
será como um jumento selvagem entre os homens; a sua mão será contra todos e a
mão de todos contra ele.» (Génesis, 16, 12).
 … Entretanto, o festim dos celícolas continuava nos aposentos de Abraão, abundava
o queijo, o leite fresco e um bezerro quase devorado, mas o plano dos celícolas era
convencer o Abraão a aceitar Isaac como o seu único filho. Saciados da comida farta e
os objectivos conseguidos, a inquietação do anfitrião manifesta-se, mas a expedição já
tinha ditado as regras e as excepções, o proferido era o Isaac e não o filho da serva
Agar. Incitado pela ingestão do vinho saboroso e do vitelo suculento Abraão exterioriza
a coragem de um pai desinibido e volta a abordar a questão, mas tudo estava decidido,
apenas lhe é permitido dirigir-se ao chefe celícola que lhe reactiva a hipnosia, o que o
deixa suficientemente contente para esquecer a troca dos filhos: «eis que agora me
atrevi a falar com o «Senhor», ainda que sou pó e cinza.» (Génesis, 18, 28).
 … São conhecidas essas e outras reacções quando os mais fracos se têm de
submeter aos intelectualmente mais fortes, a frase de Abraão: «sou pó e cinza»,
totalmente fora de contexto e só conhecida alguns milénios mais tarde prova essa
diferença abismal. Se houvesse consenso e lealdade não constavam tantas crueldades
na acta desse pacto injusto, os antepassados não se prostravam para os celícolas mas
sim para defender os interesses da sua espécie. A insipiência natural dos autóctones foi
aproveitada em favor da expedição que intimidava em tons ameaçadores, como ao
escorraçar do paraíso Adão e Eva: «No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te
tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás.»
(Génesis, 3, 19).
 … Abraão estava controlado e as exigências da expedição sucedem-se por
processos semelhantes à hipnóide 197 , o dia do primeiro cruzamento genético terrestre e
extraterrestre chegou, assim como o maior festim terreal e celígeno para o comemorar.
Os convidados voltam a reunir e começa uma nova sessão: «porei a minha aliança
entre mim e ti, e te multiplicarei sobremaneira.» (Génesis, 17, 2). O leitor deverá ter
notado a constante insistência do aumento populacional, mas repare que está restrito à
casta da liderança de Abraão. O texto do Génesis refere que muitos dos autóctones
foram afogados no dilúvio e exterminados nas suas cidades, os celícolas limitavam-se a
combater as últimas bolsas de resistência.
 … O patriarca não estava em condições de reagir e prostrou-se no chão, ouvindo e
obedecendo incondicionalmente ao seu senhor: «eis a minha aliança contigo: Serás pai
de muitas nações, e não se chamará mais o teu nome Abrão 198 , mas Abraão será o teu
nome» (Génesis, 17, 2-5). Nenhum outro escritor mencionou a mudança de nome,
talvez se tratasse de planos complexos que não estavam ao alcance dos aliados, mas
uma nova e diferente vida extraterrestre começava na Terra, o que terá levado a

194
Na interpretação do autor, Isaac não era filho de Abraão, mas sim a primeira semente que fora introduzida na espécie humana, da qual resulta a presente linhagem religiosa.
195
Povo primitivo da Judeia.
196
Descendentes de Ismael, filho de Abraão; relativo à tribo de Ismael; árabe.
197
Estado intermediário entre a vigília e o sono, caracterizado por atenuação da intensidade da percepção dos processos intelectuais e obscurecimento da consciência.
198
Até a esta altura Abraão era chamado de Abrão.

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expedição a criar esse simbolismo, mudando o nome de Abrão para Abraão e Sarai 199
para Sara.
 … A expedição reordena a Abraão para reposicionar os seus exércitos em lugares
estratégicos, os crentes de outros deuses tinham de ser totalmente esmagados. Aonde
o seu grupo chegava havia revoltas, algumas fizeram recuar o patriarca que
preconizava uma doutrina inaceitável para os autóctones que varias vezes o tentaram
matar, sendo obrigado a partir para o Egipto com a Sara que receava essa incursão, por
isso foi obrigada a fazer-se passar por irmã de Abraão mas, sendo «muito bela», o
Faraó 200 não resistiu em a requisitar para o seu harém. Talvez a estratégia fosse gerar
perigosidade para enfraquecer o inimigo, Abraão protestou na qualidade de irmão e foi
bem sucedido com a espoliação que incluía: «muito gado, jumentos, escravos, servos,
mulas e camelos» (Génesis, 12, 16).
 … Os celícolas estavam mal adaptados ao nosso planeta, para viverem teriam de
ausentar-se periodicamente para os seus mundos e deixavam as suas experiências em
acelerada mudança. O desenvolvimento da linhagem não podia ser perturbado nessas
ausências, pelo que incutiram uma paixão violenta nos líderes aliados, controlando-os
pelos aparelhos discretos de transmissão nos locais de culto 201 , assim como pela
hipnosia 202 e sinais como o da carne: «À idade de oito dias todo o varão entre vós será
circuncidado, por todas as vossas gerações... o meu pacto estará na vossa carne como
aliança perpétua. O homem não circuncidado no prepúcio será extirpado do seu povo
porque quebrou a minha aliança» (Génesis, 12, 13-14). As viagens e as constantes
alertas foram relatadas à progénie: «Que todo o homem entre vós seja circuncidado...
isto será por sinal da aliança entre mim e vós.» (Génesis, 17, 10-11).
 … Os avanços das experiências eram consideráveis, perder tudo seria um grande
desastre para a expedição que traçou um quadro implacável contra os não pactuantes.
Repare-se na palavra extirpar 203 , inconfundível para os considerados revoltosos e
levada à prática na peregrinação da terra prometida, conforme narra o escritor do
Êxodo. Não podia haver misturas entre o dito povoléu e os aliados da progénie, caso
contrário teria de haver outro dilúvio para renovação da linhagem. Estranha-se que a
civilização actual rejeite o racismo e o apartheid 204 quando apoia as doutrinas que
dividiram os autóctones da Terra, com a agravante de saber que essas personagens
foram enganadas.
 … Abraão não compreendia os novos prodígios e riu ironicamente: «nascerá um
filho de um homem de cem anos? Dará à luz Sara da idade de noventa anos?»
(Génesis, 17, 17). Essa força de expressão é bastante esclarecedora de que Abraão
nunca poderia ter pedido um filho à expedição, como já foi observado anteriormente;
portanto, tudo lhe foi imposto, inclusive a benesse de Ismael para criar muitas nações
que ainda servem para exercitar a beligerância da progénie. Nos anuários do
etnocentrismo ficou registado o primeiro acasalamento da espécie terrestre com a
extraterrestre: «Sara dá-te um filho a que chamarás Isaac, com a sua descendência
estabelecerei a minha aliança perpétua.» (Génesis, 17, 19).
 … Penetrámos no limiar do êxtase dos líderes da antiguidade-religiosa,
intermediários entre o planeta e o dito além, cujo arrebatamento não foi muito diferente
do estado extático de alguns povos de hoje que por vezes excedem o arroubo
patológico. Abraão não foi excepção, ouvia vozes e fez sofrer a sua numerosa família e

199
Até a esta altura a Sara era chamada de Sarai.
200
Título dos antigos soberanos do Egipto.
201
No capítulo “Josué: O maior guerreiro de Deus” encontramos esses equipamentos nos rituais: «buzinas de chifres de carneiro» e a «arca do Senhor.» (Josué, 6, 6).
202
Sono artificial provocado por um medicamento ou por manobras de sugestão.
203
O sentido é destruir e exterminar.
204
Palavra africanista que significa separação de raças, a qual ainda recentemente era praticada na África do Sul.

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O outro deus
os seguidores. Enquanto hoje se recorre à consulta médica especializada, no seu
tempo essa sintomatologia era uma bênção dos céus. Contudo, foi o único que tentou
persuadir os celícolas na destruição de Sodoma e Gomorra, por nessas cidades se
abrigarem crentes de outros deuses.
 … Abraão alertou os celícolas para não levarem por diante essa carnificina e
implorou piedade pelos crentes que lá viviam, mas essas criaturas não partilharam da
sua opinião: «se achares lá cinquenta justos 205 não destruiremos esse lugar por causa
deles» (Génesis, 18, 26). Abraão não encontrou esse número elevado de crentes e
tenta sensibilizá-los com 45, mas sem sucesso desce à humilhação do número 10
porque concluiu que nessas cidades só havia gente indignada com os celícolas.
 … A destruição dessas cidades era irreversível e os celícolas desencadearam um
plano de evacuação para os seus aliados. No texto do Génesis há uma história
fantástica sobre as cidades a abater pelos guerreiros dos celícolas. Os homens de
Sodoma reuniram todos os esforços para persuadir os expedicionários, estavam atentos
às suas movimentações. Quando os ditos anjos 206 chegaram a casa de Lot e este os
convida a entrar, logo esta foi cercada por homens de Sodoma que lhe perguntaram:
«quem eram os estrangeiros que abrigava» (Génesis, 19, 5). Debaixo das ameaças Lot
tenta ganhar tempo e oferece as suas duas filhas virgens aos habitantes de Sodoma,
em troca não faziam mal aos convidados, mas a questão era séria para se
sensibilizarem com a oferta 207 e insistiram que o matariam se não justificasse a secreta
guarda dos suspeitos.
 … A história é reveladora do tipo de anjos que Lot protegia sobre ameaça de morte.
Já tivemos oportunidade de ler, através das citações de várias versões do texto
consagrado, que os ditos são criaturas guerreiras e bem treinadas pelos poderosos
exércitos celícolas, por isso comeram pães ázimos como fazem os soldados que não
encontram sal no deserto. Nos festins de Abraão o escritor do Génesis evidenciou o
bom gosto dos celícolas pelas iguarias da Terra, isto revela que o céu não é totalmente
bom, pelo menos a comida não deverá ser da melhor qualidade.
 … Os ditos «anjos bem treinados» tentavam convencer os de maior credulidade
para a devastadora destruição, mas os habitantes mais atentos seguiram-nos em
defesa das suas cidades e vigiaram a casa de Lot quando os três homens estrangeiros
se aproximavam para entrar. Lot estava confiante nos santos guerreiros que lhe
protegiam a família e a casa, mas os homens de Sodoma apertaram o cerco e os ditos
anjos atacaram-nos: «estenderam as suas mãos e fizeram entrar Lot consigo na casa,
fecharam a porta e cegaram todos os homens que protestavam à porta» (Génesis, 19,
10-11). Chegaram os reforços terrestres e Lot teve de fugir com os seus para Çoar.
Com a linhagem a salvo revela-se a apregoada bondade infinita: «Deus fez chover
enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra...» (Génesis, 19, 24). A deflagração foi de tal
ordem que: «a mulher de Lot... ficou convertida numa estátua» (Génesis, 19, 26).
 … Na descrição nem todos foram fulminados e os que escaparam fizeram a vida
negra ao poderoso Lot que teve de deixar Çoar, ficando sitiado numa caverna de um
monte com as suas duas filhas. Com uma vigília mais atenta ficou impossibilitado de
receber as visitas dos celícolas corpóreos (se fossem incorpóreos teriam conseguido
transpor a barricada para acudir à família de Lot). Desde então é infligida uma
sucessiva agressão à linhagem, através das milícias terrestres que acabaram por a
colocar em perigo de extinção, avaliando pela acção incrível das filhas de Lot: A filha

205
Os «justos» eram crentes dos celícolas, o que não era o caso dos habitantes das cidades de Sodoma e Gomorra que eram crentes de outros deuses.
206
Os teístas apresentam os anjos como ajudantes do criador, portanto incorpóreos, o que responde aos casos em que o criador se expressa no plural, mas quem eram os dois
guerreiros que atacaram os defensores destas cidades, os três guerreiros que petiscavam com Abraão e os guerreiros que apareceram armados a Josué!
207
Leva a pensar que os habitantes de Sodoma que Deus exterminou não deveriam ser tão os maus e profanos como se apregoa.

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O outro deus
primogénita disse à menor: «Nosso pai é já velho e não há homem na terra que nos
procure... vem, damos de beber ao nosso pai e deitemo-nos com ele, para que em vida
conservemos a sua descendência... ambas conceberam e cada uma teve um filho de
seu pai.» (Génesis, 19, 31-36). Não há memória que nos relate algo semelhante, em
que na ausência de homens, numa aldeia ou cidade, as filhas resolvessem a situação
pelo incesto. Provavelmente foram obrigadas a fazê-lo, o mais importante não era os
bons padrões civilizacionais, mas o sucesso da linhagem que tanto se enaltecia:
— «Declararam a linhagem segundo as suas famílias, segundo as casas de seus pais»
(Números, 1, 18).
— «Os da linhagem de Israel se apartaram de todos os estrangeiros» (Neemias, 9, 2).
— «Tomam as virgens da linhagem, ou viúva que for viúva de sacerdote» (Ezequiel, 44,
22).
 … Na defesa da linhagem tanto se podia exterminar uma nação, por alguns dos
habitantes não serem crentes do mesmo deus ou de nenhum, como as filhas
engravidarem do pai por escassearem os homens. As histórias dos textos consagrados
são de um nível tão desumano que nunca deveriam ser lidas por menores. Acerquemo-
nos de uma que expressa o controlo dos celícolas pela fé de Abraão. Isaac era pequeno
e toda a atenção expedicionária se centrava no seu desenvolvimento, mas não foi fácil
tutelar o pequeno Isaac. A expedição testa intensamente Abraão, inclusive pede que
sacrifique Isaac em holocausto, forçando-o a esquecer todos os outros filhos. Abraão já
não reage, tal como não pôde evitar que se destruísse Sodoma 208 .
 … Os próximos quatro parágrafos são desaconselháveis para leitura de crianças e
de pessoas mais sensíveis, pelo que deverão passar aos capítulos posteriores: O líder
celícola leva o patriarca à loucura de sacrificar uma criança (“seu filho”) por ser a última
experiência genética, pedindo-lhe que o oferecesse em holocausto, melhor dizendo, o
matasse em nome de Deus. O primogénito Ismael e os outros filhos de Abraão não
interessavam para a nova transformação da linhagem: «Toma agora Isaac, o único filho
a quem amas, e vai à terra de Moriah para o ofereceres em holocausto, sobre uma das
montanhas que te direi» (Génesis, 22, 2).
 ... Nessa madrugada Abraão levantou-se apressado, albardou o burro e corta
alguma lenha para a imolação do pequeno Isaac que escarranchou entre os feixes.
Chama dois moços para o ajudar e seguem em direcção ao local da oblação. Nos três
longos dias de árdua caminhada Abraão aparentava algum nervosismo, tocando
insistentemente o jumento por entre as rochas e algum arvoredo. Quem os visse às
voltas e a encurtar caminho haveria de pensar que iam para sítio incerto, mas Deus já
se tinha prenunciado em sonhos a Abraão sobre o lugar dessa crueldade. Finalmente,
avistaram a dita montanha, aproximaram-se mais e Abraão diz aos seus moços para
aguardarem ali porque ele ia orar. Afastou-se com a criança, mas os rapazes
desconfiaram da trama, o vagaroso burro foi aliviado da carga junto a eles, enquanto
Abraão coloca essa lenha nas costas de Isaac e pega no cutelo e no fogo. Os ajudantes
ficaram espantados e o pequeno Isaac também estava baralhado e pergunta: «temos
aqui o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto?» (Génesis, 22, 7).
 … A descrição do versículo supracitado é reveladora de que Abraão colocou em
perigo a vida da criança, com a agravante de ser conhecedor do desfecho quando
balbuciou estas palavras: «meu filho, Deus providenciará quanto à rês para o
holocausto» (Génesis, 22, 8). Abraão pega na criança e deitou-a sobre o que o escritor
descreveu de altar, por cima da lenha que ela transportara. Entretanto, Agarra no cutelo
e ergue o seu braço para ganhar balanço, mas um grande brado interrompe o seu gesto

208
Vide (Génesis, 18, 22-33)

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O outro deus
fatal: «não estendas a tua mão sobre o menino, porque sei agora que, na verdade,
temes a Deus» (Génesis, 22, 12). Naquele instante aparece um carneiro por traz de
Abraão e a história ficou mais aliviada. O escritor não refere se a criança ficou
traumatizada mas, se esse tipo de experiências é hoje classificado de macabro ou de
rituais de magia negra, na altura representava o grande orgulho dos aliados e o máximo
prazer para os expedicionários, segundo o escritor do Génesis a fé de Abraão ficou
mais fortalecida.
 … Seja qual for a versão que o texto tenta denunciar não retira o terror e a crueldade
ao cenário da tentativa de homicídio que Deus proporcionou em Moriah. À semelhança
de casos anteriores não se pode culpabilizar a fidelidade do patriarca Abraão, afinal foi
seduzido por uma incontrolável paixão, a sua mente poderá ter sido afectada pelos
celícolas. O nosso âmago não lhes era desconhecido, facilmente o transformaram num
sentimento diabólico, latente na espécie desde então. Os seguidores chamam-lhe fé e
afirmam que pode acabar se não for exercitada. Quantas vezes mais vão levantar o
cutelo! Quantas mais crianças irão ser colocadas em risco de vida para se testar a
paixão do etnocentrismo?
… O texto do Génesis é uma confluência de vários autores e escritores posteriores.
Desde as referências ao jardim de Éden que lemos excertos do segundo Génesis 209 ,
um jardim com o solitário casal e uma outra personagem descrita de serpente, da qual
se deduz a intervenção de um elemento da expedição que incentivou o desrespeito
pelas regras, levando os celícolas a abortar essa experiência. Chegar a essa conclusão
requer a reconstrução do cenário proposto por esse escritor, cujo relato descreve os
autóctones a invadirem o dito jardim e os celícolas a colocarem mecanismos de defesa,
descritos por «espadas flamejantes». Sendo que as cobaias não podiam desenvolver
acções contra os expedicionários e, por outro lado, são relatados dispositivos de
interdição a estranhos, resta pensar nas tentativas dos terrestres para resgatar a sua
espécie dessa profanidade.
… Tomámos conhecimento dos filhos do casal do Éden e da descendência que foi
descrita, mas vamo-nos ocupar dos primeiros dois filhos: O primogénito Caim que
tornou-se lavrador da terra, mais tarde construtor de cidades e Abel o pastor de
ovelhas. A narração sobre tais personagens não foi melhor que a de Set, um filho
posterior de Abraão. A conjectura do escritor, sobre a vivência da família do Éden, é
que poderá ter sido escorraçada e não abandonada, o seu dia-a-dia de submissão era
passado sobre maldições 210 que se apaziguavam com repetitivas ofertas.
… As oblações excediam as rezas e sacrifícios de animais, só com agitados rituais
de bens materiais se satisfazia a insaciedade dos celícolas, o que levou à desavença
entre os primeiros irmãos. Caim oferece os frutos da terra e Abel as ovelhas e a
gordura. O primogénito ficou revoltado por não conseguir o mesmo agrado dos celícolas
e a sua angústia tornou-se insuportável: «Caim foi procurar o irmão Abel ao campo e o
matou.» (Génesis, 4, 8). As experiências genéticas com início na Eva estavam quase
concluídas. Os celícolas centravam-se nas primeiras sementes terrestres que foram
submetidas a uma rigorosa selecção, mas as dissemelhanças eram consideráveis e
foram abatidas as mais inadequadas. Para muitos foi o primeiro assassínio entre os
primeiros irmãos mas, não seria Abel o fruto da experiência amorosa de Eva e do
intruso do jardim de Éden que foi descrito de serpente!
 … Na perspectiva dos deícolas tudo se teria iniciado num jardim que apregoam de
paraíso, mas onde havia a pena de morte para quem comesse frutos proibidos e não

209
O autor do primeiro capítulo do Génesis, tradição Yahveista, descreve a criação em seis dias. O autor da tradição Elohista descreve nova criação num jardim, passados 300-
400 anos.
210
Na descrição da saga do Êxodo do Egipto poderemos comprovar essas maldições.

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para quem matasse o irmão. Ora, essa lei foi aplicada no êxodo do deserto: «Quem ferir
alguém, de modo que este morra, será morto.» (Êxodo, 21, 12). Alguns religionários
associam essas barbaridades aos ensinamentos do criador, ainda que o nome de Caim
seja um antropónimo bíblico de origem onomatopeica e signifique homem desumano,
melhor dizendo, o fratricida que mata o irmão. Seria muita coincidência Caim ter esse
nome desde pequeno, quando é em adulto que mata o seu irmão.
 … No texto consagrado mais antigo foi descrito que Deus perguntou a Caim pelo
seu irmão Abel e recebe esta resposta: «Sou por ventura guarda do meu irmão?»
(Génesis, 4, 9). Não é a resposta mais adequada para dar a um celícola que exterminou
em situações similares, mas o escritor deixa implícito que Caim cometeu dois crimes:
Assassinou o irmão e escondeu o homicídio à expedição, embora saísse ileso do
celipotente que o reconheceu culpado mas não o puniu exemplarmente. Os deícolas
encontram nesse absolutório um quadro de bondade infinita, mas todos os que
contestaram essas leis foram exterminados, não se reconhecendo nesses textos os
critérios do «juiz dos juízes» que “escreveu direito em linhas tortas”.
 … Avaliando a penalização de Caim, em comparação à dos seus pais, ficou claro
que a suspensão das actividades genéticas no jardim se tornou impreterível, talvez as
acções dos celícolas tivessem sido descobertas pela linhagem e isso representasse
uma falta gravíssima na Terra e nos códigos galácticos. O facto é que ignoraram a
crueldade de Caim, o que não é adequado para quem declarou: «quem derramar o
sangue de homem, pelo homem terá o seu sangue derramado; porque Deus fez o
homem à sua imagem.» (Génesis, 9, 6). As constantes contradições não se adequam
aos textos originais dos autores, mas enquadram-se nos ajustes posteriores de quem
os reescreveu: «irás ser fugitivo e vagabundo na terra.» (Génesis, 4, 12). Seria
comovente se fosse descrito um juiz imparcial sobre o sangue derramado do homem,
mas o próprio foi descrito de exterminador: «disse Deus a Josué: Não os temas; porque
amanhã, a esta hora, eu os entregarei todos mortos» (Josué, 11, 6). Por certo houve
conivência com a extrema violência de Caim, pela lei dos celícolas teria a pena capital.
… A narração demonstra a grande vocação literária do escritor para a ficção, mas
deixa transparecer uma extrema contundência. A sua prosa relata três pessoas no
planeta, nomeadamente Adão, Eva e Caim, mas os celícolas receavam que alguém o
encontrasse na fuga que lhe proporcionaram e o próprio o temia: «Todo aquele que me
achar me matará» (Génesis, 4, 14)! Afinal, quem mataria Caim? A sua mãe Eva ou o
seu pai Adão! Não havia mais ninguém na Terra para o matar, mas quem reescreveu o
texto não teve dúvidas: «Qualquer que matar a Caim será castigado sete vezes... pôs
Deus um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse.» (Génesis, 4,
15). O escritor não demonstra ter sido inspirado: «para compor as suas obras, não errar
e não dizer nem mais nem menos do que Ele queria que dissesse.» (Bíblia Sagrada da
Difusora Bíblica de 1964, in Introdução – Inspiração da Sagrada Escritura).
 … O analista que se norteie fora da acção da religiosidade perceberá que algo não
encaixa bem, são mencionadas três pessoas no planeta e Caim se instala: «na terra de
Node, do lado oriental do Éden… Conheceu a sua mulher. Ela deu à luz Henoc e edifica
uma cidade, à qual deu o nome de seu filho Henoc» (Génesis, 4, 16-17). De onde terá
vindo a mulher que deu à luz um filho chamado Henoc? Os escritores do Génesis
descrevem cidades com população mas, além de Adão, Eva e o filho vagabundo, não
enumeram mais ninguém na Terra. Sendo descritas algumas gerações e só aparece a
mulher Eva nesse cenário, como poderia Caim dar a sucessão até a Noé! Não se
tratando de fantasia literária legitima questionar o que obrigaram a pobre fêmea do
Éden a fazer durante tantas gerações.

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O outro deus
 … Na descrição que o escritor do Génesis faz da geração de Adão e, ao que esta
procede, não se encontra explicação para o aparecimento da noiva de Caim, cuja
relação deu lugar a uma descendência de homens e de nenhuma mulher desde Henoc
a Noé. Só no capítulo 25 do Génesis é apresentado outro filho varão de Adão e Eva
com o nome de Set, o casal do Éden volta a reatar a procriação e surge outra geração
masculina, à excepção do primeiro descendente Enós funde-se com a de Caim. São
relatados dois ramos genealógicos das personagens Caim e Set, mas só depois de
muitas gerações surgiram duas mulheres que o escritor faz questão de enunciar:
«Lamec tomou para si duas mulheres; o nome de uma era Ada e o da outra Cila.»
(Génesis, 4, 19). De onde vieram essas mulheres? Com tantas lacunas e contradições
nos textos consagrados, devido ao empenho de os tornarem infalíveis, percebe-se que
os autores, tradutores, organizadores e defensores não tiveram forma de os isentar das
tragédias familiares, como foi o caso dos primeiros irmãos da linhagem, Abel e Caim,
dos quais nos temos vindo a ocupar.
 … Os infortúnios relatados nesses escritos milenares deram lugar a dezenas de
outros, mas há um que vale a pena denunciar por encaixar perfeitamente na história de
Abel e Caim. Trata-se de um impressionante conluio entre mãe e filho para tramar o
marido e um outro filho. Se nos socorrermos desse texto, denominado Génesis, em que
Isaac foi o primeiro a fundir a genealogia extraterrestre com a terrestre, torna-se mais
fácil compreender como a estirpe tem evoluído entre tramas e crueldades, como
aconteceu com as duas personagens que foram escolhidos para exemplo, Esaú e
Jacob, filhos de Isaac. Depois da macabra experiência na infância de Isaac este torna-
se adulto e junta-se à prima Rebeca, uma jovem da linhagem, sobrinha de Abraão.
Dessa união nasceram dois filhos que vamos tentar conhecer.
 … As experiências estavam no início e elegeu-se o melhor progénito, como foi Caim
e não Abel, Isaac e não Ismael, Jacob e não Esaú, etc. Os celícolas deveriam ter
achado Esaú, filho de Isaac, pouco evoluído: «Todo o seu corpo era semelhante a um
casaco de pêlo.» (Génesis, 25, 25). As cobaias precisavam de alguns ajustes, Esaú
apresentava alguns sinais primitivos e os celícolas seleccionaram Jacob. A linhagem
sempre esteve sujeita a transformações deselegantes, as instituições religiosas exibem
hoje as suas festividades casamenteiras, mas foram mencionados rituais de
acasalamentos e não de casamentos formais. Rebeca, mulher de Isaac e mãe de Esaú
e Jacob foi incorporada na linhagem pelo acasalamento e Isaac foi descrito como a
primeira semente extraterrestre na casta aliada.
 … No aprimorar dessa estirpe surgiram contrariedades, tal como no nascimento de
Ismael, revelando muitas imperfeições nas experiências dos celícolas. As dúvidas, os
arrependimentos e as rejeições de primogénitos colocam as indecisões do dito criador
em evidência, pelo que a escolha de Jacob, o outro filho de Isaac, foi inevitável.
Conhecido o caso dos irmãos Caim e Abel eis que entram novas personagens no
atribulado palco do endeusamento. Esaú foi o primogénito, mas o irmão Jacob
chantageia-o com a peripécia de um guisado quando este chegava a casa: «Deixa-me,
peço-te, comer desse guisado vermelho, porque estou cansado.» (Génesis, 25, 30).
Valendo-se desse estado faminto, Jacob manda o irmão jurar pela venda da sua
primogenitura e, devido ao apetite, Esaú cedeu e Jacob passa a ser o primogénito.
 … Tudo começou quando seu pai envelheceu e perdeu a vista. Isaac pediu a Esaú
que caçasse e lhe fizesse um guisado saboroso para lhe dar a bênção antes de morrer.
Sua mãe Rebeca escutara tudo e foi contar a Jacob, a partir daqui desenrola-se a trama
para o apuramento do herdeiro mais astuto. Rebeca manda Jacob trazer dois cabritos
para outro guisado ainda mais saboroso: «Meu filho... vai e trazei-me os cabritos.»
(Génesis, 27, 13). Sendo provável que Isaac reconhecesse Jacob se o apalpasse, por

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O outro deus
Esaú ser cabeludo e ele não, Rebeca vestiu Jacob com as vestes de gala de Esaú e,
com as peles de cordeiro, cobriu-lhe as mãos e a lisura de seu pescoço para que Isaac
confundisse os seus filhos. Jacob apresenta-se a seu pai e disse: «Eu sou Esaú, teu
primogénito; tenho feito como me disseste» (Génesis, 27, 19).
 … A fusão das espécies extraterrestre e a terrestre ainda apresentava
características Homínidas, Isaac evidenciava sinais de pouca malícia, estava quase
cego e acabou por abençoar o filho que não queria: «És mesmo o meu filho Esaú?
Disse Jacob: Sim sou eu.» (Génesis, 27, 24). Isaac soube que foi enganado, mas tinha
de ceder para bem da linhagem que estava no início da fusão. O escritor descreve-o de
pouco esperto, mas deve ter sido um excelente caçador até à sua avançada idade,
nota-se pela rapidez com que sentiu o guisado chegar a si: «Como foi isto, meu filho?
Respondeu Jacob... o teu Deus mandou a caça ao meu encontro.» (Génesis, 27, 20).
 … Vale a pena reter a expressão: «o teu Deus mandou a caça ao meu encontro.». O
deus de Isaac não era o mesmo de Jacob, ou seja, não havia um Deus único (Uno) e
sim um chefe ou líder dos celícolas a que Jacob se referia. Retemos também o
pormenor da artimanha de Jacob que iludiu Esaú e o velho Isaac. Conforme havia sido
combinado Esaú chega da caça e pede a bênção ao velho e cego Isaac, este
perguntou: «Quem és tu? Ele disse: Sou o teu filho, o teu primogénito Esaú.» (Génesis,
27, 32). Isaac reconhece o seu primogénito e apercebeu-se da traição do seu filho
Jacob, mas nada pôde fazer perante esse embuste, os celícolas já lhe tinham dado
provas de que não apreciavam sentimentos humanizados. Se lermos direito o que
muitos apregoam ser escrito por linhas tortas talvez se conclua que os antigos
escritores tentaram explicar a proveniência de Isaac, a sua vivência atribulada por
causa do apuramento da linhagem, sendo obrigado a passar o testemunho da praxe ao
filho mais apto: «Que os povos te sirvam e as nações se prostrem na tua presença! Sê
o senhor dos teus irmãos, diante de ti se curvem os filhos da tua mãe! Maldito seja
quem te amaldiçoar e bendito seja quem te abençoar» (Génesis, 27, 29).
 … O que terá levado esses escritores a contarem tão oprobriosas histórias tratando-
se de Jacob, mais tarde denominado Israel, por onde desfilaram os exterminadores
exércitos da linhagem! O que Abraão e Sara tiveram de suportar ao aceitar o filho Isaac,
quando este também teve de enfrentar o dramático dilema dos seus próprios filhos. Os
deícolas crêem que o criador sabe de tudo; logo a trama foi consentida sem
contemplações, num apuramento rácico o melhor exemplar é sempre o escolhido.
Quando Esaú se revolta, prometendo aos sete ventos que haveria de matar o Jacob,
seu irmão, ignorava que corria o perigo de morte, mas a sua tolerância e contenção
salvaram-no da exterminação, tanto mais que era como um joio no meio das boas
sementes, começando pelo seu corpo peludo. A sua mãe reconheceu a traição de que
sofreu Esaú, assim como a perigosidade que o poderia atingir, por isso diz a Jacob para
se refugiar em Harân, junto ao seu tio Labão, até que Esaú se acalmasse.
 … Com um truque literário o escritor alega que Esaú e Jacob partem para escolher
mulher, mas no caminho apareceu um celícola ao Jacob para lhe relembrar a «aliança»
que já mantinha na Terra com Abraão e Isaac, recomendando-lhe que desposasse duas
filhas de seu tio Labão, irmão de sua mãe, para que houvesse uma boa continuidade da
linhagem. Passados vinte anos Jacob regressa a Canaan com o seu staff, incluindo as
suas duas mulheres, mas é interceptado por outro celícola com quem lutou toda a noite,
reconhecendo o seu rival pela manhã. Os líderes político-religiosos testavam a sua
capacidade de beligerância e não a bondade infinita, mas só começaram a vencer os
ditos deuses depois de Isaac, a primeira fusão da experiência entre as duas
civilizações. O escritor não revela o nome do derrotado, mas sim o de Israel que em

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O outro deus
hebraico quer dizer homem que luta com Deus, o qual lhe disse: «Doravante o teu
nome não será mais Jacob, mas sim Israel» (Génesis, 35, 10).
 … A linhagem impôs-se por líderes guerreiros, fiéis aos celícolas e não defensores
dos humanos, mas os impérios seguidores apregoam ser portadores do amor entre os
homens, quando no texto do Génesis é o desrespeito e o terror que veio a desendeusar
a tradição terrestre: «entregaram a Jacob todos os deuses estranhos» (Génesis, 35, 4).
Os textos são claros na perpetração dessa estirpe até aos nossos dias: «Dominadas
por terror divino, as cidades em redor não perseguiram os filhos de Jacob.» (Génesis,
35, 5). Sem explicação para as barbaridades de Jacob, a atenção dos leitores é
remetida para a edificação de um altar onde se comemorou mais uma das vitórias
celícolas, alusiva à protecção de Jacob que fugiu da trapaça que armou ao seu irmão
Esaú: «Deus ali se manifestou, quando Jacob fugia de seu irmão» (Génesis, 35, 7). Os
celícolas protegiam os afectos à linhagem, ainda que fugissem de vigarices e crimes
capitais como nos citados protagonistas. A recompensa de terras e outras riquezas
usurpadas enche os pódios do etnocentrismo com honra, pompa e circunstância: «darei
a ti a terra que tenho dado a Abraão e a Isaac» (Génesis, 35, 12).
 … Percorremos algumas áreas do texto consagrado, mas não encontrámos as ditas
histórias de bondade e tolerância que tanto se apregoa, mas é nesses textos que os
religionários encontram as ditas revelações de amor, ainda que revelem o sacrifício de
crianças como foi com Isaac, uma prática comum no Antigo Próximo Oriente. A norte de
África, em Cartagena, foi descoberto um cemitério com ossadas de bebés que
morreram queimados e as principais religiões revelam esse drama como oferta aos
deuses. Será que a história de Abraão influenciou os criminosos!
 … Quando os discursos de alguns comentadores se apoiam nas crueldades da
antiguidade-religiosa como fonte de afecto divino e destacando slogans como — Deus é
amor —, constando nesses textos os primeiros assassinatos a crianças, por sinal com
os ataques de Deus aos primogénitos, como se descreveu no texto do Êxodo, nem
parece que se refiram ao que foi descrito. Afirmam que não se deve pegar em pedaços
dos livros consagrados para se fazerem afirmações desses historiais. Ora, acabei de
citar cerca de 400 versículos para sustentar o argumento. Será que está viciado ou são
os textos consagrados que têm demasiadas falhas! Vejamos se o que apregoam é
idêntico ao que lêem no texto do Génesis, particularmente sobre a primeira entrada no
Egipto do Israelita (Hebreu) José de 17 anos, filho de Raquel e Jacob (Israel), que ali
viveu e teve filhos.
 …. Jacob, pai de José, fez das suas enquanto jovem: Abusou da cegueira do pai
Isaac, fazendo-se passar pelo seu irmão Esaú, o primogénito, e praticou a poligamia.
Porém, viu o feitiço virar-se contra o feiticeiro quando o seu próprio filho, primogénito
Ruben, possui a sua concubina Bilha. Jacob não estava muito seguro para o contestar,
a sua juventude e a relação com as mulheres que possuiu comprometiam-no, embora
não fosse o único líder polígamo da linhagem, essa prática fazia a regra. O rei Salomão,
filho de Davi, foi incontrolável para os celícolas, não dava atenção à linhagem para
prestar ajuda aos ritualismos dos deuses das suas concubinas. Leia-se que pelo seu
harém passaram: «moabitas 211 , amonitas 212 , sidónias 213 e hiteias… Teve setecentas
mulheres de sangue real e trezentas concubinas.» (I Reis, 11, 1-3). Salomão é
conhecido pelo julgamento das duas mulheres que queriam a mesma filha, mas o ditado
popular «não há bela sem senão» também é aplicável ao seu reino. Alguns dos

211
Povo da Antiguidade que habitava o país de Moab, a leste do mar Morto (Palestina).
212
Povo bíblico da Mesopotâmia.
213
Relativo a Sídon, antiga cidade da Fenícia;

Celestino Silva Página 57


O outro deus
religionários referem-no como uma fonte de justiça, mas a primeira prioridade de
Salomão foi matar o próprio irmão Davi, também ele o legítimo sucessor primogénito.
 … O apuramento da linhagem estava acima das sucessões primogénitas, os líderes
da fé nasceram de mulheres estéreis, tal como o misterioso nascimento de José, neto
de Isaac e filho de Jacob e da Raquel. É notável o esforço do escritor do Génesis para
provar que Jacob gerou muitos filhos nas mulheres que possuiu, detalhou a forma como
o fez com as próprias sobrinhas e servas mas, tal como Isaac, não parece que José
fosse gerado por Jacob e nem por Raquel, já que, zangado, Jacob diz a Raquel: «Estou
eu no lugar de Deus, que impediu o fruto do teu ventre?» (Génesis, 30, 2).
 … A ideia de haver mães que não podiam ter filhos foi intensificada com furor, as
não contempladas pela eficiência do aparelho reprodutor centravam a sua atenção na
ajuda dos celícolas. Sabe-se que muitas mulheres não reúnem as condições físicas
para terem os seus filhos, mas os escritores atribuíram ao criador essa falha,
descrevendo-o incapaz de criar uma espécie eficiente na auto-reprodução, relembrada
constantemente no apelo: «multiplicai-vos». Tendo em conta que o deus de Raquel teve
a capacidade de fazer a Terra em dois dias e encher o Universo de luz numa simples
palavra, leva a pensar que a impediu de procriar para mais tarde voltar a ter filhos,
reforçando a crença nessa acção psicológica.
 … A paixão do etnocentrismo leva Jacob a distribuir mal a afectuosidade de pai
pelos filhos e José tornou-se o seu preferido, tal como foi o «único filho» de Abraão,
seguindo-se o Isaac, sequencialmente o seu filho Jacob e o José que acabámos de
conhecer. Na desigualdade dessa sentimentalidade paternal José foi objecto de uma
tentativa de assassinato por parte dos irmãos. Guiado pelos celícolas e aliados da
linhagem vai parar às mãos de Potifar, oficial do Faraó e, desde prisioneiro e escravo
eleva-se a governador temporário do Egipto. Entretanto, desenvolve poderes e alcança
sucesso, através de um inspirado sonho que decifrava os do Faraó, em que um deles
alertava para as: «sete vacas magras que comiam sete vacas gordas e sete espigas
secas devoravam sete espigas boas» (Génesis 41, 18-24).
 … A sua história foi descrita muitos séculos depois da tal intempérie que assolou o
Egipto, o escritor estava em condições de a reconstituir tendenciosamente. Na sua
descrição os sonhos eram sinais da expedição para os sete anos de fome que viriam a
assolar o Egipto mas, porque haveria um hebreu de adivinhar a fome na Terra, munindo
apenas esse país de cereais durante sete anos! Os celícolas tinham um cuidado muito
especial pelas experiências da linhagem, o Povo Hebreu foi o eleito. Vejamos o que diz
José: «Yahveh me enviou adiante de vós para conservar vossa sucessão na terra... O
Faraó me fez senhor de toda a sua casa e como regente em toda a terra do Egipto.»
(Génesis, 45, 7-8).
 … O líder hebreu estava bem colocado no reino egípcio e a expedição entra em
acção, aplicando a tecnologia para provocar alterações na atmosfera da região e
transformar a vivência daquela gente numa desordem de fome e miséria. O povo do
Egipto foi obrigado a vender as suas terras ao Faraó para sobreviver e José coordenava
as operações das colheitas: Um quinto para o soberano e o restante para os
agricultores, curiosamente são as medidas que vigoram em países onde a escravatura
se cruza com os povos. Podemos comparar à primeira estratégia da incursão de Abraão
no Egipto que resultou no enfraquecimento do inimigo da expedição, em que a linhagem
hebraica não saiu a perder com o espólio do equipamento de guerra da altura, cavalos,
camelos e jumentos, embora o objectivo fosse: «entrar na terra do Egipto para se
multiplicarem.» (Génesis, 47, 27).

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O outro deus
 … Abraão e Lot ocuparam terras e países com a mesma artimanha que o Hebreu
José entrou no Egipto, apregoavam o seu deus único e exterminavam os deuses dos
povos por onde peregrinavam. Com os hebreus instalados de uma forma numerosa e
José como governador temporário os anos passaram. Jacob envelhece e manda
chamar os filhos para os abençoar, melhor dizendo, repetir o que tinha feito ao seu pai
Isaac, tentando trocar o primogénito Manassé pelo neto mais novo Efraim. O seu filho
José não gostou e tomando a mão de seu pai leva-a para a cabeça de Manassé,
dizendo: «este é o primogénito». Jacob recusou e disse: «eu sei, meu filho, eu sei… o
seu irmão menor será maior que ele, e a sua descendência serão uma multidão de
nações.» (Génesis, 48, 19).
 … Na rejeição dos primogénitos e outras tramas a linhagem supera-se a partir dos
mais aptos (Se houvesse comparação com a teoria da evolução seria pela diferença,
Darwin provou essa naturalidade em todos os viventes da Terra, enquanto a linhagem
se restringe à estirpe). José morreu aos cento e dez anos, mas a calamidade já estava
desencadeada contra os povos hebraicos e egípcios, o objectivo da expedição resultou.
Entretanto, o rei egípcio apercebeu-se da artimanha estrangeira e tenta socorrer o seu
povo, dando ordens às parteiras para matarem os machos recém-nascidos das
hebreias: «os filhos que nascerem lançareis no rio, mas todas as filhas guardareis com
vida.» (Êxodo, 1, 21-22).
 … As parteiras desenvolveram um movimento em socorro dos recém-nascidos,
manifestando o parto depois de nascer a criança, o que levou o método faraónico ao
falhanço e a população hebraica acabou por aumentar ainda mais. Estranha-se que o
escritor não descreva o que antecedeu a essa medida do Faraó, mas compreende-se
que o não pudesse fazer. A experiência da multiplicação dos fiéis consolidava-se e uma
história de encantar é arrancada nessa profunda crueldade. Da linhagem surge uma
mulher da casa de Levi que ninguém sabe o nome e dela nasceu um filho que esconde
durante três meses. Não o podendo manter por mais tempo coloca-o numa arca de
juncos e lança-o ao rio, mais tarde foi encontrado pela filha do Faraó que mandou
chamar alguém para o criar para ela. Lê-se em traduções mais recentes que mandou
chamar a mãe do menino, mas na tradução rabínica 214 : «ele se tornou seu filho» e na
Bíblia católica: «o tratou como um filho». O menino foi então entregue: «à filha do faraó
que o adoptou e chamou-lhe Moisés» (Êxodo, 2, 10).
 … Sobre o nascimento ou o aparecimento misterioso dessa criança os observadores
têm especulado. Numas versões tudo não passou de um estratagema para apaziguar a
ira do Faraó, uma vez que a criança seria proveniente dos encontros amorosos da sua
filha. A história encaixava se o Faraó tivesse algo a ver com a linhagem hebraica, já que
esta atitude representaria, nessa casta, uma violação à pureza do sangue, o qual não
podia ser misturado com o profano dos autóctones, mas o soberano poderia estar
preocupado com a linhagem egípcia. Talvez houvesse várias expedições na Terra e os
primitivos lendários não conservaram a correcta tradição, já que os escritores
posteriores não a isentaram de etnocentrismo.
 … O extermínio da maioria dos textos pré-religiosos retira alguma precisão de
análise, mas podemos supor que duas ou mais linhagens teriam sido a causa das
crueldades que são relatadas pelos respectivos escritores. A suposição será facilmente
entendida se forem observadas as reacções dos líderes das instituições religiosas
actuais, dado que argumentam em defesa do mesmo deus, sendo que dessas fracções
resultam os conflitos frequentes que se conhecem. Nos textos do Pentateuco está
realçado todo esse misticismo em redor daqueles que os expedicionários manipulavam

214
Sacerdote que explicava aos Hebreus a lei sagrada, proveniente da tradição verbal antiga.

Celestino Silva Página 59


O outro deus
e, tal como aconteceu à maioria dos patriarcas, o nascimento de Moisés também não
poderia ser natural.
 … Do menino lançado no rio ao diplomata Moisés o autor descreve dois passos da
vida dessa personagem. A criança cresce tão rapidamente que só teve tempo de matar
um hebreu e, num ápice, se tornou um adulto que ajudou a expedição no extermínio do
Povo Egípcio. Conta o narrador do texto do Êxodo que Moisés se envolveu numa luta
pela defesa de um hebreu, matando o egípcio que o atacava. O antigo soberano do
Egipto teve conhecimento disso e também quis matar Moisés que se refugiou na terra
de Madian com medo do Faraó. A partir daí começa a sua actividade intermediária com
os celícolas.
 … Os seguidores hebraicos perceberam que muitas das lendas não se ajustavam à
sua crença dominante, talvez a possibilidade de uma manobra literária enganadora não
deva ser desprezada. O escritor não aparenta ter dúvidas sobre o ódio de Moisés pelos
egípcios, pelo que este não deveria ser um santo como hoje se apregoa, o mais
provável é ter sido um hebreu milícia que foi estrategicamente colocado para proteger
as experiências dos celícolas.
 … Segundo o texto do Génesis, a crença dos hebreus terá sido hostilizada no
Egipto, mas não havia melhor lugar para a expedição manter inalterada a linhagem
hebraica, dado nessa tradição não ser permitido a sua mistura com povos profanos, por
isso os hebreus juntaram-se a José: «na terra do Egipto, terra de Gessen, nela tomaram
possessão e se frutificaram» (Génesis, 47, 27). A estratégia dos expedicionários
funcionou e a miséria aumentou no Egipto: «casa onde não há pão toda a gente ralha e
ninguém tem razão», a boa vivência jamais foi a mesma desde que esse povo nómada
lá chegou.
 … A subtileza celígena accionou a obediente milícia, fazendo crer que o Povo
Hebreu estava a ser escravizado pelo Faraó. De facto há uma versão textual muito
antiga, chamada septuaginta, onde consta que Moisés terá reunido 70 anciãos para que
memorizassem a proibição religiosa que o Faraó impunha ao seu povo, mas não
havendo outro texto para comparar essa imposição que durou século e meio, a não ser
que jaza entre os milhares de manuscritos que descreviam os deuses maus 215 , é
improvável que essas lendas complexas pudessem ser memorizadas e o que nos resta
são fantasias literárias de fé.
 … Entretanto, prepara-se o melhor diplomata para negociar a guerra e não a paz
que hoje se apregoa. O império da fé hebraica aguardava o primeiro deslize dos
egípcios e o currículo de Moisés já se enquadrava na comissão diplomática que o
esperava. Constitui família e começa a sua missão, mas a sua inacção leva a expedição
a recordar-lhe a sua incumbência na Terra. Com algumas diferenças esse episódio é
relatado por várias traduções. Na hebraica: «Ele viu um enviado de Yahveh num jacto
de labaredas no meio de uma sarça espinhosa». Na católica: «o anjo do Senhor
aparece numa chama de fogo, no meio de uma sarça. Moisés olhou, a sarça ardia mas
não se consumia.» (Êxodo, 3, 2). Há uma luz ofuscante implícita em ambas, mas sendo
um «jacto de labaredas» ou «uma chama de fogo» consumiriam a sarça (silvado).
Moisés aproxima-se dessa luz intensa e surge um celícola que lhe bradou: «Moisés,
Moisés… não te chegues para cá; tira os sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu
estás é sagrado» (Êxodo, 3, 4-5).
 … Nos locais de culto os celícolas são evocados na forma silenciosa e incorpórea
dos ditos espíritos 216 , não seria provável que bradassem a Moisés. Nas duas

215
Referência aos textos apócrifos que foram banidos pelos lideres religionários mais zelosos.
216
Qualquer ser imaterial concebido com vida psíquica (Deus, anjos, demónios, duendes etc.).

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O outro deus
descrições o fogo não queimava a sarça, mas há um engenho que irradia uma luz
ofuscante, talvez fossem radiações nocivas de novas naves que ali aterraram e que
atingiriam Moisés, já que os tripulantes o obrigaram a descalçar, um comportamento
nunca usado em visitas anteriores, provavelmente não foi a mesma expedição que
introduziu os hebreus no Egipto. Haveria melhor sítio para aterrar sem que fosse em
cima de uma sarça a arder mas, com Moisés e o seu povo descalços no outro lado do
silvado, o perigo de se aproximarem das naves, para as quais corriam arrebatadamente
e se prostravam no chão, foi evitado.
 … No texto do Êxodo Moisés tapou a face ao enfrentar essa expedição, algo que
aconteceu pela primeira vez. Adão, Caim, Noé, Abraão, Isaac e Jacob falaram várias
vezes com os chefes das expedições e nunca necessitaram de tapar o rosto. A urgência
para se acudir ao povo da linhagem leva a pensar que não houve tempo para se
desligar a nave e, perto dessa luz ofuscante, Moisés terá olhado através do seu manto.
Apesar do percalço acaba por reconhecer que a tarefa não ia ser fácil, já Abraão não
tinha levado a melhor quando a expedição decidiu arrasar cidades e exterminar os seus
habitantes. Sem perdas de tempo foi incumbido dessa difícil diplomacia: «enviar-te-ei ao
Faraó para que de lá tires o meu povo… Moisés responde: «Quem sou eu para que os
tire do Egipto?» (Êxodo, 3, 11 e 12).
 … Nas ausências prolongadas dos celícolas havia uma vivência razoável, as
relações entre os aliados eram pacíficas e nem grandes transformações aconteciam.
Moisés aparenta estar desabituado das exigências dos últimos celícolas, não tinha
motivos para se assustar, o tempo das cobaias do jardim de Éden e o afogamento no
dilúvio ficavam distantes. A sua inacção, face à estratégica com os egípcios e hebreus,
não agradou à expedição e a sua incumbência na Terra foi-lhe relembrada num tom
ameaçador: «Eu sou aquele que sou... Assim dirás» (Êxodo, 3, 14).
 … O texto do Génesis é elucidativo da longevidade dos patriarcas que atingiam
centenas de anos, mas na altura não havia a memória da escrita. A noção daquilo que
se passava em séculos era quase nula, mas Moisés conhecia o motivo de o Povo
Hebreu ter entrado no Egipto, se a memória não o atraiçoava os egípcios estavam
condenados ao extermínio. A tradição do insucesso de Abraão na célebre discussão
com Deus era tradicionalmente conhecida, o que faz Moisés hesitar na reposta,
mostrando-se indiferente, mas a expedição exibe alguns prodígios perante os seus
olhos. Da sua vara faz sair uma serpente e promete ao seu povo: «uma terra de leite e
mel» (Êxodo 3, 17).
 .. O escritor do texto Êxodo descreve Moisés como alguém que não se expressava
bem e que o líder celícola prometeu ensinar-lhe o que deveria dizer e se propôs falar
por ele, mas o patriarca recalcitra: «Envia pela mão daquele a quem tu hás-de enviar»
(Êxodo, 4, 13). O comandante da expedição perdeu a paciência: «Não é Aarão 217 , o
levita, teu irmão? Ele falará muito bem de ti e sairá ao teu encontro… Toma esta vara
na tua mão, com que farás os sinais… Vai, volta para o Egipto; porque morreram todos
os que procuravam tirar-te a vida.» (Êxodo, 4, 14-19). Os celícolas investiram na
linhagem e transmitiram alguns segredos aos líderes que nunca poderiam abandonar as
missões, por isso Moisés foi seguido desde o encontro na montanha de Horeb. Durante
uma viagem parou para passar a noite: «Deus foi ter com ele e quis matá-lo.» (Êxodo,
4, 24).
 … O texto do Êxodo revela uma acção implacável dos celícolas e Moisés corria
perigo de vida porque não era circuncidado, mas a sua mulher Séfora lhe valeu,
apercebendo-se do perigo que ele corria intercede: «tomou uma pedra cortante e

217
Aarão encontrava-se há muito no Egipto e fazia parte do exército secreto da linhagem que seguiu a José.

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O outro deus
circuncidou o filho, atirando o prepúcio aos pés de Moisés, dizendo: «és para mim um
esposo de sangue» (Êxodo, 4, 26). Neste gesto pouco materno estava restabelecida a
«aliança», mas caso Moisés e o seu filho Gershom não fossem circuncidados a morte
seria o derradeiro castigo. Apesar de confusa e cruel a história acabou bem, mas não
deixa de ser curiosa por o escritor sugerir que a mulher de Moisés enganou o
celipotente criador que na linguagem actual é chamado de Deus.
 … Observadas algumas redundâncias, abundantes nos rodapés dos livros
consagrados para incitar os leitores à ilusão e não ao esclarecimento, conclui-se que a
história de Moisés está mal contada, mas desta vez os prefaciadores não arriscaram
nas suas habituais glosas explicativas. Posto o reparo, voltamos à zanga entre a
expedição e o insubmisso diplomata, aquando da entrega do poder militar que foi
descrito de varas por onde surgiram serpentes. O escritor recorreu à alusão da magia
para poder descrever o poder bélico que tinha sido alegorizado pela tradição. A
intenção da expedição não era retirar os hebreus do Egipto, embora fosse louvável que
os libertassem estando eles oprimidos, mas o que transparece da descrição é o intuito
de extermínio e não o resgate de cativos. Vejamos que a expedição incita Moisés para
que faça diante do Faraó todas as maravilhas, quando na retaguarda incita os egípcios
para que: «não deixem ir o povo hebreu.» (Êxodo, 4, 21).
 … Com o diplomata pouco rendido à opressão expedicionária, a estratégia
continuava sem sucesso e o Povo Hebreu foi mais maltratado. Vendo isso Moisés
implora: «Senhor! Porque fizeste mal a este povo? Por que me enviaste?... Porque
desde que me apresentei a Faraó para falar em teu nome, ele maltratou este povo!»
(Êxodo, 5, 22-23). Estabeleceu-se um ciclo vicioso: Se Moisés tentava a diplomacia
para que o Faraó deixasse sair os hebreus, o líder da expedição fazia com que o Faraó
não os deixasse sair. No meio de tão desafinada ou talvez demasiado afinada
estratégica as atitudes expedicionárias são bem claras: «Agora verás o que hei-de fazer
a Faraó; uma mão poderosa os fará deixar ir... Eu sou o Senhor» (Êxodo 6, 1-2). O
estratagema começava a ficar claro: «Eu sou o Senhor e vos tirarei de debaixo das
cargas dos egípcios, vos livrarei da servidão e vos resgatarei com braço estendido e
com grandes juízos.» (Êxodo, 6, 6). Vejamos se outros autores se referem a um criador
justiceiro, a um guerreiro exímio ou a uma bondade infinita que o teísmo apregoa nos
dias de hoje:
— «Desta vez lhes farei conhecer o meu poder... Saberão que o meu nome é Jeová»
(Jeremias, 16, 21).
— «Deus jurou que fará guerra contra Amalec de geração em geração» (Êxodo, 17, 16).
— «Quarenta mil homens, em pé de guerra, desfilaram diante do Senhor para a
batalha» (Josué, 4, 13).
— «Então Josué escolheu trinta mil homens e levantou-se com toda a gente de guerra»
(Josué, 8, 3).
— «Deus é homem de guerra; Jeová é o seu nome» (Êxodo, 15, 3).
— «Deus enfureceu os egípcios a lutarem contra Israel, a fim de serem exterminados»
(Josué, 11, 20).
 … Se alguma dúvida havia, os textos de alguns dos escritores consagrados vieram
avivar a memória aos mais duros crentes. O extermínio dos opositores ficou
expressamente claro no caso do povo do Egipto, conforme o descrito no texto de Josué,
do Êxodo e de Jeremias quando o líder celícola pretendia mostrar o seu poder
exterminador 218 . O poderio bélico dos expedicionários era realçado sempre que uma
nova expedição se encontrava na Terra. Será que pretendiam intimidar o Faraó, por ser
o único que enfrentava o poderoso «Senhor dos exércitos»!
218
Nota do autor deste livro: O título inicial era “Deus criador ou exterminador!”. As editoras não o aceitaram, o que reflecte bem a superstição disfarçada de religião.

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O outro deus
 … Moisés foi descrito como incapaz de enfrentar o Faraó, pelo que a expedição deu
instruções ao seu irmão Aarão e uma lista de mandamentos, ditos jurídicos, para
impressionar o povo e o rei do Egipto. Paralelamente, aumentavam os planos de força:
«Endurecerei o coração de Faraó e multiplicarei na terra do Egipto os meus sinais...
estenderei a minha mão sobre o Egipto e tirarei meus exércitos» (Êxodo, 7, 3-5).
Percebe-se que «os meus exércitos» são, na verdadeira acepção, exércitos de guerra,
muito embora os novos deícolas queiram remeter essa expressão para uma deturpação
de sentido, alegando não corresponder aos exércitos armados. Nos textos consagrados
os celícolas e os ditos anjos andavam armados e os aliados sempre tiveram à
disposição esse exército célico, sobre o qual foram unânimes na definição da palavra
exércitos, transcrevendo-a com um claro sentido bélico: «cinco reis dos amorreus e os
seus exércitos foram derrotados por Josué» (Josué, 10, 5-10).
 … No pressuposto de que ninguém se combate a si próprio e as guerras só
acontecem quando há exércitos nas duas frentes, os autores do texto consagrado foram
esclarecedores. Os novos teístas não podem desaprovar o trabalho que foi consagrado
numa inqualificável violência religiosa, tanto mais que o designaram inspirado por Deus.
As intervenções dos celícolas não foram iluminadas pela bondade infinita e nem
apaziguadoras, os narradores revelam conflitos bélicos entre o lado dos exércitos dos
celícolas e dos opositores. O Faraó não foi um deus menor, afinal retinha exércitos
dessa expedição: «estenderei a minha mão sobre o Egipto e tirarei meus exércitos».
 … Quando foi utilizado o truque da vara e da serpente, por Moisés e seu irmão, o
Faraó repostou e se repetiu o mesmo encantamento através dos seus sábios e de
ambas as varas surgiram serpentes, mas a que saiu da vara de Moisés e Aarão tragou
a do Faraó, colocando em evidência a origem do autor da lenda ou de quem a escreveu
e rescreveu. Essas armas foram descritas de varas mágicas para ocultar o verdadeiro
poder destruidor. Vejamos alguns exemplos: Moisés estende a sua vara e a água dos
rios, onde apontava, transformou-se em sangue e todos os peixes e outros animais do
rio morreram. Na tradução bíblica: «Houve sangue por toda a terra do Egipto» (Êxodo,
7, 19). Contaminar o planeta de imundície e a mente de crenças é o que os seguidores
fazem melhor, o bom seria conseguirem descontaminar a terra, o mar, os rios, os
animais e o cérebro do homem que poluíram com ilusões.
 … Avaliando pelo que foi descrito, há mais de cinco mil anos, os seguidores dessas
suas varas continuarão perpetrando a mortandade, a não ser que encontrem armas
diferentes das que Moisés e o irmão “poluíram” o Egipto. A crença da religião
contaminou a civilização e nenhuma vara da ciência conseguirá inverter a paixão que
provocou essas mortandades, simbolizadas por rãs, epidemias de piolhos e moscas aos
enxames. A trégua entre Moisés e o Faraó fez desaparecer as moscas, mas a violência
prosseguiu com os ataques de sarna e saraiva, destruindo tudo o que havia nos
campos. Apesar do desequilíbrio de forças o Faraó continuou firme e a praga dos
gafanhotos acabou por levantar voo, não se sabe bem para onde, alguns esvoaçam por
aí sem a descrita teimosia dos egípcios. É um pouco como o arco-íris que deveria
aparecer nas nuvens, mas um repuxo de água direccionado pode fazê-lo reaparecer.
Se todos os patriarcas se impressionavam com essas manifestações, como é que o
Faraó não se submetia às ordens do Senhor de Moisés! De que galáxia, mundo ou
civilização terá vindo o Faraó para fazer frente aos implacáveis viajantes do espaço!
 … Se nos aprofundarmos na interpretação dos textos do Génesis, Josué e do
Êxodo, não só encontramos atrocidades contra autóctones e seguidores de outros
deuses, como também se confirmam as pragas malignas que vieram desses guerreiros
celícolas. Vejamos o que o líder expedicionário diz a Moisés: «Vai ao encontro do
Faraó, porque tenho endurecido o seu coração e o coração dos seus servos para fazer

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O outro deus
estes meus sinais no meio deles, e para que contes aos ouvidos dos teus filhos, e dos
filhos dos teus filhos as coisas que eu fiz no Egipto, os sinais que tenho feito entre eles;
para que saibas que eu sou o Senhor.» (Êxodo, 10, 2).
 … A violência aumenta quando Deus disse a Moisés: «à meia-noite sairei pelo meio
do Egipto... eliminarei todo o primogénito do Faraó... da serva e de todos os animais»
(Êxodo, 11, 5-4). Os Egípcios foram despojados de todos os seus bens e assistiram ao
assassínio dos seus primogénitos. Enganados e confusos partiram ao encontro do
prometido paraíso de leite e mel. A exaltação à peregrinação é notada pelo autor do
Êxodo, mas parece preocupado com o triste desfecho dessa caminhada, fazendo notar
que não deveria ser tão pouca gente a ser exterminada: «Os filhos de Israel partiram de
Ramsés a Sukot, cerca de seiscentos mil homens, sem contar as crianças... Além disso,
partiu com eles, uma numerosa multidão de gente de proveniências diversas» (Êxodo,
12, 37-38).
… Contando com as respectivas famílias dos «seiscentos mil homens», a
«numerosa multidão de gente» que seguiu com eles e, tendo em conta que cada
homem teria 4-7 filhos, talvez fossem mais de dois milhões de pessoas. Estranha-se
que não hajam vestígios dessa travessia no deserto, durante 40 anos, até hoje nenhum
arqueólogo os conseguiu desenterrar. As aglomerações populacionais envolvidas
teriam deixado sinais evidentes dessa cruzada derradeira com centenas de anos:
«Deus disse a Abraão: os teus descendentes habitarão como estrangeiros numa terra
que não é deles, serão reduzidos à escravidão e oprimi-los-ão durante quatrocentos
anos» (Génesis, 15, 13). Noutra tradução do Novo Testamento é referida a
peregrinação e não a habitação: «Deus disse que a sua descendência seria peregrina
em terra estranha e que a maltratariam por quatrocentos anos 219 » (Actos, 7, 6).
… O mesmo assunto é descrito em versões diferentes, o que revela a actualização
de textos que foram considerados infalíveis. A primeira remete-nos para a escravização
no Egipto e a segunda para a peregrinação. Poderia entender-se a estadia do povo de
Abraão no Egipto e não o período do Êxodo, mas os clamores dos hebreus foram claros
sobre o seu castigo no deserto: «Quem dera tivéssemos morrido no Egipto, quando
estávamos sentados junto às panelas de carne, comendo pão até fartar!» (Êxodo, 16,
3).
… As expedições avisavam os líderes das suas acções mortíferas, fizeram-no com
Noé, Abraão, Moisés e o Faraó. Seja qual for a versão correcta, percebe-se que em
todas se dizimaram imensos humanos, quando não se vislumbram os paraísos da terra
prometida, talvez algum milagre os transformou em pedras, balas e mísseis que
continuam a hostilizar os povos onde o etnocentrismo perdura. Talvez nunca se venham
a encontrar os vestígios do deserto, mas na sombra da dúvida é mais fácil digerir a
crueldade com que se exterminou imensas gerações daquele povo nómada. Como se
depreenderá, na partida já muitos deles conheciam o seu fim: «levarão sobre si as
vossas infidelidades, até que os vossos cadáveres se consumam neste deserto»
(Números, 14, 33).
… Os seguidores não realçam a agonia desses mártires, algo os impedirá de reflectir
sobre os textos dos escritores que consagraram, os quais não podiam descrever
correctamente a vivência do Povo Hebreu e Egípcio, pelo menos não foram explícitos
na diferença dos 360 anos 220 no Êxodo. Os ditos filhos de Deus partiam em direcção ao
Mar Vermelho, esperava-os a terra prometida ou o inferno da sua crença numa oferta
envenenada. Comemora-se a festa da: «Páscoa do Senhor.» (Êxodo, 12, 12), mas

219
Como já foi aflorado, as instituições religiosas são responsáveis pela exterminação da maioria dos textos da antiguidade-religiosa. Arrebatadas pelo etnocentrismo acabaram
por os considerar apócrifos. Portanto, não se encontram em posição de corrigir ou de avalizar os que existem, quando baniram as verdadeiras provas para os comprovar.
220
A diferença entre os 400 anos que Deus teria referido a Abraão e os 40 anos mencionados pelo autor do Êxodo. (Génesis, 15, 13), (Números, 14, 33).

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O outro deus
poucos se preocupam com o que festejam ou quando se festeja. Para os Judeus a
Páscoa é o Êxodo Egipto, para os Cristãos é a Ressurreição de Jesus.
… As tragédias foram transformadas em efemérides, festins e rituais que se
ajustaram no tempo. A história do sagrado surge no adolescer da hominização e foi
sustentada na fantasia e ilusão que se transmitiu por sucessivas tradições, mas alguns
historiadores começaram por desmistificar os textos e os novos rituais. Segundo eles,
os primeiros Cristãos eram Judeus e durante alguns séculos a base da sua Páscoa era
a imolação do cordeiro que recordava o sacrifício e a libertação do Povo Hebreu. A
tradição do cordeiro pascal acabou substituída por influência do pregão de João:
«Olhando para Jesus, que passava, disse: Eis o Cordeiro de Deus» (João, 1, 36). Se a
Páscoa já existia muito antes de Jesus aparecer que se simbolizará nessa
comemoração: A saída dos Hebreus do Egipto! A entrada na Terra Prometida! A morte
de Jesus! A Ressurreição! Cada autor e escritor posterior representavam uma tradição,
sendo óbvio que a arte literária incidisse sobre o preceito político-religioso de cada
época. Segundo Mateus, Lucas e Marcos: Jesus morre no dia de Páscoa, mas para o
escritor do Evangelho João: Jesus morreu na véspera.
 … Os textos do Novo Testamento receberam influências inevitáveis do Velho
Testamento, não ao nível da interpretação mas da paixão. No texto do Êxodo nota-se
uma grande preocupação sobre essa crueldade, veja-se a clareza da mensagem para
que os filhos do futuro não se surpreendessem com tal holocausto: «Quando o teu filho
te perguntar no futuro, dizendo: Que é isto? Diz-lhe: O Senhor nos tirou com mão forte
do Egipto... mas endureceu o coração do Faraó para não nos deixar ir... a fim de matar
todos os primogénitos de animais e do homem na terra do Faraó.» (Êxodo, 13, 14-15).
 … A festividade da Páscoa é conhecida entre muitos povos e uma curta abordagem
nunca será suficiente para se entender cada uma das crenças, já que o Êxodo do
Egipto é acarinhado por uns como uma bênção e, por outros, como uma vingança de
Deus. Afinal, o que levou os autores dos textos Êxodo, Levítico, Reis, Crónicas,
Neemias, Salmos, Jeremias, Ezequiel, Oséias, Miquéias, Lucas, Actos, etc., a fazer
alusões aos encantos e desencantos dos ditos peregrinos! Como todas as descrições
se resumem ao que foi descrito pelo escritor do texto Números, relembremos uma das
rogações, entre os celícolas e Moisés, para se entender a objectividade da expedição e
da linhagem nos sucessivos impérios da fé:
— «Disse o Senhor a Moisés: Envia homens para espiar a terra de Canaan 221 que eu
hei-de dar aos filhos de Israel... Moisés enviou-os... dizendo-lhes: vede a terra e o povo
que nela habita, se é forte ou fraco, se há pouco ou muito... vede se habitam em
cidades, arraiais ou fortalezas... vede se a terra é gorda ou magra; se nela há árvores,
ou não; esforçai-vos e tomai o fruto dela... — Eles subiram as montanhas e espiaram a
terra... cortaram um ramo de vide com um só cacho, algumas romãs e figos... Ao fim de
quarenta dias... apresentaram-se a Moisés e a Aarão... mostraram-lhes os frutos da
terra... — Fomos à terra a que nos enviaste. Ela, em verdade, mana leite e mel; este é o
seu fruto... Contudo o povo que habita nessa terra é poderoso, e as cidades são
fortificadas e muito grandes... O povo do Amalec habita a região do sul; os heteus, os
jebuseus e os amorreus habitam nas montanhas; os cananeus habitam junto do mar e
ao longo do rio Jordão... — Então Caleb, fazendo calar o povo perante Moisés, disse:
Subamos animosamente e ocupemos essa terra... os homens que subiram com ele
disseram: — Não poderemos lutar contra aquele povo, porque é mais forte do que nós...
são homens de grande estatura... filhos de Anak, descendentes dos Nephilim; seríamos
gafanhotos comparados com eles» (Números, 13, 1-33).

221
O neto deserdado de Noé.

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O outro deus
 … O excerto revela que não foi em busca de um paraíso, mas de terras mais férteis
do que aquelas da desértica região de Pharan, onde Moisés «enviou exploradores a
Canaan» para se apoderar delas e fixar o seu povo nómada. Essas terras pertenciam
aos povos que nelas viviam, mas Caleb e o exército de Moisés usurpam-nas com a
ajuda dos celícolas. A carnificina tomou proporções devastadoras nos que se opunham,
os sinais de indecisão e revolta também aumentaram entre o Povo Hebreu que
presenciava a funestação. A expedição desviou o percurso de Sucote para Etam, na
extremidade do deserto, ninguém podia olhar para trás por causa dos efeitos das
explosões, tal como em Sodoma, por isso: «Deus não os levou pelo caminho da terra
dos filisteus que estava mais perto... para que o povo não se arrependesse ao ver a
destruição da guerra e voltasse para o Egipto.» (Êxodo, 13, 17).
 … O escritor do Êxodo descreve a sua própria dúvida, outra perspectiva não era
possível no seu tempo ou, se havia, não a deixaram transcrever. Nos dias de hoje há
um outro vislumbre acerca do infalível, do intocável e do intolerável que os apaixonados
do etnocentrismo impunham, o conhecimento moderno ajuda a entender melhor o
refúgio que os ditos revoltosos procuravam no Egipto. Os celícolas não os deixavam
escapar, as suas naves seguiam na frente da fileira produzindo uma nuvem de fumo e
de noite uma coluna de fogo para os iluminar. Através de Moisés a expedição ordenou
que acampassem em Baal-Zefom, junto ao mar. O plano de extermínio estava prestes a
acontecer, o líder celícola volta a atiçar o Faraó para atacar os hebreus: «Endurecerei o
coração de Faraó, para que os persiga, e serei glorificado em Faraó e em todo o seu
exército, e saberão os egípcios que eu sou o Senhor» (Êxodo, 14, 4).
 … O Deus que se apregoa hoje não está descrito nos textos consagrados a que
chamam Bíblia, Alcorão, Vedas e outros. Trata-se de um líder guerreiro, sabe-se lá de
que mundo, que fazia experiências genéticas no planeta Terra. O tipo de guerra descrito
nessa época não podia ser sustentado pela capacidade militar arcaica do Egipto, mas
sim pelas expedições que usavam esses dois povos afectos para se exercitarem. Os
humanos são usados como escudos de guerra desde a antiguidade-religiosa, já que os
respectivos escritores deixaram claro que a expedição da aliança do Faraó era inferior à
do senhor de Moisés. Os hebreus bem pediram para voltar a servir os egípcios, mas a
experiência célica não tinha retorno para uns nem para outros. A expedição retira da
frente e detrás da coluna dos ditos peregrinos para actuar sobre os egípcios: «O anjo de
Deus, que marchava à frente das hostes de Israel, mudou de lugar e foi para trás deles,
a coluna de nuvem que os precedia foi colocar-se atrás deles... De um lado iluminava a
noite e, de outro, a escuridão era absoluta, os dois exércitos não puderam aproximar-se
um do outro» (Êxodo, 14, 19-20).
 … O leitor mais acostumado à ficção reconstruirá o cenário, nenhum desses povos
conseguiria tais proezas e o escritor do Êxodo não teria tanta capacidade inventiva
nessa época. Moisés é incitado a levantar a vara dos milagres e o mar abriu-se para o
Povo Hebreu passar: «Deus fustigou o mar com um vento impetuoso do oriente que
soprou durante toda a noite. Secou o mar e as águas dividiram-se… Os filhos de Israel
desceram a pé enxuto para o meio do mar e as águas formaram como que uma
muralha à direita e à esquerda… Os egípcios perseguiram-nos e entraram no leito do
mar com o objectivo de os alcançar. Na vigília da manhã Deus olhou da coluna de fogo
e da nuvem para o campo dos egípcios e lançou nele o pânico. Bloqueou as rodas dos
seus carros de modo que dificilmente conseguiriam avançar... Entretanto, disse a
Moisés: Estende a tua vara sobre o mar e as águas voltarão a reunir-se sobre os
egípcios, os seus carros e os seus cavalos... nem um só escapou» (Êxodo, 14, 21-28).
 … As citações dos últimos versículos indicam que a vara de Moisés é um símbolo
literário, mas foi a forma de os escritores poderem descrever toda a acção bélica

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O outro deus
exercida pelas naves dos celícolas. O processo demorou uma noite a realizar e, embora
ainda nos pareça um grande feito atravessar o mar dos juncos a pé seco ou abrir um
corredor nas águas do mar, a expedição já os tinha habituado os hebreus ao potencial
da sua tecnologia: A separação das águas de cima das de baixo, o prodígio da luz, a
subida de Elias aos céus 222 e a divisão das águas do Jordão com o gesto da sua capa,
cujo prodígio o amigo Eliseu repetiu com o mesmo manto 223 , etc.
 … Os escritores citados tentam mostrar o mundo fantástico da religiosidade,
descrevendo personagens extraterrestres que não pertencem ao nosso planeta. O
universo da escrita tem o poder de ser tão sério quanto imaginário, as lendas têm
ligações a catástrofes e outros acontecimentos naturais para se sustentarem. Desse
mundo ilusório saíram personagens interessantes: Os deuses mitológicos
exterminados, fundidos e refinados no poderoso monoteísta de hoje, os ditos anjos e
intermediários patriarcas de que já nos ocupamos, a fantástica criação da imaginação
religiosa sobre a subida de Elias aos céus e a ressurreição de Jesus, a aventura de
Eliseu que também separou as águas do Jordão e passou a pé enxuto, etc. Foram
tempos fantásticos, em que bastava levantar uma vara ou sacudir uma capa.
 … No mundo real que conhecemos não existem as capacidades de que usou Elias,
principalmente na sua época, mas pela descrição dava-lhe imensa confiança. De tal
forma que podia zombar e eliminar os seguidores de outros deuses, como aconteceu no
monte de Carmelo, em que mandou reunir o seu povo para testemunhar esses
portentosos poderes. Como quem exibe uma arma poderosa e invencível, mas pouco
senso para a usar, Elias convida o seu adversário Baal para um ritual de sacrifício.
Cada um evocou o seu deus para acender a fogueira que iria assar os dois novilhos
para se comemorar a vitória da aposta. A divindade de Baal não respondeu com o fogo
e Elias zombou sobre a protecção dos celícolas: «Clamai em altas vozes porque ele é
um deus; pode ser que esteja falando, ou que tenha alguma coisa que fazer, ou que
intente alguma viagem; talvez esteja dormindo e necessite de que o acordem» (I Reis,
18, 27).
 … Com deuses impotentes os profetas de Baal acabaram mortos por celícolas que
elevavam os da sua anuência aos céus sem o auxílio das barulhentas máquinas de
hoje, abriram corredores sobre as águas e andaram sobre elas, para não falar dos
milhares de milagres que se descreveram e se apregoam. Certamente estranhará que
«abrir o mar em dois» seja procedido do bombardear dos carros se bastaria a Elias
sacudir a capa e Moisés estender a vara. Nessas exibições dos aliados salta à ideia que
os celícolas ficaram na pose de armas inferiores, dado levarem uma noite de vento para
fazer com que as águas do mar recuassem, quando seria tão fácil aplicar os métodos
arcaicos das marés, como faria algum autóctone que por ali nadasse incólume do
dilúvio.
 … Na história em que os expedicionários escureceram a visão dos egípcios e
iluminaram a noite para os hebreus podemos tirar algumas ilações. A informação de
que dispomos desses tempos é lendária e fantasiada na paixão da insipiência que
apenas refere um lado dos beligerantes, mas se fosse verdadeira revelaria uma das
partes que não visionava a outra por intervenção dos celícolas. A chegada das águas
da maré do mar foi escondida pelas acções tecnológicas das naves, com a agravante
do empane dos carros: «o Senhor, na coluna do fogo e da nuvem, viu o campo dos
egípcios e alvoroçou-o… tirando as rodas dos carros… derrubando os egípcios no meio
do mar» (Êxodo, 14, 24-27).

222
Elias viveu 900 anos antes de Jesus. «Elias subiu ao Céu num redemoinho» (II Reis, 2, 1-11).
223
Vide (II Reis, 2, 8-14).

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O outro deus
 … Numa primeira análise os egípcios foram atacados antes da maré subir, deduz-se
da tradução que fizeram do texto do autor do Êxodo, mas uma noite inteira a tratar de
uma guerra deste tipo nunca seria obra do celipotente que foi descrito pelo autor do
Alcorão como: «Recto, Clemente, Indulgente, Omnisciente, Munificente, Subsistente,
Ingente, Omnipotente Remissório, Misericordioso, Sapientíssimo, Prudentíssimo,
Altíssimo, Opulentíssimo, Laudativíssimo, Subtilíssimo...». Na intervenção descrita mais
parece uma expedição extraterrestre com a ambição de experimentar a tecnologia das
suas armas, como ainda fazem nas guerras santas 224 os sucessores impérios da fé.
 … Só rompendo os entraves do etnocentrismo podemos vir a entender o texto dos
respectivos escritores da Idade Antiga, nomeadamente os rogativos de Moisés:
«Perdoa, rogo-te, a iniquidade deste povo na tua grande misericórdia... Disse-lhe o
Senhor: Nenhum de todos os homens que viram a minha glória e os sinais que fiz no
Egipto e no deserto, e todavia me tentaram estas dez vezes, não obedecendo à minha
voz... verá a terra que com juramento prometi aos seus pais... Mas o meu servo Caleb,
porque nele houve outro espírito, e porque perseverou em seguir-me, eu o introduzirei
na terra em que entrou, e a sua posteridade a possuirá... neste deserto cairão os
vossos cadáveres» (Números, 14, 17-29).
 … A descrição supracitada é explicitamente clara e foi escrita por linhas direitas. As
boas terras são para guerreiros como Caleb, suficientemente aguerrido para derrotar os
ditos gigantes, usurpando os bens dos legítimos proprietários. Estes ensinamentos
foram consagrados e ainda são enaltecidos nos locais de culto, onde se evoca um
criador de bondade infinita que somente prometeu a algumas das suas criaturas a
região que «brota leite e mel». Será que tudo não passou de uma forte ansiedade
desses povos para saírem das areias estéreis do deserto! Quem eram esses seres
poderosas que obrigavam a acreditar neles e desafiavam a ordem cósmica! Estas são
as perguntas que nenhuma instituição religiosa conseguirá responder, os seus líderes
insistem em apregoar deuses bons e os escritores que consagraram descreveram
criaturas ofensoras e exterminadoras.
 … À medida que as instituições religiosas sentiram a proximidade da desmistificação
das suas crenças, através das descobertas científicas, renovaram os discursos para
satisfazer a avidez da massa religionária. Desde então não tem havido limites para
elevarem a convicção ao uso imoderado da ênfase. Na remota saga do Êxodo do
Egipto iluminaram um triunfo divino à custa da destruição dessa nação, alucinação que
mereceu ser festejada: A irmã de Aarão puxa do tamboril e, seguindo-se-lhe outras
mulheres, entoaram canções ao «Senhor dos Exércitos», mas a festa veio antes da
vitória a caminho do Mar Vermelho, no deserto de Sur, em que mais um teste à
devoção esperava os exércitos da linhagem, aquando da falta de água durante três
dias. O descontentamento instalou-se, mas para os impressionar foi atirada uma árvore
para as águas insalubres que as tornou próprias para consumo. Com os ânimos
calmos, devido à impressionante tecnologia da expedição, chega a altura de os
atemorizar com a entrega dos «estatutos», a lista de obrigações que apelavam à
reverência incondicional dos aliados para não sofrerem: «nenhuma das enfermidades
como no Egipto» (Êxodo, 15, 26).
… Os guerreiros manifestaram o seu desagrado, mas não foi contra a sua vivência
no Egipto onde comiam pão e carne «até fartar». Contudo, ainda não conheciam as
surpresas que os esperavam, assim como os egípcios não suspeitavam que havia uma
duplicidade entre a expedição hebraica e a faraónica, em que o narrador alude às
revoltas constantes pelo inóspito deserto até que a derradeira agonia terminasse com o
pesadelo da sua ilusão. Os soldados da linhagem passaram vários anos entre fugas,
224
As guerras santas nem sempre foram declaradas como tal, embora nenhuma seja alheada da historicidade bélica da civilização.

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O outro deus
ataques e defesas das guerras que faziam e sofriam, mas não se denotam os sinais de
fé que os seguidores apregoam. Apesar do prodígio da transformação das águas
impróprias em salubres as reclamações fizeram-se ouvir: «Toda a congregação dos
filhos de Israel murmurou contra Moisés e Aarão no deserto… Porque nos trouxestes a
este deserto, para matardes de fome a toda esta multidão!» (Êxodo, 16, 2-3).
… As histórias que temos vindo a tentar desmistificar, remetem-nos para a paixão
que os seguidores sustentam nas glosas explicativas dos ditos livros sagrados. O mais
velho conjunto de textos antigos, impresso num só livro por volta do ano 1450, terá
cerca de 1600 anos e se chama Bíblia. Nele podemos encontrar imensos rodapés na
tentativa de se explicar o que se escreveu desde o séc. XI a.n.e. Contudo, não foi o
único caso, os seguidores dos alcoranistas produziram glossários muito mais extensos
do que o texto que designam de original. A necessidade de adaptar esses textos
inexplícitos aos novos conhecimentos levou a que os glossaristas introduzissem
comentários à margem, nem sempre explicando mas apelando para falsos sentidos das
palavras, o que veio a adiar a incompreensão das narrações, como é exemplo um caso,
em que a palavra «endureceu» 225 deve ser entendida por: «consentirei no seu
endurecimento» (Bíblia Sagrada, 1964, Difusora Bíblica, página 104).
… A expedição entrega o Código da Aliança a Moisés, nele constam “Dez
Mandamentos” que alguns designam pelo primeiro regulamento civil e penal, embora
antes houvesse o «Código Hamurábi» do rei da Babilónia, 1792-1750 a.C. Esses
relatos descrevem uma tarde silenciosa, só as orações sussurrantes dos hebreus se
ouviam quando a tranquilidade da montanha do Sinai foi interrompida pela chegada de
uma frota aérea ensurdecedora. Os apelos à piedade aumentaram com a chegada da
nova expedição de celícolas, a descrição realça novas naves e os seus potentes
motores com avanços tecnológicos nunca vistos. Abriram-se os megafones e por toda a
montanha ecoa um som intenso: «Vós próprios já vistes como tratei os egípcios e como
vos transportei sobre as asas das águias» (Êxodo, 19, 4).
… Os escritores descreveram essas histórias lendárias depois de passados muitos
séculos, nas suas narrações os terrestres viajaram nas naves dos celícolas. Não era a
primeira vez que apareciam em força, mas desta surgiu o líder de uma nave enorme,
brilhante e barulhenta: «todo o monte Sinai fumegava e o Senhor descera sobre ele em
fogo, como fumaça de uma fornalha e todo o monte tremia… Moisés falava e Deus lhe
respondia em voz alta» (Êxodo, 19, 18-19).
… Os gritos desses povos submissos foram absorvidos pelos estrepitosos ruídos de
naves. Moisés é advertido para não deixar ninguém subir o monte nem se aproximar
dos aparelhos e tocar-lhes, sob pena de morrerem imediatamente, quer fosse homem
ou animal. O perigo que delimitava o monte era dirigido a todos os animais, embora o
homem fosse o único com curiosidade para se aproximar do staff dos celícolas. Pela
delimitação é de pensar que se tratava de naves ou de qualquer outra maquinaria
tecnológica, com dispositivos, energias, luzes ofuscantes e nocivas para todos os
viventes da Terra. O que se aproximasse morria: «animal ou homem não poderá
sobreviver… e o que trespassar o termo... será trespassado» (Êxodo, 19, 12-25).
 … Por todo o capítulo 19, texto supracitado, há registos de multidões que se
prostravam aos tripulantes das naves sobre o monte do Sinai, confundindo latria com a
idolatria. A evocação do etnocentrismo disfarça a realidade da escrita primitiva que não
expressa a suavidade de seres ditos incorpóreos, mas que não conseguiu dar a volta a
todo o texto e desproveu algumas páginas das glosas explicativas 226 . Os glosadores
dedicam-se aos textos inexplícitos e a página a que se refere o excerto supracitado
225
O Senhor endureceu o coração do Faraó para não nos deixar ir... a fim de matar todos os primogénitos de animais e do homem na terra do Faraó.» (Êxodo, 13, 14-15).
226
Bíblia Sagrada — Difusora Bíblica, 1964, pág. 129.

Celestino Silva Página 69


O outro deus
talvez não o seja, por isso não se quiseram comprometer, mas colocaram palavras
estranhas à narração, alertando para a pureza que é necessária quando alguém se
quer aproximar de Deus. Face à reconhecida falta de água naquela região o patriarca
terá dito ao seu povo para se lavar, seria prudente não se aproximarem das suas
mulheres para não as contaminarem das radiações das naves, já agora que se
apresentassem de fatiota limpa para receber condignamente a expedição que acabava
de aterrar.
 … Como poderemos observar, em textos como o do Êxodo, as recomendações e
apelos ao asseio eram frequentes devido ao largo conhecimento dos celícolas sobre a
higiene e contaminação. Sendo uma realidade, religiosamente assumida, não nos
vamos ocupar mais dessa questão para centrar a atenção na caminhada para a terra
prometida, em que ficou claro que todos foram enganados, subjugados, violentados e
influenciados, tornando oportuno recordar um dos momentos que lhes controlava a
devoção: «farei chover pão dos céus, e o povo sairá, e colherá diariamente a porção
para cada dia, para que eu o prove se anda em minha lei ou não» (Êxodo, 16, 4 e 13).
 … A forma mais usual para levar os viventes a satisfazerem excêntricas acções é a
troca de algo de que estejam carecidos. Nenhum animal saciado faz essas
impertinências, incluindo o homem, mas todos cedem à fome e à dor da tortura, embora
haja a considerar os mais resistentes. O que seremos nós diante de uma civilização
como a descrita nos textos consagrados, talvez tanto como são para nós os outros
animais, ditos inferiores, principalmente quando temos outro objectivo que não seja o de
os respeitar, estimar e estudar para os conhecermos melhor. A restrita distribuição de
alimentos é ainda hoje uma realidade na região descrita, o que não corresponde aos
prodígios que os celícolas tinham habituado o povo eleito. Vendo melhor, talvez a
distribuição de pães e outros mantimentos não fosse muito diferente do que acontece
aos deslocados ou refugiados das guerras, obrigados a sofrer por se defenderem
deuses. A tortura da fome é uma fonte inesgotável de submissão, compreenda quem
puder.
 … Os escritores da Idade Antiga acreditavam que os primeiros deuses os tinham
ensinado a falar mas, além de Adão não mencionaram mais ninguém para conversar,
inclusive mulheres para procriar e desabafar. A tradição levou-os a confundir o mais
nobre sentimento dos humanos com a paixão pelos celícolas, desconheciam que o
amor é mais antigo que essa intromissão na vida terrestre. Segundo uma prospecção
antropológica, os Hominídeos começaram por se instalar na Europa há mais de 800 mil
anos 227 , pensa-se que já sentiam amor pelo próximo. A fé que os celícolas poderiam ter
ensinado não é comparável ao amor que herdámos dos afáveis humanos primitivos,
quando regressavam ao aconchego dos abrigos com alimentos para as suas famílias.
 … No monte do Sinai Moisés ausentou-se por quarenta dias para falar ao líder
celícola: «Vendo os hebreus que demorava a descer do monte, reuniram-se à volta do
seu irmão Aarão: Vamos! Façamos para nós um deus que caminhe à nossa frente, pois
a Moisés, a esse homem que nos persuadiu a sair do Egipto, não sabemos o que lhe
terá acontecido» (Êxodo, 32, 1). O exército de Moisés desrespeitou o protocolo e, em
desespero, fabricou um bezerro de ouro que passou a adorar. Obviamente que os
celícolas não gostaram e empurram-nos para a inospitalidade do deserto. Leia-se que o
Povo Hebreu tomou consciência da intenção dos celícolas e passou a desobedecer-
lhes, uma atitude de subavaliação que o levou a errar pelo deserto ao longo de 40 anos.
Só num ataque de uma manhã: «o fogo que saiu de Deus consumiu duzentos e
cinquenta homens.» (Números, 16, 35).

227
Descoberta de humanóides com mais 800 mil anos, na serra de Atapuerca, em Espanha, no ano 2001.

Celestino Silva Página 70


O outro deus
 … A devoção atingiu níveis de pasmar nos próprios narradores: «Quantos sinais e
prodígios não terão feito Deus e Moisés contra o Faraó! Que mão poderosa e que
imponência realizou Moisés na presença de todo o Israel!» (Deuteronómio, 34, 10-12).
Muitos seguidores concluíram que o texto citado não foi escrito por Deus nem por
Moisés e sim por anónimos posteriores, mas que importa hoje esse despertar se não
traz de volta todos os assassinados por essa paixão transcendental! Afinal, aconteceu
tudo conforme a expedição tinha decidido no início da caminhada, Moisés e Aarão
morreram no deserto sem passar o Jordão e não conhecerem o paraíso de leite e mel.
O texto refere um vale, na terra de Moab, onde Moisés fora enterrado por Deus: «até
hoje, ninguém soube o lugar da sua sepultura.» (Deuteronómio, 34, 6).
 … Nos tempos áureos da intervenção célica os povos hebreus e árabes foram
subjugados e não acarinhadas, leia-se sobre os sacrificados que duvidaram dos
celícolas: «Nenhum dos homens desta maligna geração verá esta boa terra que jurei
dar aos vossos pais… mas Caleb, filho de Jefoné, ele a virá, e a terra que pisou darei a
ele e a seus filhos; porque seguiu o Senhor» (Deuteronómio, 1, 35-36). Sabemos do
que foi capaz Caleb para merecer tão privilegiadas atenções: Usurpou terras de donos
naturais e com a ajuda dos celícolas venceu os «filhos de Anak, descendentes dos
Nephilim». Os escritores do Pentateuco quase ignoram esse Caleb, talvez por essa
visão ser facultada somente a ele, quando milhões foram assassinados na ilusão de
encontrar uma terra fértil que não passou de uma promessa por cumprir.
 … Os seguidores de Caleb jamais poderão concordar com o argumento deste livro,
para eles é mais importante festejar os feitos e as crueldades dos deuses de outros
mundos, do que respeitar os direitos legítimos dos viventes deste planeta. Melhor seria
que a festa da Páscoa servisse para relembrar a dita peregrinação que roubou a vida a
tantas gerações, subjugadas pelos poderes de expedicionários e aliados sem
escrúpulos. Em troca de regiões geográficas ergueram impérios para massacrar os que
desejavam um mundo natural, arrasando-lhes as cidades com homens, mulheres e
crianças: «desde Aroer, Arnon até Balaad... toda a região de Argod, o reino de Og em
Basan» (Deuteronómio, 2, 36).
 … O texto que foi consagrado e sustentado pelos que advogam a vantagem da
ignorância refere a ignomínia de um aviltante sistema. Movido por uma paixão milenar o
homem religioso submeteu-se a uma obscuridade profunda e não conseguiu libertar-se
dos morticínios que cometeu contra a própria espécie até às últimas barbáries a que
assistiu, pelo que se justifica uma reflexão séria nesse domínio.
… Numa perspectiva de interpretação percorremos a caminhada da terra prometida
até ao monte do Sinai, quando Moisés trouxe os «Mandamentos» ao seu povo,
descritos em tábuas que acabou por partir. Seguimos os passos dolorosos e fatais dos
bravos soldados hebraicos durante 40 anos, pelo que é chegada a altura de conhecer o
guerreiro Josué, discípulo de Moisés. O escritor menciona-o vagamente, mas além do
nome de seu pai não lhe atribuiu uma linhagem definida. O seu nome aparece, pela
primeira vez, através da narração do autor do Êxodo: «Moisés disse a Josué. Escolhe-
nos homens e vai dar combate a Amalec.» (Êxodo, 17, 9).
… Josué continua sendo um mistério até outro escritor mencionar o nome: «Hochea,
filho de Num, a que Moisés chamou Josué.» (Números, 13, 16). Afinal, de quem era
realmente filho o guerreiro Josué? Um texto mais tardio alude à vivência de Moisés,
mencionando o nome de Hochea, mas o próprio autor não o indicou. Finalmente
aparece o texto “I Paralipómenos” com a descendência de Josué, mas não menciona o
nome de Hochea apesar de ser o único com a cronologia hereditária, do qual se retirou
este excerto: «…Ladã, de quem foi filho Amiúde, de quem foi filho Elisama, de quem foi
filho Num, de quem foi filho Josué» (I Crónicas, 7, 26-27).
Celestino Silva Página 71
O outro deus
… Os escritores que introduziram o guerreiro Josué na linhagem evidenciam
insegurança nessa personagem, mas podemos tentar compreender melhor a sua
indecisão, reiniciando a pesquisa no período do Êxodo do Egipto, em que Josué surge
no palco das hostilidades por Moisés não controlar o seu povo. Íntimo desse diplomata
torna-se no braço direito de quem intermediava com o líder celícola: «falava o Senhor a
Moisés face a face... mas o mancebo Josué, filho de Num, não se afastava do interior
da tenda. (Êxodo, 33, 11). A descrição de um militar indeciso demonstra ser uma atitude
psicotécnica para influenciar os futuros peregrinos: «ordenou o Senhor a Josué, filho de
Num, dizendo: sê forte e corajoso, porque tu introduzirás os filhos de Israel na terra que
lhes prometi» (Deuteronómio, 31, 23).
… Os textos Deuteronómio e Êxodo são os que mais descrevem o apuramento de
uma linhagem racista na Terra. Recordemos um curto excerto do Deuteronómio, sobre
o que os celícolas transmitiram ao povo de Moisés: «Quando eu vos introduzir na terra
que ireis possuir, depois de destruir totalmente as numerosas nações poderosas que a
possuem, não fareis com elas pacto algum nem tereis piedade delas; não dareis tuas
filhas a seus filhos e não tomareis suas filhas para teus filhos; pois fariam teus filhos
desviarem-se para outros deuses e depressa eu vos consumiria. O que tendes de fazer
é derrubar os seus altares, quebrar as suas colunas e queimar a fogo as suas imagens
esculpidas, porque tu és o povo santo escolhido, estás acima de todos os povos que
existem sobre a terra.» (Deuteronómio, 7, 1-6).
… No texto do Êxodo os ditos peregrinos foram castigados a vaguear pelo deserto
por terem feito um bezerro de ouro. No texto Deuteronómio surge um guerreiro à altura
de os dominar. Tendo em conta que ambos foram considerados manuscritos de Moisés,
os celícolas terão feito uma promessa que nunca poderiam cumprir. A fraude célica é o
raciocínio mais razoável, não poderia haver uma terra especial no mesmo planeta
quando não há registos de se ter encontrado a dita, talvez por isso todos os nómadas
desistiram de a procurar. O Povo Hebreu, mártir dessa peregrinação, não teve outro
remédio que acampar definitivamente na terra de outros povos, como fez Abraão e os
seus sucessores.
 … Muitos lembram Josué por fazer parar o Sol, mas ele foi o guerreiro mais
cumpridor da expedição e o mais combativo contra os povos que não concordavam com
a conquista da terra prometida. Os autores do Êxodo e de Números deixam notar que
eram as terras mais férteis para além do deserto, um disfarce para o apuramento da
linhagem e não um objectivo humanitário. Nesse elenco e em substituição a Moisés
surgiu o chamado «conquistador Josué» com a missão de não permitir contactos entre
os hebreus nómadas e os autóctones. Para o encorajar: «Deus disse-lhe: Todo o
homem que for rebelde às tuas ordens e não ouvir as tuas palavras, em tudo quanto lhe
ordenares, morrerá.» (Josué, 1, 18). O poderio militar da expedição apoiava as
crueldades do Josué, só na cidade de Jericó foram assassinados: «homens, mulheres,
crianças, jovens e velhos, inclusivamente bois e jumentos» (Josué, 6, 21).
… Josué partiu: «desde o deserto (Sinai) e do Líbano, até ao grande Eufrates, por
toda a terra dos heteus e ao mar grande (Mediterrânico), em direcção ao sol poente.»
(Josué, 1, 4). Sem discussões, tréguas e piedade foram eliminados todos os habitantes
das cidades por onde passou: «o Senhor falou a Josué... Não haverá quem te oponha
resistência: estarei contigo assim como estive com Moisés» (Josué, 1, 1-5). Nos
ataques de Josué, apoiados pela expedição, não ficou nenhum vivente para contar
essas horríveis histórias, mas um escritor com o seu nome fez passar essa mensagem
de crueldades, desde Jericó a Maqueda, Libna a Eglon e de Hebron a Dabir: «não
deixou escapar ninguém… Libna passou-a a fio de espada e tudo o que nela vivia, sem
deixar um sobrevivente.» (Josué, 10, 1-42).

Celestino Silva Página 72


O outro deus
 … Os escritores do texto que foi consagrado não descreveram Josué como
sacerdote mas sim belicista. Fosse lá ele quem fosse muitos gostavam das suas acções
belígeras, por isso tinha um estatuto especial na hierarquia da linhagem, só atendia os
líderes da expedição e seus enviados. Se pudesse haver alguma dúvida, sobre o facto
de um santo, um anjo ou um deus andar armado, o escritor esclarece que Josué: —
«viu diante de si um homem de pé, segurando na mão uma espada desembainhada.
José foi ter com ele e: — «disse, és dos nossos ou dos nossos inimigos?» — ele
respondeu: — «Não»; sou um príncipe dos exércitos do Senhor» — Josué prostrou-se
por terra, e disse-lhe: — «Que ordens tem o meu Senhor para o seu Servo?» — O
Senhor respondeu: — «Descalça os teus pés, porque o lugar que pisas é santo.»
(Josué, 5, 13-15). Estamos perante um caso semelhante ao de Moisés, quando Deus o
adverte para não se aproximar da nave, mas quem é que surge diante de Josué para
que ele se lance com a face por terra se recebia ordens directas do líder celícola, como
podemos confirmar:
— «Disse Deus: Entrego Jericó, a sua rainha e os seus guerreiros» (texto hebraico,
Josué, VI, II).
— «Disse Deus: Entrego Jericó, o seu rei e os seus guerreiros» (texto católico, Josué,
6, 2).
 … Sublinha-se parte das citações supracitadas para destacar um erro num dos
textos, traduzidos por diferentes fracções religiosas que tentaram descrever o mesmo
assunto sobre duas perspectivas. Num caso é descrita uma rainha e noutro um rei, mas
a questão pode ser esclarecida com a ajuda de um especialista da língua hebraica, o
Sr. Pierre-Jean Moatti que, na página nº 124 do seu livro A Bíblia e os Extraterrestres
descreve que a palavra «maleka» quer dizer rainha (maleka-ifi, rainha de beleza). O rei
é: «malekhe». No texto hebraico lemos (ve-aet maleka) por «e o seu rei», mas nos
textos católicos e rabínicos lemos os mesmos caracteres (ve-aet maleka) por «a sua
rainha». Tratando-se de uma rainha, o que lhe terá acontecido! Provavelmente
trespassaram-na a fio de espada, pois só a senhora Raabe foi rotulada de prostituta
para escapar com vida da cidade de Jericó por ocultar dois espiões hebreus.
 … Havia períodos mais propícios à comunicação dos celícolas com os terrestres que
nem sempre o faziam da mesma forma, como relataram os respectivos escritores que
mais tarde descreveram esses lendários. Deduz-se que, nos rituais da linhagem, os
celícolas instalavam aparelhos de comunicação para receberem os apelos dos líderes e
informá-los das estratégias. Os casos de comunicação por vias do tipo rádio, entre os
aliados terrestres e os celícolas abundam no texto consagrado, os escolhidos para
exemplo talvez satisfaçam a curiosidade. Sempre que os aliados se deslocavam nos
seus rituais transportavam esses meios de transmissão como sendo objectos sagrados,
os quais seguiam dissimuladamente em «buzinas de chifres de carneiro» e na: «arca do
Senhor.» (Josué, 6, 6).
 … No texto de um autor que se auto-denominou de “Samuel” pode-se ler uma
história bem reveladora das comunicações entre os celícolas e os terrestres. Samuel
era um menino que vivia no templo com o sacerdote Eli e ansiava comunicar com os
celícolas. Um dia ouve uma voz dentro de uma arca que chamava por si: «Samuel!
Samuel! Ele correu para Eli e disse: Estou aqui. Mas eu não te chamei; torna a deitar-
te… O Senhor voltou a chamar o Samuel pela terceira vez e ele volta a correr para Eli
que finalmente entendeu quem chamava: Samuel vai deitar-te, se o Senhor voltar a
chamar-te dizes: Fala, o teu servo ouve. Samuel deitou-se e como das outras vezes
ouve: Samuel! Samuel! Respondeu Samuel: Fala, o teu servo ouve.» (Samuel 1, 4-11).
 … Quando a cidade de Jericó foi cercada, pelo exército de Josué, a expedição pôs
em marcha um plano de reconhecimento estratégico. Munidos de alta tecnologia,
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O outro deus
seguramente superior aos vulgares microfones e câmaras de vídeo, instalaram-na entre
«o povo de Deus», disfarçando-a engenhosamente para captar e enviar os sons e as
imagens à regi automática que se encontrava na «arca». Por sua vez, esses sinais
eram tratados e reenviados para a nave mãe, daí a ordem rigorosa nas posições dos
caminhantes: «na frente sete sacerdotes levam sete buzinas de chifres de carneiros...
quem estiver armado passa adiante da arca do Senhor.» (Josué, 6, 6-7).
 … Ao sétimo dia, depois de rodearem a cidade e tocarem as buzinas, Josué diz aos
guerreiros: «Gritai, porque o Senhor vos dá a cidade... gritou o povo com grande brado;
o muro caiu e... tomaram a cidade fio de espada... com tudo quanto havia, homem e
mulher, menino e velho» (Josué, 6, 16-21). Nenhum brado ou espada destruiria
estruturas de granito, mas sim os bombardeamentos das naves dos celícolas, já que
essa presença militar estava sempre ligada aos bons guerreiros da linhagem, nalguns
casos descreveram os pormenores da forma que os entendiam:
— «Do resplendor da sua presença saíram... Saraiva e brasas de fogo» (Salmos, 18,
12)
— «Deus trovejou naquele dia com grande estrondo sobre os filisteus, e os aterrou.» (I
Samuel, 7, 10).
— «Deus disse a David: Não os ataques de frente! Contorna-os por trás...» (II Samuel,
5, 23-25).
 … O celícola que ordenou a Josué para descalçar as sandálias talvez se ocupasse
dos exercícios militares, as tropas aliadas rodeavam a cidade ao som das trompetas
para disfarçar o barulho emitido pelas naves e este orientava os bombardeamentos
contra as muralhas do inimigo. Os expedicionários possuíam a tecnologia bélica que
lhes permitia destruir fortes muralhas e prodígios de fazer parar o Sol: «Sol detém-te
sobre Gibeom. Lua pára sobre o vale de Aijalom... o Sol deteve-se e a Lua parou, até
que o povo se vingou dos seus inimigos» (Josué, 10, 12-13). Obviamente que o Sol e a
Lua são astros com leis cósmicas definidas, não fizeram nada do que foi descrito, mas a
imaginação do escritor quis dar à sua prosa a ênfase das naves espaciais que
iluminaram os combates, ajudando o guerreiro Josué à vitória, já que lhe é reconhecido
esse mérito na expedição. Foi com essa ajuda que: «Josué tomou todas as cidades e
todos os seus 31 reis, destruindo-os totalmente, como ordenara Moisés.» (Josué, 11,
12).
 … Nas alturas de maior presença dos expedicionários tornavam-se triviais os ditos
milagres, como a travessia do deserto que não impressionou alguns dos peregrinos.
Segundo o escritor muitas contendas se deram no percurso, mas uma foi destacada
num lugar a que chamou «Massa e Meriba». O implacável Josué entra em cena e
desfez o equívoco do Amalec, cabecilha dos protestantes, por causa da dúvida que
expressou: «o Senhor está ou não no meio de nós?» (Êxodo, 17, 7).
 … Josué eliminou todos os que protestaram contra a linhagem, mas não foi uma luta
fácil, os queixosos sempre foram imensos e Moisés teve dificuldade em fazer com que
Josué conseguisse triunfar, mesmo utilizando a magia da vara: «quando Moisés tinha
as mãos erguidas, Israel dominava o combate; quando deixava cair as mãos, Amalec
triunfava. Como os braços de Moisés já cansados, agarraram numa pedra e colocaram-
na debaixo dele para que se sentasse, enquanto Aarão e Hur lhe seguravam as mãos...
As suas mãos puderam, assim, manter-se firmes até ao pôr-do-sol... Josué triunfou de
Amalec e do seu povo a fio da espada... O Senhor disse a Moisés: «Escreve este facto
num livro para que a sua recordação se perpetue, e declara a Josué que apagarei a
memória de Amalec debaixo dos céus» (Êxodo, 17, 9).

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O outro deus
 … A expedição nem sempre escolheu bem os líderes, como no caso de Moisés,
mas Josué revela-se um belicista à altura dos celícolas, contrariando a primeira opinião
do escritor do Êxodo: «um militar indeciso que não se afastava do interior da tenda»
(Êxodo, 33, 11). A supremacia é de quem tem boas armas para marcar a hora em que
esmaga o inimigo: «o Senhor vinha endurecendo os corações dos guerreiros egípcios a
lutarem para que fossem destruídos sem piedade, como o Senhor tinha ordenado a
Moisés e a Josué: Não os temas; porque amanhã, a esta hora, eu os entregarei a todos
mortos... Josué tomou toda aquela terra, a região montanhosa, todo o Negeb, toda a
terra de Gosen, a baixada, Arabá e a região montanhosa de Israel... desde a montanha
nua, que sobe a Seir até Baal-Gad, no vale do Líbano, ao pé do monte Hermon;
também tomou todos os seus reis, os feriu e os matou» (Josué, 11, 6-20).
 … O Êxodo do Egipto, ainda confuso para alguns, repete-se com novas
personagens que não reconhecem as tradições dos outros. Os países que não
respeitam os direitos humanos e mentem aos seus povos, para alimentar as ditaduras
dos impérios de fé, são rastilhos acesos dentro da civilização. Os seus povos são
afastados do conhecimento geral e ficam circunscritos à crença que os leva a confundir
as vinganças do seu deus: «executarei neles grandes vinganças, com castigos furiosos,
e saberão que eu sou o Senhor, quando exercer a minha vingança» (Ezequiel, 25, 17).
… O texto supracitado retrata a agonia de um homem maltratado, delegando no seu
deus uma punição para vingar a maldade dos homens, mas a personagem de Ezequiel
estava no cativeiro por também evocar um deus poderoso. O etnocentrismo
menospreza o amor humano e enaltece a divinização de civilizações distantes, como
diria o “maior” profeta de Israel: «de terras longínquas, dos confins do Céu» (Isaías, 13,
5-4). O excesso de zelo do maior guerreiro de Deus, apelidado de Josué pelos lendários
dos nossos antepassados, talvez sirva de reflexão sobre a paz, já que perdura um ódio
milenar sobre os povos que tentam reaver as terras que os celícolas usurparam para os
líderes dos impérios da fé.
 … Alcançar um bom esclarecimento sobre as nossas origens implicaria remontar
aos primórdios do nosso planeta ou, mais ousadamente, antes do seu aparecimento no
sistema solar. Assunto interessante, mas a índole desta reflexão é posterior ao período
físico-químico dos primordiais unicelulares há 3-2 mil milhões de anos, depois da
evolução biológica e das variações genéticas que ocorreram da reprodução, em que
dificilmente um jardim poderia estar na origem da vida deste planeta pela intervenção
celícola que se prevê há menos de seis mil anos.
 …. Desde então foi descrito a influência de criaturas imaginadas ou verdadeiras que
se intrometeram na vivência dos primitivos, mas estes evoluíram e estão na posse de
um manancial que os remete ao alvor da sapiência, altura em que se agrupavam para
resistir aos ataques de predadores que, na falta de presas naturais, não os rejeitavam
da sua ementa. Longe de prever o desenlace da hominização o Homem distanciou-se
dos outros animais, sentia que realizava algo, mas não havia noção do espaço que o
envolvia. Trepar os montes e circundar as redondezas dos abrigos, sem conhecer os
perigos, assemelhava-se às dúvidas que ainda hoje se depara, quando pensa nas
longas viagens espaciais que mais cedo ou mais tarde haverá de fazer, tal como os
celícolas as teriam feito para chegar a este planeta.
 … Na ânsia de os alcançar apoderou-se de tudo o que o rodeava, inclusive do mar
que lhe permitiu as primeiras viagens. Imaginou-se dono do mundo e partiu para a sua
descoberta, mas aborreceu muita gente humilde e seguidora dos ensinamentos dos
seus antepassados. Sentia-se orgulhosamente privilegiado por adorar o último deus
único, pelo que sustentou a veemência de uma linhagem afecta e se ergueu, mostrando
poderosos milagreiros para apoucar os deuses dos povos ditos pagãos. Entretanto,
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O outro deus
alguém levantou a voz: A terra e o mar são livres e não pertencem a ninguém. Acabou
por amadurecer a ideia e já aceita algumas advertências, o horizonte da liberdade
elevou-se ao espaço sideral e nalgumas viagens, bem sucedidas, iniciou as primeiras
experiências, até então exclusivas das antigas divindades.
 … Os perigos desse passado separavam a vida da morte, mas o velho bípede
aprendeu a enfrentá-los. Espreitou e seguiu as manadas nas suas migrações,
cooperando em conjunto para vencê-las e sobreviver. Apercebeu-se que era possível
domesticar esses animais e as plantas, mas teria de se fixar em regiões junto à água
onde abundavam. A Natureza infundia medo e os primitivos viviam assustados pelas
incursões calamitosas que desconheciam. A perigosidade escondia-se nas montanhas
e as dríades 228 aguardavam pacientemente. A insegurança levou a que se
organizassem em torno de seres místicos e essa religião trouxe os deuses ao mundo.
 … Muitos povos ainda vivem no medo da Natureza e na repressão dos impérios da
fé. Algumas dessas temeridades já foram vencidas, mas a exigência de protecção
arrebatou-os por só beneficiarem da anuência dos deuses aqueles que se submetem a
zelar pela crença. Contudo, os seus apelos nem sempre foram aceites, por isso
eternizaram o sofrimento e vivem obcecados por uma vida melhor depois da morte, mas
não conseguiram evitar o sacrifício mórbido que relembram com arrebatadas
promiscuidades, nas quais estigmatizam e dilaceram o próprio corpo. A sua imaginação
tem recomendado tudo para agradar aos deuses que a ocupam, e nas migrações para
os encontrar regressaram desiludidos a casa, para trás ficaram indeléveis rastos de
sofrimento e morte que só a sua fé consegue esconder.
 … Numa reflexão sobre esse passado fizeram um balanço, descobriram que tudo o
que os impressionava há muito cá estava. Numa altura tão primitiva poucos instintos
existiam além dos que ainda hoje permanecem no mais elementar dos animais,
considerados inferiores à escala do entendimento. As visitas feéricas que surgiam dos
céus não eram entendidas e a fulgurância e magnificência dos tripulantes deixava-os
pasmados. Nesse afastado ciclo de tempo não entenderam o que vinha dos céus.
 … Arrebatados pelo mistério passaram a adorar esses viajantes do espaço mas,
entretanto, a espécie evoluiu e já possui naves idênticas às que teriam sobrevoado e
pousado na Terra, nas quais vagueia pelo céu, como faziam os astronautas ou
cosmonautas celícolas. O itinerário não foi pacífico e produziu milénios de sacrifício,
mas ainda não se sabe onde vivem esses seres, ditos deuses, embora tivessem sido
desenhados através das estrelas e no interior dos abrigos. Desde então se incrementa
a genetliologia 229 , a algema que prendeu os nossos ancestrais à tecnologia celígena.
 … Nas descrições em granito, pergaminho, papiro e papel, os celícolas aparentavam
afectividade pelos que os ajudavam nas experiências. Chegaram a regozijar-se com a
semelhança das suas cobaias, mas o texto do Génesis não as define nessa analogia,
deixando parecer que a nossa primeiríssima origem era morfologicamente indefinida 230 .
Em termos religiosos não há forma de se confirmar, com exactidão, o início do período
que levou à aceleração da gestação da nossa espécie, mas pelo descrito nesse texto
pode-se calcular que o extermínio e a doutrinação teriam sido iniciados por essa altura.
Não podíamos criticar ou subestimar o medo que impunham nem as revelações
vantajosas e úteis que dispunham, isto depreende-se das alterações morfológicas que
nos colocaram no dilema de sermos geneticamente transformados por extraterrestres.

228
Antiga divindade dos bosques e das selvas.
229
Arte de predizer o futuro pela observação dos astros.
230
Se, no Génesis, a mulher saiu da costela do Adão deveríamos ser hermafroditas, mas não faz sentido que surgisse em segundo plano porque possui o cromossoma Y e X.

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O outro deus
 … A linhagem foi construída em várias etapas e cada uma incluía cruzamentos
progressivos. Em pleno deserto, a Oriente de Éden, os celícolas recriaram um pouco do
seu mundo, digamos que um lugar laboratorial de múltiplas experiências genéticas,
onde plantaram árvores e outros espécimes para agradar aos seleccionados que viviam
na inospitalidade do deserto. A interpretação que poderemos fazer da segunda criação,
no jardim de Éden, é que seríamos hermafroditas e sofremos as primeiras intervenções
no aparelho reprodutor. A experiência da Eva aparenta ser efectuada noutro vivente e
não da costela de Adão, as mulheres ainda possuem o cromossoma Y e X, enquanto os
homens somente possuem Y. A desavença dos celícolas, contra as cobaias do Éden,
leva a pensar que essas experiências terão corrido mal, já que o jardim foi encerrado
subitamente. O resultado não é suficientemente conhecido, mas a atracção e apetência
pelo mesmo sexo é uma realidade na nossa espécie, manifesta-se entre homens e
entre mulheres; inclusive, algumas pessoas têm os dois sexos e outras já o mudaram
ou tentaram mudar. Será um resultado sequencial, ainda incompleto, na concepção dos
tentames dos celícolas!
 … No longo texto do Génesis são descritas alusões sobre a elaboração do primeiro
acasalamento, entre a nossa espécie e a dita civilização extraterrestre, aquando da
preparação para o nascimento de Isaac, supostamente filho de Sara e de Abraão: Um
pacto obrigava a ciência dos celícolas a não abandonarem o seu filho Isaac e a futura
descendência dessa linhagem. Os aliados foram proibidos de casar, todo o cuidado era
pouco para se conservar a nova linha genética e os machos seleccionados passaram a
ser marcados com a circuncisão 231 . A divisão da espécie, resultante dessa tentativa e
consubstanciada a uma casta perpetuou imensos protestos, conflitos étnicos e guerras
até aos nossos dias. Nesse conturbado período não se sabe qual a faceta mais grave:
Se as lutas pelos deuses mais antigos ou a luta pelo novo deus único. Os teístas
afirmam-se esclarecidos mas combatem-se pelo mesmo etnicismo, essa designação da
idolatria pagã dada pelos cristãos à religião politeísta dos gregos e dos romanos.
 … Quando nos apoiamos nos escritos da antiguidade-religiosa somos levados a
reconhecer uma injustiça suprema, os celícolas não foram bons para os próprios aliados
porque ainda os matam com as catástrofes do mundo que “criaram”, como atesta o
autor do Apocalipse na sua revelação comprometedora. Os templos que lhes
construíram ardem pelo fogo, inundam-se pelas águas, desmoronam-se pelos sismos e
destroem-se pelos ventos ciclónicos. Os telhados dos locais de culto não estão imunes
aos raios e caem sobre os fiéis em plena oração, não poupando a vida aos que a dão
pelos deuses. Contudo, os aliados afirmam que essas desgraças redobram a sua fé,
ainda que milhares dos seus congéneres tivessem perecido, como aconteceu a mais de
20.000 vítimas do terramoto de 1755 em Lisboa, às 25.000 na região de Nicarágua,
América Central, em Novembro de 1998, às 20.000 na Índia, no ano 2001, etc.
 … Socializou-se um pensamento vinculado a essas criaturas celícolas e os mais
directos seguidores têm manifestado dificuldade no que acreditam, principalmente
quando são confrontados com as devastadoras desgraças da dinâmica deste planeta,
falhas humanas e catástrofes naturais. Será que as pessoas que pereceram nesses
escombros não eram suficientemente religiosas para que deus lhes acudisse! Pela
segunda vez perdemos as tripulações de duas naves, uma vez na saída da atmosfera e
outra na entrada. Na segunda tragédia o sofrimento voltou à Terra e de novo um olhar
confuso foi levado aos céus. Num discurso de pesar pelo infortúnio Jorge W. Bush
evocou um profeta e confrontou o seu deus com a tragédia: «Deus sabe os seus
nomes», infelizmente não os consegui salvar na subida nem na descida dos céus. A

231
Corte na carne do prepúcio do pénis. Aliança dos deuses cosmonautas e Abraão. Este pacto vinculava a descendência de Abraão com os deuses.

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O outro deus
lista de infortunados agigantar-se-ia, mas nos seguintes três casos pode-se aclarar o
raciocínio:
1. — Na sequência de uma sentida tragédia que se abateu sobre Portugal, no início de
Março do ano 2001, mais de 50 pessoas perderam a vida ao atravessar a ponte de
Entre-os-rios, em Castelo de Paiva, a qual caiu sobre o rio Douro quando o seu caudal
se alastrava copiosamente. A dor intensa pelos perecidos estendeu-se a todo o mundo
devido aos meios audiovisuais. A tentativa de se encontrar alguém com vida e o
posterior resgate dos cadáveres avivava a calamidade. A Comunicação Social acorreu
ao local e uma jornalista de televisão “TVI” entrevista o sacerdote de uma das
freguesias enlutadas. A soluçar esse padre traz à memória algumas dessas vítimas que
frequentavam a sua paróquia.
 … A emoção apoderou-se do entrevistado que acabou exteriorizando a sua
indignação, a divindade poderosa que apregoava já interveio muitíssimas vezes em
auxílio da linhagem, inclusive na destruição de cidades e na quase exterminação dos
egípcios para a fortalecer, não fazia sentido que deixasse afogar os inocentes
paroquianos. O sacerdote não conteve a pressão psicológica e comparou a
omnipotência do seu deus ao frágil homem, a realidade era evidente e despeja a sua
contenção: — «olhe que vão à Lua... a Marte, mas não conseguem resgatar os
cadáveres dos que caíram ao rio» —. Seria tão fácil para quem disse: «Eu sou Deus...
acaso há alguma coisa difícil para mim?» (Jeremias, 32, 27).
 … Ao longo dos tempos repetem-se palavras como estas: «a salvação está em
Deus e Jesus Cristo», mas a contradição no que se apregoa e não se concretiza é
evidente. Os esforços do Homem foram imprescindíveis no resgate dos cadáveres mas
improfícuos na salvação, um milagre dos céus faria a diferença, mas nenhum deus ou
intermediário levantou um dedo pelos perecidos nem pela dor dos que presenciaram
tamanha desgraça. A crença é uma inutilidade para a vida da terra, dos rios, do mar e
ultimamente do ar, sempre foi cá em baixo e não lá em cima que ficou o corpo, a alma,
as recordações, as tristezas dos amigos e familiares das vítimas circunstanciais.
2. — No segundo caso temos um pensamento semelhante sobre outra tragédia que
abalou o mundo. Tratou-se da queda de um avião no Egipto no dia 31 de Outubro de
1999, em que morreram 217 pessoas. Em resposta à ansiedade dos repórteres sobre a
possibilidade de uma sabotagem, dado o conflito religioso interminável entre povos
hebraicos e islâmicos, o primeiro-ministro desse país proferiu estas palavras na
Televisão: «não, não foi nenhuma sabotagem, isto foi um acto de Deus.». Entende-se
na expressão do Sr. Primeiro-Ministro que o seu deus assassinou toda a tripulação ao
fazer despenhar o avião. Ora, entre Deus ser o pai e ter obrigação de olhar por todos os
filhos, ou ser um implacável exterminador de multidões é incongruência. O leitor
lembrar-se-á dessa tragédia, por todo o mundo as televisões mostraram os locais de
culto repletos de crentes, apelando aos seus deuses pela salvação física 232 das vítimas
antes de se encontrarem os destroços, mas nenhuma fé do mundo evitou que essa
viagem terminasse no fundo do mar. Infelizmente todos pereceram, mas se algum
ficasse com vida os devotos apressar-se-iam em dizer que foi devido às suas orações,
embora se reconheçam confusos quanto a Deus poder ou não intervir. Afinal, onde é
que o Sr. Primeiro-Ministro pretendia chegar!
3. — No terceiro e último caso vamos concluir a aclaração do raciocínio proposto,
abordando o ataque terrorista a Manhattan. A reflexão exige alguma perícia de
memória, teremos de imaginar que conseguimos puxar o Tempo para trás para colocar
essa crueldade nos dias do patriarca Moisés. A crença dos deícolas demonstra que

232
Ninguém pede a salvação da alma quando apela pela vida da pessoa.

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O outro deus
tudo é possível em pensamento, o que nos permite reconstruir dois cenários
interessantes: Admitamos que os aviões já existiam quando o líder do Povo Hebreu
ergueu a vara das maldições contra o Egipto e que a proeza foi repetida por Osama
contra as Torres Gémeas do WTC. Como se interpretarão as desgraças dos
protagonistas se, em ambas as acções, foi evocado um deus único!
… O Homem prolongou a imaturidade civilizacional ao dar ênfase aos rituais que o
ligam à sua primitividade. Na sombra de sentimentos que se confundem com amor, fé e
outros tipos de carências afectivas alongou a sua inércia, por isso não consegue intervir
na Natureza e atenuar ou parar as intempéries que assolam as populações. Quantas
mais calamidades se fizerem sentir mais as populações ficarão indefesas, vulneráveis e
submissas aos líderes religionários. Se o criador interfere não parece que o tenha feito
imparcialmente, como referem os textos que foram considerados sagrados, verdadeiros
e não apócrifas 233 mas, se não interfere deveria interferir, não há registos de que
alguém tivesse pedido para nascer num lugar inacabado e muito diferente daquele que:
«Deus viu que era bom.» (Génesis, 1, 10).
 … O olhar que fixaram nos céus, onde albergaram os deuses e os medos primitivos
levou a esquecer os espaços onde coabitam os humanos. Apesar de sobrevoarmos
com regularidade o nosso planeta, sairmos timidamente para curtas viagens ao mundo
mais próximo e sondarmos alguns astros das nossas redondezas siderais, as
misteriosas visões ainda nos continuam a confundir e a assustar. Para lá dos montes,
agora mais desmistificados, ficam os novos céus que albergam deuses não descritos.
Poderosos e perigosos, podem atirar por terra muitas das convicções e abalar os
fundamentos civilizacionais.
 … A ciência astronómica descobriu o início do Universo e chamou-lhe Big Bang, isso
levou-a a ser temida por quase extinguir a criação mítica e propor-se esclarecer velhas
dúvidas. Recordam-se algumas etapas: As experiências de Thales de Miletus que
levaram à descoberta do eclipse do Sol, através da sombra da pirâmide; as varas que
serviram para descobrir as estações do ano; o primeiro relógio de sol do seu sucessor
Anaximandro de Mileto; a esfericidade da Terra de Pitágoras e Eratóstenes 234 ; a
revolução das ideias, através das ervilhas de Mendel e do evolucionismo de Darwin. Por
outro lado observemos o etnocentrismo que fez cometer crueldades e erros histórico-
religiosos, maltratando génios como Nicolau Copérnico, Johannes Kepler, Leonardo Da
Vinci, Galileu Galilei, Filippo Bruno, etc.
 … Dividido entre o natural e o místico, o Homem chegou à encruzilhada da genética.
Começou por levedar o pão, fabricar vinhos, queijos, iogurtes e acabou especializado
em viventes que são formados por células, havendo em cada uma um núcleo que nos
humanos tem 46 cromossomas, vindo 23 do pai e 23 da mãe. Na longa cadeia espiral
do ADN existem 4 símbolos do código genético (AT GC) que armazenam toda a
informação do indivíduo. Se fosse estendida percorreria 500 vezes a distância da Terra
ao Sol. Desde o primeiro passo da noção que o Homem tenta prever o futuro nas
estrelas e nos deuses, mas uma partícula cromossomática, chamada gene 235 , veio
declarar guerra ao Génesis e está a revelar-se uma ameaça séria para a criação
religiosa. Os novos crentes vão ter de deter este implacável infiel, embora minúsculo
poderá antecipar a vinda de um novo Paracleto 236 e fazer com que voltem a reescrever
os textos que consagraram. Se o objectivo foi revivescer um novo deus único, talvez
essa partícula venha a refazer e aperfeiçoar o que a Natureza e os outros demiurgos
não conseguiram em biliões de anos.

233
Algo que não foi reconhecido como devidamente inspirado, que não é do autor a que se atribui.
234
Eratosthenes of Cyrene – 192-275 a.C. – Geógrafo, astrónomo e filósofo grego. Mediu a circunferência da Terra 250.000, a distância do Sol 804.000.000 e Lua 780.000 km.
235
Partícula cromossomática que condiciona a transmissão e a manifestação dos caracteres hereditários e constitui uma unidade independente.
236
Nome dado ao Espírito Santo na Bíblia.

Celestino Silva Página 79


O outro deus
 … O dilema da ética incendiou-se nos primeiros testes em animais: A clonagem não
era eticamente correcta: Diziam os que a queriam banir: A clonagem é eticamente
correcta: Diziam os que a aceitavam. As mesmas vozes levantaram-se aquando dos
alimentos geneticamente modificados: O não, ao uso da tecnologia genética, vislumbra
o sim à fome: Disseram muitos. O maior erro talvez seja seguirem as melhores opções,
o desastre irreversível pode extinguir muitas espécies, gerando complicações sérias
para a humanidade que inter-vive com as 300 mil espécies de plantas na Terra, embora
utilize menos de 30 para satisfazer as necessidades nutricionais.
 … O homem científico tenta imitar a Natureza e não o que foi descrito em textos que
se consagraram, mas os deícolas ainda o sentem incapaz de realizar proezas como as
dos celícolas, embora a expectativa de um clone humano paire no ar. Quem se
impacientou foi o cientismo apressado, o genoma humano apenas reteve por algum
tempo os mais ansiosos, como no caso da seita Raeliana que se antecipou a alguns
projectos arrojados que rondavam a forja. No seu exíguo historial Rael fundou a
empresa CLONAID™ em Fevereiro de 1997 e chamou Elohim ao ADN. A clonagem
humana avançava sigilosamente e ninguém sabia da primigénia criança anunciada
nessa experiência, à qual chamaram Eva. A própria empresa não tinha localização até
que Brigitte Boisselier apareceu como o novo rosto da dita e atribui esse secretismo à
óbvia segurança.
 … A tecnologia genética está disponível, mas ninguém sabe como irá ser utilizada. A
ânsia do Homem, em querer imitar ou superar as proezas do que acredita ser do seu
criador, demonstra que não está contente com essa obra suprema, mas o seu frenesim
pode envolver riscos irreversíveis, como aconteceu na Natureza que nem sempre
“produziu” o melhor, já que se extinguiram espécies bem sucedidas antes do Homem
pensar e ser capaz de intervir.
 … Desculpa Maurício, tens boa memória e certamente lembras-te das ordens que a
“tua” igreja ainda impõe à sociedade, à mesma civilização que sempre impediu de
evoluir porque as suas descobertas colidiam ou contrariavam a dita criação religiosa.
Não seria tempo de pararem, uma vez que os danos colaterais da ciência são menores
e menos cruéis aos que foram perpetrados pela fúria da religiosidade! Acabámos de
saber que na descoberta do genoma humano a Igreja levantou a voz com receio dos
perigos que daí viriam por interferirem com o que Deus fez em 6 dias. No ano 2010 a
ciência voltou a perturbar a falsa acalmia na Igreja quando apresentou a criação de vida
molecular a partir de produtos químicos. Os recados da Igreja voltam a ser notícia:
“…só Deus pode criar vida…”. Não te parece que este tipo de crença é doentio ao dar
recados à civilização, como se o conhecimento e a verdade residissem apenas na
cabeça dos líderes religiosos! Não serão insultos ao conhecimento em vez de
preocupações sobre os perigos das descobertas! Ora, se a ciência parasse, a Igreja ou
as igrejas não podiam enviar os seus líderes com tanta rapidez e segurança pelos
países onde recolhem fortunas dos pobres fiéis e são tratados nas palmas das mãos
para que esses governos não percam votos. Há pouco mais de 2000 anos os hebreus
(nómadas) levavam décadas ou séculos a deslocarem-se entre países. Hoje, os líderes
religiosos fazem isso em alguns minutos ou horas e servem-se dos aviões mais caros
do mundo que foram concebidos pela ciência que tanto os aflige. Não será mais
prudente que a Igreja olhe mais para dentro do que para fora dela, já que de lá são
conhecidas as maiores crueldades à humanidade até aos dias de hoje!
 — Maurício estava impressionado com a prosa de Daniel e propôs-lhe que
escrevesse um livro sobre tão pertinentes assuntos que nunca imaginara serem
possíveis de observar de outra perspectiva, os textos bíblicos onde aprendeu no
Seminário não eram tão aliciantes e esclarecedores como o seu argumento que se

Celestino Silva Página 80


O outro deus
sustentava nesses mesmos textos. — Daniel hesitou um pouco e disse — Olha, nunca
tinha pensado nisso, mas prometo-te que vamos falar de outras coisas e depois
apresento-te o rascunho do livro que irei escrever. Ok. Combinado, Daniel. — Foi assim
numa conversa entre dois amigos que surgiu a ideia deste livro que continuamos a ler.
 … A perspectiva da crença religiosa o criador é responsável por tudo o que há de
bom e de mau na Natureza, embora tudo já existisse antes de tal entidade suprema ser
proclamada. Será prudente desperdiçar a tecnologia genética quando as reservas
mundiais se estão a esgotar, a população mundial a multiplicar-se, a floresta tropical a
morrer, a camada de ozono a desaparecer, o crime a aumentar, as armas cada vez
mais temíveis e a água, o ar e os alimentos a sofrerem as alterações conhecidas! O
respeito pelo próximo e o equilíbrio racional que temos de colocar no que fazemos
parece ser o pregão mais sensato, já que são as tragédias e as irreversíveis
irregularidades físicas de muitas pessoas, herdadas à nascença, que assustam os
crentes e os ditos infiéis. Desprovido de ética será dispormos dos meios que aliviam o
sofrimento e não os utilizarmos por muitos amarem os deuses e não os humanos.
… Actualmente são consagrados mais de 2.000.000 de deuses diferentes em todo o
mundo que estão distribuídos por mais de 20.000 seitas diferentes e rivais entre si,
agrupados em mais de 300 grandes religiões diferentes e rivais entre si, sendo que as
mais influentes não ultrapassam o número de 10. Nos textos consagrados foram
identificados e catalogados aproximadamente 2.500 absurdos bíblicos, entre
contradições e incoerências em todos esses textos do velho e Novo Testamento, dos
quais citei pouco mais de 600. Isto deve-se ao facto de terem feito imensas traduções,
retraduções, edições e reedições nesses textos antigos e posteriormente na Bíblia nos
últimos 10 séculos. Cada um desses tradutores e editores da Bíblia alteravam trechos
inteiros de acordo com seus próprios interesses vigentes da época em que viveram, tal
como ocorre e muito, ainda nos dias actuais, em que a paixão religiosa arrebata
multidões para rescreverem alguns dos textos antigos que foram incluídos na Bíblia.

… Na antiguidade-religiosa descreveram-se celícolas inteligentes vindos dos céus. A


sua assiduidade passou a ser detectada pela memória tradicional, mas sucedeu-se um
período conturbado de deturpação, em que defensores afectos se agruparam em
exércitos e oprimiram os ditos infiéis. Muitos foram reconhecidos como divinos, um
comportamento que entronizou nomes de grandes ídolos e os elevou à alta aristocracia.
Alexandre O Grande foi rei da Macedónia, da Grécia, do Egipto, da Ásia e conquistou
metade do mundo, então desconhecido, onde edificou várias cidades com o seu nome.

… Nessa herança hostil produziram-se lendas bizarras, como a que descreve a mãe
de Alexandre como deípara 237 , por estar convencida de que fora seduzida pelo deus
Zeus. Nessa vivência de supersticiosidade nasce Alexandre no ano 336 a.n.e. Aos 21
anos ascendia ao trono e foi proclamado faraó na capital do Egipto. Em treze anos de
batalhas, sem perder uma, apoderou-se de mais de três milhões de quilómetros
quadrados de território dos povos proprietários. Não só foi guerreiro, imperador e herói
como também considerado divino. Passados vinte e três séculos o seu nome ainda
causa emoção: Por alguns é admirado como o mais nobre dos homens, mas é acusado
por outros como o mais cruel dos déspotas.

 … Nos textos árabes, nas glosas explicativas das Suratas 17ª e 18ª do Alcorão, está
implícito que Alexandre inspirou o islamismo, mas os islâmicos de hoje sugerem-no
como um génio de guerra, não porque conquistava territórios para si, mas para a glória

237
Palavra da esfera religiosa para designar aquela que dá à luz um deus.

Celestino Silva Página 81


O outro deus
divina. Mil anos após a morte de Alexandre o profeta Maomé fundou o islamismo e as
primeiras gerações de muçulmanos sentiram-se compelidas a expandir o mundo
islâmico, um império vasto e dito santo, tão extenso quanto o do predecessor romano.
Antes deste último emergiu outro profeta a que chamaram o Cristo, de onde nasceu o
Cristianismo, uma religião recente comparada ao Judaísmo primitivo e muito antiga
comparada ao maometismo.
 … Os autores seleccionados por essa nova religião foram apenas quatro
Evangelistas, talvez por eles terem relatado a religiosidade da época e não os factos, o
seu etnocentrismo deixou às escuras os vindouros que procuram iluminar a vivência
dos profetas que eles descreveram. Mateus, Marcos, Lucas e João descreveram não
saber onde nasceu José e Maria de Nazaré, nem onde esta deu à luz. A história de
seus pais, Ana e Joaquim, foi o exemplo mais recente de um período em que os
celícolas tiveram preferência por casais de idade avançada, como foi o caso de Sara,
de onde nasceu Isaac, e o de Isabel que deu à luz o tal João através do Espírito Santo.
Só depois surge uma virgem para dar seguimento à linhagem. O autor de Ezequiel
recomenda: «... as virgens da linhagem da casa de Israel, ou viúva que for viúva de
sacerdote» (Ezequiel, 44, 22), nos «Mandamentos» que Moisés exibiu ao seu povo,
havia uma lei contrária: «Se alguém seduzir uma virgem que não for desposada e se
deitar com ela certamente pagará por isso» (Êxodo, 24, 16).
 … Maria era desposada com José e reconheceu ter concebido pelo Espírito Santo,
mas José não foi convidado a participar e, magoado, afastou-se de Maria por lhe
parecer uma infidelidade. Vendo isso, os celícolas enviaram um mensageiro num sonho
para o desencolerizar: «José, filho de Davi 238 , recebe Maria, tua mulher, porque o que
nela está gerado é do Espírito Santo… tudo isto aconteceu para que se cumprisse o
que foi dito pelo profeta» (Mateus, 1, 20-24). Ao despertar do sono (algo semelhante a
hipnose) José voltou para a sua mulher, a dita Virgem Maria.
 … O Evangelho de Lucas apresenta o nascimento de Jesus, este autor foi o único a
descrever a história de João, o antecessor que na época foi confundido com o Messias.
Segundo ele, no tempo do rei Herodes havia na Judeia o sacerdote Zacarias e a sua
mulher Isabel. Os procedimentos dos celícolas repetem-se na infecundidade de Isabel,
tal como foi na idade avançada do dito casal Abraão e Sara. Esta história começa
misteriosa talvez por ser plagiada. Zacarias é tentado para um filho de sua mulher
através do dito anjo Gabriel, levando-o a reagir como muitos já o tinham feito: «… eu já
sou velho e minha mulher avançada na idade» (Lucas, 1, 18).
… Quem praticou acções tão violentas desconhecia os desejos das mulheres, as
que conceberam dessa forma ficaram atónitas ao saberem da sua gravidez. Lucas
descreve essa história segundo um costume sacerdotal: Zacarias entra no templo para
oferecer incenso e toda a multidão ficou cá fora, é então que sem testemunhas e
explicação aparente apareceu um mensageiro e lhe disse: «Zacarias, não temas, a tua
oração foi ouvida e a tua mulher Isabel dará à luz um filho, ao qual porás o nome de
João... Não beberá vinho nem bebida forte e será cheio do Espírito Santo desde o
ventre de sua mãe.» (Lucas, 1, 13).
… Zacarias ficou assustado e não compreendeu a mensagem salutar, não era a
saúde de sua mulher e o anunciado filho que nesse momento tanto o atormentava, mas
algo estranho e errado, pelo que também reagiu, fazendo saber que ambos eram já
velhos para tal proposta. O sacerdote era esperado fora do templo com algum fervor por
estar a demorar na sua devoção, mas a maior surpresa foi quando ele saiu “mudo”,
conforme lhe ordenara «o anjo do Senhor». O acordo terá sido tão parcial que Zacarias

238
Filho de... era uma referência aos da linhagem. Tais referências não são comparáveis a pais e filhos directos.

Celestino Silva Página 82


O outro deus
perdeu a fala, só os seus gestos levaram os que o aguardavam a concluir que teria tido
um encontro de primeiro grau. Zacarias regressou a casa depois de acabar esse
assombramento (hipnosia programada), e durante a concepção pelo Espírito Santo a
sua mulher esteve cinco meses escondida dos demais. Depreende-se que as
experiências da linhagem dos celícolas estavam em curso e teria de ser protegida.
… Alguns meses depois repete-se um ritual muito idêntico e com a mesmíssima
rejeição desde Sara, Ana, Isabel e agora Maria, a dita mãe de Jesus, mas talvez
nenhuma tivesse sido consagrada ao milagre da reprodução, está escrito que geraram
filhos em função dessa relação. O dito anjo Gabriel dá a mensagem a Maria e nasce o:
«... chamado filho de Deus» (Lucas, 1, 35). Maria ficou perplexa: «... como é que
aconteceu isto, visto não conhecer homem algum?» (Lucas, 1, 34).
… Se para alguns Evangelistas Jesus foi o filho de Deus e para outros o filho do
homem, os ditos profetas da antiguidade-religiosa já previam a chegada de quem viria
salvar a humanidade do jugo dos impérios da fé. O hebreu Miquéias proclamou o
salvador do povo Judeu que viria a nascer em Belém: «... de Efrata (Belém) há-de sair
aquele que reinará em Israel» (Miquéias, 5, 2). Nos Evangelhos de Lucas e de Mateus
Jesus nasceu em Belém, mas no de Marcos e João nem tão pouco é mencionado o
local do nascimento. Terá nascido numa caverna 239 ou rodeado das atenções de reis
numa manjedoura, à mistura com animais que o aqueceram do rigoroso frio de
Dezembro! Uma perfeita ternura dos que o descrevem como filho de Deus, quando
outros atribuíram ao dito pai o perfil de exterminador dos primogénitos do Egipto.
… Nos Evangelhos denota-se uma grande preocupação para a preparação de um
currículo adequado ao dito Messias. Passaram cinco meses da gestação de Isabel e o
dito anjo volta à sua rotina, desta vez com uma novidade, em vez de mães infecundas
volta-se para as virgens: «... foi no sexto mês o anjo Gabriel envido por Deus a uma
cidade da Galileia, chamada Nazaré» (Lucas, 1, 26). Maria talvez fosse mais uma vítima
dos novos expedicionários, o seu sofrimento foi de tal ordem que nunca mais pararam
de o relembrar. Parece que o primeiro impacto da abordagem foi notoriamente
assustador. A expressão de Maria é reveladora disso, mas a capacidade dos enviados
especializados em seduzir e intimidar conseguia tranquilizar as pacientes. Maria foi
influenciada pelo estímulo materno da antecedente Isabel: «... este é o sexto mês para
aquela que era chamada estéril.» (Lucas, 1, 36).
 … A ênfase dos escritores dos Evangelhos gerou uma paixão arrebatadora nos
seguidores da personagem de Maria, talvez por lhe reverem o lado feminino de Deus,
mas os Evangelistas quase a ignoraram na dolorosa crucificação de Jesus: «achavam-
se ali Maria Madalena e a outra Maria 240 , sentadas defronte do sepulcro... Maria
Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro» (Mateus, 27, 61 e 28, 1). Vejamos a
opinião de outro escritor: «Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé, compraram
aromas para irem ungi-lo» (Marcos, 16, 1). Se não fosse o autor do Evangelho João a
descrever que: «estavam em pé, junto à cruz de Jesus, sua mãe, e a irmã de sua mãe,
e Maria, mulher de Clópas, e Maria Madalena (João, 19, 25), e o de Lucas referir Maria
nos dias da purificação (lei de Moisés) a levar Jesus perante o Senhor em Jerusalém»
(Lucas, 2, 23), esta personagem era completamente ignorada.
 … Segundo uma tradição cristã muito antiga Maria morre, como qualquer mortal,
passados 22 anos da execução de Jesus, embora muitos ainda crêem que o seu filho a
levou para os céus. No Evangelho de Marcos, escrito nos anos 70 e após os romanos
terem destruído Jerusalém, observa-se que o autor não se preocupou com o que terá
acontecido com Jesus, em termos jornalísticos é evidente, mas sim como nos
239
Extracto do livro apócrifo. A infância de Jesus segundo Tiago, XIX e XX.
240
A “outra” era a Maria Magdala, a companheira ou esposa de Jesus, a personagem que tanto embaraçou os autores dos textos cristãos.

Celestino Silva Página 83


O outro deus
deveríamos comportar para não morrermos ou sermos julgados pelo deus que ele
acreditava ter enviado Jesus. A imprudente paixão do Evangelista deu origem a que
nada se saiba hoje sobre a vivência desse mártir que descreveu, começando pelos
momentos mais marcantes da sua vida até à crucificação e ressuscitação do sepulcro
que ninguém sabe ao certo onde fica.
 … Os Evangelhos não esclareceram os seguidores que sustentam a morte de Jesus
na cruz. Formar tal opinião, sem que se tome algum conhecimento dos episódios que
levaram essa personagem à crucificação parece pouco próprio. Partindo deste
pressuposto, torna-se imperativo que se interprete o texto consagrado, não será apenas
lendo-o que se pode discernir a confusa descrição dos autores dos Evangelhos, cujos
textos foram construídos numa paixão sectária da fé religiosa. Infundadamente, alguns
estudiosos apoiam-se neles, talvez por isso continuam a interrogar-se: Jesus foi filho de
um carpinteiro ou de um aristocrata? Foi pacifista ou um revolucionário? Nasceu em
Belém ou em Nazaré? Afinal, quem foi realmente Jesus, o chamado filho de Deus!
 … O nascimento de Jesus é festejado a 25 de Dezembro, comemoração conhecida
hoje pelo dia de Natal. Será que o dito Messias nasceu nesse dia! Segundo o texto do
Evangelho de Mateus: «Tendo, pois, nascido Jesus em Belém da Judeia, no tempo do
rei Herodes, eis que vieram do oriente a Jerusalém uns magos que perguntavam: Onde
está aquele que é nascido rei dos judeus? Pois do oriente vimos a sua estrela e viemos
adorá-lo. (Mateus, 2, 1-2). Os magos não sabiam onde parava o menino judeu e os
antigos profetas baralharam-se nas previsões: «salta gritos de júbilo filho de Jerusalém»
(Zacarias, 9, 9). Vejamos o que diz: «a multidão da sua terra: «... este é Jesus, o profeta
de Nazaré da Galileia» (Mateus, 21, 11). Jesus nasceu em Nazaré ou em: «Belém
Efrata» (Miquéias, 5, 1-2)!
 … Perante um quadro de tanta incerteza, traçado pelos Evangelistas sobre o
nascimento de Jesus, poucos se convenceram de que tão especial criatura pudesse
nascer numa caverna, provavelmente mal cheirosa por servir de habitat aos animais. Os
historiadores são apologistas de que Jesus terá nascido nos anos 6º e 4º antes da Era
cristã, mas quase todos se situam entre o que actualmente consideramos o ano 8 e 6
a.C. Se Herodes morreu pouco depois do eclipse da Lua, em 13 de Março do ano 4
a.C., Jesus terá nascido antes de Abril desse ano, os seus primeiros tempos de vida
terão decorrido sob o reinado desse soberano. A data provável seria o ano 5 a.C., dado
se apregoar que Jesus foi crucificado numa idade superior aos 30 anos, a partir do ano
26 da nossa Era, quando Pilatos foi procurador da Judeia.
 … Sabe-se que o Natal foi celebrado, pela primeira vez, alguns séculos depois do
deicídio de Jesus e em datas bastante diferentes, nomeadamente: Janeiro, Março, Abril
e Setembro. Conclusão: Ninguém sabia nem parece saber quando nasceu tão
importante figura. O Papa Júlio I tenta colocar uma pedra em cima desta confusão em
meados do século IV, a partir daí o dia 25 de Dezembro passou a coincidir com as
festividades pagãs que se realizavam perto do fim do ano, tais como Saturnais e o
Natalis Solis Invicti, respectivamente: Nascimento do Sol Invicto – celebrado pelos
Romanos, e o antigo Festival de Yule, na Europa Setentrional, as festas comemorativas
do solstício de Inverno. Terá sido tal facto que determinou a sua escolha, com o
objectivo de atribuir um carácter religioso a tais festividades! No ano 525 o historiador
romano Dionísius Exignus fixou o Natal em 25 de Dezembro do ano de 754 da fundação
de Roma, o qual passou a ser o ano 1 da nossa era, mas não foi considerado o ano
zero.
 … Segundo um estudo divulgado pela Real Sociedade Astronómica da Grã-
bretanha, a estrela de Belém foi um cometa e o nascimento de Jesus teria ocorrido na
Primavera do ano 5 da nossa Era, o que estaria mais de acordo com a narrativa de que
Celestino Silva Página 84
O outro deus
«existiam nos campos pastores que vigiavam os seus rebanhos», facto pouco provável
no rigoroso Inverno em Belém. Sabendo tão pouco dessa figura religiosa os
Evangelistas sustentam a sua convicção em textos que escreveram 50-140 anos
depois, mas não há originais e os respectivos escritores não assinaram as suas obras.
 … Se tal tragédia aconteceu não isenta de culpa as instituições da doutrina cristã,
uma vez que são seguidoras dos sacerdotes que gritaram pela crucificação de Jesus
nos derradeiros dias. Contudo, insistem no que não podem explicar plausivelmente,
como seja o apelido Cristo. Sabe-se que essa palavra aparece mencionada mais de
550 vezes no Novo Testamento, mas nem uma única vez no Velho Testamento, embora
se fizesse referência a um tal “ungido” que hoje apregoam ser o esperado Messias. Na
tradição hebraica a palavra ungido quer dizer Messias e não Cristo. Se a palavra
encerra uma acção de quem martiriza outrem 241 , então que ligação haverá entre a
palavra «ungido» 242 e cristo?
 … Se levarmos em conta que Jesus foi chamado de Rabbi Josua 243 nos textos do
seu povo, um tal apregoador que vinha empreendendo uma doutrina nova e, anos mais
tarde, os Evangelistas começaram a descrever a palavra Cristo, estranha-se que não
esteja sequer implícito o Messias como ungido em nenhum versículo dos textos da
antiguidade-religiosa, pelo menos como os contemporâneos o apregoam hoje. Vejamos
um exemplo entre muitos: «Moisés ungiu o tabernáculo, todos os seus móveis, o altar e
os seus utensílios» (Números, 7, 1). Não é provável que os escritores associassem a
expressão ungido ao Messias, mas ficou claro que aplicavam esta palavra nos mais
variados motivos da sua religiosidade. Caso contrário, as personagens descritas
matavam ou mandavam matar os ungidos ou o Messias, como aconteceu antes de
Jesus, em que Davi perguntou: «Como não temeste estender a mão para matares o
ungido do Senhor?» (Samuel, 1, 14).
 … Nos textos apócrifos encontra-se a história de um menino chamado Jesus, não o
Cristo, ungido ou Messias. Estaremos na presença de uma ilusão dos escritores dos
sinópticos e de todos aqueles que os consagraram! Jesus foi descrito como filho de
Deus, embora pareça indeciso quando pergunta aos interlocutores fariseus: «Que
pensais do Cristo? De quem é filho? Eles disseram: de Davi.» (Mateus, 22, 41-45).
Cronologicamente não era o filho de Davi, então e do «velho» José carpinteiro e da
virgem que vivia com ele e teve vários filhos! Os Romanos, os principais sacerdotes que
o mandaram crucificar e os autores dos Evangelhos tiveram as suas dúvidas. Veja-se
como estes últimos descrevem a resposta do profeta que descreveram: «eu sou»
(Marcos, 14, 62); «tu o disseste» (Mateus, 26, 63); «se vo-lo disser não crereis» (Lucas,
22, 67); «tu dizes que eu o sou» (João, 18, 37).
 … A prova de que Jesus não foi o ungido nem o salvador está nas descrições dos
Evangelhos: «Servirá isso de sinal e de testemunho ao Senhor dos exércitos na terra do
Egipto; quando clamarem ao Senhor por causa dos opressores, ele lhes enviará um
salvador, que os defenderá e os livrará» (Isaías, 19, 20). Ora, dos que inicialmente
entraram na conquista da terra prometida não regressaram, foram abatidos por se
revoltarem, nem sequer passaram o Jordão, como foi o caso do próprio líder Moisés, só
compreensível se introduzirmos elementos extraterrestres na história do Êxodo. Jesus
não poderia ser o salvador porque Deus não o admite: «Eu sou o Senhor teu Deus
desde a terra do Egipto; portanto não conhecerás outro deus além de mim, porque não
há salvador, senão eu» (Oséias, 13, 4).

241
A palavra Cristo quer dizer: crucifixo; imagem de Cristo; pôr (alguém) num cristo.
242
Alguém que recebeu unção; untado; que recebeu a Unção dos Enfermos; aquele que foi sagrado ou recebeu os santos óleos.
243
Quando «Pôncio Pilatos era procurador da Judeia», vivia e actuava na Galileia um judeu que, como Hillel, considerava o amor ao próximo o principal mandamento: Rabbi
Josua, Jesus. (Werner Keller - História do Povo Judeu - Edições Acrópole).

Celestino Silva Página 85


O outro deus
 … Sustenta-se no Novo Testamento a vivência de Jesus, mas no profundo relicário
só se têm encontrado narrativas envoltas em mistério, não permitindo que se saiba o
que terá acontecido a quem, na época, enfrentou os maiores impérios da fé: o Romano
e o Judeu 244 . Algumas narrações de então asseguram que Jesus foi um rebelde
popular, mas ignorado e odiado pelos principais religiosos. Apesar de não se saber
onde, quando e por quem os Evangelhos foram escritos fazem-se alusões a um
salvador na maioria dos locais de culto. Muitos nem sabem que no tempo em que Jesus
terá sido crucificado geram-se dois movimentos e o Cristianismo de Paulino triunfou em
detrimento do Judaico, provavelmente essa pressão religiosa condicionou os textos dos
Evangelhos.
 … São Justino chamou aos Evangelhos, em meados do século II, «As Memórias dos
Apóstolos», mas esses textos apenas poderiam ser porta-vozes da comunidade cristã
primitiva, detentora da tradição verbal que se limitou a ligar essas histórias umas às
outras. Os escritos da época obedecem a um padrão generalizado de palpites que
foram introduzidos à medida das necessidades político-religiosas, uma ordem
meramente literária e sem fundamento histórico. Nos decénios que se seguiram à dita
crucificação de Jesus irrompem duas frentes de luta durante um século, o Cristianismo
Paulino e o Cristianismo Judaico. O sistema Paulino implantou-se progressivamente e
triunfou sobre o Judeo-Cristianismo.
 … As edições actuais dos Evangelhos tentam veicular a autenticidade das
descrições dos autores, mas os seus originais foram redigidas a partir de 50-140 anos
da dita crucificação de Jesus. Apresentados sob a forma de axiomas detalham a
vivência dos escritores para que pareçam assistir aos acontecimentos. Mateus foi
empregado de escritório da alfândega de Cafarnaum e até conhecia o aramaico e o
grego. O Marcos é apresentado como colaborador de Pedro, uma testemunha ocular.
Lucas é um médico que fala detalhadamente com Paulo. João é o filho de Zebedeu,
aquele pescador do lago Genezaré, o apóstolo que surge sempre ao lado de Jesus.
Estava apresentada uma ficha completa de escritores que andariam com o pergaminho
debaixo do braço, anotando as ocorrências. Esta visão é muito pouco similar à
generalizada pelos estudos modernos sobre o início do Cristianismo.
 … Na obra do cardeal Daniélon, publicado em 1967 na revista Études, é retraçada
nova visão das origens Cristãs (o Judeo-Cristianismo), uma história que nos permite
situar o aparecimento dos Evangelhos num contexto bem diferente das exposições
ecuménicas. Sobre a forma de pequenas sínteses destacam-se os pontos mais
relevantes da obra do cardeal: «o pequeno grupo dos apóstolos forma uma seita judaica
fiel às normas e ao culto do templo, mas o concílio de Jerusalém, em 49, propõe a
isenção da circuncisão e de todas as normas judaicas. Muitos recusaram e dá-se o
incidente de Antioquia. Até ao ano 70 os Judeo-Cristãos representavam a maioria da
Igreja de Jerusalém, onde a família de Jesus tinha um lugar preponderante». Daniélon
menciona os livros que relatam a vida de Jesus nessa comunidade, em torno dos
apóstolos: o Evangelho dos Hebreus, os Hypotyposes de Clemente, os reconhecidos
Clementinos, o segundo Apocalipse de Jacob, o Evangelho de Tomé 245 . «É a esses
Judeo-Cristãos que devemos os mais antigos monumentos da literatura Cristã».
 … Decorria o ano 70 e os Judeo-Cristãos dominaram até à guerra Judaica que
originou a queda de Jerusalém. Daniélon explica como tudo aconteceu: «Os Judeus
estavam desacreditados no Império e os Cristãos tinham tendência a separar-se deles.
Os Cristãos helenísticos tomam então a dianteira: Paulo obtém assim uma vitória

244
Apesar do sofrimento do povo Judeu nas opressões que sofreu, este também pressionou outros povos pela força das armas, simbolizadas por ajudas divinas, para impor a
doutrina monoteísta.
245
Escritos apócrifos, ou seja que devem ser escondidos. Esta proeza triunfante da igreja que nasce do sucesso de Paulo vem obscurecer para sempre a literatura evangélica.

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O outro deus
póstuma; o Cristianismo desliga-se social e politicamente do Judaísmo e transforma-se
no terceiro povo. Todavia, até à última revolta Judaica, em 140, o Judeo-Cristianismo
continuará a dominar culturalmente». Paulo foi considerado um traidor porque
desenvolveu o Cristianismo à custa do que Jesus reuniu, em torno de si, para propagar
os ensinamentos. Ele não conheceu Jesus vivo e portanto lança a justificação da sua
missão, através de uma aparição, a caminho de Damasco. Entre lutas terríveis
escreveram-se os Evangelhos ou «escritos de combate», como os classificou o Rev.
Padre Kannengiesser. Foi então que o triunfante Cristianismo Paulino constituiu a
compilação dos textos oficiais, o «Cânon», excluindo como contrários à ortodoxia todos
os outros textos».
 … A versão evangélica é um pouco diferente. Tudo começa quando Jesus aparece,
pela última vez, a um homem que nunca o tinha conhecido em vida. Chamavam-lhe
Salo de Tarso, mais tarde foi recordado por Paulo, um judeu devoto que outrora havia
perseguido os seguidores de Jesus. A revelação de Jesus ressuscitado toma forma
nessa experiência de Paulo, em que argumenta ter sido o próprio Jesus a ordenar-lhe
que levasse a palavra de Deus aos gentios, ou seja, aos não judeus que acreditavam
noutros deuses ou mesmo em nenhum. Os discípulos que tinham conhecido Jesus
viram isso como uma heresia, a partir daí deu-se a separação irreversível entre a seita
de Paulo que veio a dar no Cristianismo e o Judaísmo dos lendários patriotas Hebreus
de Tiago, o qual estava convencido de que reforçar o Judaísmo era o único objectivo do
seu irmão Jesus, uma vez que era um judeu.
 … Como se pode ler no capítulo 21 do livro dos Actos, abriu-se um conflito directo
entre Paulo e Tiago, o chefe da Igreja de Jerusalém. Esta batalha levou a que uma
pequena seita se desenvolvesse e gradualmente transformasse Paulo no arquitecto da
Igreja cristã, enquanto o Tiago era esquecido. Nasce então uma religião mundial, o
Cristianismo que se muda de Jerusalém para Roma, outrora o coração do Império
Romano e agora o Vaticano, de onde se enviou Pilatos para crucificar um homem
rebelde, hoje o líder espiritual dessa mesma religião.
 … Israel foi submetido a Província Romana, os registos da época assinalam guerras
abundantes e os reis, chefes e líderes religiosos organizavam-se em grupos bélicos,
mas as suas imponentes fortalezas eram constantemente arrasadas e profanadas por
novos e aguerridos herdeiros. Nessas atrocidades cresceu imponentemente a
soberania romana. Os escritores e profetas influenciaram os povos conquistados e a
conquistar, como foi o caso do mártir povo Judeu que não só herdou dos patriotas
Hebreus as riquezas de Abraão, Ló etc, como também a chancela de “povo de Deus”, o
que lhe custou perpétuos assaltos, profanações, cativeiros e sucessivos holocaustos.
 … Na sequência de sangrentas lutas pela derrota de Tarento, ano 172 a.C., final da
terceira guerra púnica de Cartago, Norte de África, apenas restava uma paisagem
desoladora de ruínas fumegantes. O Mediterrâneo Ocidental caiu no poder romano e
até Espanha lhe ficou submetida, assim como todo o Próximo Oriente, da Ásia Menor
até ao Egipto. Entre os arrogantes imperadores da época Pompeu, o Magno, foi o
cônsul que dominou com plenos poderes a Ásia Menor, a parte oriental do
Mediterrâneo, e tenta conquistar o Oriente. Nos anos sessenta, antes do aparecimento
de Jesus, já estava em Damasco, ocupando-se da submissão da Síria, e é então que
rebenta a guerra civil da Judeia.
 … Pompeu encontra Aristóbulo, o adversário que tanto temia, mas conseguiu
prendê-lo em Jerusalém. Apesar de uma firme resistência dos patriotas do seu
prisioneiro, o Império Romano acaba por penetrar nas muralhas da fortaleza. Roma
passa a decidir sobre o destino da Judeia e Pompeu entra triunfalmente em Roma, com
a coroa de louros na cabeça e o imenso espólio do Oriente. Entre essas riquezas
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O outro deus
vieram muitos prisioneiros judeus que foram vendidos como escravos, mas como
professantes da fé judaica não trabalhavam ao sábado, por causa da lei de Moisés, o
que fez com que tivessem pouca utilidade. A maioria não foi resgatada pelos parentes e
viveu no sopé da colina do Vaticano.
 … A corrupção é agitada pelo assalto ao tesouro do templo de Jerusalém, de onde
renascem conflitos internos e acesas guerras contra o Império Romano. Os alicerces
imperiais começavam a ruir e as más relações, entre Júlio César e Pompeu,
descambaram numa luta armada. O Tribunal Supremo tenta sentenciar Herodes, mas
Roma opôs-se timidamente e ele foge. Em vez de ser castigado recebe dos romanos o
elevado cargo de sub governador da então Celesíria. Entretanto, chega a grande
notícia: o César é assassinado no Senado. O povo acaba de chorar a morte do “bom
César” e logo o seu antigo perseguidor Cássio entra em acção, aplicando dolorosos
impostos aos judeus que César tinha isentado. Para manter os cargos Herodes e
Antipater aliam-se a Cássio, formando mais um triunvirato, o qual veio a vender quatro
cidades como escravos para angariar fundos de guerra. Marco António vence Cássio e
foi senhor de todo o Oriente romano, mas o povo estava cansado da opressão e da
pobreza, Marco cortejava a rainha Cleópatra, antiga amante de César, gastando
avultadas somas em festas sumptuosas.
 … Herodes é nomeado o «rei da Judeia», mas foi um estrangeiro para os Judeus,
assim como Antígono, rei de Jerusalém, o seu maior inimigo. Ao mando de Marco
Herodes decapita Antígono e manda matar os inimigos e suas famílias, como refere o
autor de “Josepho-Antiguidades Judaicas”, em que deixou uma lista para que fossem
assassinadas as pessoas que lhe faziam frente, mesmo para depois de ele morrer. Esta
atitude conquistou o ódio dos judeus que estavam agora em suas mãos. Marco vivia
uma paixão malograda e não reparou na desumanidade de Herodes, a qual lhe trouxe a
morte numa guerra, em que a sua apaixonada Cleópatra é vencida e foge num barco,
mas encontram-se um ano mais tarde e se suicidam misteriosamente.
 … O caminho ficou livre para Octávio, o sucessor de Marco António, que se
converteu no imperador César Augusto e transformou a Roma republicana num império.
Herodes encontra o terreno ideal para dar largas à sua imaginação, por todos os pontos
estratégicos irromperam sumptuosos palácios, templos, castelos, arenas e hipódromos.
Na costa sul de Carmelo manda edificar uma cidade portuária, à imagem da sua
magnificência, chamou-lhe Cesareia, um local que ninguém escolheria para uma
cidade, mas onde foram construídas arenas para as multidões assistirem às lutas de
homens com feras esfomeadas. Depois de uma longa enfermidade Herodes morre com
setenta anos, mas antes mandou assassinar os que derrubaram a águia que
simbolizava o poder da Roma pagã e condenou à morte o seu próprio filho. Herodes o
Grande é dos personagens mais odiados da época, um ditador exterminador de povos e
opositor à crença monoteísta dos judeus. Muitos confundem-no com “o assassino dos
inocentes”, felizmente que morreu no ano 4 a.C. sem que pudesse ser acusado dessa
hipotética desgraça.
 … As pestes não acabam sem deixar consequências, o filho de Herodes, o Antipas,
é reconhecido em 40 a.C. pelos romanos. No ano 37 conquista Jerusalém e é o rei dos
judeus sete anos depois, passando a dirigir uma enorme região que incluía a Judeia, a
Samaria, a Galileia, Pereia e territórios circundantes a sul e a sudoeste. Herodes
Antipas era um rei tetrarca 246 e no seu reinado Jesus terá sido crucificado.

246
Designação dada aos antigos governadores de uma tetrarquia, ou seja, cada uma das quatro partes, províncias ou governos, em que se dividiam alguns estados, sob a tutela
de Roma. Aplica-se à subdivisão da antiga falange grega.

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O outro deus
 … Nos tempos imediatos ao deicídio de Jesus emergiram os seguidores cristãos,
sendo poucos não mostravam sinais para se separarem do Judaísmo, mas passados
50 anos é notória essa divisão, nasce a segunda religião monoteísta do cristianismo e
começaram a escrever-se as epístolas de Paulo. O Império Romano divide a Palestina
em três províncias, a fome regressou e no ano 70 o Templo volta a ser destruído. Os
judeus tentaram resistir durante três anos, mas a maioria acabou massacrada e
deportada. A cultura do Povo Hebreu ficava cada vez mais longe dos seus patriotas
bíblicos, o culto da circuncisão que provinha da conquista vitoriosa do Josué quase se
perdeu. A dita terra prometida tornou-se num sonho irrealizável e custou o extermino de
quase todo esse povo, apenas 600 anos permaneceram na terra santa, muitos ainda
continuam fora da parte que foi oferecida a Israel em 1947.
 … No curto historial explanado muitos déspotas operaram em horrendas atrocidades
sobre os povos, quase sempre desprotegidos mas confiantes na salvação do Deus Uno.
O Povo Judeu também tentou impor a sua doutrina ao poderoso Império Romano, mas
Pôncio Pilatos chegou à Judeia nessa altura com o seu «carácter duro e inflexível»,
como o descreve Filon de Alexandria. Manda vir tropas da Cesareia e exibe os
estandartes e imagens da deificação humana, levando os Judeus a revoltaram-se pela
ofensa à sua fé. Pilatos não cede e atrai a multidão para a arena de forma arguciosa,
onde estavam os seus soldados que obrigaram os judeus a submeterem-se, estes
deitaram-se e descobriram o peito e o pescoço para serem degolados, mas ele não
desistiu até à chegada de Rabbi Josua, mais tarde chamado Cristo.
 … Pouco notado entre os judeus, embora habituados aos grupos aguerridos da
altura, a persistência e as circunstâncias fizeram com que Jesus se tornasse uma
afronta séria para o governador. A luta que travou contra o império romano e judeu
despertou a atenção dos oprimidos que lhe chamaram o profeta rabi, curador e líder,
mas é pouco provável que tenha imaginado as multidões que ainda se reúnem em seu
nome. Está implícito que Jesus nunca teve a intenção de formar a presente Igreja nem
criar uma nova religião por oposição ao Judaísmo, existem poucos dados para nos
contarem a história dessa figura tão longínqua, a começar pelo nascimento, o seu
aspecto físico e os acontecimentos gloriosos da sua vida. A partir do início do século
XXI os arqueólogos, teólogos, historiadores e estudiosos bíblicos vasculham a
historicidade de um revolucionário ou profeta. Propõem que recuemos ao século zero
para conhecermos a figura que caminhou pelos montes da Galileia e nas ruas de
Jerusalém.
 … A época era de opressão e as pessoas viviam sob o jugo dos impérios da fé, um
bom discursista que lhes falasse em salvação, como o fez João Batista, facilmente seria
acarinhado, mas alguns queriam acção e começaram a interrogar-se sobre o verdadeiro
Messias. Sob a inacção divina apressaram-se a nomear o salvador para os conduzir à
liberdade. João Batista tinha um discurso adequado, mas apenas serviu por alguns
tempos até ser degolado. A opressão dos romanos e dos sacerdotes continuou e surgiu
o tal Rabi Josua, hoje Jesus Cristo, assumindo esse papel, mas passou a ser um
homem marcado. Segundo a tradição, a missão de Jesus terá começado por volta do
ano 27 e durou 3 anos, mas há quem acredite que o seu ministério terá durado alguns
meses depois da degolação do antecessor.
 … Através dos Evangelhos vamos seguir o caminho de Jesus e dos seus Apóstolos
que evitavam as grandes cidades, apelando aos pobres, camponeses das zonas rurais
e aos sem abrigo. Esta mudança de comportamento foi dramática para o poder
instituído dos judeus, já que Jesus recebia de braços abertos os proscritos e os
pecadores, tratando as mulheres como iguais: «bem aventurados vós, os pobres,
porque de vós é o reino de Deus, bem aventurados vós, os que agora tendes fome,

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O outro deus
porque sereis saciados, bem aventurados vós, os que agora chorais, porque haveis de
rir» (Lucas, 6, 20-21).
 … Quer o autor do Evangelho de Lucas tivesse colocado, ou não, esta declaração
na boca de Jesus, revela um grito extremo de liberdade. Jesus prendeu a atenção dos
ávidos e só teve que decorar alguns dos textos do Pentateuco, aos olhos dos
perseguidos era um seguidor de Moisés, afirmou-se tal qual ele. Escolhe um ponto alto
para proclamar o Sermão da Montanha e diz: «ouviram o que foi dito, no entanto eu
digo-vos que estejam prontos». Perante um novo Moisés havia que arranjar novos
mandamentos, mas surgem promessas em vez de novas leis, embora o que Jesus
apregoava fizesse sentido. O discurso era avançado e bem articulado, melhor não fez
Moisés. Os ditos milagres preencheram um vazio de avidez num universo de
curandeiros e visionários do futuro. A mensagem de Jesus traz nova esperança aos
desesperados. O sofrimento passou a ter um propósito, à época tudo era dramático e
os povos viviam infelizes.
 … Na plebe 247 havia um sentimento generalizado de que o pregador itinerante era o
príncipe da paz, mas os patrícios instalados estavam atentos aos seus avanços
revolucionários e políticos. Jesus não agradou aos principais sacerdotes do Templo e
ao poder romano instituído. Muitas pessoas manifestaram desagrado pela forma como
o caso estava a ser conduzido, aos seus olhos Jesus era amigo dos pobres e não
deveria ser punido por desafiar as autoridades do poder. Será que a revolução de Jesus
era pelo bem-estar dos pobres, ou seria pela linhagem e o seu único apoio eram os
povos carentes de afecto político!
 … Vamos tentar conhecer essa figura político-religiosa, através das suas palavras e
acções. Do ponto de vista da religião deparamo-nos com o interventor que todos
conhecem, um gentil pacificador que nos mandou amar uns aos outros: «Eu porém
digo: se alguém bater na face direita oferece-lhe também a outra» (Mateus, 5, 39). O
“Messias guerreiro” que os oprimidos esperavam surgiu diferente dos anteriores, em
vez de derrubar o regime manda dar a face ao opressor, mas não entrega a espada: «...
não vim trazer a paz à terra, mas sim a espada... todos os que lançarem mão da
espada, à espada morrerão» (Mateus, 10, 34 e 26, 52). As contradições são
desconcertantes dentro do mesmo Evangelho. Jesus terá sido um homem de paz ou de
violência! Muitos descreveram-no um judeu rebelde, mas as opiniões divergem com o
conceito de observação, talvez os escribas desejassem ver a repetição dos ditos
milagres por um novo Messias, já que Jesus chegou a ser mais poderoso que todos os
deuses da mitologia, incluindo Moisés: Acalma as ondas do mar, caminha sobre as
águas, transforma água em vinho, multiplica cinco pães e dois peixes num farto lanche
e enche a barriga de cinco mil pessoas.
 … As histórias dos milagres revelam o grande puzzle teológico que é o Cristianismo.
Se Jesus era um homem poderia ter vivido como todos os homens e ter as mesmas
virtudes e fraquezas. A vida de um homem normal é casar e reproduzir-se, tal como o
faz toda a espécie e como descreve o primeiro mandamento nos textos do Velho
Testamento: «crescei e multiplicai-vos». Jesus também foi casado, pois o contrário nem
sequer é coerente com a cultura daquele tempo, em que essa seria a primeira das
acusações que lhe fariam. Para um homem judeu o casamento era um modo de vida
aceite por todos, nos textos da época Jesus foi educado e seguiu toda a sua vida na lei
judaica.
 … A Bíblia foi a sua inspiração e os seus heróis Abraão, Moisés e David eram todos
casados, foi nessa condição que também serviram a Deus. Em toda a Bíblia hebraica

247
Classe inferior da primitiva sociedade romana; (a classe privilegiada era a dos patrícios).

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O outro deus
há um constante estímulo à multiplicação da linhagem religiosa, mas não há uma única
referência ao celibato para toda a vida. O casamento não era uma questão de escolha,
mas sim a única condição para a multiplicação. Um filho jovem e dedicado, membro de
uma comunidade devota e unida, como a judaica, sentir-se-ia honrado por poder seguir
a tradição dos seus antepassados. Na adolescência o casamento dos filhos era
arranjado por duas famílias para mais tarde se consumar.
 … As antigas leis judaicas apresentam cinco deveres que um pai tem de cumprir, de
modo a preparar o seu filho para a vida e para Deus: Teria de circuncidá-lo, redimi-lo,
ensinar-lhe a Tora, um ofício e encontrar-lhe uma esposa. Juntamente com as virtudes
espirituais a circuncisão era, na tradição judaica, o primeiro passo na preparação de um
adolescente para o casamento. Jesus também cumpriu esse ritual: «Quando se
completaram os oito dias, após os quais deveria ser circuncidado, puseram-lhe o nome
de Jesus» (Lucas, 2, 21).
 … Para salvar o filho do pecado um pai levava-o ao templo e fazia um sacrifício em
honra do Senhor: «quando se cumpriu o tempo de sua purificação, segundo a lei de
Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor, e para oferecerem
um sacrifício» (Lucas, 2, 22-24). O seu pai José era um Judeu tradicional e convicto, por
isso envidou esforços para que Jesus aprendesse as leis sagradas. O autor do texto
apócrifo Tomé (veremos mais adiante) descreve a dificuldade que José teve para
educar Jesus, um jovem que prende a atenção dos povos teria de estar bem informado
sobre a tradição judaica. Logo na tenra idade Jesus soube do aviso que era dirigido aos
jovens: «quando o homem solteiro chega aos vinte anos e não é casado diz o
santíssimo: deixem-no morrer» (Lei oral judaica, 29 a.C.).
 … Jesus aprendeu o ofício de carpinteiro com o seu pai, isto prova que José
cumpriu quatro das cinco obrigações a que estava sujeito em relação à boa educação
do seu filho, será que não cumpriu a quinta, a de arranjar esposa para o filho! Os
escritos judaicos e outros da época indicam que Jesus foi um homem casado, por isso
foi chamado rabi ou mestre pelos seus seguidores: «Um homem solteiro não pode
ensinar as crianças» (Lei Oral Judaica, 4, 13). O Evangelho de João revela o
casamento de Caná da Galileia, em que Jesus transforma água em vinho: «disse a sua
mãe aos servidores: fazei o que ele vos disser. Disse-lhes Jesus: enchei essas talhas, e
encheram-nas até acima» (João, 2, 5-7). Muitos interpretam esse passo como a
celebração do casamento de Jesus, particularmente como ele e a mãe dão as
instruções. A ênfase ao milagre dessa boda deixa perceber que se tratou de uma
aliança importante na família. Sendo um homem casado quem era a sua esposa?
 … Naquele tempo as esposas acompanhavam os bons e maus momentos da vida
dos maridos, fosse em episódios triunfais ou mortais. Os Evangelistas realçam o nome
de Maria Magdala a seguir os passos de Jesus, desde o começo do seu ministério ao
final da sua vida, mas é nos documentos extra-canónicos que ela se revela mais íntima.
O romance é descrito várias vezes por Jesus a beijá-la nos lábios, o que é uma
afirmação deveras extraordinária em documentos do género: «Cristo amava-a mais do
que a todos os discípulos e costumava beijá-la, frequentemente, na boca. Os outros
discípulos ficaram ofendidos com isso e expressavam a sua desaprovação. O salvador
respondia-lhes que grande era o mistério do casamento, pois que sem ele o mundo não
existiria» (Evangelho de Filipe, século II).
 … Os quatro Evangelhos descrevem a Maria Magdala como a mulher mais
sofredora ao longo das duras horas da crucifixão, sendo a primeira a comparecer junto
ao sepulcro na manhã de Páscoa: «Passado o sábado Maria de Magdala e Maria, a
mãe de Tiago e Salomé, compraram flores para o irem balsamar» (Marcos, 16, 1). A
tradição antiga da unção do corpo era um ritual sagrado, normalmente celebrado por
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O outro deus
um parente próximo do falecido. O primeiro apóstolo escolhido por Jesus e o mais
próximo dele foi o Pedro, também conhecido por Simão Pedro ou simplesmente Simão:
«saído da sinagoga foi para casa de Simão e André acompanhado por Tiago e João, a
sogra de Simão estava de cama com febre e imediatamente falaram dela» (Marcos, 1,
29-30). A esposa de Pedro viajava sempre com Jesus, e os outros apóstolos eram
casados: «Não temos o direito de levar connosco uma mulher irmã e com os demais
apóstolos ou irmãos do Senhor» (Primeira Carta aos Coríntios, 9, 5).
 … Jesus parece ter escolhido um homem casado e pai de filhos para o ajudar na
sua missão: «Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e dar-te-ei as
chaves dos céus» (Mateus, 16, 18-19). Não só Pedro era casado como durante séculos
também os pontífices, os sacerdotes e os bispos foram homens casados. O celibato só
começou a aparecer como a forma de dedicar uma vida inteira a Deus, os conselhos
das igrejas locais começaram então a recomendar a castidade para os membros do clã.
No ano 1015 a Igreja emitiu uma lei que proibia o sacramento do casamento aos
membros do clero. A principal motivação dessa lei não foi a espiritualidade, houve
talvez uma outra motivação. A Igreja estava a perder património através das heranças,
desejava assim impedir o nascimento de filhos de sacerdotes e bispos que reclamariam
depois as suas propriedades. Para resolver este problema foi aprovada a proibição do
casamento no Concílio de Trento, no ano 1545. Tratava-se de uma lei da Igreja, não de
Deus, a qual reconhecia que Jesus nunca aconselhara uma vida de celibato aos seus
seguidores.
 … Na década 30 do primeiro milénio, mais concretamente num domingo de
primavera, Jesus entra triunfalmente em Jerusalém montado num burrito enquanto a
festa judaica da Páscoa decorria. Estava prestes a cumprir-se uma profecia escrita
cinco séculos antes: «filho de Jerusalém, eis que o teu reino vem a ti, ele é justo e
vitorioso, humilde montado num jumento» (Zacarias, 9, 9). Se Jesus chega montado
num jumento para cumprir a profecia de Zacarias, porque terão outros Evangelistas
retratado Jesus como o Messias quando todos concordam que entra em Jerusalém de
forma triunfal, em que os anfitriões: «cortavam ramos de árvores e espalhavam-nos
pelo caminho e toda esta multidão... dizia em altos brados: hossana ao filho de David»
(Mateus, 21, 8-9). Esse dia ficaria conhecido como o Domingo de Ramos e a chegada
de Jesus a Jerusalém, fosse ela com o objectivo de ser dramática ou não, é vista por
muitos como um gesto de desafio e um apelo à revolta.
 … A Páscoa era uma altura de grande celebração do Povo Judaico, nesse dia
comemora-se a libertação da escravidão no Egipto, um período de tensão elevada para
as autoridades judaicas e romanas. Havia grande agitação em Jerusalém, mas foi na
segunda-feira que Jesus dá início à violência e à contagem decrescente da sua vida:
«começou a expulsar os que ali vendiam e compravam, derrubou as mesas dos
cambistas dizendo: «não está escrito: a minha casa será chamada casa de oração para
todos os povos? Mas vós fizestes dela um covil de ladrões.» (Marcos, 11, 15-17).
 … Jesus quis destruir simbolicamente o Templo e não purificá-lo, derrubou as
mesas dos agiotas e destruiu a sua base fiscal. A actividade do Templo voltou ao
normal, mas Jesus tornara-se uma verdadeira ameaça ao sistema, talvez a maior com
que se confrontara até então. Os soldados do Império Romano não temiam qualquer
invasão inimiga à cidade de Jerusalém, mas tanto eles como os soldados de Deus 248
evitavam os problemas, principalmente quando milhares de visitantes faziam encher os
cofres da cidade dita sagrada, que seria tão grave como acabar hoje com as receitas de
Fátima. Ao terceiro dia, em Jerusalém, Jesus regressa ao Templo e os seus actos
revoltosos, do dia anterior, despertaram perguntas hostis, algumas directas, outras
248
Sacerdotes do Templo; os que actuavam em nome de Deus.

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O outro deus
veladas: «Mestre, sabemos que sois homem de verdade, porque não vos apoquentas
com o que as pessoas dizem de vós. Dizei: é lícito dar o tributo a César ou não?
Daremos ou não?» (Marcos, 12, 14).
 … Se Jesus lhes dissesse: Não, não paguem o tributo, os soldados do Império
Romano diriam: ele é um revolucionário, prendemo-lo. Se dissesse: Sim claro, devem
pagar o tributo a César, os sacerdotes esperavam que muitos dos seguidores ficassem
desiludidos com essa cedência: «então Jesus disse-lhes: porque me tentais? Trazei-me
então uma moeda para que a veja, eles trouxeram-lha e ele disse-lhes: de quem é esta
imagem? Eles lhe disseram: de César. Jesus respondeu-lhes: Dai a César o que é de
César, e a Deus o que é de Deus» (Marcos, 12, 15).
 … Jesus surge com uma transformação repentina e passou de conselheiro a
curandeiro. A ávida plebe fica perturbada com o renovado Messias e os autores dos
Evangelhos glorificaram essa nova postura quase um século e meio depois: Jesus deu
vista aos cegos, noutros fez voltar à vida alguns defuntos. Iguala-se ao seu pai do céu:
«Quem faz o mudo, o surdo, o homem que vê o cego? Não sou eu, o Deus?» (Êxodo,
4, 11). Apesar de tudo, Jesus foi descrito com mais prudência do que o dito pai que
escorraçou o casal do Éden, mas ao violentar os vendilhões do Templo talvez não fosse
somente um homem de bondade. A sua irascibilidade evidenciou-se nessa acção
desesperada de fanatismo religioso, o suficiente para dar nas vistas da populaça que o
passou a adorar e a odiar. A surpresa também chamou a atenção dos soldados
romanos e dos sacerdotes: «Os príncipes dos sacerdotes e os escribas ouviram isto e
procuravam maneira de o prender, mas temiam-no» (Marcos, 11, 18).
 … Os povos oprimidos tinham a fé como refúgio, rodeavam o Templo e os
sacerdotes e oficiais da polícia não conseguiram prender Jesus. Prudentes e cautelosos
ficaram atentos aos movimentos e às fraquezas deste revolucionário religioso. Se um
império não arriscou uma revolução no seu interior, o outro tinha de parar o líder da
revolução, ambos viviam na dependência do sistema instituído, e um líder que
mobilizava um número considerável de seguidores poderia causar uma revolta religiosa.
 … Três dias depois da insurreição Jesus encontrava-se no jardim a rezar com os
apóstolos quando, na escuridão da noite e numa quinta-feira, é preso pelos guardas do
Templo. Este acontecimento é contado nos quatro Evangelhos, embora nenhum
explique de que crime foi Jesus acusado. Dizer sou filho de Deus ou o rei dos judeus
não justificava o delito de morte, mas Jesus enfrentou o Império Judeu e fez tremer o
clã religioso ao proclamar-se o seu rei, além da afronta directa ao Império Romano. O
reino vindouro era uma ameaça que implicava a corrupção do presente. Deus interviria
e castigaria os líderes hebreus que compactuavam com a administração romana e
Jesus ameaçava os imperadores, a ordem social de então com o julgamento divino.
 … O Povo Judeu tinha uma escrita avançada para a altura, mas nem uma só
palavra escreveu quanto à vivência de Jesus. O Dr. Joseph Klausner, professor da
Universidade Judaica de Jerusalém, afirmou: «não há nenhuma tradição judaica
daquela época, tal como qualquer fonte laica contemporânea que faça menção à
aparição e actuação de Jesus... Numa época em que reinava tanta intranquilidade
devido à soberania da casa de Herodes e dos procuradores romanos, a aparição de
Jesus representava um acontecimento de tão pouca importância que os
contemporâneos nem sequer o comentaram». Acrescenta ainda: «para os sábios de
Talmud 249 a época em que viveu Jesus estava já distanciada demais para que
pudessem referir, no seu verdadeiro aspecto, os acontecimentos históricos que tiveram
como centro a figura do Messias cristão. Por isso, conformaram-se com as lendas

249
Ensino (estudo), juntamente com a Bíblia é a obra principal do judaísmo, composto à base da tradição oral de muitos séculos.

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O outro deus
populares que corriam sobre a sua pessoa e a sua vida... Nessa época o Judaísmo
quase estava esquecido por falta de chefes espirituais que exortassem à rebelião e à
acção libertadora... os fariseus viviam retirados da vida política porque acreditavam que
era inoportuna uma revolta... pelo que dedicavam toda a sua força à consolidação e
ampliação do Tora, a lei religiosa e civil... Entretanto, surge um pobre aguadeiro que foi
despedido e pendura-se numa janela para escutar as palavras do deus vivo... era a
véspera de um sábado e nevava... quando o descobriram já se encontrava rígido e
coberto de neve... então libertaram-no e disseram: Este homem merece que por sua
causa se viole o sábado... chamava-se Hillel, a partir daí outro ânimo entrou na vida
religiosa... Pensa-se que Jesus teria recebido influências das escolas hillelianas que
floresciam no seu apogeu» (livro “História do Povo Judeu”).
 … As acusações ganham forma contra Jesus que foi entregue ao tribunal do Império
Romano. Na primeira audiência, antes da presença perante o sinédrio 250 , um sumo-
sacerdote lhe disse: «És tu o Cristo, o Filho do Deus? Respondeu Jesus: Tu o
Disseste... então o sumo-sacerdote rasgou as vestes dizendo: blasfemou! Que vos
parece!? Eles responderam: é réu de morte» (Mateus, 26, 63-66). O interrogatório
prolongou-se por várias horas e Jesus foi acusado por se proclamar o rei dos judeus,
uma ameaça directa ao império Judeu e Romano: «chegada a manhã... levaram-no ao
governador Pilatos» (Mateus, 27, 1-2).
 … Pilatos é descrito nos Evangelhos como um sujeito que reconheceu em Jesus o
rei dos judeus, mas o romano Flávio Josepho 251 descreve esse governador de ditador
cruel e aterrador, capaz de mobilizar a multidão e fazê-la crer de que ele tentava libertar
Jesus, por isso evocou uma tradição de libertação: «em cada festa costumava soltar-se
um preso que eles pedissem» (Marcos, 15, 6).
 … Não há tradição romana e judaica sobre a libertação de um prisioneiro na Páscoa.
O retrato que pintaram de Pilatos nos Evangelhos serviu para transferir a culpa para o
povo, os autores não contaram a verdade, isso é perceptível nas entrelinhas da sua
escrita, não o fizeram antes de Jesus ser crucificado e nem depois da extraordinária
ascensão para outro mundo, a dita Ressurreição. No Evangelho de Lucas os cristãos
não estavam a ser uma ameaça para Roma, mas os impérios da fé viviam da multidão
que controlavam, no caso foi dada liberdade ao assassino Barrabás e Jesus foi
crucificado.
 … Aprofundamos a pesquisa e observamos que as cartas de Paulo e seguidamente
outras fontes primárias, como os Evangelhos, têm revelado algum antagonismo. Não
manifestam a Ressurreição, mas relatos posteriores a 50 anos da dita, sustentando que
Jesus morreu, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, aparecendo numa visão a
Paulo que, curiosamente, perseguia os seguidores de Jesus. Os restantes videntes
revelam a presença de Jesus em visões, esta conjugação mítica do «eu vi, ele viu»,
suscita controvérsia e tem afugentado alguns seguidores. Enquanto o autor do
Evangelho de Mateus relata o nascimento de Jesus dos pais Maria e José, Marcos dá
início à história quando Jesus já era adulto e a ser baptizado pelo “misterioso” João
Batista. Se o autor do Evangelho de Marcos teve dúvidas quanto à proveniência de
Jesus e não deu qualquer referência do seu nascimento, Lucas vai mais longe numa
carta ao seu amigo Teófilo, onde descreve uma geração de um tal João e a linhagem de
Jesus.
 … Durante os primeiros 50-60 anos nenhuma das fontes primárias dá referência a
sepulcros vazios, pessoas a comer (última ceia) ou até a tocar em Cristo, mas sim

250
Supremo conselho, entre os Hebreus, com as mais altas funções e com autoridade em todos os campos.
251
O autor que escreveu acerca de expurgações sangrentas e o assassinato irracional dos samaritanos.

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referências de visões e aparições “incorpóreas”. Só muito mais tarde é que o autor do
Evangelho Lucas dá sinais de que Jesus aprece vivo e corpóreo, como qualquer vivente
deste planeta: «eles espantados e atemorizados, pensavam que viam um espírito.
Jesus, porém, lhes disse: Por que estais perturbados? Sou eu mesmo… um espírito
não tem carne nem ossos.» (Lucas, 24, 36-43). Estas fontes são absolutamente
contraditórias e não são unânimes para o que aconteceu no primeiro Domingo de
Páscoa. Quando mais tarde os Evangelhos foram escritos mais elaborados se
tornaram, o que retira exactidão ao objectivo da verdade. Nos anais do judaísmo quase
não existem referências da presença de Jesus, embora fosse Judeu e a tradição judaica
fosse a mais implantada nesse tempo.
 … A Ressurreição poderá ter partido de um grupo de discípulos Judeus. A época era
propícia a manifestações de profetas, Messias e outros visionários que lançavam as
mais variadas mensagens das suas visões. Havia dois cenários possíveis para a morte:
Depois de se morrer ia-se para o Inferno ou para o Céu, após algum tempo da morte as
pessoas ressuscitavam. Sabe-se que alguns movimentos se auto-protagonizaram com
esta novidade religiosa, havendo quem ainda reclame ter parte da cruz onde Jesus foi
sepultado ou um pedaço do seu manto e até a cabeça, como é o caso dos Cavaleiros
dos Templários, um grupo esotérico que teria vivido nesse tempo e ainda pratica esses
rituais secretos, exibindo o ícone de uma caveira. Alguns investigadores afirmam ser
uma réplica da cabeça de Jesus, a verdadeira encontra-se guardada numa câmara por
baixo de um templo. Do ponto de vista científico é complicado abordar a Ressurreição,
só no ambiente da fé religiosa se pode encontrar explicação para tal fenómeno. Sendo
das mais apaixonantes histórias de compaixão, talvez não seja uma questão relevante
para os parâmetros que são sustentados na ciência.
… Tomámos conhecimento da vivência do misterioso João, filho da infecunda Isabel,
mas não do seu desempenho na linhagem, já que chegou a ser considerado o Messias.
O seu discurso era elevado para a época e maravilhou os ávidos que ansiavam um
salvador para os libertar do jugo de impérios instituídos.
… Os Evangelhos descrevem de multifacetado o tal João Batista, um discursista que
preparou a entrada do dito Messias. A personagem de João Batista é muito associada à
de um tal Elias que não salvou Jesus no momento em que tanto lhe implorou, por isso
vamos comparar a sua história à do tisbita, o filho de Onri de Tisbe que habitava em
Gileade. O autor do texto “II Reis” descreve Elias como um guerreiro que usava poderes
altamente complexos e se movimentava muito bem entre os celícolas. Começou a ser
mais conhecido quando o rei Acazias, filho de Acabe: «caiu pela grade do seu quarto
alto em Samária e adoeceu» (II Reis, 1, 2). O rei Aczias enviou mensageiros ao deus de
Ecrom para que este o curasse, mas o chefe da expedição estava atento aos erros de
Aczias por este ter escolhido outro deus. Então, manda Elias subir o monte e interceptar
os mensageiros para lhes dizer: «... Porventura não há Deus em Israel para irdes a
consultar...?» (II Reis, 1, 3).
… Os mensageiros regressam e informam o rei, mas este ficou intrigado e pede a
discrição do homem que dava aquelas ordens aos seus guerreiros que lhe disseram:
«Era um homem vestido de pelos, e com os lombos cingidos dum cinto de couro. Então
ele é Elias, o tisbita!» (II Reis, 1, 8). Aczias insiste para que lhe trouxessem o deus que
ele escolhera para o curar, mas acaba de cometer o grande erro da sua vida. Por duas
vezes que foram enviados cinquenta homens estes pereceram às mãos de Elias. Na
última tentativa o chefe da expedição ajoelhou-se perante Elias, implorando que
poupasse a sua vida e dos seus homens. Os guerreiros foram perdoados, mas o
enfermo rei Aczias teve a seguinte resposta dos celícolas: «... da cama a que subiste
não descerás, mas certamente morrerás.» (II Reis, 1, 6).

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O outro deus
… O mítico Elias foi levado pelas naves dos celícolas: «num carro com cavalos de
fogo... Elias subiu ao céu num redemoinho (II Reis 2, 11). Passados quase mil anos
regressou com uma grande sabedoria e com o nome de João, o Batista, atribuído pelo
ficcionista Lucas. Os Intermediários dos celícolas foram instruídos para que a linhagem
os aceitasse, o baptismo de Elias foi um meio de atrair os aderentes, incluindo Jesus.
Elias não podia ser reconhecido como o viajante do espaço, um assunto inaceitável para
a altura que podia comprometer a linhagem religiosa na Terra. Então, para testar o seu
aluno, enviou seguidores seus para interrogar Jesus: «... és aquele que devia vir ou
esperamos outro?» (Lucas, 7, 19).
 … A missão de Jesus deveria ter sido a mais arriscada de todas porque o mestre e o
discípulo não a levaram a bom termo. As descrições deixam notar que Elias tinha
conhecimentos muito avançados, por isso os adversários mais ambiciosos pretenderam
apoderar-se desses seus domínios, como teria sido o caso do rei Acazias, por três
vezes enviou meia centena de homens para capturar Elias, mas ele evocou auxílio à
expedição e: «... um fogo desceu do céu e consumiu-os» (II Reis, 1, 9-19).
 … Elias não foi o único da linhagem que a tradição popular notou ter sido levado
pelos celícolas, muitos tiveram encontros com eles ou foram levados aos seus mundos:
«… andou Henoc com Deus e nunca mais apareceu» (Génesis, 5, 24). Os deuses
cosmonautas levaram Elias para que ele conhecesse o que eles pretendiam fazer neste
planeta. Na altura não havia forma de os celícolas explicarem a saída de Elias deste
mundo, a caminho de outro, provavelmente a muitos anos-luz da Terra. A explicação
não era oportuna e o mistério foi propagado pela tradição até hoje, ansiando-se pelo
salvador como o fez Jesus até ao momento do suposto deicídio.
 … Nos Evangelhos Jesus pertence à geração de Davi, um filho do homem e do
planeta Terra, mas depois consagraram-no filho de Deus e do Homem. Séculos mais
tarde a história religiosa teve de ser reajustada para conservar os crentes. O Facto é
que Jesus não foi bem sucedido na sua integridade física e os seguidores passaram a
dar importância à alma e não ao corpo. Talvez fosse a única a ser salva e, por isso,
tenham de recorrer aos símbolos da vida física para não esquecerem o que lhe fizeram
ou mandaram fazer. Se aconteceu a dita crucificação revela o fracasso dos celícolas e
dos aliados que insistem em martirizar a humanidade, quando nem os celícolas nem
Elias apareceram na derradeira agonia de Jesus: «vejamos se Elias vem salvá-lo!»
(Mateus, 27, 49).
 … Os Evangelistas referiam-se à salvação do físico de Jesus, caso contrário não
enfatizavam a esperança de vir a ser salvo por Elias, embora fosse o único com
capacidade para o fazer, uma vez que detinha segredos que adquiriu no mundo dos
expedicionários, equivalendo a séculos aqui na Terra 252 . Elias tinha acabado de
regressar e o autor do Evangelho de Lucas coloca-o na pele de João Baptista, mas
encontrou muita dificuldade para prosseguir a sua missão. Tudo tinha mudado: os
reinos de Judá e Israel tinham desaparecido e há séculos que cá não estava o seu
discípulo Eliseu, de quem teve tanta dificuldade de se separar para a secreta viajem
interplanetária.
 … Não era seguro para a vida de Elias fazer-se reconhecer por pessoas que nunca
o viram, por isso vivia apregoando na Judeia, vestindo peles de animais do deserto e
comendo insectos e mel, tal qual estava há 900 anos quando evocou o auxílio da
expedição para destruir os 100 guerreiros de Aczias. Na pele de João Batista o mestre
Elias parecia bom conhecedor do futuro ao anunciar: «no deserto da Judeia a chegada
do reino dos céus» (Mateus, 3, 1-3). Os textos consagrados são reveladores tímidos da

252
Uma viagem de dias no espaço, próxima da velocidade da luz, equivale a anos aqui na Terra.

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O outro deus
identidade de Elias, nem o Evangelista Lucas que lhe criou a dupla personalidade e os
escritores da época foram unânimes no reconhecimento de um tal João:
— «Uns disseram: é o João Batista, outros: um dos profetas antigos que ressuscitou.»
(Lucas, 9, 19).
— «É João Batista; ressuscitou dos mortos… Era Elias... um antigo profeta» (Mateus,
14, 2 e 16, 14).
— «É Elias e outros, é o João Batista que apregoa o baptismo no deserto» (Marcos, 8,
28 e 1, 4).
— «Houve um homem enviado de Deus, o seu nome era João» (João, 1, 6).
 … A vivência de Jesus e a do seu mestre Elias não eram do conhecimento de
nenhum dos escritores da antiguidade-religiosa. O autor do Evangelho Lucas, o único a
criar os pais e o filho João Baptista, não tem uma definição da sua interpretação,
recorre ao típico estilo de descrever o que leu dos outros. O autor do Evangelho João
descreve Elias como um mítico enviado por Deus, aquele que veio de algures, mas não
se sabe de onde, jogando pelo seguro não menciona o nome de João Batista. Em todas
as alusões paira a dúvida do aparecimento de João Batista e o reaparecimento de Elias.
 … Os judeus ficam confusos quando Jesus regressa do seu mestre, com a nova
sabedoria num pregão controverso que propunha subestimar a crença nos patriarcas da
antiguidade-religiosa, nomeadamente Moisés e Abraão. Os Judeus desconheciam que
Jesus se tinha aconselhado para conquistar a linhagem na Terra, mas não conseguiu
convencer todos, pois muitos notaram essa relação estranha com o seu instrutor João
(Elias): «Na verdade João não fez sinal algum, mas tudo quanto João disse deste era
verdade.» (João, 10, 41).
 … A viajem interplanetária a que foi sujeito o mestre Elias teria sido um
acontecimento indecifrável, não era entendida como já a compreendemos hoje.
Florescia a ideia da Ressurreição por não se conseguir explicar a presença do antigo
Elias depois dos séculos que demorou a regressar à Terra. Enquanto Mateus não
atribuiu procedência a João Batista, para ele o Elias ressuscitara, Lucas atribuiu-lhe a
misteriosa filiação de Zacarias e Isabel. Os tempos da grande expressão do
endeusamento não diferem muito dos de hoje, só o conhecimento e a referência fazem
a diferença. Se assistíssemos àquilo que descreveu Mateus, sobre o que antecedera a
dita ressurreição de Jesus, por certo tentaríamos analisar a história do misterioso
personagem que: «... após um grande terramoto... desce do céu e remove a pedra
sentando-se sobre ela… seu aspecto como um relâmpago, suas vestes como neve.»
(Mateus, 28, 2-3).
 … Depois de Elias ou de João Batista ser degolado, a mando de Herodes, Jesus
começou realmente a sua missão como intermediário dos celícolas. O fracasso do
antecessor que o baptizou deveu-se ao novo discurso que agitou as massas, embora
fosse descrito por: «um homem enviado de Deus, cujo nome era João» (João, 1, 6). Os
sermões desse misterioso João eram uma ameaça para o poder religioso e militar
instituído, por isso foi decapitado. Ao longo da antiguidade-religiosa houve muitos
profetas e líderes espirituais, mas nenhum iniciou um movimento tão histórico-religioso
como Jesus. O que é que o distinguiu então de outros pregadores! Sendo a sua
personagem tão importante porque foi tão ignorada pelo seu próprio povo, o qual nem
uma palavra alude à sua vivência, dando-lhe a mesma importância de um simples
plebeu 253 , quando Jesus galvanizou tantas pessoas a um nível tão pessoal!
 … Vamos tentar acompanhar a vivência de Jesus desde menino. No livro apócrifo
denominado Tomé, os primeiros anos da infância de Jesus teriam sido iguais aos de
253
O indivíduo da plebe era aquele que não é nobre, ou seja, um membro da classe inferior da antiga Roma.

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qualquer criança, não fossem as suas brincadeiras tão prodigiosas. Tal como Isaac e
outros, que não se geraram através do processo biológico humano, as toleimas do
menino Jesus não foram simples actos de néscio para partir a janela com a bola ou com
a fisga. Jesus amuou, teve teimosias e caprichos que são próprios de celícolas, deuses
e expedicionários extraterrestres que impressionaram e levaram à cegueira, à
humilhação, à morte e à ressurreição dos nossos antepassados. Jesus conseguiu que
voltassem a temer Deus, mas também a si:
— Um dia um rapaz que corria na multidão esbarrou contra as costas do menino
Jesus. Este irritou-se e disse: «não prosseguirás teu caminho» e o rapaz caiu morto. Os
pais do defunto interpelaram José dizendo: não podes viver com o povo se não
ensinares o teu filho a abençoar em vez de amaldiçoar e a causar a morte aos nossos
filhos. José tentou dizer ao menino que aquilo estava errado e recebeu a seguinte
resposta: «bem sei que essas palavras não vêm de ti, mas calarei por respeito à tua
pessoa. Esses outros, ao contrário receberão seu castigo.». Nesse instante, todos
aqueles que haviam contestado e falaram mal dele ficaram cegos. Um professor
rabino 254 chamado Zaqueu que se encontrava no local, abordou José a fim de educar o
seu filho a respeitar seus pais, seus superiores e as pessoas mais idosas. José aceitou,
e já na escola, o professor começou por lhe dizer todo o abecedário A-Z em voz alta e
clara. Jesus fixou-o nos olhos e disse: «como te atreves a explicar Beta aos outros, se
tu mesmo ignoras a natureza do Alfa? Hipócrita! Explica primeiro a letra A, se é que
sabes, e depois acreditemos em tudo o que disseres com relação à B.». O professor era
humilhado com a seguinte declamação: «Aprende, professor, a constituição da primeira
letra e repara como tem linhas e traços médios, aqueles que vês unidos
transversalmente, conjuntos, elevados, divergentes… Os traços contidos na letra A são
de três sinais: homogéneos, equilibrados e proporcionados.». Este professor ficou
pasmado com a erudição que acabava de presenciar e entregou o menino a seus pais,
considerando-o um mestre, vindo de outro mundo. Mas José continuava empenhado
em fazer com que Jesus voltasse à escola, e assim aconteceu. Já em plena aula Jesus
repete a mesma argumentação sábia para o novo professor: «Se és mestre de verdade
e conheces as letras, diz-me primeiro qual é o valor de Alfa e então eu te direi qual é o
de Beta. Irritado, o professor bateu-lhe na cabeça. Quando o menino sentiu a dor
amaldiçoou-o, imediatamente desmaiou e caiu de bruços no chão... Então José disse a
Maria que não o deixasse sair de casa, porque todos aqueles que o aborreciam vinham
a morrer.» (excertos do livro apócrifo, Tomé, IV-VI, XIV).
 … Os autores dos textos Mateus, Marcos, Lucas e João terão descrito toda a
história de Jesus!? Talvez não, apesar de copiarem os trabalhos uns dos outros e de os
terem alterado, segundo afirmam muitos historiadores, ficou muito por descrever e
explicar. João diz: «Há, porém, muitas outras coisas que Jesus fez; se cada uma, da
qual, fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se
escrevessem» (João, 21, 25). Os Evangelistas não podiam contar toda a história de
Jesus, ao fazê-lo entravam em colisão com o preestabelecido das tradições religiosas.
Quem o fizesse era blasfemador e ficava sujeito às implacáveis regras da época, entre
muitas ser banido da sua religião ou pregado numa cruz. A fé é tudo o que resta da
infância e da adolescência de Jesus, entre os 12 e os 26 anos, por isso recuperamos os
textos apócrifos que os impérios da fé tentaram banir, talvez assim possamos saber
mais alguma coisa da infância do menino de Belém... ou será de Nazaré!
 … Os textos dos Evangelhos emergiram da nova religião do Cristianismo e
descreveram o Povo Judeu a mandar crucificar um judeu, mas o dito profeta não foi
conhecido nem reconhecido entre os judeus, talvez por subestimar a lei de Moisés e

254
Sacerdote que explicava aos Hebreus a lei sagrada.

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O outro deus
dar-lhe outro contorno: «... a circuncisão é, na verdade, proveitosa, se guardares a lei;
mas se tu és transgressor da lei, a tua circuncisão tem-se tornado em incircuncisão.»
(Romanos, 2, 25).
… Se há povo que praticou a circuncisão não foi o Católico. O rigoroso teste dos
fariseus, quando lhe trouxeram uma mulher apanhada em adultério para Jesus julgar,
veio deitar por terra a sua autoridade doutrinária. As leis religiosas eram implacáveis e
em causa estava um teste intensivo às capacidades do intermediário de Deus, as
parábolas que Jesus tanto usava já não satisfaziam os próprios seguidores. A sua forma
de julgar: «quem nunca pecou que atire a primeira pedra», embora com muito sentido
filosófico, não só veio a humilhar os seguidores como enfraqueceu o seu diálogo.
… Jesus estava perante uma contradição que desrespeitava a lei sagrada anunciada
por Moisés: «não cometerás adultério» (Mateus, 19, 18). Sem parábolas satisfatórias
para interlocutores exigentes, como eram os fariseus que o acusavam de se testificar a
si próprio, Jesus insiste: «ainda que a mim próprio me testifico, o meu testemunho é
verdadeiro… eu sou o que me testifico a mim mesmo, e de mim testifica o Pai que me
enviou… vós sois de baixo, eu sou de cima; vós sois deste mundo, eu não» (João, 8, 14,
18, 23). Jesus falava de um mundo que não era o dos seus seguidores e adversários,
parecia reconhecer o seu insucesso nesse interrogatório: «Bem sei que sois
descendência de Abraão; contudo, procurais matar-me, porque a minha palavra não
entra em vós» (João, 8, 37).
… O Evangelista João talvez não conseguisse esconder a fraqueza do diálogo de
Jesus. O pregão que prometia a salvação e a eternidade ignorava que outros
antecessores já tinham morrido, como terá sido o caso de Abraão, considerado o pai
dos judeus, os quais ficaram indignados: «quem julga ele que é para dizer: Se alguém
guardar a minha palavra, nunca verá a morte?» (João, 8, 52). Jesus confunde os seus
discípulos: «Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia, e viu-o, e alegrou-se... Os
Judeus responderam-lhe: ainda não tens cinquenta anos, e viste Abraão?» (João, 8, 56-
57).
… A salvação para depois da morte não comoveu os que já acreditavam, mas
enfraqueceu o discurso de Jesus, tornando-o insuportável aos que exigiam uma grande
liderança intermediária. As metáforas, «em boa verdade vos digo», não convenceram os
ditos filhos de Abraão, isso irrita o profeta que se iguala a Deus: «antes que Abraão
existisse eu sou.» (João, 8, 58). Com as parábolas tentou apaziguá-los, mas indignou-os
mais quando ignora o que foi descrito: «Eu sou Deus, não há outro semelhante a mim...
Eu sou o mesmo, o primeiro e também o último» (Isaías, 46, 9 e 48, 12).
… O tal João que se fez passar por Elias tinha sido degolado e a linhagem não
conseguia controlar os ânimos dos mais ávidos pelo Messias, só um mártir carismático o
poderia fazer e Jesus passou de salvador a vítima. As cabeças tinham começado a
rolar, a de João Batista ou do anónimo que o personificou foi entregue numa bandeja.
Jesus estava na mira dos celícolas por causa de enfrentar a linhagem, o poder instituído
dos sacerdotes do Templo. O discurso de Jesus já não o favorecia, mas quando se
declarou filho de Deus extravasou as lições do seu mestre Elias, e a sua morte poderia
ter acontecido no interrogatório dos Judeus enfurecidos que tentaram apedrejá-lo,
obrigando-o a esconder-se e a fugir do Templo por mais de uma vez.
… Não era este Messias que os Judeus esperavam para os libertar da opressão dos
romanos, mas um que restaurasse a sua nação, tal como Josué o tinha feito contra os
amaleques. Os celícolas falharam mais uma vez na escolha do intermediário, a história
do cego no Evangelho de João é reveladora dessa imperfeição. Quando os discípulos
perguntaram de quem era a culpa de ele nascer cego, Jesus respondeu: «Nem o cego

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nem seus pais» (João, 9, 3). Nesse momento: «cuspiu para o chão, misturou com lama
e esfregou nos olhos do cego» João, 9,6).
… Jesus tenta reproduzir os prodígios que lera nas Escrituras Sagradas para
apaziguar a fúria dos judeus, mas volta a comparar-se com quem chamou de pai:
«Quem faz o mudo, o surdo, o homem que vê o cego? Não sou eu, o Deus?» (Êxodo, 4,
11). Jesus fez ver um cego depois de gerado, mas porque o teria feito nascer cego o
Todo-poderoso seu Pai! Quem era mais perfeito, o que criou os cegos ou o que lhes deu
a vista depois de criados!
… A persistência dos interrogadores levaram-no a infringir mais uma lei sagrada
antiga, a qual proibia mortalmente quem trabalhasse ao Sábado: «o sétimo dia é o
sábado do Senhor teu Deus... Quem no dia do sábado fizer algum trabalho será morto.»
(Êxodo, 20, 10 e 31, 15). Não sendo descrito que o Messias estava excluído de cumprir
e praticar essa lei, então os ditos sacerdotes tinham argumento para justificarem a morte
do agitador judeu, por isso o ameaçaram, mas Jesus recordou-lhes os poderes do Deus
temido: «... se não credes em mim, crede nas obras de meu Pai» (João, 10, 38).
 … Não só intimida os que contestavam como se faz representador de um grande
grupo: «quem não é por nós é contra nós» (Lucas, 9, 50). As últimas achas foram
lançadas na fogueira que chamejava na fúria dos próprios crentes Judeus. A missão de
Jesus encontrava-se dificultada e a sua vida esteve por um fio enquanto um novo
apedrejamento decorria. Tentaram prendê-lo outra vez, mas refugiou-se junto ao seu
mestre Elias, onde se recompôs e recebe novos planos para dominar os adversários
nos pontos mais sensíveis: «Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, nunca
morrerá.» (João, 11, 26).
 … O dócil missionário que apregoa a resignação; que manda dar a outra face ao
inimigo; que lhes diz que o seu reino não é deste mundo não era o Messias esperado.
Vislumbra-se algo de errado na escolha do discípulo de Elias. A antiga aliança que foi
marcada pela circuncisão na carne era ignorada por Jesus e os Judeus afastavam-se,
mas ele dispunha de muitos recursos e centrou o diálogo na promessa do paraíso para
os justos após a morte. A ideia da Ressurreição tomava forma, mas para os que não o
seguissem esperava-os o dia do juízo final, o Diabo e o Inferno. Talvez fosse a sua
própria criação de infernar que o terá levado ao Monte do Calvário. Os seguidores
reconheceram-no 2000 anos mais tarde e o Papa João Paulo II mudou o nome do
Diabo para “espírito do mal: «Exorcismis et Supplicationibus Quibusdam», ou seja,
todos os géneros de exorcismo e súplicas.
 … Se João Paulo II vivesse nesses tempos teria surpreendido Jesus com a abolição
do Inferno, a teoria da salvação da alma e a vida depois da morte. Talvez até
conseguisse a salvação física de Jesus, como a que lhe foi atribuída no “Terceiro
Segredo de Fátima”. O declínio do profeta é evidente na predição do juízo final,
descreve um fim apocalíptico para o nosso planeta: «O sol obscurecer-se-á, a Lua
perderá o seu brilho, as estrelas cairão do Céu… e ver-se-á o Filho do Homem vir sobre
as nuvens, com autoridade e grande glória. Ele enviará os seus anjos com uma sonora
trombeta para reunir os seus eleitos dos quatro cantos do horizonte… Em boa verdade
vos digo, esta geração não passará sem que tudo isto tenha acontecido.» (Mateus, 24,
29-46).
 … Afinal, em quem deveremos confiar!? As gerações do tempo de Jesus, os
Apóstolos, desapareceram há muito e o apocalipse não apareceu, embora os «maus»
continuem separados dos «justos» e estes ainda não receberam o prometido. Jesus
não acertou e Maomé também não, já passaram mais de 1400 anos da sua predição e
o Tempo avança. Não obstante a detecção dessas contradições, os seguidores do

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O outro deus
Cristianismo e do Islamismo aumentaram. Os Cristãos sustentam numa grande paixão
a crucificação de Jesus como se fosse o único martirizado, ainda que não saibam o
motivo de o levarem à derradeira agonia. Os islâmicos rezam 5 vezes ao dia virados
para Meca, quando Maomé rezava 50 vezes virado para Jerusalém, virando-se então
para Meca ao concluir que os Judeus não eram facilmente convertíveis.
 … Antes do chamado Rabbi Josua (Jesus), Elohim e Yahveh eram um único ser
omnipotente, Não-criado e Não-formado. Jesus altera esse conceito religioso e provoca
a maior revolução da antiguidade-religiosa, passando a chamar de pai ao Deus Imortal,
Imaterial e Transcendente, tornando-o numa família tradicional que concebe em vez de
criar. Do monoteísmo Jesus passou à dita Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito
Santo), isso deixou os judeus confusos e a vida de Jesus corria perigo: «Nós temos
uma lei, e segundo esta lei ele deve morrer, porque se fez Filho de Deus» (João, 19, 7).
 … A brusca estratégia levou Jesus a infringir leis consagradas: «os Judeus ainda
mais o procuravam matar, porque não só violava o sábado, mas também dizia que
Deus era seu próprio pai, fazendo-se igual a Deus» (Lucas 5, 18). Os judeus estavam
motivados pelo Deus de Abraão e culpabilizaram Jesus, mas as influências que
recebera de Elias, através da expedição que actuava na altura, talvez estivessem na
origem dessa transformação radical. O Cristianismo não se mostra insatisfeito com o
sucedido, mas quando uma missão falha terá de haver algum motivo, os próprios textos
consagrados informam sobre o nexo de causalidade da morte de Jesus e das
implicações ao nível dos próprios Judeus. Nessa perspectiva os cenários prováveis são
muitos: Se os Judeus o mandaram crucificar é porque havia outras frentes político-
religiosas (seitas), das quais eles não concordavam. Haverá a hipótese de uma falsa
crucificação e todo o cenário não passou de uma estratégia premeditada!?
 … Nem todos os discursos que Jesus proferiu tiveram o efeito desejado e previsto.
Vejamos este: «Sabeis que daqui a dois dias é a Páscoa e o Filho do homem será
entregue para ser crucificado» (Mateus, 26, 2). Nesta profecia talvez acertasse, mas
como poderia Jesus (umas vezes filho de Deus e outras do Homem) falar da sua
própria crucificação antes de tal acontecer! O leitor teísta pensou numa ilação
sobrenatural, mas algo menos transcendental está implícito: «Importa que o Filho do
homem seja entregue nas mãos de homens pecadores, seja crucificado e ao terceiro
dia ressurja.» (Lucas, 24, 7).
 … Os celícolas há muito que eliminavam os que se portavam mal na conservação
da linhagem, isso já aqui foi avaliado, mas analisemos com acuidade e verificaremos
uma pré-preparação para a missão de Jesus, mas quem o terá mandado crucificar? Os
romanos ou os Judeus! Fosse quem fosse estava a defender um deus 255 , só poderia
ser um ou mais grupos religiosos. Durante 6-14 décadas os autores dos Evangelhos
fizeram propaganda pelo Cristianismo, estavam na posse de toda a escrita antiga e a
que se produzia na altura, não só a controlavam como a impunham através da fracção
religiosa que irrompia da crença de que se identificavam.
 …A crucificação de Jesus talvez fosse resolvida muito rapidamente e de forma
diferente, como era habitual na época. O condenado era levado à «colina da
crucificação» e pregado ou amarrado na cruz. A crucificação de Jesus foi diferente
porque incidia sobre um mártir, a expedição estava presente e terá mandado Jesus
reunir no alto de um monte, com a sua tecnologia transfiguram-no para impressionar os
discípulos Pedro, Tiago e João que haviam sido convidados para a sessão. Eis então
que: «... apareceram Moisés e Elias, falando com ele» (Mateus, 17, 3).

255
No tempo dos romanos já o endeusamento reinava na Terra, os romanos não foram a excepção.

Celestino Silva Página 101


O outro deus
 … Os efeitos especiais de tecnologia impressionavam os presentes e a planificação
ficou decidida nesse momento propício, surgiu uma nuvem (nave) de onde o chefe
celícola disse: «este é o meu filho» (Mateus, 17, 5). O autor do Evangelho de Mateus é
claro nesse aspecto: «apareceram Moisés e Elias», mas caso houvesse alguma dúvida
Marcos confirma: «apareceu-lhes Elias com Moisés e falavam com Jesus» (Marcos, 9,
4), Lucas reconfirma: «estavam falando com ele dois varões, Moisés e Elias» (Lucas, 9,
30). Como já sabemos essas personagens tinham desaparecido há muito, então porque
teriam os três Evangelistas decidido fazê-los reaparecer! Mateus enalteceu o cenário
com frases pomposas e ocas de sentido, Lucas descreve a sua fantasia e completa a
cena com a dita Ressurreição do Cristo, só que a descreve em espírito e alguns dias
mais tarde muda a sua história, apresentando o mártir aos Apóstolos em carne e osso:
«Eu sou o mesmo… um espírito não tem carne nem ossos» (Lucas, 24, 39).
 … Acabada a sessão regressaram do monte e Jesus adverte os convidados: «A
ninguém conteis a visão até que o filho do homem seja ressuscitado» (Mateus, 17, 9). O
sigilo tinha de ser mantido para que o estratagema causasse o maior impacto, mas os
Apóstolos evidenciavam uma crença ingénua e temeram pela vida de Jesus, eles não
sabiam que já não havia nada a fazer, tudo fora decidido na reunião com os
expedicionários. Seguro de que nada de mal lhe acontecia Jesus tenta acalmá-los, mas
acaba de os confundir ainda mais: «Elias virá primeiro e restaurará todas as coisas;
mas digo-vos que Elias já veio e não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que
quiseram. Assim farão eles também padecer o filho do homem. Então entenderam os
discípulos que lhes falara de João Baptista.» (Mateus, 17, 11).
 … Poderemos considerar que Jesus não conhecia o João Batista, caso contrário
enganava os seus seguidores. Talvez se tratasse de uma vingança expedicionária, em
que Jesus ficou sem o controlo sobre os seus actos, transparece uma certa hipnosia
que não o deixa reconhecer de que é a vítima, repare na expressão: «Assim farão eles
também padecer o filho do homem». Jesus sabia que iria ser sacrificado, mas confiava
no seu mestre Elias e estava esperançado de que ele o viria salvar. A sua crença falhou
mais uma vez, ou será que não e a sua morte terá sido arquitectada para enganar os
opositores!
 … Os celícolas regressaram à Terra e verificaram grandes manifestações contra a
linhagem, por isso preparam algo para impressionar os responsáveis. O mestre Elias já
cá estava a preparar as massas, o que facilitou a superintendência à expedição. As
suas lições tinham produzido efeitos extraordinários e o seu discípulo já apresentava
um discurso bem articulado, mas o profeta continuava inseguro e falível, os prodígios
não produziam a persuasão esperada no seu próprio povo, o que lembra o ditado
popular: «santos à porta não fazem milagres». Jesus sentia-se um desconhecido: «Um
profeta não fica sem honra senão na sua terra, entre os seus parentes e na sua própria
casa... não podia fazer ali nenhum milagre... estava admirado da incredulidade deles e
percorreu outras aldeias circunvizinhas» (Marcos, 6, 4-6).
 … A missão de Jesus nunca correu bem, desiludido com o fracasso parte para terra
alheia (onde todos os santos fazem milagres). Seria o raciocínio lógico para o parágrafo
supracitado, mas a expedição celícola passa a acompanhá-lo de forma discreta,
permitindo-lhe a exibição de acções tecnológicas e psíquicas que foram descritas por
milagres. Jesus sente esse apoio e desafia tudo e todos, o destino do mártir estava
determinado desde a última reunião, em que a sua personalidade foi completamente
transformada e nada ficou como antes. O centro de autoridade religiosa é o primeiro a
ser pressionado, seguindo-se ataques aos pontos mais nevrálgicos dos poderes
instituídos para se aproximar da populaça. Os ditos milagres surgem impetuosamente
por uma vasta região, desde a Galileia, subindo a Sidon e descendo até Jerusalém.

Celestino Silva Página 102


O outro deus
Jesus define-se finalmente em defesa da linhagem: «não fui enviado senão às ovelhas
perdidas da casa de Israel» (Mateus, 15, 24).
 … Alguns investigadores especulam que Jesus foi condenado por se declarar o rei
dos Judeus, mas nenhum conseguiu comprovar a dita crucificação nem quais as causas
que o terão levado à cruz. O autor do Evangelho de João descreveu que foram os
próprios Judeus que o mandaram crucificar. Se assim foi seguiram os métodos
irascíveis das expedições dos celícolas: «quando o viram os principais sacerdotes e os
guardas, clamaram, dizendo: Crucifica-o! Crucifica-o! Disse-lhes Pilatos: Tomai-o vós, e
crucificai-o; porque nenhum crime encontro nele» (João 19, 6). Como podemos nós
saber o que se passou há mais de 20 séculos se, 50-140 anos depois, os autores dos
Evangelhos não o sabiam!
 … Os evangelistas foram movidos pela paixão do Cristianismo e não investigaram o
dito monte das crucificações. Se tivessem alguma curiosidade, em vez de tanta
religiosidade, saberíamos hoje como foram crucificados todos os condenados antes de
Jesus. Segundo as suas descrições Jesus terá pegado na cruz e iniciado o doloroso
percurso até ao Monte do Calvário. A crucificação não podia ser desconhecida dos
povos que acreditavam nos textos consagrados, onde abundam condenações e
barbáries em massa aos que contestavam os celícolas e a linhagem. A dita
Ressurreição também foi aliciada pelos mesmos textos, como no caso de Elias, Henoc
e outras personagens do puzzle do endeusamento.
 … Os seguidores do mártir convenceram-se de que ele continuava vivo depois de
crucificado, embora o tivessem visto em pele e osso depois do suplício na cruz. Os
peregrinos de hoje refazem esse percurso desde o Tribunal de Pilatos até ao Monte do
Calvário, tentando imitar a fatídica Sexta-feira do condenado em Jerusalém que
caminhava para a crucificação. Chamam-lhe a via-sacra e afirmam que Jesus caiu
várias vezes no percurso, embora num Evangelho fosse descrito que: «um homem,
vindo do campo, um tal Simão de Cirene, é requisitado a levar a cruz pelo percurso até
ao monte da crucificação (Marcos, 15, 21). Os devotos param 14 vezes, tal como Jesus
o terá feito: «Verónica limpa o rosto de Jesus que fala com as mulheres. Jesus cai pela
terceira vez» (Via Sacra, estações 6-8-9).
 … Marcos é o único Evangelista que refere um camponês de Cirene a passar por ali
ocasionalmente, como se esse dia fosse de grande tranquilidade e a pequena cidade
estivesse numa perfeita acalmia. O cenário não parece provável, já que o povo gritou
para que crucificassem Jesus e em troca soltassem o assassino Barrabás. Há séculos
que se venera essa tradição sustentada em suposições, mas os actuais tradicionalistas
parecem recordar desgostosamente o famigerado erro da Páscoa, simulando a
derradeira marcha, em que as mulheres intervêm com grande liberdade por entre os
perigosos militares de Pilatos, limpando o rosto do desfalecido e até conversando
reciprocamente.
 … Alguns investigadores sustentam a sua tese em estudos arqueológicos e
históricos, para eles a via-sacra não é aquela que se percorre actualmente e apontam
como favorita a rua de David, mas outros rumores vêm engrossando sobre a
possibilidade de a crucificação não ter acontecido e Jesus ter morrido naturalmente aos
60 anos. Generalizou-se a crucificação no ano 30, quando Jesus tinha 33 anos e as
descrições o autor do Evangelho João nos levam a pensar numa idade mais avançada.
Veja-se quando os Judeus retorquiram contra Jesus: «Ainda não tens cinquenta anos e
viste Abraão?» (João, 8, 57).
 … Jesus foi crucificado ou aparentemente sacrificado!? Reconfigurando o puzzle as
probabilidades de erro são muitas, a começar pelos textos dos escritores que foram

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O outro deus
inspirados por Deus a verdade nunca foi conhecida. Vejamos a disparidade que os
Evangelhos de Lucas e de João nos descrevem:
— «Jesus, carregando a sua própria cruz, saiu para o lugar chamado Caveira» (João,
19, 17).
— «Tomaram Simão, um cireneu que vinha do campo e puseram-lhe a cruz às costas»
(Lucas, 23, 26).
 … Os textos que foram considerados “Memórias dos Apóstolos” descrevem
divergentemente a vivência de Jesus, isso levanta a hipótese de se considerar mítica
essa figura por talvez não ter existido. Há muito que surgem os sinais de insurrectos,
insubmissos e grandes renovadores que hoje são chamados de revolucionários, mas
nenhum foi enfatizado com tanta imprecisão, o que pode obviar uma ilusão dos que
ainda caminham por ruas simbólicas, não sabendo se a cruz foi levada por Jesus ou
pelo Simão de Cirene. Os autores dos Evangelhos não assistiram ao que relatam nos
seus textos, por isso não descreveram correctamente esse momento, em que Jesus é
pendurado na cruz, nem do que lhe deram para beber antes de ser consideraram morto.
Vejamos algumas descrições:
— «... vinagre misturado com fel» (Mateus, 27, 34).
— «... vinho com mirra» (Marcos, 15, 23).
— «... os soldados apresentaram-lhe vinagre» (Lucas, 23, 36).
— «... levaram-lhe à boca uma esponja... num ramo de hissopo» (João, 19, 29).
 … Os quatro Evangelistas referem algo que foi dado a Jesus antes de desfalecer,
mas nenhum descreveu a mesma bebida ou punção. O derivado da planta do
hissopo 256 terá sido para Jesus inspirar e não sentir a dor, enquanto desfalecia e o
tiravam rapidamente da cruz para ser curado! Só um Evangelista referiu que: «um dos
soldados lhe furou o lado com uma lança» (João, 19, 34-37). Talvez a perfuração do
corpo não fosse um acto de grande importância na altura, mas deduz-se que havia
intenção de Jesus dar rapidamente o sinal de desfalecimento. O episódio da lança seria
convencível, pode-se furar o corpo de uma pessoa sem que morra, estando Jesus
anestesiado não sentiria a dor.
 … Os Evangelistas são discrepantes na descrição que fazem de João Batista e
Elias, quer na crucificação quer nas últimas palavras que o mártir terá balbuciado.
Talvez a sua indecisão surgisse por notarem que Jesus também desconhecia o papel
dessas figuras na linhagem, embora não perdesse a esperança de ser salvo pelo
mestre Elias, só que este não podia acudir na hora que o discípulo mais precisava. Sem
Elias por perto Jesus ficou sem o intermediário dos celícolas e grita pelo seu mestre,
mas percebe que foi abandonado. A discordância nesse relato volta a dominar nos
textos que foram escolhidos, entre milhares, pelos seguidores do Cristianismo:
— «Pai; entrego meu espírito nas tuas mãos» (Lucas, 23, 46).
— «Eli, Eli, lamá sabactani... Elias, Elias por que me abandonaste?» (Mateus, 27, 46).
— «Eloí, Eloí, lamá, sabactâni?... Meu Deus! Meu Deus! Porque me abandonaste?»
(Marcos, 15, 34).
— «Tenho sede… tudo está terminado» (João, 19, 28 e 30).
 … O antagonismo justifica uma profunda reflexão. Simultaneamente Jesus terá
apelado a Elias, a Deus, ao Pai ou se calhar a nenhum deles, como afirma o autor de
João. Mateus parece bem mais convicto, realça comentários dos populares que
assistiam: «Está a chamar por Elias… vejamos se Elias o vem salvar!» (Mateus, 27, 47-
49). O Evangelista Mateus refere Elias, o que o aproximaria do argumento deste livro,

256
Planta medicinal da família das Labiadas (género Hyssopus).

Celestino Silva Página 104


O outro deus
não fosse o fanatismo religioso de que se acercava e fê-lo descrever alegorias
fantásticas e sobrenaturais: «... eis que o véu do templo se rasgou em dois... tremeu a
terra e fenderam-se as pedras… abriram-se os sepulcros e muitos dos santos foram
ressuscitados» (Mateus, 27, 51 e 52).
 … Quantas evocações, fantasias, críticas dogmáticas e respectivas respostas não
foram então ajustadas e inseridas nos Evangelhos! Um estudioso da língua judaica,
Moatti 257 , afirma que se Jesus invocasse “seu Pai” teria dito «Avi» ou seja: «Avi! Avi!
Lamá Sabactâni» em vez de «Eli», como o cita Mateus em hebraico «Eli, Eli, lamá
sabactâni... Elias! Elias! Porque me abandonaste?».
 … Será que Jesus percebeu que a expedição estava ausente e o seu mestre tinha
morrido! Nenhum autor do texto consagrado conseguiu discernir esse passo da
linhagem dos celícolas. Quem escreveu ou rescreveu esses textos fê-lo sob uma forte
paixão transcendental, a qual impedirá que os novos seguidores alcancem a verdade
que poderá ter sido outra. Jesus apresentava-se como um modesto «filho do homem»,
mais tarde pronuncia-se o único Filho de Deus e iguala-o, ao usar os termos «EU
SOU», uma pretensão nunca antes manifestada por outros hebreus, nomeadamente
Isaac e Moisés que também diziam ser filhos de Deus. Só um ser Supremo, Imaterial e
Imortal usava termos como: «EU SOU O QUE SOU» (Êxodo 3, 14).
 … Elias terá escolhido mal o seu sucessor, uma vez que Jesus parece ter traído a
missão que lhe fora confiada! São reconhecidos grandes prodígios em Elias, talvez só
ele pudesse salvar o seu discípulo, como fez ao sacudir a capa e passar o Jordão a pé
enxuto. O dito pai de Jesus também não pôde intervir como terá feito quando matou
todos os primogénitos no Egipto. O mártir que deu vista a cegos e transformou água em
vinho tinha sido abandonado e desfalecia. Algo estava errado e Jesus reconhece-o
quando clama ao seu mestre: «Elias, Elias, porque me abandonaste?».
 … Sendo estas as últimas palavras de Jesus, revelam que desconhecia a sua
missão, isso transparece na dita crucificação, em que chama pelo mestre Elias. Se
chamou pelo pai, como somente descreve o autor de Lucas: «Pai; entrego meu espírito
nas tuas mãos» (Lucas, 23, 46), prova que o dito não estava na Terra ou não estava
interessado em salvá-lo, seria uma perfeita contradição se interviesse de forma
indiscreta na linhagem para acudir ao que se auto-denominou de filho. Talvez lhe
salvasse a alma, mas isso não corresponderia ao apelo de quem implorou para não
morrer: «Meu Deus! Meu Deus! Porque me abandonaste?» (Marcos, 15, 34).
 … Nenhuma história descrita nos textos consagrados foi isenta da influência do
endeusamento. Logo, não podem ser consideradas autênticas e históricas. João Batista
e Jesus foram personagens de histórias pouco claras. Será que foram dóceis, afáveis,
moderados e que falavam com vós suave como hoje se apregoa! Jesus expulsa os
comerciantes e deita por terra as suas mesas, só poderia estar a ameaçar adversários,
como o fez aos que o enfrentaram enquanto criança, mas quem eram eles? Os sumo-
sacerdotes, os fariseus, os saduceus!...
 … Quando Jesus foi para Jerusalém e lhe foi negada pousada para pernoitar os
discípulos disseram: «Senhor, fazemos descer fogo do céu para que os consuma, como
Elias também o fez? Jesus respondeu: o filho do homem não veio para destruir almas
mas sim para as salvar» (Lucas, 9, 54-56). Jesus reprovou as acções exterminadoras
do mestre Elias, a suas parábolas serviam apenas a linhagem: «Eu não fui enviado
senão às ovelhas perdidas da casa de Israel» (Mateus, 15, 24).

257
Autor do livro “A Bíblia e os Extraterrestres”.

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O outro deus
… Jesus eleva o seu pregão sublimativo e subestima a omnipotência de Deus,
comparando-o ao pai de família: «Quem ama o pai, a mãe, o filho e a filha, mais do que
mim, não é digno de mim» (Mateus, 10, 37). O novo pregão de Jesus tinha-o virado
contra os judeus, por isso protestaram: «para que no sábado não ficassem os corpos na
cruz... rogaram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem tirados dali... mas
vindo a Jesus e vendo que já estava morto não lhe quebraram as pernas» (João, 19,
31-33).
… Os judeus ficaram surpreendidos por Jesus já estar morto, não era normal que na
cruz se morresse tão rapidamente, mas ele era um elemento importante da linhagem,
por isso o seu corpo não apodreceu na cruz nem as suas pernas foram quebradas,
como era vulgar no monte da crucificação enquanto os crucificados ainda estavam
vivos. Curiosamente, o autor do Evangelho de João foi o único que não mencionou o
tempo que Jesus durou vivo na cruz. Mateus, Lucas e Marcos são unânimes, Jesus foi
crucificado à sexta hora e à nona a sua vida expirou.
 … Mateus tentou provar que Jesus era um homem de fé, quando o descreveu a
vaguear pelo inóspito deserto da Judeia, apesar disso foi dos crucificados que menos
tempo viveu na cruz. Alguns investigadores referem que esse sofrimento durava mais
de 24 horas, então porque terá aguentado tão pouco Jesus! Nos crucificados anteriores
os familiares não resgatavam os corpos, mas em alguns textos estão implícitas as suas
silhuetas fantasmagóricas resplandecendo no luar até que os serviçais dilacerassem os
cadáveres e os animais e as aves se encarregassem do que restava. Assim sendo, a
crucificação de Jesus teve menos tempo de sofrimento, os textos dos Evangelhos
realçam-no desde a saída da cruz ao resgate do corpo e à saída deste do sepulcro.
 …O autor do Evangelho de João descreve: «José de Arimateia como discípulo de
Jesus, embora oculto por medo dos judeus» (João, 19, 38), o de Marcos dá referências
de um: «ilustre membro do sinédrio» (Marcos, 15, 43), Lucas: «um homem chamado
José, natural de Arimateia, a cidade dos judeus» (Lucas, 23, 50), finalmente Mateus:
«um homem rico de Arimateia, chamado José, que também era discípulo de Jesus»
(Mateus, 27, 57-58).
 … Todos descreveram essa personagem a ir ter com Pilatos para pedir o corpo de
Jesus mas: «havia entre os fariseus 258 um homem chamado Nicodemos, um dos
principais dos judeus» (João, 3, 1). Estamos perante dois magnates importantes que
foram prestáveis e afáveis para com o corpo de Jesus, mas totalmente desconhecidos
dos Evangelistas. Talvez um subterfúgio esteja na origem dessa dúvida, já que ambos
eram seguidores de Jesus e viviam ocultamente entre os Judeus. Como é que José de
Arimateia e Nicodemos aparecem a pedir o corpo de Jesus se ambos pertenciam aos
principais sacerdotes que o prenderam, entregando-o ao Império Romano! Se foram os
sumos-sacerdotes Judeus que gritaram, para que se crucificasse Jesus, porque
haveriam de consentir que resgatassem o corpo da figura que odiavam! Os romanos
também não deveriam conceder tais excepções, a não ser que as forças do Império
Romano não fossem tão cruéis como são descritas e apregoadas.
 … É muito estranho que um império tão unido, como foi historicamente o judeu, não
soubesse da existência dessas personagens nem descrevesse uma palavra sobre
essas figuras. Por certo o Império Romano suspeitaria desses estranhos movimentos,
quando eram militares cautelosos que controlavam todas as acções de espionagem.
Provavelmente essas personagens nunca existiram e só no âmbito do pragmatismo 259
as peças do puzzle religioso se começam a encaixar.

258
Membro de uma seita judaica, adversária dos saduceus, caracterizada pelo rigor com que seguiam a letra da lei moisaica.
259
Teoria segundo a qual a função essencial da inteligência não é fazer-nos conhecer as coisas, mas permitir a nossa acção sobre elas (E. Bergson, filósofo francês, 1859-1941;
W. James, filósofo americano, 1842-1910; E. le Roy, filósofo francês, 1870-1954).

Celestino Silva Página 106


O outro deus
 … Numa altura tão avançada das experiências expedicionárias teria de haver o
maior secretismo, os celícolas já se tinham arrependido de demasiados erros 260 , desta
vez tudo tinha de parecer real, por isso disfarçaram-se no meio dos terrestres. Os
autores dos Evangelhos andaram muito perto, não fora a obcecante religiomania teriam
descoberto o que aconteceu nesse dia que designaram de fatídico e derradeiro para
Jesus, em que: «um dos soldados lhe furou o lado com uma lança e saiu sangue e
água» (João, 19, 34). No versículo seguinte o mesmo autor descreve: «Nenhum dos
seus ossos será quebrado» (João, 19, 36). Não sendo coincidência para um soldado
perfurar o corpo de Jesus sem quebrar nenhum osso, talvez um cirurgião celícola o
tenha feito disfarçado de soldado romano, veja-se a ênfase dada na descrição dessa
acção: «Olhem para aquele que trespassaram.» (João, 19, 37).
 … Segundo as descrições dos Evangelistas, José de Arimateia e Nicodemos eram
mal vistos pelo império Judeu e romano. Sendo que ambos influenciaram a dita
crucificação de Jesus, embora o fizessem por razões diferentes, como poderiam
condescender tanto a tais personagens. Se Jesus estivesse morto não sairia sozinho do
sepulcro, já que uma tampa de pedra muito pesada o selava e guardas bem armados o
vigiavam. Os Judeus suspeitavam de violações ao dito sepulcro, pelo que não
permitiriam a entrada dessas estranhas figuras: «No dia seguinte, isto é, o dia depois da
preparação, reuniram-se os principais sacerdotes e os fariseus perante Pilatos, e lhe
disseram: Senhor, lembramo-vos de que aquele embusteiro, quando ainda vivo,
afirmou: Depois de três dias ressurgirei. Manda, pois, que o sepulcro seja guardado
com segurança até o terceiro dia; para não suceder que, vindo os discípulos, o furtem e
digam ao povo: Ressurgiu dos mortos; assim o último embuste seria pior do que o
primeiro. Disse-lhes Pilatos: Tendes a guarda; ide, tornai-o seguro, como entendeis.
Foram, pois, e tornaram seguro o sepulcro, selando a pedra, e deixando ali a guarda.»
(Mateus, 27, 62-66).
 … Mateus prepara os seus leitores de uma forma extraordinária, configura um
cenário adequado ao futuro com todas as personagens nos seus lugares, se algo as
alterasse sairia vencedora a moral da história. No entanto, subestimou uma força militar
que considerou de atroz, por certo impossibilitaria qualquer que fosse o tipo de
profanação. Apesar de nos textos apócrifos Jesus ter sido agressivo enquanto criança
e, em adulto, ter insultado os vendedores do templo, não foi descrito como um homem
forte, capaz de remover sozinho uma pedra pesada que fechava o sepulcro ou enfrentar
e enganar a guarda armada do Império Romano. João considerou Jesus como frágil e
medroso que se refugiava dos inimigos: «andava pela Galileia para que os Judeus não
o matassem» (João, 7, 1).
 … Os Evangelistas descreveram divergentemente a crucificação de Jesus. Logo no
primeiro dia da semana, pelo raiar da manhã, surgem as primeiras visitas ao sepulcro.
Os autores dos quatro Evangelhos voltam a ser discrepantes quanto ao momento em
que se descobriu a sepultura já vazia:
— «Viram um moço sentado à direita, vestido de alvo manto» (Marcos, 16, 1-5).
— «Num terramoto descera um anjo do céu como um relâmpago e removeu a pedra»
(Mateus, 28, 2-3).
— «Não acharam o corpo... mas apareceram dois varões em vestes resplandecentes»
(Lucas, 24, 2-5).
— «Simão Pedro entrou no sepulcro e viu panos de linho... o lenço estava noutro lugar»
(João, 20, 4-7).

260
«Destruirei desde o homem ao animal, porque me arrependo de os ter feito». Veja “Deus criador ou exterminador”.

Celestino Silva Página 107


O outro deus
 … Nas descrições dos quatro Evangelhos não houve testemunhas da Ressurreição,
apenas as histórias dos que dizem ter visto Jesus depois de ter sido crucificado. Os
seus relatos estavam infundados e fundaram uma nova fé que levou os seguidores à
rua para desafiar os impérios Romano e Judeu (a hierarquia do templo), mas foram
martirizados e sacrificados, dando lugar ao Cristianismo, a maior revolução religiosa de
que há memória. O plano do Evangelista Mateus nada esclareceu sobre as ditas marias
que procuraram Jesus, assim como o dito anjo que guardava um sepulcro vazio,
dizendo-lhes que o procurassem na Galileia.
 … A crucificação parece ter sido uma farsa arquitectada, talvez com um final bom
para Jesus. Tudo havia sido combinado na última reunião entre Deus, Moisés, Elias,
Jesus e os apóstolos convidados Pedro, Tiago e João que estavam pouco habituados
aquele tipo de reuniões (encontros imediatos do primeiro grau), ficaram apavorados e
não viram nada do que se passou na reunião secreta do monte. Após umas semanas,
quando estavam os onze reunidos, eis a surpresa: «o próprio Jesus se apresentou...
mas eles espantados e atemorizados pensavam que viam um espírito. Ele, porém, lhes
disse: Por que estais perturbados?... Olhai as minhas mãos e os meus pés, que sou eu
mesmo; apalpai-me e vede; porque um espírito não tem carne nem ossos... Tendes
aqui alguma coisa que comer? Então lhe deram um pedaço de peixe assado, o qual ele
tomou e comeu diante deles.» (Lucas, 24, 36-43).
 … As fracções religiosas descrevem os espíritos de incorpóreos, portanto não
deveriam poder comer, mas na crença da religião tudo é possível, mesmo para que um
crucificado saia da cruz morto e, semanas depois, apareça faminto aos seus discípulos.
Estamos perante uma fantasia que requer uma resposta fantástica, só com as
descrições dos Evangelistas não é possível concluir-se que Jesus tivesse morrido na
cruz, talvez nos textos banidos se constasse o que foi decidido na última reunião, em
que Jesus esteve com a expedição e recebeu uma transformação para resistir aos
sofrimentos, tomando conhecimento de que ficaria curado após ser retirado da cruz.
 … No tocante à Ressurreição, o Evangelista João descreveu: «Ninguém subiu ao
céu a não ser aquele que desceu do céu» (João, 3, 13). Jesus poderá ter subido aos
céus, mas não da forma que é sustentada pela crença do Cristianismo. Na altura
nenhum terrestre o poderia fazer, isso seria desafiar todas as leis cósmicas e da física.
Não o fazendo Jesus com auxílio de um aparelho apropriado, uma vez que a espécie
não tem asas, nenhuma outra situação se colocará além da fantasia religiosa.
 … Os seguidores do Cristianismo acreditam que os Evangelhos foram escritos por
testemunhas presenciais da vivência de Jesus, mas os mais prudentes têm revelado
interesse pela historicidade e menos vocação para o crer. Assim, chegaram à conclusão
de que quando evocavam um deus para os ajudar, sem pensar nos outros, cometiam
uma atitude egoísta. Na próxima vez que apelar ao seu anjo da guarda contenha-se um
pouco mais, não ignore os que sofrem e morrem sem a protecção divina.
 … No que lemos dos textos consagrados ficámos com a noção interpretativa de
como surgiu a religião e como é sustentada a crença da linhagem descrita. Seria
maravilhoso que houvesse um deus que interviesse, mas em favor da vivência de toda
a humanidade e não apenas dos adoptados. Afinal, em que critérios o faz! Incentivando
a fé e transformando as pessoas em ególatras e egoístas, bastando-lhes abrir uma
página de um desses textos para os deuses se prontificarem a ajudá-las!
 … Refutações transcendentes não irão faltar, por isso se justifica indagar um caso
que nos transportará aos tempos bíblicos, também eles carregados de egoísmo.
Decorria a última semana de Maio de 2001 e o calor banhava essa manhã apetecível
de Portugal. No rádio ouvia algumas notícias enquanto passava os olhos pelas

Celestino Silva Página 108


O outro deus
primeiras páginas dos jornais, mas foi no desfolhar de uma revista que descobri um
título perturbador: “A mão de Deus deu-lhe a vitória”. Para muitas pessoas poderá ser
uma expressão vulgar, mas o texto da notícia assustava. A revista aludia a um dos
programas televisivos, intitulados de “reality shows”, a vida privada de jovens era
transmitida aos telespectadores que neles votavam: «A mãe do jovem vencedor teve a
certeza de que o filho ganhava o concurso desde o primeiro momento». Chegou a esta
conclusão por uma forma extraordinária, disse: «Um dia, abri a Bíblia na história de
David, fundador de Jerusalém e rei de Israel... foi o sinal de Deus e até falei com o
padre (Jerónimo). Nessa semana o Francisco 261 teve cinco nomeações e eu sabia que
ele ia ganhar. A mão de Deus deu-lhe a vitória.».
 … Compreende-se a satisfação de uma mãe, mas esse seu aprazimento extravasou
o que é humanamente razoável, uma vez que algo descrito e que ninguém sabe quem
escreveu serviu para que o seu filho saísse vencedor entre os demais. Essa mãe terá
tentado conhecer a história da personagem que encontrou ao abrir a Bíblia, sem que
pensasse unicamente na vitória do seu filho! As personagens descritas também foram
violentas e violentadas. No texto do autor do livro de Samuel, Davi foi um guerreiro de
Deus e esses seus atributos começaram logo de bem pequenino, quando deitou abaixo
o gigante Golias com uma pedrada no meio da testa, atirada por uma funda.
 … Conhecer Davi requer uma reflexão sobre a história de Samuel que foi descrita no
texto bíblico. Na ênfase que o autor desse texto tentou transmitir leva-nos a conhecer
melhor a personagem de Davi. Segundo ele havia o sacerdote Eli que estava sentado
no templo quando uma mulher o viu e, junto dele, implorou a Deus para lhe dar um filho
que passou a chamar-se Samuel. A sua mãe, radiante com a “oferta” jurou, no templo,
que o menino seria entregue para toda a vida a Deus, mas ignora os deveres de mãe e
engrandece esse seu gesto: «Deus empobrece e enriquece; abate e também exalta...
levanta do pó o pobre... para o fazer sentar entre os príncipes, para os fazer herdar o
trono da glória... os ímpios ficarão mudos nas trevas... desde os céus trovejará sobre
eles» (Samuel, 2, 1-10). A mãe desfez-se em agradecimentos e se não fosse a
repreensão do sacerdote Eli “talvez ainda não tivesse acabado”: «Não faleis mais
palavras tão altivas, nem saia da vossa boca a arrogância; porque o Senhor é o Deus
da sabedoria, e por ele são pesadas as acções» (I Samuel, 2, 3).
 … Havia motivos para a Ana, mãe de Samuel, estar contente: «Deus visitou-a e ela
concebeu e teve três filhos e duas filhas» (Samuel, 2, 21). Raciocínio que nos leva ao
seguinte pensamento: Se as mulheres estéreis não têm filhos é porque não os pedem a
Deus. O Sacerdote Eli teve filhos muito maus, mas os filhos do pequeno Samuel, que
entretanto cresceu e envelheceu, eram corruptos das leis divinas. O povo estava farto
das hostilidades do endeusamento e pediram uma sociedade organizada pelo homem:
«dá-nos um rei para nos julgar» (I Samuel, 8, 6). A pressão popular aumenta e a
expedição ordena a Samuel para ceder à vontade do povo. Entretanto, aparece Saul
que é ungido por Samuel e torna-se rei, mas a armadilha estava preparada para virar o
curso da religiosidade. A expedição faz a vida negra a este reino e o povo revolta-se
contra Saul. Se ficou com dúvidas deixe que sejam as citações do texto do autor de
Samuel o guiarem à total ausência de bondade infinita que Deus transmitiu a Davi:
— «Saul tomou o reino de Israel e atacou todos os seus inimigos em redor: Moabe,
Edom, os filhos de Amom, os reis de Zobá e os filisteus» (I Samuel, 14, 47).
— «Sempre que Saul via algum homem poderoso e valente agregava-o a si» (I Samuel,
14, 52).
— «Saul disse a Davi: te darei por mulher a minha filha mais velha Merabe, contanto
que guerreies nas guerras do Senhor.» (I Samuel, 18, 17).
261
Os Nomes são fictícios para protecção pessoal dos envolvidos na notícia publicada na revista X.

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O outro deus
— «Davi matou duzentos filisteus e trouxe os seus prepúcios que entregou, bem
contados, ao rei, para que fosse seu genro. Saul lhe deu por mulher a sua filha» (I
Samuel 18, 27).
— «Davi não deixou ninguém com vida; tomava o gado e vestuários e depois voltava» (I
Samuel, 27, 9).
— «Saul matou os seus milhares, mas Davi os seus dez milhares?» (I Samuel, 29, 5)
— «Davi se fortalecia cada vez mais, enquanto Saul cada vez mais se enfraquecia» (II
Samuel, 3, 1).

 … Esta foi a violência religiosa que a mãe do jovem deveria encontrar quando abriu
Bíblia, mas podemos tentar conhecer como os deícolas são levados a tais egoísmos.
No texto do Evangelho de Lucas Maria estava no seu apogeu: «eis que agora todas as
gerações me chamarão bem-aventurada… A sua misericórdia é grande sobre os que o
temem... Depôs dos tronos os poderosos, e elevou os humildes… Encheu de bens os
famintos e despiu vazios os ricos.» (Lucas, 1, 48-53). Um mundo extraordinário acabava
de ser relatado no livro de Lucas, sobre o que Maria conseguiu com a propaganda dos
celícolas e da linhagem na Terra, só foi pena ter sido efémero. Não sabemos se o autor
do Evangelho de Lucas estava ou não certo no que escreveu, mas por influência da
história de Maria têm emergido videntes dos mais variados recantos do planeta que
afirmam tê-la visto: Desde a aparição Bernardette Soubirous, em 7 de Janeiro de 1844,
na Bósnia em 1981, aparecendo a seis crianças croatas e dizendo que era a «rainha da
paz», quando esse lugar sofreu a tragédia de uma mortífera guerra civil.
… Não foi só na Bósnia que a guerra e a paz não se renderam com clamores aos
céus, também em Fátima, Portugal 1917, Maria volta a reaparecer num lugar onde o
analfabetismo rondava os 92%. No horizonte da crença cristã estava a abolição do
Comunismo da União Soviética, o qual impossibilitava os cristãos de professarem o seu
etnocentrismo, se era a paz que procuravam esta só iria surgir quase um século depois.
O altruísmo religioso poderá ser uma estratégia de sobrevivência dos impérios da fé,
recorda-se uma dessas contradições, publicada ao abrigo da Nota oficiosa da Cúria 262
Patriarcal:
— «Tendo constado em vários pontos do País que Nossa Senhora aparecera num lugar
da freguesia de Rio Maior e chegando ao conhecimento desta Cúria que já por duas
vezes ali se reuniram numerosas pessoas, a fim de assistirem a factos anunciados
como extraordinários, esclarece-se que, depois de exame cuidadoso acerca do que
sobre as pretensas aparições se passou e se verificou. Primeiro:
— Nada existir que confirme ou pareça confirmar a veracidade de tais aparições.
Segundo:
— Carecerem inteiramente de fundamento as afirmações vindas a público.
Por isso é dever da autoridade eclesiástica: Primeiro:
— Lembrar a todos os católicos a obrigação de evitarem tudo quanto possa concorrer
para dar publicidade a acontecimentos que apenas servem para comprometer os
sacerdotes que tomem parte em novas reuniões que se anunciem. Segundo:
— Aconselhar a todas as pessoas de bom-senso que, na órbita da sua esfera de acção,
esclareçam o povo sobre a necessidade da maior prudência em casos desta natureza e
sobre a obrigação de impedir o alastramento da credulidade, que facilmente degenera
em superstição perigosa.» (Jornal Diário de Notícias, Lisboa, 07-08-1954).
… O que terá aconteceu de novo para que mudassem a opinião! É bom que se
descubra a tempo para que o etnocentrismo não se alastre ainda mais, em memória
aos pastorinhos que pereceram por causa da fé que sentiam mas não compreendiam,
em vez de ajudados foram explorados. Cita-se o escritor Tomaz da Fonseca, um entre

262
Corte pontifícia; tribunal eclesiástico das dioceses, de um bispado.

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O outro deus
muitas centenas de denunciadores que tentaram evitar, em tempo útil, o que parece
não ter remédio, avaliando pelo que nos conta um tal médico Genipro, coronel do
Exército Português, cuja denúncia foi transmitida por carta a Sua Eminência o Cardeal
Cerejeira:
— «... Ciente e consciente, pois, do grande embuste, insiste defendendo-o e, o que é
pior, impondo-o como dogma de fé! Na verdade, é preciso ter muita coragem para
aceitar e propagar um erro de tamanha evidência, que salta à vista aos próprios cegos!
Porque V. Eminência, como chefe da Igreja portuguesa, não tem direito a ignorar coisa
alguma do que se passa no campo religioso. Sabe, portanto, como, quando e por
iniciativa de quem se preparara a ignóbil farsa... Sabe como as três crianças foram
catequizadas, sugestionadas e iludidas: para identificar esta senhora muito contribuiu
um clínico do Norte (mais um médico na dança!) que ao meu apelo respondeu,
informando: falei novamente com o coronel médico (mais um: sinal de que a doente não
escapa ou fica aleijada para sempre) que me disse: O coronel Genipro andava em
trabalhos de cartografia na região da Fátima. Como demorasse, levou a esposa, que,
senhora extremamente religiosa, ia passear, vestida de branco — era nova e estava-se
no Verão — e encontrando as crianças conversou longa e carinhosamente com elas
sobre temas de devoção. Esses encontros repetiram-se a pedido da senhora para fins
de catequese... A senhora era de trato afável e a imaginação das crianças construiu a
lenda, sem dificuldade, junto dos pais broncos... A seguir veio ao meu encontro um
colega, também coronel, que além de confirmar o exposto acima, forneceu novos
detalhes, valorizados com comentários interessantes: «o que acabo de lhe contar é
sabido na região, porém na ocasião não liguei importância de maior, do que agora me
arrependo». Então, concluiu: «Bem desejava esclarecê-lo melhor, pelo desejo que
tenho em contribuir para o processo das — Desaparições — da Fátima, a maior
aldrabice deste século... Como eles, também nós agora garantimos a Portugal e ao
Mundo: A pessoa que os pastorinhos viram, junto à Cova da Iria, não era a mãe de
Deus, mas uma formosa senhora, esposa dum oficial do exército, ali em serviço do
Estado.» (Tomaz da Fonseca — Na cova dos Leões, páginas: 183-284 e 423-426).
… Ao iniciar o seu livro “Na Cova dos leões” Tomaz da Fonseca escreveu numa
dedicatória a Artur de Oliveira Santos: «que, no exercício de suas funções de
Administrador do Conselho de Vila Nova de Ourém, muito se esforçou por evitar o
embuste de Fátima que a Igreja continua perfilhando e explorando com a repulsa dos
cristãos verdadeiros.». Mas não foram só os agnósticos, os laicos e os ateus que
estavam contra essa farsa, ainda hoje se levantam vozes a denunciá-la, mas não
parece que tenham conseguido fazer reflectir os crentes, um só instante, sobre o que
realmente representa essa paixão transcendental que não podem explicar e a ciência
não o poderá comprovar 263 . Quando o povoléu devoto começou a afluir à Cova da Iria,
o reverendo Marques Ferreira, que mostrou ser um verdadeiro sacerdote cristão disse:
«para que vai essa quantidade de gente prostrar-se, em oração, em um descampado,
enquanto que Deus vivo, o Deus dos nossos altares, sacramentado, permanece
solitário, abandonado no tabernáculo? Para quê esse dinheiro que deixam ficar sem fim
algum, debaixo dessa carrasqueira, enquanto que a igreja em obras não há maneira de
se acabar, por falta de meios?!» (Jacinta, pág. 130).
… O padre sabia que a dita santa não baixara do Céu e a infrutífera carrasqueira
(azinheira ou oliveira) nunca iria dar frutos comestíveis, à semelhança das árvores
frutíferas do Jardim de Éden, embora viesse a dar um metal raro que talvez ele não
imaginasse, mas que transformou aquele lugar singelo num antro de sofrimento
consagrado. A literatura que evocou o esclarecimento e não o endeusamento foi
263
A ciência tem conseguido explicar o explicável, ou seja, tudo aquilo que é de natureza cósmica, porém nunca o poderá fazer aos pensamentos que são gerados nas paixões
transcendentais.

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O outro deus
anulada pelos mistérios da fé. Livros como: “Na Cova dos Leões” de Tomaz da
Fonseca, “A Bíblia e os Extraterrestres” de Pierre-Jean Moatti e outros que procuravam
a verdade foram silenciados subtilmente. Nalguns casos compraram as dívidas das
editoras, afim de ficarem com o espólio para destruir.
 … As aparições marianas são tão extraordinárias que ninguém as consegue
desassociar do extraterreno. Qualquer que seja a evocação religiosa está
implicitamente ligada a algo que não é deste planeta, logo os teístas são adeptos dos
fenómenos extraterrestres. Paul Misraki, o escritor católico que desde 1958 se dedicou
ao estudo das relações entre os OVNI e a religião (não apenas cristã), descreve as
aparições de Fátima: «os seus pontos de contacto e interferências são notáveis… o
aspecto do disco em movimento (o Sol para a grande maioria dos testemunhos), a sua
aparência achatada e prateada, as suas oscilações, o redemoinho multicolor
acompanhado por feixes de luz bruscos e irregulares, a sua queda em “folha morta”, o
calor emanado pela aproximação e o seu regresso fulgurante ao céu, participam das
características encontradas em inúmeros casos do dossier OVNI» 264 . Salienta-se
algumas anotações curiosas do trabalho de Misraki, os testemunhos das aparições
relatam ter visto na região de Fátima, em 13 de Setembro e meses anteriores, um globo
luminoso que deslizava lento e majestosamente através do espaço. Segundo ele tratar-
se-ia e de um veículo que a Virgem se fazia conduzir até às crianças que apascentavam
as ovelhas. Disse mais: «se a senhora da luz fosse a Mãe de Cristo, não teria
necessidade de se deslocar num veículo até nós.».
 … Ascender e descender dos céus, sem a ajuda de máquinas, é totalmente
impossível no nosso tempo e também o seria no tempo dos milagres, mas a insipiência
dos nossos antepassados foi alegorizada no que anteriormente foi descrito, como nas
ascensões de Henoc, Elias, Jesus e Maomé. Desde esse famigerado dia, em que o Sol
bailou em Fátima, milhares de pessoas acorrem a esse lugar de culto, como o terão
feito 30-40 mil pessoas nesse dia, mas há uma diferença nos novos peregrinos, o
conhecimento que não havia na altura em que se acreditava no Sol a rodar à volta da
Terra (geocentrismo), nas enormes bolas de fogo que queriam arrasar o mundo
(estrelas cadentes ou cometas), nos monstros gigantes que queriam engolir a Lua e o
Sol (eclipses).
 … Não sendo a aparição de Fátima uma excepção às crenças do passado, já que
foram colocados pára-raios nesses edifícios ditos sagrados, os crentes desconfiam da
protecção das divindades! Os líderes teístas arrastam as multidões para esses lugares
de sofrimento, sustentando as hipocrisias que lhes ensinaram nos seminários, não o
que a ciência comprovou acerca das leis do cosmos, em que a dita Senhora, tal como
se descreve, nunca poderia vir do Céu. Se veio é porque estamos na presença de uma
expedição extraterrestre (portanto, um caso OVNI). Assim sendo, porque assistem
indolentes ao sofrimento das multidões que arrastam atrás de uma ilusão, sabendo que
os ditos deuses não as salvam nem lhes retiram o mal que as levou a esses lugares!
… Observemos alguns detalhes do caso Fátima e fixemos a atenção na fragilidade
da sua sustentação, levada a efeito numa inquirição pelos padres que visavam a
recolha de elementos novos para enriquecimento da religiosidade, quando interrogaram
a pastorinha Jacinta:
— «Que te disse a Senhora desta última vez?» — Disse: Venho aqui para te dizer
que não ofendem mais a Nosso Senhor, que está muito ofendido; que se o povo se
emendar, acaba a guerra e, se não se emendar, acaba o mundo!» — «Disse que a
guerra acabava nesse dia ou que acabava brevemente?» — «Nossa Senhora disse

264
Paul Misraki – autor de La maison de mon père, obra coroada pela Academie Francaise; Les extraterrestres (1962).

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O outro deus
que, quando chegasse ao Céu, acabava a guerra!» — «Mas a guerra ainda não
acabou!...?» — «Acaba, acaba!...» — «Mas então quando acaba?» — «Cuido que
acaba no Domingo!» (citação do livro de Tomaz da Fonseca, “Na Cova dos Leões”, pág.
270).
… Será que a Senhora da aparição ainda não chegou ao Céu! As ofensas a Deus e
as guerras continuam, não houve emenda porque o mundo não acabou! Recordemos
um pequeno excerto das preocupações da mãe que só pensava em libertá-la, mas
vendo que não bastavam as suas exortações e o achincalhe das irmãs e do pai vai com
ela ao pároco para expor a sua inquietação: «Oh, Sr. Prior, só a mim acontecem estas
desgraças!» — «Mas que desgraça?» — «Esta rapariga é o escárnio de toda a
vizinhança!» — «Pelo contrário, se fosse verdade o que ela diz seria para vocês uma
grande bênção do Céu!..» — «Se fosse verdade?!... Mas é que não pode ser!» (Obra do
Padre Del Rio, citação da pág. 49).
… Repare na expressão: «se fosse verdade?!... Mas é que não pode ser!». Quem
contestava as manobras religiosas encontrava pela frente uma barreira intransponível
de paixão e endeusamento. A preocupação desta mãe não poderia ser mais elucidativa,
até porque era conhecedora de uma outra história que antecedeu num ano a dita
aparição, em que num lugar chamado “Cabeço” e posteriormente junto a um poço, no
quintal da casa de Lúcia, terá aparecido um anjo envolto em luz que disse a Lúcia,
Francisco e Jacinta: «... Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios.» —
«Mas como nos havemos de sacrificar?» — «De tudo que puderdes, oferecei o
sacrifício em acto de reparação pelos pecados no que ele é ofendido e suplicai pela
conversão dos pecadores. Aceitai e suportai com submissão o sofrimento que o Senhor
vos enviar.» (leitura local de Fátima — Aparições do Anjo).
… Submetidas nessa paixão as crianças deixaram de se alimentar correctamente, o
suplício incluía um constrangimento torturante do corpo. Faziam-no com uma corda que
foi vista nos painéis da capela lateral direita. Os pastorinhos entraram em estado
anoréctico e acabaram por contrair doença pulmonar, da qual morreram bem cedo sob
o estímulo da fé. Será que tiveram alguma visão do que é religiosamente relatado!
Provavelmente, mas não viram uma santa, as visões sempre surgiram quando os ditos
videntes estão muito carenciados, em transe e por vezes em estado sedente ou de
demência. Com sede e num deserto podemos ver falsos oásis (miragens),
principalmente quando o corpo está em desfalecimento.
… Para entendermos melhor o fenómeno vamos recorrer aos relatos da época.
Comecemos pelas cartas do Prof. Tomaz da Fonseca que foram publicadas no Diário
da República na década quarenta e dirigidas a Sua Eminência o Cardeal Cerejeira, o
chefe da Igreja de Portugal que não as contestou nem desmentiu. Eis um pequeno
excerto dessa última carta: «Vossa Eminência sabe, e não quer pôr cobro a semelhante
malvadez — para não dizer indignidade — como a Cova da Iria tem enriquecido alguns
e, empobrecido tantos! Soube, e não condenou, antes aplaudiu a vigilância
apertadíssima exercida sobre as três crianças; vigilância que só terminou com a morte
dos dois irmãos e o sequestro de Lúcia em convento inacessível a profanos... Sabe que
no Santuário se tem exposto certo número de cordões, pulseiras e peças de oiro, a fim
de convencer as pobres camponesas e mulheres de pescadores a ofertarem também
as suas jóias. V. Eminência é dos que o não ignoram, pois tem, repito, junto da sua
porta um dos mais degradantes espectáculos que em nossos dias podem contemplar-
se. Apesar disso, o que mais vivamente o preocupa não são os míseros com fome de
pão e sede de justiça, mas a construção de grandes seminários, de igrejas luxuosas e
órgãos monumentais, como esse que encomendou em Pádua para Cova da Iria. «Eis o
milagre da fé!» — grita V. Eminência ao microfone... «Milagre da fé!» — a hipnotização

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O outro deus
do povo ignaro e fraco de intelecto! «Milagre da fé» — a visão do Inferno com que a
toda a hora suplicam! Ao vê-lo caminhar em cordas intermináveis, compreende-se como
a religião conduz à imbecilidade e à loucura.».
… A afirmação do padre Mário de Oliveira no Jornal O Público, 23.01.99, parece
fazer sentido: «Fátima foi a grande desgraça que aconteceu em Portugal». Infelizmente,
essa desgraça está por todo o planeta, envolvendo crianças e gente humilde em zonas
quase inacessíveis. O caso de Fátima é recente e pode-se testemunhar através de
vários relatos de jornalistas que o presenciaram e não viram «o bailado do Sol».
Recuperemos a reportagem de Avelino de Almeida, jornalista do jornal "O Século", na
edição do dia 15 de Outubro de 1917:
— «… Um espectáculo único e inacreditável para quem não foi testemunha dele… O
astro lembra uma placa de prata fosca e é possível fitar-lhe o disco sem o mínimo
esforço. Não queima, não cega. Dir-se-ia estar-se realizando um eclipse. Mas eis que
um alarido colossal se levanta, e aos espectadores que se encontravam mais perto se
ouve gritar: milagre, milagre! Maravilha, maravilha! Aos olhos deslumbrados daquele
povo, cuja atitude nos transporta aos tempos bíblicos... o Sol tremeu, o Sol teve nunca
visto movimentos bruscos fora de todas as leis cósmicas. O Sol «bailou», segundo a
típica expressão dos camponeses... a seguir, perguntam uns aos outros se viram e o
que viram. O maior número confessa que viu a tremura, o bailado do Sol; outros, porém,
declaram ter visto o rosto risonho da própria Virgem, juram que o Sol girou sobre si
mesmo como uma roda de fogo de artifício, que ele baixou quase a ponto de queimar a
terra com os seus raios… Há quem diga que o viu mudar sucessivamente de cor… O
céu está varrido de nuvens e o Sol segue o seu curso com o esplendor habitual que
ninguém se atreve a encarar de frente... Lúcia, a que fala com a Virgem, anuncia, com
ademanes teatrais, ao colo de um homem, que a transporta de grupo em grupo, que a
guerra terminará e que os nossos soldados iam regressar… a Jacinta, está mais para
desmaiar do que para danças, mas aquilo por que todos ansiavam — o sinal do céu —
bastou a satisfaze-los, a radica-los na sua fé... Vendedores ambulantes ofereciam os
retratos das crianças em bilhetes-postais... e até uma imagem da Virgem como sendo a
figura da visão… bom negócio foi esse, e decerto mais centavos entram na algibeira
dos vendedores e no tronco das esmolas para os pastorinhos, do que nas mãos
estendidas e abertas dos leprosos e dos cegos que, acotovelando-se com os romeiros,
atiravam aos ares seus gritos lancinantes...» (Revista: “Fátima 50”, Ano I – Nº 6, de
13/Outubro/1967, páginas 12-15).
 … Os jornalistas provaram não terem visto alguma aparição, mas o Papa João
Paulo II veio novamente a Portugal, em 13 de Maio do ano 2000, no intuito de arrastar a
esse lugar milhares de crentes. Desta vez a temática visava a canonização dos videntes
da aparição. Não são modernices religiosas, esses pensamentos remontam à
antiguidade-religiosa, ainda que sem holocaustos e provas de fidelidade como a de
Abraão para com o “seu filho” Isaac. Os mecanismos de excitação religiosa apelaram à
sensibilidade das pessoas (santos e deuses quem os não gostará de ter).
 … Os seguidores de Maomé não são diferentes dos seguidores de Jesus, ambos
acreditam na veracidade de textos antigos que chegaram desprovidas de exactidão.
Pensa-se que Maomé nasceu no ano 570 d.C., na cidade de Meca, uma península
arábica abrasada pelo Sol que é actualmente a Arábia Saudita, onde predominava a
escassez e os povos viviam em tribos num permanente estado de guerra. Destacam-se
duas forças tradicionais do Sul e do Norte: Os iemenitas sedentários, descendentes de
Abraão e os nizaritas nómadas, descendentes de Ismael.
 … Maomé era um menino de seis anos quando, após a morte de seus pais, o líder
de um clã o tomou sob protecção e o torna num habilíssimo discursista. A vivência
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O outro deus
inóspita dessa região fez da família o pilar principal do sucesso da sobrevivência, mas a
subjugação tribal fez dessa criança um guerreiro exímio.
 … A exegese revela influências externas de missionários cristãos e judeus que
vieram alterar o panorama religioso vigente, altura propícia para os escritores do
Alcorão colocarem uma criança carente a ultrapassar o desafecto da orfandade. À mão
tinham os textos da antiguidade-religiosa e o último Paracleto 265 estava para chegar: «O
Pai enviará um outro Paracleto» (João, 14, 16 e 26). Passaram algumas centenas de
anos do profeta Jesus e a memória da linhagem é reavivada com a teopsia de Maomé,
o arcanjo Gabriel, para reinfeccionar o planeta de religião. Não tarda que surja outra, os
aliados não podem ser acordados da hipnosia que os celícolas lhes injectaram no
adolescer da linhagem.
 … Os profetas surgiram da conflituosidade dos povos tribais que viviam em função
da guerra, Maomé não foi excepção, por isso refugiou-se num castelo para organizar o
seu exército. Contestado pelos grupos rivais apregoa a guerra santa (Jihad 266 ) para
derrotar os habitantes de Meca. Evoca o seu deus único e a suposta visão da divindade
do arcanjo que lhe ensinou os segredos para assaltar caravanas. Vendo-o bem
sucedido muitas tribos foram atraídas pela sua crença, o que lhe proporcionou um
exército poderoso e o levou a subir às montanhas para meditar na eternização da sua
nova religião.
 … Os árabes, pré-islâmicos, adoravam mais de 360 deuses, os quais eram
representados pelos Totens das tribos que guardavam na cidade mercantil de Meca,
num lugar chamado Caaba. No que leu dos antepassados, homólogos, Maomé
apercebe-se que muitos deuses davam problemas e ordena que os destruam.
Aperfeiçoa o discurso monoteísta e intitula-se mensageiro e profeta do seu deus Alá no
ano 615, mas a doutrina remontava a antes do patriarca Abraão. O seu interesse pelo
cristianismo monofisista fê-lo suprimir a Trindade e retornar ao monoteísmo judeu,
quando queria praticar o proselitismo da ressurreição dos mortos no juízo final e o
paraíso para os justos. A maior curiosidade foi predizer o fim do mundo para o ano 600
quando se sabe hoje que essas profecias falharam, tal como as previsões dos outros
profetas, embora os defensores evidenciem as que lhes parecem ter coincidido.
 … Entre as vitórias e derrotas dos credos algumas tribos ficaram mais fracas, mas
perceberam que juntas ao império de Maomé podiam vencer as demais. A doutrina
expandiu-se e uma força bélica implacável propugna-se à fidelidade do monoteísmo na
busca de um “novo deus único”. Surgem os Muçulmanos, os que temem a Deus, para
darem início ao texto do Alcorão, não fossem as novas profecias serem corrompidas.
Os alcoranistas socorreram-se da tradição textual antiga e escreveram a vida de
Maomé, relatando o discurso social de um órfão guerreiro e líder de um povo tribal,
onde não falta a prosa e o sentido poético para descrever os paraísos que contrastam
com a inospitalidade do deserto. O temor a Deus foi revivescido e reescrito, mas os
novos escritores debatiam-se com a inexistência de milagres, um uso estabelecido
pelos profetas antecessores, Maomé repete a teopsia, a ressurreição 267 , os paraísos e
por fim as descrições apocalípticas que felizmente não aconteceram.
 … A crença de um novo etnocentrismo perpetrou seis séculos de conflitos
sangrentos contra as cidades dos infiéis a Alá. Os soldados da fé irromperam numa luta
desenfreada e arrasam grandes regiões demográficas de povos humildes, vendendo as
mulheres e crianças como escravos, deixando para trás um lençol interminável de
sangue humano. A contínua crueldade da religião prova que paz e o bem-estar

265
Nome dado ao Espírito Santo. Jesus teria dito: «O Pai enviará um outro Paracleto» (João, 14-16 e 26).
266
Linguisticamente a palavra Jihad quer dizer “esforço” ou “emprego de força”, mas sempre foi usada para incitar os soldados religiosos na guerra dita santa.
267
Jesus declarou: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que morra, viverá» (João, 11, 25).

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O outro deus
civilizacional virão com o desendeusar. Em apenas 100 anos de intervalo à queda do
Império Romano, ano 11 do calendário islâmico, 2 anos da tomada de Meca e 632 anos
depois de Jesus, o último profeta morreu e não viu crescer o maior império que a sua fé
construiu.
 … As hostilidades dos celícolas foram transmitidas aos líderes da linhagem, estes
tornaram a vivência dos povos primitivos num inferno religioso até aos dias de hoje. Os
mais zelosos produziram discursos iludentes para encorajar a prática dessas
desumanidades, Maomé foi dos mais hábeis guerreiros que a História testemunhou, os
seguidores ainda usam o seu livro sagrado no topo das armas para incitar os tementes
de Alá a matar, exactamente como foi descrito pelos antigos Muçulmanos.
 … Movidos pela crença não repararam que esses textos, em que se apoiam, alertam
para a perigosidade que os respectivos escritores transcreveram da Idade Antiga,
concluindo-se que não relataram deuses incorpóreos e sim criaturas biológicas e
guerreiras. Caso fossem bondades infinitas já teriam voltado para terminar os
compromissos com a linhagem, descendente de Adão, Abraão, Isaac, Noé e sua
grande família que aguardam reatar o que Yahveh, Elohim, respectivas expedições e
aliados pactuaram. Só com muita fé se poderá manter, por tanto tempo, as promessas
que a parte proponente nunca cumpriu: «Não tornarei a amaldiçoar a terra… nem a
matar todo o vivente como fiz.» (Génesis, 8, 21).
 … Com o rigor da verdade a Terra nunca deixou de estar ameaçada, assim como
torturados e mortos os seus viventes, mas quase todo o passado humano se apoia num
período de mil anos de histórias ditas sagradas. O primeiro conjunto de manuscritos
mais divulgado no Ocidente e a ser impresso foi a Bíblia, um nome que deriva da forma
latina medieval «bíblia» e do grego “tà bibliá” que significa livros. A palavra Bíblia
aparece descrita pela primeira vez no século IV, consta que foi introduzida pelo
Patriarca João Crisóstomo de Constantinopla. Na realidade a Bíblia é um conjunto de
textos que juntaram e classificaram por critérios como os do Alcorão e de outros que se
consagraram.
 … A paixão que leva muitos a adorarem esses livros deixa parecer que são
inofensivos, mas o que neles se descreveu realça uma intensa violência
desaconselhada ao ensino de crianças e que afasta os leitores da historicidade do
planeta. Contudo, representam alguns dos textos de uma selecção com cerca de três
milénios, em que os seus autores e escritores não foram inspirados, talvez
influenciados, já que advertem que o autor pode não ser o escritor: «Jeremias tomou
outro rolo e entregou-o a Baruc, filho de Néria, seu secretário, o qual escreveu nele,
ditando Jeremias, todos os oráculos contidos no rolo lançado ao fogo por Joaquim, rei
de Judá. Além disso foram acrescentados vários oráculos.» (Jeremias, 36, 32). A
citação é um excerto da Bíblia e não está em consonância com as traduções de outros
textos consagrados, faria sentido palavras e não oráculos 268 . Na carta de Paulo aos
romanos, no capítulo das “recomendações e saudações”, está expresso o escritor e não
o autor: «Saúda-vos Timóteo, meu colaborador, assim como Lúcio, Jasão e Sosíparo,
meus parentes. Saúdo-vos no Senhor, eu Tércio, que escrevi esta carta.» (Romanos,
16, 21-22).
 … Alguns estudos e pesquisas de estudiosos comprovam que muitos foram
reescritos por novos escritores, daí as falhas e correcções nos ajustes das sucessivas
traduções, em que algumas sustentam uma criação antes da que foi descrita no
Génesis (VT), mas o novo criador acaba por fazer algo idêntico: «modela o mundo,
separando o dia da noite, o céu da terra e a terra das águas, tornando-a fértil». No

268
Resposta dada por uma divindade a quem a consultava; lugar onde se davam os oráculos. Sentido figurativo: Profecia; revelação; resposta infalível.

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O outro deus
sentido depreciativo alguns defensores afirmam que a anterior criação teve lugar no
meio de um abismo aquoso e catastrófico, em que os deuses e os monstros adversários
se enfrentavam em violentas batalhas. Então, porque perdurará a história hebraica
sendo-lhe reconhecidas contradições! A história dos hebreus surgia com uma notícia
agradável, rejeitava a violência da antiga criação e empreendia um Génesis novo e sem
violência, mas pelo descrito surpreendeu os crentes com a escolha do novo criador.
 … Nenhum livro é imune à crítica, o que está lendo é um bom exemplo, mas a Bíblia
já foi levada aos extremos. No plano histórico foi considerada como o livro mais
sagrado, mas também pejorada como facciosa, incitante à violência e repleta de
crueldades, invencionices, erros, injustiças e indecências. A crítica afirma que o
etnocentrismo a divinizou e o cientismo racionalista a reduziu aos mais variados
disparates de lendas e mitos. Várias fracções religiosas a têm como a principal guia do
espírito, assim como alguns reis já a usaram para incitar os seus guerreiros a combater
os opositores e a escravizar os seus súbditos. No século passado estendia-se a mão
sobre a Bíblia para jurar pela verdade e os chefes de algumas nações ainda o fazem,
jurando fazer o melhor nos seus países.
 … A ciência que investiga os textos bíblicos já os utilizou na tentativa de se
confirmar as afirmações descritas, mas não colocou a mão sobre eles para jurar pelo
bem-estar social. Será por os países religiosos o terem feito que condenaram à morte
os próprios concidadãos, obrigando-os a lutar com a fúria dos seus deuses, em «olho
por olho dente por dente»! Leia-se os capítulos e os versículos dos livros: (Êxodo 21,
24), (Levítico 24, 20), (Deuteronómio 19, 21), (Mateus 5, 38), ou observe-se algumas
afirmações do autor do Êxodo: «Quem ferir a um homem, de modo que este morra,
certamente será morto... Quem furtar algum homem e o vender, certamente será
morto... Quem sacrificar a qualquer deus, a não ser tão-somente ao Senhor Deus, será
morto» (Êxodo, 21, 12-16, e 22, 20). Estranha-se que os escritores do Pentateuco se
auto-contraditam em: «não matarás» e «não roubarás», já que tal pôde ser visto
recentemente na desenfreada pilhagem no Iraque, após a invasão da Coligação anglo-
americana, e comprovado nos textos: (Êxodo, 20, 13), (Deuteronómio, 5, 17).
 … As leis primitivas da crença davam sinais de incompatibilidade com a apregoada
bondade infinita: «os filhos de Israel acharam um homem apanhando lenha no dia de
sábado... trouxeram-no a Moisés e a Aarão... Então disse Deus: certamente será morto
o homem; toda a congregação o apedrejará fora do arraial. Levaram-no, pois, para fora
do arraial, e o apedrejaram, de modo que ele morreu; como o Deus ordenara a Moisés»
(Números, 15, 32-36). Nesses textos foram descritas as manifestações letíferas de
criaturas celipotentes, na sombra deles ainda se formam países ricos, pobres e alguns
cruéis. Parte ficou sem rumo humanitário mas com uma enorme fé, pela qual não
hesitam em incitar os seus fiéis a exterminar os de outros deuses: «derrubareis os seus
altares... abatereis as imagens esculpidas dos seus deuses e apagareis o seu nome
daquele lugar.» (Deuteronómio, 12, 3).
 … As hostilidades contra a humanidade não se restringem às últimas guerras
santas, há muito que os celícolas e os soldados da linhagem se fazem relembrar
quando os ignoram, ameaçando a tranquilidade da civilização que atacam sem
contemplação. O Outono dava as últimas despedidas, rompia a aurora de 11 de
Setembro do ano 2001 quando todo o planeta se contorceu de dor pelo excídio do
etnocentrismo. A inteligência volta a ser perturbada pelo zelo excessivo da crença, o
último deus único é evocado para revivescer as ditas maldições bíblicas e o infortúnio
apregoado tornou-se realidade.
 … Os agressores seguiram a acção diabólica da sua religiomania. Na Bíblia, no
Alcorão e noutros livros, ditos sagrados, são realçadas exterminações em massa pela
Celestino Silva Página 117
O outro deus
defesa da doutrina monoteísta. No revivescer dessa barbárie ficámos a conhecer os
países que têm pouco mais do que o armamento de guerra, mas os seus líderes vivem
em palácios de luxo, submetendo os povos que controlam ao vivencial da miséria. No
decorrer da retaliação, aos que atacaram o WTC, surge o movimento bélico no Norte do
Afeganistão que evoca Alá para lhe dar a vitória contra os Taliban 269 , os quais também
o evocaram e perderam a guerra.
 … Os impérios estão divididos por deuses que dizem ser o mesmo, assim como os
seus submissos guerreiros estão subdivididos nas suas crenças. Bush implorou ao seu
deus que protegesse a América e os soldados que atacaram duas vezes o Iraque em
menos de uma década, mas Sadam Hussein também incitou os seus guerreiros em
nome de Alá para exterminarem os guerreiros de outro deus, embora no antigo texto
consagrado só um exército foi auxiliado pelo deus que disse: «Quando avançares
contra os teus inimigos a fim de os combateres... não te assustes, porque o Senhor, teu
Deus, está contigo... acompanha-te para combater os inimigos e para te dar vitória»
(Deuteronómio, 20, 1-4).
 … Desde a antiga Mesopotâmia, hoje a região do Iraque, que os povos são
fustigados pelas hostilidades do seu próprio etnocentrismo. Antes de Maomé eram as
tribos guerreiras que arrasavam as povoações por não adorarem os seus deuses e,
depois, os infiéis a Alá. Após serem libertados de um regime que os oprimia correram
aos velhos locais de culto em manifestação, batendo com as mãos no peito e os pés no
chão, agredindo o próprio corpo até sangrar, quando os seus hospitais não os podiam
socorrer por terem sido pilhados pela euforia de uma falsa liberdade.
 … Os guerreiros religiosos evocam os mesmos deuses que são adorados pelos
povos que controlam, o objectivo é torná-los indefesos e subjugáveis, por isso é que
essa fantasia da imaginação continua a gerar impérios poderosos que enfatizam
convicções diabólicas e produzem guerras sagradas, como alguns que vamos tentar
conhecer melhor. Os slogans “não à guerra” são muito antigos, surgiram desde que os
povos se libertaram um pouco desses impérios fanatizadores e começaram a poder
manifestar-se, desde então os seus gritos têm ecoado para travar essa demência de
milénios. Quantos jogadores não apostaram com toda a sua fé e não foram
recompensados, enquanto outros foram bafejados sem o mínimo esforço. O importante
talvez seja saber o porquê da guerra e o que dela se alimenta.
 … Os beligerantes que se combatem pelo mesmo deus têm em mente desrespeitar
e aniquilar a espécie humana, usurpar os povos e defender a sua linhagem: «tomarás
para ti as mulheres, as crianças, o gado e tudo quanto se encontrar na cidade, como
espólio, e aproveitarás, como despojos dos teus inimigos, que o Senhor, teu Deus, te
entregar... Quanto às cidades daqueles povos que o Senhor, teu deus, te há-de dar por
herança, não deixarás nem uma só alma.» (Deuteronómio, 20, 14-16).
 … A violência das últimas guerras talvez paire na memória de muitos,
provavelmente atenuada pela esperança de que alguém venha a resolver essa
ignomínia, mas não há intervalos desde a antiguidade-religiosa. Recorda-se alguns
momentos: Deus exterminou Sodoma e Gomorra; os impérios da fé guerreiam-se
quando não dizimam os infiéis; Hitler quase arrasou a Europa para massacrar os
judeus; os guerreiros do tio Sam destruíram Heroxima e Nagazaki e os de Bin Laden
reduziram a pó o WTC de Manhattan. O extermínio que acabou de ler não atingiu o
culminar, sendo seguro que voltará a surpreender mortalmente a civilização que insiste
revivescer as tradições em vez de as memorizar.

269
Regime que governou o Afeganistão de forma abominável, até ser expulso pela comunidade internacional, no final do ano 2001.

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O outro deus
 … A História foi suja pela crueldade dos que apregoaram uma bondade infinita não
descrita, nenhum grupo ficou isento de se mobilizar com armas em riste na busca de
paraísos imaginários: «Se temerdes a Deus e, se vos atacarem, o vosso Senhor vos
socorrerá com cinco mil anjos bem treinados.» (3ª Surata, 125). No tocante à
persistência não restam dúvidas, os «cinco mil anjos bem treinados» existem na
violência da crença sagrada, mas nem sempre surtem efeito contra os ditos infiéis.
… Nos livros que sustentam a lei sagrada, o criador destruiu e mandou destruir
todos os deuses adversários, por isso os fiéis e mártires têm de acordar da hipnosia,
senão a linhagem agigantar-se-á e o escritor do apocalipse poderá vir a ter razão,
levando os impérios da fé a se reagrupar e mais fortes destruirão muitas mais cidades e
países do que na antiguidade-religiosa. A USA não pôde evitar que as suas fortalezas
emblemáticas fossem violadas e alguns dos cidadãos feridos no seu patriotismo e
religiosidade. O ataque ao WTC não igualou as maldições bíblicas nem superou a mais
violenta ficção cinematográfica, mas nessa realidade pereceram milhares de inocentes.
 … O autor do Êxodo descreveu: «Deus disse a Moisés: Vejo que este povo é de
cerviz dura... a minha cólera vai inflamar-se contra eles para os destruir... Se me
encontrasse, num instante apenas, no meio de vós, aniquilar-vos-ia» (Êxodo, 32, 9-10 e
33, 5). Não há dúvida de que denuncia um deus intolerável para quem duvida e
protesta, ainda que seja a pedido de Moisés: «Não vos deixeis dominar pela cólera e
abandonai a decisão de fazer mal e este povo. Recordai-vos de Abraão, de Isaac e de
Israel, vossos servos, aos quais jurastes, pelo Vosso nome, tornar a descendência
deles tão numerosa como as estrelas do céu e conceder à posteridade deles a terra que
falastes» (Êxodo, 32, 12, 13).
 … Os historiadores calculam que durante mil anos ter-se-ão escrito cerca de 4000
textos religiosos, hoje restam pouco mais de 70 na Bíblia. Alguns foram reescritos
tendenciosamente, ainda assim podemos entender o que os nossos antepassados nos
quiseram transmitir. Os religionários têm de reflectir sobre o criador descrito e os
ataques dos impérios da fé contra a espécie humana, já que se arrasaram cidades e
países, provavelmente destruirão o planeta e um dia, quem sabe, o Universo. Algo deve
estar errado nos paraísos descritos pelo etnocentrismo: «Herdareis a sua terra, e eu vo-
la darei para a possuirdes, terra que mana leite e mel. Eu sou o Senhor vosso Deus que
vos separei dos povos.» (Levítico, 20, 24).
… Baseados nesses textos, os líderes religiosos especializaram-se num falso
pregão para persuadir os mais susceptíveis ou menos esclarecidos. A linhagem que foi
descrita no texto do Génesis é o símbolo do egoísmo, da intolerância e do racismo que
assola os povos desde antes o jardim de Éden. Nas abordagens aos textos da Bíblia
documentámo-nos com as crueldades dos celícolas e da linhagem até ao texto do
Alcorão. Vejamos algumas citações em apenas três Suratas 270 :
— «Quando vos enfrentardes com os incrédulos, em batalha, golpeai-lhes... até que os
tenhais dominado... se Deus quisesse... ter-se-ia livrado deles; porém, facultou-vos a
guerra para que vos provásseis mutuamente. Quanto àqueles que foram mortos pela
causa de Deus, Ele... iluminá-los-á e melhorará as suas condições... os introduzirá no
Paraíso que lhes tem sido anunciado... Enquanto que os incrédulos... ai deles!
Porventura, não percorreram a terra para ver qual foi a sorte dos seus antecessores 271 ?
Deus os exterminou! Semelhante sorte haverá para os incrédulos... Deus é o Protector
dos fiéis, os incrédulos jamais terão Protector algum... Deus introduzirá os fiéis que
praticam o bem 272 em jardins... quanto aos incrédulos... o fogo lhes servirá de morada...

270
No Alcorão a Surata é o comparável ao capítulo de um livro.
271
Referência à mortandade dos impérios da fé, embora o autor ainda não conhecesse a evolução dessa desgraça que contaminou e exterminou grande parte da civilização.
272
Será que se referia aos extermínios dos impérios da fé, neste planeta, ou ao bem que é prometido num outro mundo paradisíaco!

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O outro deus
Eis uma descrição do Paraíso que foi prometido aos tementes: Lá há rios de água
impoluível; rios de leite de sabor inalterável; rios de vinho deleitante para os que o
bebem; rios de mel purificado; ali terão toda a classe de frutos... Poderá equiparar-se ao
castigo daqueles que permanecerão eternamente no fogo, a quem será dada a beber
água fervente, a qual lhes dilacerará as entranhas?» (47ª Surata, 4-15).
— «Nos jardins do prazer... estarão sobre leitos, incrustados com ouro e pedras
preciosas... Reclinados neles, frente a frente... Servirão jovens de frescores imortais...
Com taças, jarras e ânforas cheias de néctares, provindos dos mananciais celestes»
(56ª Surata, 12-24).
— «Sabeis que a vida terrena é tão-somente jogo e diversão, veleidades, mútua
vanglória e rivalidade, com respeito à multiplicação de bens e filhos... Na outra vida
haverá castigos severos... Que é a vida terrena, senão um prazer ilusório?... Emulai-
vos, pois, em obter a indulgência do vosso Senhor e o Paraíso, cujas dimensões
igualam as do céu e da terra...» (57ª Surata, 20-21).
… Quem escreveu a 47ª Surata do texto do Alcorão entrou em contradição, ao
afirmar que desfrutam dos paraísos celestiais, depois da morte, aqueles que se
submeterem ao etnocentrismo de Maomé e desprezarem os prazeres terrenos. Na 57ª
Surata são revelados «castigos severos» nessa outra vida, pelo que os candidatos
devem responder violentamente aos infiéis de Alá para lhe expandir a religião, o que
torna muito curioso o início das Suratas: «Em nome de Deus, o Clemente, o
Misericordioso.».
… Obcecados por uma segunda vida e alienados das leis naturais muitos dos
crentes acabaram em reféns e vítimas dos impérios da fé, fazendo-os crescer de forma
numérica, monetária e militar para sustentar o terror dos seus exércitos. A crença na
ressurreição e nos falsos paraísos fez com que desprezassem a única oportunidade de
viver, pondo fim à vida dos outros com ataques que disfarçam com meros acidentes:
Umas vezes na casa e no carro da vítima, outras em locais escolhidos para colocarem
as suas bombas mortíferas, quando não manipulam a ingenuidade dos jovens para os
fazerem explodir junto dos transeuntes. Os limites da sua paixão e inspiração na crença
culminam em extermínios de larga escala, mas nos locais de culto falam suavemente,
ostentando discursos pela paz e o bem-estar. Quem os ouvir e não conhecer a
historicidade dos seus impérios não entenderá porque surpreenderam frequentemente a
humanidade com a sua destreza para o mal.
… Os promotores que mandaram usurpar aviões carregados de combustível e os
atiraram contra os maiores edifícios do mundo, no WTC, para que o impacto da chacina
fosse maior esconderam-se na bandeira da religião, um refúgio privilegiado para
deuses, aliados, terroristas e exterminadores. O leitor assistiu e pôde verificar que a
captura dos responsáveis poderia circunscrever-se e serem julgados em algumas
horas, mas nos textos consagrados foram descritos ataques aos infiéis e não à captura
dos fiéis. O apelo da fé é dirigido aos paraísos dos céus e não à realidade da Terra, por
isso não foram denunciados os homicidas em tempo útil. O discurso do Osama Bin
Laden, descrito como o responsável por esse morticínio, foi proferido numa fase de
maior inflicção bélica sobre os seus exércitos, porém esclarecedor: «isto é uma guerra
entre fiéis e infiéis».
… Nos excertos das três Suratas do Alcorão que foram citados ficou claro que
Osama levou à letra a doutrina impressa e expressa. Muitos já não sustentam o seu
deus nesse e noutros textos consagrados, uma atitude impensável no tempo em que
acreditavam ser o dito que o manuscreveu. Afinal, estão divididos entre quem criou e
exterminou, o que legitima pensar que todos os deuses desapareceriam se uma

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O outro deus
catástrofe global exterminasse o Homem, uma vez que se extinguia o único vivente
capaz de fomentar esses fenómenos. O bem-estar social só chegará definitivamente
quando se descobrir uma vacina eficaz para a religiomania. Quem a conseguir poupará
a civilização ao sofrimento e aos extermínios, perpetrados pelos impérios da fé, que
encantam os sugestionáveis com proezas fatídicas.
 … As temáticas dos capítulos anteriores reflectem a aparência caótica da Natureza
que, nos grupos tribais primitivos, eram espíritos maléficos e castigos dos céus,
representados por celícolas que apaziguavam as epidemias, tremores de terra,
relâmpagos, vulcões e outras catástrofes naturais.
 … Na defesa desse fenómeno primitivo construíram-se os impérios da fé que
originaram transformações sociais perniciosas, embora ainda se proclamem defensoras
do bem-estar humano, simbolizado com preces, sacrifícios e uma prepotência
celífera 273 de terror que mergulhou os autóctones do planeta numa longa hipnosia de
submissão. Alguns já acordaram dessa hipnopatia, reflectindo-se no despertar para o
conhecimento que não surgiu no dito jardim com menos de seis mil anos, mas sim da
evolução da vida com mais de 2 mil milhões que já explica o Big Bang com 13,7 mil
milhões de anos, altura em que o perfil cósmico foi traçado e as leis primitivas, da física,
determinaram a harmonia dos objectos cósmicos.
 … A perspectiva delineada visa o Universo declarado pela astronomia, mas não se
pode excluir a existência de outras dimensões no hiperfísico que escapam à própria
imaginação do observador. Nada poderá impedir de se pensar numa miríade de
universos, coabitantes num tecido cósmico desconhecido, já que uma dimensão
sustentada pela expansão e o colapso permitirá que outros universos possam existir e
serem governados por forças que partilham a energia ou a reclamam. A existirem, não
têm que ser iguais, ainda que emergentes das ditas singularidades. No momento em
que se dá as suas explosões ou implosões fica regulamentada a sua existência,
incluindo as catástrofes cósmicas 274 .
 … À pessoa de conhecimento médio não é difícil ter uma percepção do momento
em que se deu a gigantesca transformação da matéria cósmica mas, caso não o seja,
os especialistas têm algumas respostas a partir do primeiro segundo do Big Bang. Para
nos aproximarmos do pensamento científico imaginemos um conjunto de milhares de
bolhas de sabão, de preferência coloridas, onde construiremos o hiper-cosmos 275 ,
provavelmente aproximado do hiperfísico dos universos que se conjecturam, em que a
energia de uns empurra a dos outros para ocuparem o seu espaço, obedecendo às leis
que governam cada um deles desde o seu big bang. A experiência talvez nunca venha
a produzir uma teoria futura, estamos longe de uma explicação perfeita, mas um dia
todos podemos visualizar melhor o macrocosmo e aceitá-lo como é.
 … No futuro, telescópios mais avançados vão pesquisar o interior e talvez o exterior
dessa grande explosão, tornando mais fácil a observação de um passado anterior à
existência do nosso planeta e talvez ao início do próprio Universo. Poderá parecer
especulação futurista mas, se nada for feito o mistério continuará a santificar e não
humanizar as pessoas, impossibilitando de se revelar o que a apoteótica misticidade
escondeu, levando a contemplar e não a compreender o cosmos.
 … Em criança lembro-me de num dos livros escolares caprichar uma lição épica
sobre uma certa conivência religiosa. Lia-se que o avô passeava com o neto numa noite
de luar e ao ser questionado pela criança sobre o que estava na Lua diz: «É um homem

273
Que sustenta o céu sobre si.
274
O Universo existe entre a explosão e o colapso, nunca está completo. As galáxias e os mundos podem colidir, alterando vastidões e dando lugar a outros objectos cósmicos.
275
A palavra possível para raciocinar na provável existência de outros universos, além do Universo.

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O outro deus
meu neto, com um molho de silvas às costas... Foi lá colocado por andar a roçá-las ao
Domingo». Passavam três séculos desde que Galileu visionou as montanhas da Lua e
os satélites de outros planetas. A ciência já vinha publicando com regularidade, através
de livros e revistas, o conhecimento sobre a Terra e a Lua. Eram conhecidas imensas
galáxias e a expansão do Universo, mas a latria e a idolatria resistiam. O império da fé
da altura criou o Santo Ofício, as mentes mais ousadas passaram a ser controladas,
uma atitude que condenou imensos sábios à tortura, a maior parte foi queimada pela
dita santa inquisição. Algumas ideias eram demasiado claras e confundiram os
inquisidores, como no caso de Galileu, em que recorreram à prisão perpétua
domiciliária, não ao fogo, custando a negação pública do conhecimento científico. Na
Idade Média Galileu seguia os passos de Copérnico, mas foi impedido e teve de
silenciar factos para não ser queimado vivo.
 … Sabemos do que foram capazes esses impérios quando desafiados a comprovar
a sua verdade, por isso responderam com um criador insensível que castigava a quem
roçasse silvas ao Domingo. Afinal, ainda não se entenderam quanto a esse dia. No
calendário gregoriano o Domingo é o primeiro dia da semana, logo o sétimo dia é ao
Sábado, embora uma grande maioria descanse ao Domingo, o dito criador não o pôde
fazer. O autor do Génesis assegura que descansou ao sétimo dia: «Abençoou Deus o
sétimo dia e o santificou; porque nele descansou de toda a obra que criara e fizera.»
(Génesis, 2, 3). Mais tarde reconfirma-se na dita lei de Moisés: «o sétimo dia é o
sábado do Senhor teu Deus» (Êxodo, 20, 10). Se não é uma questão de fuso horário e
da rotação da Terra, cada século mais lenta em 0,0015 segundos, quais são os dias em
que se poderão roçar as silvas sem ser ao Domingo para não ser colocado na Lua!
 … Os mais zelosos defendem um conceito com diversas definições: De uma
maneira geral expressam a dependência e submissão perante forças superiores que
temem e adoram, as quais pretendem viver na comunhão de princípios e práticas que
constituem as relações entre o homem e a divindade. A crença surgiu na explicação
possível para o aparecimento dos celícolas, mas esse desvio gerou um pensamento
desajustado ao bem-estar humano e ao dinamismo do Universo 276 . A Ciência, com
pouco mais de um século, tornou-se numa ferramenta útil e auto-corrigível, capaz de
calcular o momento em que se iniciou o Tempo e a expansão do cosmos, assim como o
planeta Terra, o Homem e a sua religião. O que se apregoava religiosamente não é o
mesmo que hoje se comprova cientificamente, muito embora alguns dos religionários
insistam num criador universal que tudo planeou, sustentando-o nos textos que
consagraram, enquanto os novos crentes defendem o seu deus pelo conhecimento da
actualidade.
 … O dito criador arrependeu-se de ter feito o Homem, então a perfeição é inatingível
no Universo, primor que só existe nalgum lugar inerte 277 , nunca num planeta como a
Terra. Num balouço são precisas duas forças da matéria para se balouçar, depende-se
delas para se suster a expansão e o efeito exercido pela massa do Universo. Entre as
forças de gravidade e expansão resulta o cosmos, o equilíbrio não faz a regra e a
posição de repouso não pode suster um corpo dinâmico.
 … O que resta de algumas zonas da deflagração resume-se à reunião de poeiras
estelares, cuja concentração foi arrefecendo e dando lugar aos objectos cósmicos, tal
como as galáxias que dinamizam sistemas como os do Sol e planetas como a Terra.
Quando nestes últimos existem condições favoráveis à vida poderão emergir,
primitivamente, os ínfimos viventes monocelulares que podem progredir em
multicelulares, nalguns casos inteligentes. Incompatível ao descrito é o fenómeno da

276
Tendo como princípio de que mais nenhum outro dos mundos tivesse sido criado por um deus.
277
Em física é a propriedade que os corpos têm de não poderem, por si, alterar o seu estado de repouso ou o seu movimento.

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O outro deus
religiosidade, cuja sobrevivência depende desse antagonismo. A essa conclusão
chegou também o autor de uma carta da Obra de Guerra Junqueiro: «Meu bom amigo,
uma religião a que se elimine o ritual desaparece, porque as religiões para os homens
(com excepção dos raros metafísicos, moralistas e místicos) não passam de um
conjunto de ritos, através dos quais, cada povo procura estabelecer uma comunicação
íntima com o seu deus e obter dele favores.» 278 .
 … A religião é sustentada no zelo fervoroso de uma paixão milenar mas, não sendo
perfeita, bastou alguns lapsos que logo foram aproveitados pela intelecção, capaz de
igualizar as proezas dos celícolas que intervieram na hominização. Os insultos foram
demasiado graves para se ignorarem, por isso memorizaram-se e foram descritos
posteriormente em registos mais duradouros, como na pedra e nos pergaminhos.
Nessas cópias textuais consta que os autóctones lutaram até quase à extinção para
expulsar os intrusos do seu paraíso, uma contenda que remonta às primeiras aparições
celífluas 279 , conservadas pela tradição Yahveista e Elohista.
 … Sustentemo-nos nos registos disponíveis e deduziremos que a evolução das
cobaias do Éden é notável, sabem que num espermatozóide consta parte da vida do
indivíduo e, na junção que forma o embrião, existe informação suficiente para se repetir
mais de 1.000 vezes, o suficiente para um só homem povoar o maior dos mundos do
Universo. Apesar disso, sustentam que o mesmo humano pode ter outras vivências
anteriores e posteriores, mas não foi com esse tipo de experiências que a espécie se
elevou à manipulação da essência da vida, gerando animais, plantas e transformando a
fisiologia das pessoas.
 … Avaliando pelo que já foi descrito e apregoado leva a pensar que o Homo sapiens
sofreu as intervenções dos celícolas, mas ainda bem que se desembaraçou deles e
evoluiu, já que parece muito mais avançado do que eles estavam quando lhe alongaram
a insipiência. Na verdade não há registo sagrado sobre os irmãos siameses, nem de
outras diferenças abismais dos ditos modelos Adão e Eva, mas existem e é o velho
bípede que está a tentar melhorar essas distracções terríveis dos ditos celícolas.
 … As espécies superam-se constantemente, todo o vivente escolhe sempre entre os
melhores parceiros para a sua procriação e evoluiu de uma forma natural. Os deícolas
gritam para que não se façam experiências com os humanos, ignorando que foi do
Adão que o dito criador fez a mulher Eva! Confiam em absoluto na idoneidade dos seus
deuses e não na ciência da sua espécie, ainda que esta lhes comprove ser mais
prudente. Observe-se que a tentativa do fabrico de sangue é quase uma realidade e
não consta em nenhum dos textos consagrados. A ciência do Homem não retira
costelas para a sua reprodução, mas usa células que manipula e programa, a fim de
poder produzir aquilo que o corpo humano e o de outros viventes venham a estar
carenciados. Nada o impedirá de regenerar órgãos acidentados, envelhecidos ou todo o
seu corpo, talvez consiga maior longevidade no decorrer deste milénio e a tão
apregoada eternidade religiosa venha a ser uma novidade da ciência e não da crença.
 … Avaliando pela descrição do que foi consagrado e pelos avanços científicos as
cobaias superaram os expedicionários celícolas, não só manipulam as fotocópias da
vida como são os arquitectos da evolução. No decurso de cinco milénios descobriram o
mapa da composição genética e colocam e retiram peças que encaixam perfeitamente
onde a Natureza não conseguiu em biliões de anos. Não fora a paixão pelos deícolas já
tinham alcançado a culminância intelectual da felicidade do corpo e não da alma.

278
A cartas, de Fradique Mendes – Obras de Eça de Queirós. Página 135/6).
279
Que manam do céu.

Celestino Silva Página 123


O outro deus
 … Não há que temer a reconhecida prudência científica, o perigo surgiria se, numa
remota hipótese, a ciência produzisse clones de algum deus, já que a dita ética
religionária mudava novamente o discurso e fazia regressar ao palco das hostilidades
esses exterminadores. Na posse de tamanho poder científico voltavam a vingava-se
dos autóctones que descobriram os laboratórios do dito jardim de Éden, a partir de
restos de insectos fossilizados recriavam tudo o que vivia nesses paraísos, talvez
mesmo do que se alimentavam há mais de 200 milhões de anos, como os dinossáurios
que povoaram o nosso planeta.
 … O século XX foi dedicado ao estudo das espécies em extinção, os primeiros
passos científicos do século XXI foram no sentido da Medicina Regenerativa, talvez
venham a ser salvas algumas espécies que estão ameaçadas pela manipulação
genética, já que também as mentes perversas lhe terão acesso. As más recordações do
tempo célico garantem que não podemos voltar a confiar este planeta maravilhoso a
mais algum deus, nem aos seus serviçais que estão sempre prontos a doar-lhes
sacrifícios, penitências, renúncias, recompensas, lamentações e vítimas. Não consta
que algum deus fosse morto por adorar os humanos, mas os deícolas mais empolgados
evocam-nos para matar a própria espécie.
 … Convencidos que conseguem atingir a felicidade da alma, os teístas enveredaram
pelo penar do corpo, mas não há um único padrão para definir o sentimento da alegria,
embora o modelo ideal seja o que abrace toda a humanidade e a empenhe num esforço
que a livre do sofrimento. Alguns valores éticos tornaram as pessoas insaciáveis da
divinização, como se poderá avaliar pelos controversos ditames dos antigos filósofos:
Apreciemos a complexa felicidade de Aristóteles, em que o conceito é vazio desde que
não se refira aos bens que produzem a felicidade. Deambulemos pela crença de Santo
Agostinho, em que a felicidade se encontra na crença do verdadeiro e absoluto Deus.
 … A ideia de Kant define a felicidade no conceito do entendimento, em que não é o
fim de nenhum impulso, mas o que acompanha toda a satisfação. As doutrinas étnicas
do «eudemonismo» 280 colocam a felicidade como um bem supremo, mas os
cirenaicos 281 sublinham o prazer dos sentidos, ou prazer material, como fundamento
indispensável do prazer espiritual, propondo que se procure a satisfação para evitar a
dor subsequente da infelicidade. Com tantos embaraços filosóficos não parece que se
consiga definir a felicidade de cada um, a não ser que se reflicta sobre a perversidade
que os celícolas inocularam no código genético, já que foram capazes de muito mais:
«multiplicarei grandemente a tua dor» (Génesis, 3, 16).
 … Face à historicidade filosófica a felicidade chegará quando se generalizar uma
consciencialização para definir onde ela não existe, o que equivale respeitar o próximo,
os animais, os vegetais e o planeta. A Natureza elegeu os mais aptos 282 , decretando
um futuro precário para os mais fracos: Se queres salvar a tua espécie esforça-te e
aprende para que o teu lugar não seja tomado. O que seria da espécie humana se nos
primórdios não se esforçasse, resistindo às metamorfoses e adaptações climatéricas
primitivas e aos corpulentos dinossáurios com seis metros de altura, em que talvez
constituísse parte do seu alimento preferido. Porém, o vivente mais forte nem sempre é
o mais corpulento, os micróbios e as bactérias já deram provas de derrubarem os
maiores predadores do planeta, incluindo a obra do dito criador que descreveu os
míticos gigantes, mas trava uma luta renhida e contínua com criaturas minúsculas.
 … A vida da Terra foi condicionada por tragédias naturais, as vítimas primitivas não
eram inteligentes, não conseguiam imaginar deuses para lhes acudir e não tinham

280
Doutrina filosófica segundo a qual a moralidade consiste na procura da felicidade, tida como o bem supremo.
281
Os cirenaicos ou cireneus são cidadãos de Cirene, uma cidade e colónia grega do Norte de África.
282
Mais forte não só significa ser-se poderoso, mas sim organizado nas capacidades intelectuais que visam o bem-estar da espécie.

Celestino Silva Página 124


O outro deus
conhecimento para as compreender e evitar. Não havia guerras e os escritos da
antiguidade-religiosa revelam esse flagelo com a chegada dos celícolas há pouco mais
de 5 mil anos. Hoje, tentamos desenterrar esse passado de sofrimento, mas daqui por
alguns milénios talvez se faça uma leitura diferente das crueldades de bípedes que
produziram e participaram nas maiores desgraças em nome dos seus deuses. A tarefa
desses pesquisadores parece facilitada, não terão que se preocupar com rastos de
dinossáurios e sim com megalómanas construções de betão, vidro e aço que agora
parecem indestrutíveis.
 … Se todos fossem adoradores de deuses o mundo não seria melhor, o Sol ainda
rodava à volta da Terra e não poderíamos observar os mundos que se distanciam a
mais de 13.000 milhões de anos-luz, nem os fósseis de humanos que encontrámos,
cuja idade ascende a mais de 6 ou a 18 milhões de anos se nos remetermos ao período
Miocénico, altura em que apareceram os macacos antropóides. A força que emana do
conhecimento levou a que muitos dos novos crentes evoquem menos o deus descrito,
embora se afirmem esclarecidos sobre as tradições, quando a sua nova tradição está a
substituir as mais antigas. Leia-se a introdução dos livros da “velha tradição”, desde os
milhões de deuses que foram exterminados até ao de Abraão, rescrito por vários textos,
inspirando os autores e «assistindo-lhes para não errarem nem dizerem nem mais nem
menos do que Ele queria que dissessem». Com base no que descreveram, os deuses
sempre foram à medida do conhecimento: O último criou o Homem mas também o
tentou destruir, ensinou o bem mas também o mal, ajudou mas também matou, foi
imaterial ou espírito mas também material que comeu, bebeu e errou.
 … Contrabalançando essa dúvida milenar propõe-se o mais humano dos deuses. A
porta fica aberta para quem queira exercitar a fidelidade para com a própria espécie.
Reunidas as condições de aptitude para admirar a pessoa do lado contemple-a por
alguns segundos... Presumindo-se que acabou de observar o vivente mais
extraordinário na face da Terra, tente desinstalar os velhos deuses dos edifícios
imponentes que se lhes construíram e instale o bípede que acabou de redescobrir.
Assista ao seu currículo atormentado e à persistência que deu lugar a tão bela obra
natural, desde o pó cósmico até que se gerasse o mundo que o acolheu. Julgue por si
se a maravilha que vai conhecer melhor não supera o maior deus que já se apregoou:
 — Antes da noção existencial fixou-se em condições precárias e extremas, através
de reacções químicas e de metamorfoses moleculares que deram origem ao primordial
unicelular, posteriormente multicelular. As suas primeiras lutas foram pela sobrevivência
e tiveram início no mar, onde viveu e morreu durante milhões de anos, mas sempre a
disputar a vida para conseguir viver em terra e, posteriormente, enquanto se
assemelhava a um insecto, lagarto ou pequeno roedor lutou e morreu para alimentar
predadores. Certamente lembrará esse antepassado com emoção pelo que penou,
sobrevivendo às agressões da própria Natureza. Reconhecerá a difícil vivência
primitiva, quando perto da actual morfologia se refugiou nas árvores para se proteger de
eventuais predadores e, ao descer, viveu em abrigos e se posicionou de forma erecta
para melhor cuidar dos seus filhos. Mais tarde, com as mãos livres, criou a própria
civilização.
 … Que tal achou o novo deus 283 que consegue ver, ouvir, tocar, ter sempre ao seu
lado a irradiar amor e alegria, num somatório invejável de inestimáveis provas de
bondade! Consegue admirá-lo com toda a sua fé! Sente que haja algum melhor e mais
próximo de si! Dê-lhe um grande aplauso e a sua melhor atenção porque está de
parabéns. Sendo fã deste novo amigo deixou de ser deícola para se tornar

283
Entenda-se deus ou deusa, conforme os casos.

Celestino Silva Página 125


O outro deus
hominícola 284 , amante da própria espécie; portanto, exija uma veneração superior à dos
celícolas. Já reparou como é bom ter tantos amigos à sua volta, com os quais se pode
relacionar para conversar e amar!
 … Superado este desafio gratificante muita gente se interrogará: Como poderá
alguém pensar que Deus não existe quando, de todos os cantos do planeta, a multidão
se agiganta nas peregrinações em direcção aos cultos das aparições celígenas! O crer
sustenta crenças e não factos, a herança genética de milhares de anos em que o
alvorecer humano foi submetido a temores intensos, oriundos de ideais obscuros e
proveniências naturais. Mais provas não são precisas além das que foram reveladas
pelo autor do livro Êxodo. Leia-o, mas se lhe for possível interprete-o. Quanto não vale
ser-se humano como a evolução nos aperfeiçoou. Se existissem castigos para os que
adoram a sua espécie, não os deuses, os teístas não insistiam em ameaçá-los com a
infernalidade que inventaram.
 … Os infortúnios que se herdaram dos impérios da fé levaram o Homem à prática de
matar, sendo oportuno referir os filhos de Jacob que não queriam dar sua irmã a
Siquém porque o povo deste não era circuncidado. Siquém estava seriamente
apaixonado pela Dina, filha de Jacob, mas a genealogia desses semideuses
impossibilitava-os dessa união. Então, os filhos de Jacob, Simeão e Levi, disseram:
«Não podemos dar a nossa irmã a um homem não circuncidado; seria uma vergonha
para nós» (Génesis, 34, 14). Acordaram juntar as filhas de um grupo com os filhos do
outro se os homens de Hamor, pai de Siquém, fossem circuncidados, à semelhança do
povo de Jacob, mas ficou claro que a expedição celícola não concordou: «Os dois filhos
de Jacob, irmãos de Dina... entraram na cidade, mataram todos os homens... Passaram
a fio de espada Hamor e Siquém, seu filho, e levaram a Dina» (Génesis, 34, 25-26).
 … Os filhos de Jacob saíram ao pai, em nome do seu deus mataram todos os
homens: «levaram as suas mulheres presas e todos os seus meninos, mas também as
ovelhas e as vacas, saquearam tudo o que havia em casa.» (Génesis, 34, 29). Não
sendo provável que toda essa destruição fosse feita por dois jovens, quem os terá
ajudado nesse massacre bárbaro! Como é que alguém pode destruir uma cidade,
exterminando todos os seus viventes por causa de duas pessoas que se amaram, tal
como foi descrito: «Apegou-se a sua alma com Dina, filha de Jacob, e a amou.»
(Génesis, 34, 3).
 … O casamento era impossível por a rapariga pertencer a um povo não
circuncidado, mas o dito violador predispôs-se a casar, o que enfurece os celícolas. A
linhagem estava a ser comprometida com as negociações de Hamor e Jacob:
«aparentai-vos connosco, dai-nos as vossas filhas e casai com as nossas» (Génesis,
34, 9). O escritor realça a violência do deus de Jacob: «Tirai os deuses estranhos que
há no meio de vós» (Génesis, 35, 2). O assunto estava encerrado, Deus aparece e diz:
«sobe a Bethel, e habita ali; levanta um altar ao teu Deus.» (Génesis, 35, 1).
 … No caso de haver dúvidas, quanto à interferência celícola na hominização, o
escritor do Génesis não deixa notar nenhuma no tocante à defesa da linhagem. Os
religionários são sabedores disso, mas persistem em sustentar o que provocou o
entrave intelectual à civilização. Felizmente que se superaram essas ilusões para
admirar outros alcances, como a visão dos gregos que iniciaram o desenvolvimento
astronómico e abriram o debate para a possibilidade da existência de outros mundos.
Luciano de Samósata escreveu no ano 160, após canonizados os textos dos autores
dos Evangelhos, as duas primeiras novelas sobre as viagens espaciais. No primeiro
relato os viajantes são levados à Lua por um furacão, no segundo o protagonista dirige-

284
Pessoa que presta culto a um homem.

Celestino Silva Página 126


O outro deus
se à Lua com asas de pássaro. A ideia de chegar aos céus estava no horizonte, a dita
Ressurreição de Jesus foi dos exemplos mais sensacionais.
 … Recordo aquele encontro com o meu amigo Maurício num dia de sol radiante em
que visitámos as ruínas da Conímbriga e nos envolvemos na mágica de tão belo lugar.
Olhando o que teria sido o obscurantismo do século IV, naquele antigo povoado, um
imago repentino afigura-se-nos numa lufa-lufa inquietante, reportando-nos às azáfamas
daqueles tempos. As fragrâncias campesinas ocultavam os bafejos odoríferos,
emanados daquela multidão alvoroçada, quando num emocionante silêncio a aragem
empurrava o sol fogoso de Agosto, refrescando-nos o rosto suado e agitando o monte
na direcção dos matagais. Nesse sopro unissonante murmuravam vozes perturbadas
que nos despertam num tom balbuciante: Como puderam martirizar aquela pobre gente
se as novelas de Samósata eram conhecidas dois séculos antes da sua Era!
 … O Tempo avançou e as teorias heliocêntricas modernas consideravam a Terra um
planeta que girava à volta do Sol, sendo uma vulgar estrela entre muitas centenas de
milhões. Com essa nova imagem do mundo surgiu a ideia de que também a vida, até
mesmo a inteligente, pudesse existir noutros lugares do Universo. A Terra não goza de
privilégios cósmicos, outro lugar que mantenha temperaturas entre 0-70 graus poderá
desenvolver vida. Sendo certo que as temperaturas elevadas rompem as aglutinações
da hélice dupla do ADN, nas muito baixas a vida não se desenvolverá. Contudo,
algumas algas e bactérias vivem entre os extremos muito quentes e os muito frios.
Descobriu-se que na água do mar jorram fumarolas a mais de 300 graus quando a água
do mar ronda os 4 graus centígrados. Numa área de 15 metros, onde a temperatura se
situa nos 25 graus, prolifera uma vida ainda desconhecida.
 … Na superfície do planeta a vida depende de um estado temperatural semelhante
ao das fumarolas, mas também de um ponto intermédio do gravítico, a força invisível
que é exercida por todos os objectos no tecido cósmico. Nenhum dos seres que
conhecemos poderia viver no centro do planeta nem muito afastado dele. Enquanto no
ponto da gravidade máxima dos grandes objectos a matéria é transformada em algo
semelhante ao interior de uma estrela, na ausência de gravidade os corpos dos viventes
desintegram-se e morrem. Portanto, à semelhança dos viventes das fumarolas do
abissal 285 , também na superfície a vida depende dos extremos. Os pontos onde se
desenvolve são pequenos e raros, comparativamente à vasta dimensão do cosmos.
Então, como se interpretará a lenda do minúsculo jardim de Éden, tendo em conta que
muitos viventes nem sequer conheceram a luz do dito criador!
 … Os humanos e os outros animais estão bem adaptados ao nosso planeta, isso
deve-se a serem descendentes de organismos bem sucedidos, cujo desenvolvimento
aconteceu num ambiente favorável à vida. A Terra é o lugar ideal para o tipo de vida
que nele se gerou, mas se as espécies forem deslocadas fora dos habitats naturais
constituirá uma vivência hostil e mesmo fatal. Não é preciso ir muito longe para o
testarmos, bastaria que subíssemos ao ponto mais alto do planeta, descêssemos às
profundezas dos oceanos, permanecêssemos nas zonas tórridas ou geladas dos pólos
e muitos não aguentariam lá viver. Os microrganismos evoluíram e adaptaram-se ao
ambiente a explorar. Apesar de mais nenhuma espécie ter realizado a proeza da noção
intelectual, todas são galardoadas pelo sucesso que adquiriram em diferentes
ambientes. Não há melhor lugar para se viver do que aquele onde se desenvolveram os
primitivos antepassados dos respectivos viventes.
 … Sabe-se que nem sempre houve condições na Terra para a vida irromper, esse
período é recente e demasiado pequeno comparativamente à longevidade do planeta,

285
Referente às grandes profundidades oceânicas e, bem assim, aos fenómenos, à fauna, à flora e aos depósitos sedimentares com elas relacionados.

Celestino Silva Página 127


O outro deus
embora já tivesse passado por imensas metamorfoses, desde a concentração dos
primeiros remoinhos de pó estelar à bola de fogo incandescente e à congelação total,
ainda é um mundo pouco próprio para a vida humana. A grande parte da superfície
terrestre e marítima não reúne condições de habitabilidade confortável. Os oceanos
ocupam 70% da extensão terrestre e existem regiões que são demasiadamente frias,
húmidas e secas. A vida é partilhada de uma forma diversa, originando adaptação e
dando lugar à evolução. A mosca Diamesa vive nos glaciares de Yala, nos Himalaias, a
mais de 5.000 metros de altitude e numa temperatura de 16 graus negativos. No
oposto, as algas azuis do Pólo Sul vivem a dois metros abaixo do gelo e só ao fim de
quatro anos conseguem atingir a superfície gelada. Muitas espécies vivem em zonas
extremas, frígidas e tórridas, umas não suportariam as condições ambientais das
outras.
 … A elegância cósmica, como é o Universo, tem levado muitos observadores a
considerar uma arquitectura natural e admiravelmente elevada, mas há uma maioria
que a considera a maior proeza do criador. A expectativa depende da crença ou do
conhecimento do observador, mas seja quem for não se pode centrar somente no bem
sucedido e ignorar o mal sucedido, ou seja, os universos que não conseguiram energia
para produzir o espaço-tempo nas suas singularidades, assim como os seus mundos e
em alguns casos a vida. Sabemos que nem todos os planetas reúnem as condições da
Terra, a vida depende da longevidade do planeta, do seu tamanho, da proximidade a
uma estrela e de muitas outras características especiais, talvez nunca de um criador.
 … A crença levou muitos ao sacrifício por amarem criaturas imaginárias e não a sua
espécie, pelas quais imolaram milhões de animais e até crianças, como aconteceu em
Cartagena. Acções cruéis que voltam a dar razão a Chauvin: «este medo só contribui
para uma maior exaltação do deus Acaso que, sendo igualmente cruel, pelo menos não
é inteligente». Os que não crêem e que estudam o Acaso de Chauvin nunca impediram
as crianças de ir à escola, mas há registos dos que não as respeitam, como aconteceu
em Belfast no ano 2001, em que por várias vezes a polícia teve de intervir para as
proteger do etnocentrismo dos católicos e protestantes 286 .
 … Só numa ínfima parte da ciência cabe o cientismo apressado. Portanto, o que é
realmente científico não pode ser culpabilizado pelo que é improvável, extraordinário,
ilusório, gigantesco, microscópico, impiedoso e desumano. Não foi o saber mas sim o
crer que complicou a vivência de Nicolau Copérnico, quando este disse que a Terra
rodava à volta do Sol, enfrentando o riso irónico dos deícolas que viviam convencidos
da infalibilidade dos textos que consagraram. Afinal, a maioria das crianças domina hoje
as teorias copérnicas e as dos seus seguidores. Os bons exemplos vieram da Terra e
são imensos, contrariamente dos que são reclamados aos céus. Charles Darwin, o
mestre da teoria da evolução, alertou para a real vida do planeta, aquando da
apresentação do seu livro em 1859, “A Origem das Espécies”. Darwin relembrou que
somos animais inteligentes, como tal temos a obrigação de respeitar todas as espécies.
 … Os novos teístas já não refutam a descendência humana dos unicelulares de há
3-2 mil milhões de anos, aceitaram o macaco de Darwin e renderam-se à evidência,
mas a descoberta das nossas origens está no princípio, muitos mais génios vão surgir e
a obra do criador pode ser reduzida ao pó estelar, sintetizado pelas estrelas, resumindo-
se aos átomos da grande explosão de energia que originou o espaço e o tempo. A
pessoa sensata reconhecerá que a teoria de Darwin não é o fim do percurso do
conhecimento, depois de libertar um pouco a submissão e o domínio do etnocentrismo
revela apenas o começo, sem essa etapa não era possível avançar para outras. As
teorias não são eternas e poucas terão resistido a duas décadas, mas o darwinismo é
286
Conjunto das confissões e instituições cristãs, dissidentes do catolicismo, e nascidas da Reforma religiosa, movimento separatista do século XVI.

Celestino Silva Página 128


O outro deus
uma excepção que provou ser um passo gigante para as novas descobertas, mas
jamais se deverá tornar num dogma.
 … O modelo darwinista corresponde à evolução natural, mas não é um processo
cruel, em que os mais poderosos devam vencer os mais fracos, a certa altura da
evolução os mais aptos são inteligentes e defendem os que dependem dos fortes. O
anti-darwinismo é um projecto anti-evolutivo, não contempla a procura das origens, por
isso muitos dos seguidores não admiram o Universo natural 287 . O evolucionismo é hoje
assumido, o vivente intelectivo concluiu que a vida tende para a perfeição e inteligência
que só os mais adaptados conseguem atingir, já que os inadaptados sucumbem.
Nenhum dos antepassados entrou na arca de Noé e sim no processo da evolução, do
qual saíram vencedores. Contudo, o planeta continuaria bem sucedido sem a
humanidade e a seu etnocentrismo, as leis que permitem a vida no Universo,
concretamente no planeta Terra, não são lineares, em todo o momento da evolução
qualquer espécie pode vir a ser desviada para a exploração de outro nicho ou até
sucumbir. Assim sendo, o darwinismo continuará uma teoria válida, sustentada na base
até que seja superada.
 … O descobridor da evolução comprovou que a morte não é um absurdo e sim parte
integrante da vida. Portanto, além da transição dos átomos que se reagrupam e
reconfiguraram para transferir a energia cósmica, nada do que se apregoa
religiosamente existirá realmente. Por muito que a ciência consiga alongar a vida, torná-
la quase eterna, a morte estará presente. Afinal, há mais formas de se morrer do que
para nascer. No mundo de Darwin não há lugar para as ditas almas que os teístas
crêem levá-los para outros mundos, mas sim o âmago, a biblioteca da noção que está
armazenada nas células neurónicas, as quais também evoluíram das partículas do Big
Bang. Assim, a dita alma segue o percurso natural da definitiva morte dos seres vivos.
 … O planeta Terra é um nicho da actividade cósmica, embora possua características
que resultaram num tipo de vida muito especial, do qual emergiu a inteligência que já
consegue discernir a complexidade dos átomos e de outras partículas. Recordemos o
que disse o astrónomo Carl Sagan: «A ciência é um instrumento auto-corrigível, se já foi
mal utilizada é porque se aplica a tudo. Surgiu há 400 anos, quando reconhecemos a
nossa posição no cosmos e descobrimos as moléculas da vida, as quais se formam
facilmente em condições que são vulgares em todo o Universo». Os primeiros passos
para a disciplina de organização do conhecimento terão acontecido à 600-400 a.n.e. O
local de onde teria irrompido essa maravilha foi a cidade asiática Jónia que fica situada
na margem dum canal da ilha de Samos. Os seus habitantes rejeitavam a superstição,
talvez por isso foram os pioneiros no desenvolvimento científico.
 … As primeiras descobertas, levadas à prática, remontam às manifestações
naturais dos eclipses que aterrorizaram os povos primitivos. Sendo hoje vulgares, na
altura pensava-se que eram monstros dos céus que comiam a Lua e o Sol, por isso
tentavam afugentá-los com gritos e música barulhenta. Sobre a Lua recaíram quase
todas as atenções, hoje mais atenuadas por o Homem já ter pousado na sua superfície.
Situando-se numa distância de 407-356 mil km da Terra, conforme os seus
movimentos, a Lua tem um diâmetro próximo dos 3.500 km, equivalendo a ¼ do
tamanho do nosso planeta. Devido à baixa gravidade e à matéria leve de que é
constituída a Lua tem sido palco de muitos estudos, talvez venha a ser um lugar onde
se explore o minério e se prepare as grandes viagens espaciais.
 … O grande luminar para iluminar a noite, descrito pelo autor do Génesis, tem vindo
a ser destituído do seu misticismo, o passo decisivo foi dado em 1610 quando Galileu o

287
Universo natural que emergiu do Big Bang há 13,7 mil milhões de anos.

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O outro deus
focalizou por uma luneta e observou as suas planícies e montanhas. Nessa época não
existia automóveis e foram precisos mais de três séculos para preparar veículos
terrestres e depois aéreos, a fim de se voar até à Lua. No dia 21 de Julho de 1969 os
senhores Neil Amstrong e Edwin Aldrin pousavam nesse astro, interrompendo o que foi
obscurecido pelas primeiras tradições religiosas que renderam culto aos astros como se
fossem deuses. Os egípcios e os babilónios consideravam a Lua uma divindade
masculina e os gregos adoravam deusas lunares, como Selene e Atemisa (Luna e
Diana para os romanos).
… O monstro que engolia o Sol, descrito por o luminar para iluminar o dia, foi
desmistificado por Thales de Miletus 288 que apaziguou um pouco dessa apoteose. Diz-
se que previu o eclipse pelo método de medir a altura de uma pirâmide e a extensão da
sombra. A superstição primitiva, designada mais tarde por religião, não perdoava a
quem se intrometesse no seu reino. Afinal, sempre esteve ameaçado pelos avanços
científicos, destacam-se os cinco séculos de cosmologia do filósofo Filippo Bruno 289 , o
qual pagou com a vida por na sua teoria ter substituído Deus por círculos e pontos. Não
foi o único a ser fulminado: Johannes Kepler 290 , Charles Darwin e o físico Galileu foram
humilhados por se preocuparem demasiado com o futuro da humanidade. Se o último
teve prisão perpétua e foi obrigado a calar e a esconder o conhecimento científico, a
Darwin sugeriram depreciativamente que a sua avó era uma macaca, revelando uma
ignorância ilimitável. Os impérios da fé não conseguiram intimidar e matar todos os
pensadores e muitos sobreviveram, como Leonardo Da Vinci 291 que desenhou
máquinas voadoras em segredo.
 … A História revela o avanço civilizacional depois do apaziguamento do
etnocentrismo, por isso se aprendeu na última metade do século XX o que não foi
possível no terror medieval da religião. Muitos dos teístas actuais talvez fiquem
surpreendidos com as acções desumanas descritas, embora neste livro não se relate
todas as maldades da crença que sustentou o Universo como uma exclusividade entre
Deus e o Homem, no sentido em que a Bíblia o representava no sexto dia da criação. O
terror infundido nos povos levou-os à submissão e os grandes mestres da sabedoria
foram silenciados. Nicolau Copérnico teve de adiar a sua obra em 300 anos e Darwin
segredou até 1543 o seu livro, “A Origem dos Corpos Celestes”, quando estava a
falecer. Atitudes de intimidação, perseguição e desacreditação que desmotivaram e
ainda colocam em risco o avanço da civilização.
 … Especialistas da psicologia e sociologia desenvolvem estudos no sentido de
explicar a paixão do etnocentrismo, nomeadamente o que tem levado os mais
apaixonados a amar as criaturas da sua imaginação, pelas quais se isolam e
enclausuram para exercitar esse ritualismo em locais simbólicos. Enquanto se aguarda
por esse desenvolvimento tentamos compreender o que leva muitos a considerar a
espécie humana superior, menosprezando todos os viventes que se desenvolveram no
mesmo rigor, procedendo genealogicamente da evolução. Não estará na altura de se
explorar uma nova afinidade com os outros viventes deste planeta! Se insistirmos talvez
eles venham a esclarecer-nos a sua diferença.
 … Os humanos são viventes especiais, mas não tanto como alguns supõem: Não
têm a capacidade de um morcego que se orienta no escuro por um complicado sistema
de radar natural; não comunicam naturalmente entre continentes como as baleias; não
filtram os reflexos da água para ver os peixes a nadar, como o faz a águia pesqueira,
etc. Comparando com os três tipos de animais citados, o que seria da nossa espécie

288
Thales de Miletus – (635-446 a.C.) filósofo, considerado o fundador da ciência grega.
289
Filippo Bruno – filosofo (um dos condenados à morte pelo Santo Ofício) – vide cosmos de Carl Sagan e Sacerdotes ou Astronautas – página 128.
290
Johanner Kepler – astrónomo – (1571-1630)
291
Leonardo Da Vinci – (1452-1519) cientista, fundador da anatomia científica, pintor, escultor, matemático, engenheiro e visionário. Viveu o inferno da Inquisição 1232-1859.

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O outro deus
com o cérebro deles! Só a imprudência poderá validar a superioridade que não
consegue fazer o que muitos dos outros animais fazem, p.ex., não vê as miríades de
animaizinhos que se passeiam pela pele, quanto algumas aves avistam um rato a
milhas. Estamos tão longe do infinitamente pequeno como do infinitamente grande, não
passamos de animais que resultaram da síntese da matéria, como os átomos e outras
partículas que ficam tão longe de nós como de nós ficam as galáxias mais distantes.
 … A superioridade humana, como muitos a consideram, reside na diferença de um
órgão chamado cérebro, mas em maior ou menor desenvolvimento todos os viventes o
têm. Um olhar natural bastará para se perceber que todos os animais são interessantes,
esse preceito não passará de um complexo de superioridade 292 herdado do imaginário,
em que muitos se libertaram para observar a ordem cósmica. A paixão de enaltecer
criaturas celícolas e abarcar um ideal que ignora o que interliga o muito pequeno ao
muito grande é pura superstição, uma fraqueza inútil que leva os seguidores a desvios
astronómicos, recusando compreender o Universo para aceitar o conforto da idolatria.
 … Recorre-se à História para comparar os avanços e recuos da humanidade, mas
muito do nosso passado foi omitido por certos interventores. Destruir provas
comprometedoras foi um jogo egoísta dos que têm liderado a paixão do etnocentrismo,
destaca-se a sumição de milhares de textos antigos que descreveriam a vivência
ancestral e, provavelmente, as intervenções dos celícolas. Os deícolas não se limitaram
aos textos que profanaram, o extermínio estendeu-se aos maiores centros do
conhecimento onde se depositou a sabedoria de milhares de anos. A biblioteca de
Alexandria, fundada por Alexandre o Grande, albergava um impressionante manancial
histórico, por isso o seu percurso foi interrompido. Quem poderia estar interessado em
silenciar a ciência de italianos, gregos, egípcios, árabes, sírios, gauleses, fenícios,
hebreus, persas, iberos e outros povos? Quem pretenderia apagar, da memória
humana, teorias que tiveram início na ilha de Samos, sendo elas defensoras de que a
Terra era mais um planeta que girava em volta do Sol e as estrelas se encontravam a
distâncias enormes?
 … As sumidades religiosas tentaram confundir e travar o conhecimento que
incomodava o seu etnocentrismo, por isso tomaram atitudes horripilantes para destruir o
que foi depositado nessas bibliotecas. Alguns desses escritos remontavam a mais de
430.000 anos se forem avaliados pelo desaparecimento de uma obra de um sacerdote
caldeu, chamado Berossus, em que o primeiro volume tratava do intervalo de tempo
entre a dita criação e o dilúvio. A obra de Berossus era alusiva a factos cem vezes mais
velhos do que a cronologia do Velho Testamento, provavelmente continha vestígios
embaraçosos que respeitavam às aparições dos legados divinos. Soubemos dessa
destruição porque foi mencionada noutros escritos históricos (argumento sustentado
pelo cientista astrónomo Carl Sagan).
 … As traduções gregas do Velho Testamento foram feitas na biblioteca de
Alexandria, mas poucos saberão que albergava as acções dos aliados da linhagem que
antecederam a nossa ciência. Os anuários dessa antiguidade realçam o último cientista
que lá trabalhava, descreveram-no por uma mulher muito evoluída que se chamava
Hepatia, a qual foi ridicularizada por se relacionar intimamente com um governador
romano. Por certo o símbolo da sabedoria causou repúdio aos incipientes impérios da
fé, por isso encontrou a morte no ano 415 quando seguia para o seu trabalho. Segundo
os exegetas tratou-se de um acto repugnante, já que lhe arrancaram as roupas,
abusaram do seu corpo em vida e truncaram-no depois de morta, uma violência
sagrada que foi arquitectada por altos cargos do etnocentrismo.

292
Complexo de superioridade, tal como escreveu A. Adler (psicólogo austríaco, 1870-1937), é uma atitude tomada inconscientemente e como que instintivamente para
compensação ou sobrecompensação do sentimento de inferioridade.

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 … O eco dessa violência persiste e só terminará quando predominar a ciência e não
a crença. Assistimos à vergonhosa invasão do Iraque, perpetrada pela coligação norte-
americana, mas quem terá saqueado as riquezas que confortavam a família do
imperador Hussein! Através da Comunicação Social assistimos à pilhagem de todo o
manancial físico e textual da antiguidade no Museu do Iraque, o Povo Iraquiano ficou
apoquentado com toda a destruição do seu país, mas tal correspondia ao que disseram
os celícolas ao povo de Moisés: «Quando eu vos introduzir na terra que ireis possuir,
depois de destruir totalmente as numerosas nações poderosas que a possuem, não
fareis com elas pacto algum nem tereis piedade delas; não dareis tuas filhas a seus
filhos e não tomareis suas filhas para teus filhos; pois fariam teus filhos desviarem-se
para outros deuses e depressa eu vos consumiria. O que tendes de fazer é derrubar os
seus altares, quebrar as suas colunas e queimar a fogo as suas imagens esculpidas,
porque tu és o povo santo escolhido, estás acima de todos os povos que existem sobre
a terra.» (Deuteronómio, 7, 1-6).
 … O etnocentrismo encerra apetência para o racismo, por isso se guardaram os
textos da religiosidade e nunca da humanidade. Atitudes incivilizadas que produziram o
desequilíbrio emocional que foi transmitido pelas sucessivas gerações. A juventude
ainda recorre à ilusão que descambou em estranhas manifestações de desespero,
dando sinais da má gestão do pensamento que tenta imitar os ídolos da herança
desafortunada dos ancestrais. Os impérios da fé foram os pioneiros em promover essas
desgraças, mas quando confrontados disfarçam-se de vítimas sociais, imputando às
sociedades essa conduta degradante, não mencionando que a enganaram com os
paraísos de outras vidas em mundos imaginários. Os jovens sabem que tudo isso é
impossível, mas numa idade propícia à fantasia a mente vacila.
 … Os privilegiados da anuência dos deuses ostentam poderes para curar os demais,
mas sem eles o Universo seguiria a sua evolução natural: Os líderes e os reis loucos de
religiomania não assassinariam os povos, a sua própria família e todos os que
dependiam da sua opulência. Não haveria lugar para a hiperdemia actual, consequência
da má interpretação dos textos consagrados que incentivaram o aumento populacional,
hoje com cerca de 215000 por dia. Os outros animais teriam assegurado o seu lugar
digno neste planeta e não estavam enjaulados em guetos a que chamam jardins
zoológicos.
 … Grandes pensadores como Sagan e Darwin fizeram diminuir as apetências
politeístas e monoteístas. Graças a eles e a outros mestres podemos hoje ler livros
como os do professor Keith Ward, um teísta convicto que apoiou o seu argumento
celífluo na ciência da Terra, não igualando o que foi descrito mas comprovando que os
antepassados não sabiam mais do que sabemos hoje. Maurice Bucaille 293 escreveu no
seu livro “A Bíblia, O Alcorão e a Ciência” que o texto do escritor do Alcorão 294 tem o
remédio santo da religiosidade, assim como a verdade sobre as nossas origens. Não
subestimando o esclarecimento científico do autor supracitado, a pretensão religiosa
que descreveu ao relatar outras formas de observar esses textos, através do seu livro
“As Escrituras Sagradas Examinadas à Luz dos Conhecimentos Modernos”, o seu
argumento ficou pela habitual defesa do teísmo.
 … Escreveu Bucaille na página 89 do seu livro: «Os aspectos científicos, muito
próprios do Alcorão, deixaram-me de imediato profundamente atónito, porquanto, até
então, nunca acreditara ser possível descobrir, num Texto redigido há mais de treze
séculos, tantas afirmações relativas a assuntos variados em extremo, e absolutamente
conformes aos conhecimentos científicos modernos. Eu não tinha, de início, qualquer fé

293
Maurice Henri Jules Bucaille, médico e escritor. Estudou e investigou O Alcorão da Religião Muçulmana. Faleceu em 17.02.1998, aos 78 anos.
294
Livro sagrado da religião Muçulmana, pregado por Maomé aos Islamitas.

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no Islão». Na página 90, escreveu: «Encontramos na Bíblia monumentais erros
científicos, mas no Alcorão não descobri nenhum, o que me obrigou a colocar a
questão: se foi um homem o autor do Alcorão, como teria ele podido escrever no séc.
VII, da era Cristã, o que verificamos hoje estar conforme aos conhecimentos científicos
modernos? O Texto que nós possuímos hoje do Alcorão é bem um Texto de
actualidade... Que explicação humana poderemos dar a esta verificação?».
 … Não haveria muitas arestas para limar entre o argumento deste livro e o de
Bucaille se, na essência, não se afastassem, embora se assemelham na investigação.
Se algum avanço é notado no texto do livro do Alcorão, relativamente aos textos mais
antigos, deve-se a esses escritores terem os elementos científicos na sua posse, tal
como o átomo, pelo que frasearam prosas com palavras científicas e ajustaram a sua
narração, tirando partido desse conhecimento para enaltecer a divinização do seu
tempo. Se não foi o Homem que o escreveu só poderá ter sido uma criatura mais
inteligente. Não sendo conhecida outra sapiência resta pensar nos celícolas. Os
Muçulmanos tinham na sua posse os textos dos antigos relatos da tradição Yahveista e
Elohista, mas também das tradições que se ramificaram, só poderiam tê-los copiado,
ajustando-os ao conhecimento da sua época, tal como fizeram os seus antecessores.
 … Se insistirmos que nesses textos estão todas as respostas para o conhecimento
actual estamos admitindo a existência de outras inteligências. Bucaille descreve estar
conforme a ciência actual o que o Homem escreveu no Alcorão, século VII da era
Cristã, mas isso é uma antecipação improvável até para os celícolas, avalia-se pela
inexactidão da escrita que inspiraram nos seus escritores. Portanto, resta a evidência
de civilizações extraterrestres avançadas e as suas expedições.
… Não há provas de que tais seres tenham pousado na Terra, mas não pode haver um
pirronismo 295 cerrado quando o Homem acredita em algo superior a si. Havendo várias
perspectivas de observar o planeta e o Universo, os nossos antepassados também as
tiveram, por isso transcreveram os seus pensamentos de forma divergente. Será que
observavam o Universo que suporta uma miríade de mundos menores, maiores e
diferentes do nosso, distribuídos por uma vastidão infinita de anos-luz, dos quais muitos
são potenciais candidatos à sustentação de vida! Seriam outros universos que havemos
de descobrir! Afinal, em que mundo ou universo pensavam eles e em que mundo ou
universo estará o leitor a pensar?

 Celestino Silva.

Bibliografia.
Lista de obras relacionadas com os assuntos deste livro.
1. Alain Sotto e Varinia Oberto — A Vida Depois da Morte — Novas Pesquisas Parapsíquicas.
2. Albert Einstein e a Relatividade — Hilaire Cuny. Editora Odisseia 1965.
3. André Pochan — O Enigma da Grande Pirâmide, Plaza & Janés, 1973.
4. Andreas Faber Kaiser — Sacerdotes ou Cosmonautas?
5. António Paluzie — Como Se Realizarão as Viagens Interplanetárias, Barcelona, Reuter, 1959.
6. António R. Damásio — O Erro de Descartes.
7. Aurélio de Santos — Os Evangelhos Apócrifos, Madrid, Editorial Católica, 1963.
8. Bo-Goran Pettersson — professor universitário de filosofia — enciclopédia COMBI VISUAL — segunda edição.
9. Boletim Informativo da NASA na Internet (1996).
10. C. N. Martins — O Cosmo e a Vida, Barcelona, Plaza & Janés.
11. Carl Sagan — Cosmos.
12. Carl Sagan — O Ponto Azul Claro.
13. Carl Sagan — Os Dragões do Eden.

295
Doutrina de Pírron, filósofo grego (365-275 a. C.). Consistia em negar que o homem pudesse atingir a verdade.

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O outro deus
14. Carl Sagan e I. S. Chkovskii — A Vida Inteligente no Universo.
15. Centro Roger Ikor — Seitas Religiosas — Um Guia Sobre as Falsas Religiões para as Conhecer e Defender-se Delas.
16. Charles Darwin — The Origin of Species by Means of Natural Selection, Londres: John Murray, 1859.
17. Corrado Pallenberg — Os segredos do Vaticano.
18. Cristianismo — David Lõfgren — professor universitário — Enciclopédia COMBI VISUAL — segunda edição.
19. David M. Raup — O Caso Némesis — História da Morte dos Dinossauros e dos Caminhos da Ciência.
20. Emily Peach — Aparições — Como Investigar e Enfrentar Experiências Especiais.
21. Erich von Dâniken — A Estratégia dos deuses — A Oitava Maravilha do Mundo.
22. Erich von Daniken — O Regresso às Estrelas.
23. Etienne Drioton — As Religiões do Antigo Oriente, 1958.
24. Every Schatzman — A Ciência Ameaçada.
25. F. Y. Ziegel — Reminiscências Cósmicas nas Escritas Monumentais da Antiguidade, 1962.
26. Félix Llaugé — Mistérios Soviéticos do Ar e do Espaço.
27. Fernando Rodrigues Carvalho — As Novas Tecnologias, O Futuro dos Impérios e os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.
28. Fernando Semedo – Parasitas de Deus. Editora Caminho.
29. Fred Hoylee e Chandra Wickramasinghe — O Poder da Vida e do Universo.
30. Fulcanelli — O mistério das Catedrais, Barcelona, Plaza & Janés, 1967.
31. Gabriel Gohau — História da Geologia.
32. Hilary Evans — No Rasto de… Objectos Voadores não Identificados.
33. Hilde Wohlgmuth — Rohlen — doutora em filosofia — Judaísmo — Enciclopédia COMBI VISUAL — segunda edição.
34. Isaac Asimov — A Terra e o Cosmos — Os Horizontes do Espaço, do Tempo, da Matéria e da Energia.
35. Isaac Asimov — Civilizações Extraterrestres.
36. Isaac Asimov — Tão Longe Quanto Chega o Olhar Humano.
37. Ivar Lissner — Civilizações Enigmáticas, Barcelona, 1959.
38. J. C. Polkinghorne — O Mundo dos Quanta.
39. J. Mallas — Mistérios das Civilizações Mortas, Barcelona, Edições Telstar, 1968.
40. Jacques Bergier — Os Extraterrestres na História, Edições 70.
41. Jacques Pirenne — História da Civilização do Antigo Egipto, Barcelona, 1963.
42. Jacques Vallée — Fenómenos Insólitos do Espaço, Barcelona, Editorial Pomaire, 1967.
43. James Lovelock — As Eras de Gaia – Uma Biografia do Nosso Planeta Vivo.
44. Jean-Claude Bourret — A Ciência Face aos Extraterrestres.
45. John Gribbin — Génesis — A Origem do Homem e do Universo.
46. John Gribbin — O Buraco no Céu — A Ameaça do Homem à Camada de Ozono.
47. John Gribbin — O Nascimento do Universo.
48. John Gribbin — O Trama do tempo.
49. John Gribbin — Os Buracos Brancos — O Princípio e o Fim do Espaço.
50. John Michell — Os Discos Voadores e os deuses, Barcelona, Editorial Pomaire, 1968.
51. Keith Ward — Deus, o Acaso e a Necessidade.
52. Le Grimoire du Magnètisme et de l’Hypnotisme — tradução para português, O Livro do Conhecimento, por Ana Rabaça.
53. Lynn E. Catoe — UFO’s and Related Subjects, An Annotated Bibliography — Biblioteca do Congresso, Washington, 1969.
54. Manuel Pedrajo — Os Discos Voadores e a Evidência, 1954.
55. Marcel Moreau — As Civilizações das Estrelas.
56. Maria E. Stal — licenciada em filosofia e letras — Islão — Enciclopédia COMBI VISUAL — segunda edição.
57. Maria Lamas — O mundo dos deuses e dos Homens.
58. Maria Sorensen — A Herança dos deuses.
59. Maurice Bucaille — A Bíblia, O Alcorão e a Ciência.
60. Maurice Châtelain — No rasto de… Os Nossos Antepassados Cósmicos.
61. Maurice Châtelain — Os mensageiros do Cosmo.
62. Michael Drosnin — O Código da Bíblia.
63. Michio Kaku e Jennifer Trainer – Para Além de Einstein — A Investigação Cósmica para Uma Teoria do Universo.
64. Paul Couteau — História Concisa do Universo.
65. Peter Coveney e Robert Highfield — A Seta do Tempo.
66. Pierre-Jean Moatti — A Bíblia & Os Extraterrestres.
67. Plaza & Janés — Os Gigantes e o Mistério das Origens, 1971.
68. Rémy Chauvin — Deus das Formigas Deus das Estrelas.
69. Ricardo Paseyro — Elogio do Analfabetismo.
70. Roy E. Peacock — Breve História da Eternidade.
71. Rudolf Johannesson — religião — Enciclopédia COMBI VISUAL — segunda edição.
72. Santo Agostinho, De Genesi ad literam, 4.26. Londres, 1982.
73. Stephen H. Dole — Planetas Habitáveis, 1968.
74. Stephen Jay Gould — Os Oito Porquinhos.
75. Stephen W. Hawking — Breve História do tempo.
76. T. R. Malthus — An essay on the principles of population, London, J. Johnson, 1803.
77. TOM HORNER – O Sexo na Bíblia.
78. Tomaz da Fonseca (Cartas ao Cardeal Cerejeira – Diário da República). Livro Na Cova dos Leões, edição brasileira
79. U. S. Census Bureau — International Data Base (Internet), 1998.
80. Viasheslav Zaitsev — A Evolução do Universo e o Raciocínio, 1959.
81. Viasheslav Zaitsev — Reminiscências Cósmicas nas Escrituras Monumentais da Antiguidade.
82. Werner Keller — História do Povo Judeu.
83. Zecharia Sitchin — No Rasto de… Os Astronautas do Passado.

FIM

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