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ENSAIO SOBRE O MODO DE PRODUÇÃO JÊ E A FORMAÇÃO DO PARANÁ

FERNANDO MARCELINO PEREIRA

CURITIBA
2023

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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO
NA PUBLICAÇÃO (CIP)

Marcelino, Fernando

Ensaio sobre o modo de produção Jê e a formação do


Paraná / Fernando Marcelino Pereira. – Curitiba, 2023.

1. História do Paraná 2. Povos Jês 3. Arqueologia

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SUMÁRIO

1. DAS ORIGENS AO HOLOCENO 07


2. OCUPAÇÃO DO SUL E CIVILIZAÇÃO JÊ 13
3. MODO DE PRODUÇÃO AGROFLOESTRAL JÊ 21
4. UM PARANÁ SEM ÍNDIOS? 22
5. EXPROPRIANDO A FLORESTA DE ARAUCÁRIAS 27
6. REFERÊNCIAS 31
7. SOBRE O AUTOR 34

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ENSAIO SOBRE O MODO DE PRODUÇÃO JÊ E A FORMAÇÃO DO PARANÁ

1. DAS ORIGENS AO HOLOCENO

O território onde fica atualmente o Paraná é um sistema dinâmico e que passou


por grandes transformações ao longo dos bilhões de anos de sua história.

Nas rochas calcárias aflorantes na região metropolitana de Curitiba ocorrem


fósseis de grandes colônias de antigos microrganismos (cianobactérias). Estas estruturas
- denominadas de estromatólitos - se formaram através do acúmulo de finas camadas de
carbonato de cálcio depositadas pelas cianobactérias. São os fósseis mais antigos
encontrados no território, com idade aproximada a 1 bilhão de anos. As rochas
sedimentares são formandas em diferentes períodos geológicos.

Também foram encontrados icnofósseis - definidos como o resultado das


atividades dos organismos que viveram em épocas passadas e que se preservaram nos
sedimentos e nas rochas sedimentares. Ocorrem com frequência em siltitos e arenitos
(rochas que dificilmente preservam fósseis corporais).

A Escarpa Devoniana é uma formação geológica que delimita o Primeiro e o


Segundo Planalto paranaense. O nome, Escarpa Devoniana, se deve ao período da
formação rochosa ocorrida há 400 milhões de anos – no período Devoniano. Entretanto,
a forma como se encontra hoje é mais recente – 65 milhões de anos – fruto do período
Cenozóico. No Canyon do Guartelá esses desníveis podem chegar a até 450 metros. Na
Escarpa podem ser encontradas fendas e pequenas cavernas que guardam vestígios
arqueológicos. Neste local acontece um afloramento da Formação Furnas, sendo uma
importante formação de arenitos com extensão aflorante de 4.185 km2 e se estende
desde o município de Balsa Nova, na parte Sul, nas proximidades das cidades de Tibagi,
Castro, Carambeí e Ponta Grossa, até o município de Itapeva no estado de São Paulo, na
porção Norte. Nele foram encontrados alguns dos mais antigos registros inequívocos de
interações ecológicas envolvendo animais em território paranaense. Assenta-se sobre a
base cristalina ou formação Iapó, sendo a unidade mais antiga da Bacia do Paraná.
Nessa formação, estão registradas vestígios da vida de invertebrados, que aconteceu há

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aproximadamente 410-415 milhões de anos (início do Período Devoniano), em um
ambiente marinho relativamente raso.

Em São Mateus do Sul, foi encontrado o Mesosaurus Tenuidens, uma espécie de


lagarto aquático, que podia alcançar até um metro de comprimento. Os mesosaurus
viviam a 280 milhões de anos atrás. No noroeste do estado, na cidade de Cruzeiro do
Oeste, nos arenitos da Formação Caiuá, encontram-se fósseis do período cretáceo e
fragmentos de ossos de pterossauros. A espécie encontrada foi batizada de
Vespersaurus paranaensis e que viveu no período Cretácio, entre 90 e 70 milhões de
anos atrás. Ele tinha vértebras pneumáticas, que conferiam leveza ao seu esqueleto,
como nas aves viventes e um braço muito curto. Ficava de pé. Tinha 80 centímetros de
altura e 1,5 m de comprimento, com rabo e pescoço comprido. Seus pés formam um
único dedo central, sendo o animal monodáctilo, como os cavalos. Os dedos que
flanqueavam o dígito central possuíam grandes garras em forma de lâmina,
que deveriam servir para cortar e raspar carne. No mesmo sítio fossilífero em Cruzeiro
do Oeste também foram descobertos o lagarto Gueragama sulamericana e inúmeros
pterossauros Caiuajara dobruskii.

Na Bacia Sedimentar de Curitiba (Formação Guabirotuba) e no interior de


cavernas da região metropolitana encontraram-se os fósseis mais recentes do estado.
Foram achados ancestrais de tatus, preguiças e uma nova espécie (Proecoleophorus
Carlinii) cuja idade data do período Eoceno, a segunda época da era Cenozoica,
compreendido entre 55 milhões de anos e 36 milhões de anos. Neste período uma
megafauna que contava com preguiças gigantes, grandes crocodilos, tatus com mais de
100 quilos e aves carnívoras com mais de dois metros de altura habitava esta região. Até
o presente, foram encontrados restos de grandes bichos-preguiças, toxodontes,
mastodontes, cavalos e cachorros extintos, entre outros.

Preguiças gigantes encontradas em Ribeirão Claro atingiam mais de 4 metros e


pesavam mais de 4 toneladas. Tinham até seis metros de comprimento e 4 metros de
altura, podendo rechaçar ataques de carnívoros. Elas não viviam penduradas em árvores,
mas andavam no chão. Em Curitiba e Adrianópolis, existiam preguiças menores, com 3
metros e 1,5 tonelada. Mastodontes – parecidos com elefantes – foram encontrados em
Chopinzinho, Icaraíma e Mangueirinha. Eles atingiam 5 toneladas. Toxodontos –
parecidos com rinocerontes – foram encontrados em uma caverna em Rio Branco do

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Sul. Em cavernas de Doutor Ulysses foi encontrado um cachorro extinto, restos de
cervídeos, antas, uma espécie extinta de porco-do-mato e duas ainda viventes, o catitu e
o pecari. Em Mangueirinha, foram coletados restos de um cavalo extinto associados a
preguiças gigantes e mastodontes.

2. OCUPAÇÃO DO SUL E CIVILIZAÇÃO JÊ

Os estudos sobre a ocupação dos territórios do sul do Brasil, como por exemplo,
estudos arqueológicos e antropológicos concordam que as populações humanas estão
presentes na região, desde cerca de 11000 a 12000 anos AP.

Alguns dizem que as espécies que compõem a megafauna foram se extinguindo


gradualmente a partir da última grande glaciação, no final do período chamado
Pleistoceno (período geológico que se estendeu de 2 milhões a 11 mil anos atrás) e
início do Holoceno que se divide em pleistoceno (caçadores e coletores de há, pelo
menos, 12 000 anos) e holoceno, sendo que este último pode ser subdividido arcaico
antigo (entre há 12 000 e há 9 000 anos), arcaico médio (entre há 9 000 e há 4 500 anos)
e arcaico recente (de há 4 000 anos até à chegada dos europeus). Outros apontam que
grande parte dos animais da megafauna teriam desaparecido muito depois de os
humanos começarem a colonizar o sul da América. Os humanos chegaram à Patagônia
13.200 anos atrás e a megafauna teria se extinguido mil anos depois.

Walter Alves Neves defende que seres humanos e a megafauna do Pleistoceno


conviveram. Testes de carbono 14 em fragmentos de ossos do S. populator, encontrados
na região de Lagoa Santa (MG), apontam que essa espécie de felino viveu há até pelo
menos 9,2 mil anos. Como é o mesmo local onde foi descoberto o crânio de Luzia, foi
fácil para o pesquisador concluir que as duas espécies conviveram por pelo menos 2 mil
anos. Assim, é possível que a ação humana tenha sido responsável por acelerar a
extinção da megafauna.

A origem asiática dos primeiros habitantes da América é aceita por muitos


pesquisadores. Segundo essa teoria, eles teriam chegado pelo estreito de Bering há cerca
de 16 mil anos e depois se espalhado pelo continente. Há, porém, quem pense diferente.

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No Brasil, um caso notório é a arqueóloga paulista Niède Guidon, que desde 1978
realiza escavações no sul do Piauí. Ela defende a hipótese de que os primeiros seres
humanos a pôr os pés no país vieram diretamente da África, entre 150 mil e 110 mil
anos atrás, “saltando” de ilha em ilha pelo meio do oceano Atlântico, que, devido a
glaciações, estava cerca de 120 metros mais baixo que hoje.

Outra visão – que nos embasamos - é que primeiros brasileiros chegaram ao país
pelo noroeste, ou mais precisamente pela Amazônia. A partir dessa região, eles foram
paulatinamente ocupando o resto do território, alguns grupos pelo interior, outros
margeando a costa. Estes, mais tarde, também podem ter conquistado o interior a partir
do litoral, seguindo os cursos dos rios. Seja como for, hoje há praticamente um
consenso entre os estudiosos de que a primeira ocupação do território que viria a ser o
Brasil ocorreu há pelo menos 12 mil anos. Trata-se do povo de Luzia, o fóssil mais
antigo de que se tem registro no país, com 11,3 mil anos. Pode ser que tenham até
aparecido índios antes, mas o certo é que há 10 mil anos praticamente todo o território
brasileiro já era habitado. A prova disso são vários sítios arqueológicos com vestígios
ao redor dessa idade encontrados em diversas partes do país. Sítios com vestígios
humanos de mais de 10 mil anos foram encontrados na Amazônia, Piauí, Bahia, Mato
Grosso e São Paulo.

Existiram duas fases marcantes da ocupação humana no Brasil. A primeira pelo


predomínio das populações caçadoras e coletoras, paleoíndios e mongoloides. A
ocupação do Centro-Oeste data de 15 e 22 mil AP, sucedidas por diversos sítios
anteriores a 7 mil anos. O sítio Alice Böer, na região de Rio Claro em São Paulo, atesta
ocupação há 14.200 AP. Em Goiás, as antigas ocupações existiram entre 10.700 e 9 mil
AP. No Alto-Médio do rio São Francisco, entre 9 a 12 mil anos atrás. Os “homens de
Lagoa Santa”, em Minhas Gerais, datam de 10 a 8 mil anos atrás. No sul do Brasil, os
sítios mais antigos datados a partir de 12 mil até mil AP fazem parte da “Tradição
Umbu”, povos que viviam da caça e coleta em descampados pelas áreas de São Paulo,
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Na mesma região também existem
vestígios da ocupação da “Tradição Humaitá”, caçadores que produziam artefatos como
lâminas e grandes flechas.

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“Tradição” é o nome que se dá às populações que ocuparam os territórios
brasileiros no período anterior à chegada dos europeus, em épocas bem remotas. São
elas:

• Tradição Humaitá – caçadores-coletores, que ocuparam o sul do Brasil,


Paraguai, Argentina entre 7000 e 2000 AP, com características de pequenos
grupos e dieta vegetariana. Ocuparam sazonalmente as regiões. São estudados
pelos vestígios de instrumentos de pedra que deixaram; fabricavam vasilhas de
cerâmica; não deixaram descendentes.

• Tradição Umbu – sem descendentes conhecidos, são estudados pelos vestígios


de pontas de lanças e restos de lascamentos encontrados no sul do Brasil,
Uruguai e São Paulo. Habitaram na região entre 12000 e 1000 anos atrás.

• Tradição Sambaqui – pescadores/coletores do litoral sul do Brasil, desde o Rio


Grande do Sul até a Bahia, vivendo ali de 6000 a 1000 dC. Os vestígios
estudados são montes de restos de alimentos, enfeites, conchas, ferramentas,
carvão, até mesmo restos humanos e de moradias. Estes vestígios são conhecidos
como Sambaquis. É possível que as ocupações tenham ocorrido por todo o
território nestes tempos mais remotos. Em período posterior a estas populações,
algumas regiões serão ocupadas por outros grupos.

O processo de ocupação da região paranaense remonta há cerca de 15 mil anos


atrás. Conforme Claudia Inês Parellada:

Os primeiros povos, os paleoíndios, chegaram ao Paraná há mais de quinze mil anos,


migrando da costa do Pacífico e adentrando pelo centro-oeste sul-americano,
encontrando aqui um clima diferente do atual, mais frio e seco, com a vegetação
predominante de campos e cerrados. Vivendo em pequenos grupos, conviveram com
animais da megafauna, como a preguiça gigante, o mastodonte e o tigre dente-de-sabre.
Elaboraram grandes pontas de projéteis, caçando aves, pequenos mamíferos e roedores,
além de praticarem a pesca. As pontas de projétil rabo de peixe são bastante
características dos Paleoíndios. Há dez mil anos, com o clima tornando-se cada vez
mais quente e úmido, outros grupos caçadores e coletores migraram para o Paraná,
ocupando o vale de grandes rios, como o Iguaçu, o Ivaí, o Tibagi e o Paraná, o topo de
morros e montanhas, abrigos rochosos, e a planície litorânea. São povos relacionados ao
período arcaico, denominados Umbu, Humaitá e Sambaquieiros no sul do Brasil1. A

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Os sambaquis, sítios arqueológicos pré-históricos inseridos na paisagem holocênica do Período
Quaternário, segundo Schmitz (1984), são lugares onde populações indígenas acamparam, temporária ou
permanentemente, para explorar os recursos litorâneos, sendo, portanto, acumulações artificiais
principalmente de conchas de moluscos e, em menor escala, de ossos de mamíferos, répteis, aves e
peixes, devido às menores taxas de preservação no registro arqueológico. Ocorrem da costa Sul do
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paisagem sofreu grandes transformações, com matas mais densas e uma maior
disponibilidade de recursos naturais, como peixes, moluscos, aves, mamíferos e árvores
frutíferas2.

A segunda fase é marcada pelas grandes expansões dos povos amazônicos, com
o desenvolvimento da agricultura. Esses povos se expandiram sobre áreas ocupadas
pelos primeiros, sendo absorvidos ou dizimados pela ampliação da população agrícola.
Em quase todo Brasil não-amazônico, a transformação na forma de vida dos habitantes
foi profunda, fora algumas áreas dos sambaquis e do interior. É neste momento que os
povos jês se espalham. Cerca de 5 mil anos atrás, Jês se deslocam gradualmente da
Amazônia para o sul, atraído por clima, alimentos e/ou por disputas internas. Pesquisas
arqueológicas mais recentes indicam que o planalto meridional, desde o planalto
paranaense até o sulino, foi povoado por grupos ligados aos tronco Macro-Jê vindos da
Amazônia, a procura de terra e alimentos. E foram se estruturando no Sul com
características próprias, se adaptando a região. Registros arqueológicos e etno-históricos
registram a antiguidade da ocupação. Aponta-se que estes movimentos populacionais
para fora da Amazônia seriam derivados de um importante aumento demográfico que os
teria pressionado para fora de suas áreas originais (BROCHADO, 1984). Através da
linguística histórica, aponta-se que a família Jê teria se separado em algum ponto do
planalto central brasileiro (URBAN, 1992, p. 90). A partir daí, Kaingáng e Xokleng
teriam migrado em direção ao Brasil Meridional. As relações entre as línguas Jê, no
âmbito do tronco linguístico Macro-Jê, mostram que o Kaingáng estaria mais próximo
ao conjunto Akwén (Xakriabá, Xavante e Xerente) e Apinayé, enquanto que o Xokleng
estaria incluído no grupo das línguas Kayapó, Timbira, KrenAkarôre e Suyá (NOELLI,
1999, p. 292). Os grupos Kaingáng e Xokleng teriam colonizado o sul brasileiro com
suas línguas consolidadas. Outro dado importante neste sentido, provém de análises
biológicas, as quais atestam que os dois povos possuem características diferentes.
Estudos etnográficos apontam que existem diferenças culturais entre estes dois povos,
ainda que mantenham características semelhantes, por exemplo, quanto aos seus
sistemas sociais.

Espírito Santo até o Norte do Rio Grande do Sul, e datam, no geral, de 8.000 a 500 anos A.P., apesar de a
maioria estar situada entre 5.000 e 3.000 A.P. (PROUS, 1992). Com muito menor freqüência também
aparecem no litoral Norte do país e no baixo rio Amazonas (FAJARDO, 2002).
2
Disponível em http://www.museuparanaense.pr.gov.br/Pagina/Departamento-de-Arqueologia

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Francisco Noelli propõe que a expansão dos Jê do Sul estaria associada,
sobretudo, à expansão Guarani no Brasil meridional e as consequentes disputas
territoriais. Seriam três movimentações territoriais da população Jê meridional no
período pré-colonial. A primeira, ocorrida entre 2000 e 1000 A. P., ocasionada pela
pressão dos Guarani que estavam se estabelecendo nas margens dos grandes rios e
afluentes, fez com que os Jê do Sul migrassem da várzea dos cursos d’água volumosos
em direção as terras altas e frias do planalto meridional. A segunda, acontecida a partir
de 1200 A. P., também ocasionada pelos embates frente aos Guarani, fez com que os Jê
do Sul fossem expulsos do litoral entre o Paraná e o Rio Grande do Sul, o que acarretou
na migração destes povos para áreas mais altas próximas a faixa litorânea. A terceira,
ocasionada pelos contatos conflituosos entre europeus e Guaranis – que culminou com
uma diminuição numérica drástica desta última população –, implicou em uma nova
configuração territorial, onde os Jê do Sul passaram a ocupar os vales dos rios Tibagi,
Piquiri e Ivaí, no Paraná, o noroeste do Rio Grande do Sul, e os baixos vales da vertente
Atlântica catarinense, bem como o litoral (NOELLI, 2004, p. 39-40)

A expansão Jê deve ser investigada considerando também a expansão Guarani,


pelo Mato Grosso do Sul e oeste paulista, e Tupinambá, para o sul, via litoral atlântico,
e interior, pela divisa São Paulo-Minas Gerais (CORREA, 2014). Dados apontam que
houve disputa pelos mesmos territórios, com os Jê chegando antes, ocupando os vales
de grandes rios e a beira-mar. Essa disputa teve uma dinâmica que culminou na abertura
de brechas territoriais consideráveis entre os Jê, preenchidas pelos Guarani e pelos
Tupinambá. Os Jê foram empurrados para os biomas com predomínio de campo,
enquanto os dois conjuntos Tupi conquistaram as áreas do bioma Mata Atlântica
(BROCHADO, 1984; NOELLI, 2004). Noelli explica assim o processo:

Os Guarani causaram recortes territoriais mais amplos, comprimindo os Jê do Sul nas


áreas elevadas da Serra Geral, desde o centro-sul do Paraná até os campos do planalto
do Rio Grande do Sul. Neste processo de disputa territorial, considerando as evidências
arqueológicas, verifica-se que os Guarani comprimiram os territórios Jê no alto
Paranapanema e médio Iguaçu a aproximadamente 1.800 A.P.: 1) os expulsaram da
beira-mar do Paraná ao Rio Grande do Sul a partir de 1.200 a 1 mil A.P; 2) os
comprimiram no alto rio Uruguai a aproximadamente 1.500 A.P.; 3) os empurraram
para os campos de Caxias do Sul a cerca de 1. 900 A.P.; 4) separaram os territórios dos
vales do Ribeira e Tibagi e alto Iguaçu a cerca de 1.500 A.P., criando dois núcleos Jê
que persistiam no século XVII.
Entretanto, em certos pontos-chaves da ocupação Jê meridional nas terras altas, a reação
à compressão dos territórios pelos Guarani parece ter variado. No estado do Paraná, tais
áreas incluem o médio Iguaçu e o baixo Piquiri, onde a concentração de casas
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subterrâneas e montículos funerários aponta para uma ocupação densa, permanente e
não facilmente conquistável pelos Guarani nas áreas onde há campos naturais. As áreas
comprimidas pelos Guarani, especialmente a leste da confluência do Canoas e do
Pelotas, formadores do Uruguai, são aquelas onde proliferaram monumentos funerários
Jê do Sul, onde há transição da Mata Atlântica para os campos de cima de Serra. Se
considera tais monumentos como correlatos de intensa marcação territorial e maior
nível de organização regional, o que conferiria vantagens na resistência aos forasteiros
aos Jê dessas áreas. As evidências arqueológicas interpretadas a partir das informações
históricas mostram que os Jê do Sul concentravam-se nos territórios mais elevados
acima do nível do mar, onde predominam as temperaturas mais baixas e as áreas de
campo intercaladas com a mata de araucária. A porção superior de boa parte dos vales
que terminam no litoral atlântico estava ocupada pelos Jê, enquanto que a planície
costeira das regiões Sul e Sudeste era domínio Tupinambá (ao norte da ilha do Cardoso)
e Guarani (ao sul de Antonina). A região de Misiones possui poucas datas, e estas se
estendem desde o século XIII até o século XVI – posteriores, portanto, à expansão
Guarani no rio Paraná. Os Guarani ocupavam, na fronteira de diversos territórios Jê, no
limite das florestas subtropicais e da Mata Atlântica, incluindo ambientes de baixa
temperatura, como a região de Curitiba e de Castro, as porções meridionais de Caxias
do Sul e de São Francisco de Paula e o alto vale do rio Uruguai, sem contar outros
nichos extremos para a sua policultura agroflorestal. As dinâmicas territoriais e
demográficas aproximaram e comprimiram as populações Jê do Sul, Guarani e
Tupinambá em certas áreas, oportunizando a existência de trocas e conflitos. O
resultado desses contatos pode ser verificado no ‘léxico Kaingang’, onde se encontram
várias palavras Guarani para a cultura material. Também é possível que nos
relacionamentos sociais e políticos houvesse contato, pois nas fontes históricas há casos
de casamentos interétnicos.
Para Noelli (2000, p. 241) estas três grandes movimentações causaram
mudanças no sistema de assentamento e no padrão de enterramentos dos Jê do Sul,
constatação observada arqueologicamente. O pesquisador acredita que estes povos
faziam uso da agricultura e manejavam as florestas como forma de prover sua
subsistência, práticas que demandariam uma estabilidade territorial. Utilizavam a
tecnologia cerâmica e efetuavam sepultamentos sem cremação – geralmente em
montículos. Moravam em estruturas subterrâneas, o que pode ser entendido como um
dos indicadores de sedentarismo e permanência em territórios definidos. Entretanto,
com as disputas territoriais e as pressões externas, estas práticas teriam caído do desuso,
completo ou temporário, pelo fato da população precisar se movimentar
constantemente. Assim, grupos Jê meridionais teriam passado a fazer uso de
“acampamentos provisórios, feitos com tecnologia expediente e de manufatura e uso,
ditados conforme as necessidades momentâneas, resultando em pouco esforço e tempo
de trabalho, sendo descartados logo após o seu uso” (ibidem, p. 243).

Conforme Cláudia Parellada, os ancestrais Jê, da tradição Itararé-Taquara,


tiveram dois momentos de ocupação do território paranaense. A primeira cerca de 4 mil
anos atrás, ocupando os vales e grandes rios, como Iguaçu e Ivaí, se dispersando pelo
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sul e serra do mar. A segunda a 950 anos atrás, devido provavelmente aos conflitos com
os tupiguaranis levou ao deslocamento no sentido do litoral. A partir daí haveriam
assentamentos tardios dos Jês em sambaquis da costa. A cerâmica Itararé-Taquara foi
encontrada nos sambaquis de Guaraqueçaba a Guaratuba. Depois devem ter retornado
as áreas ancestrais, seja pelo clima ou conflitos com os Guarani ao sul ou Tupi ao norte.

Área com registros arqueológicos e históricos sobre os Jê do sul do Brasil.

Os Guarani são os mais conhecidos. Esta denominação corresponde à população


e a língua falada. Eles vieram das bacias do rio Madeira e Guaporé, ocupando as bacias
dos rios Paraguai e Paraná, até Buenos Aires. Chegaram aos atuais Estados de São
Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, indo até o Uruguai e o Paraguai,
Nas primeiras regiões estão desde há 2000 anos. Seu padrão de ocupação mostra que
suas aldeias estavam em áreas de florestas. Na expansão que empreenderam para o sul,
trouxeram da Amazônia suas casas, vasilhas cerâmicas, espécies vegetais. Suas aldeias
podiam ter até mais de 1000 pessoas. Os Xetá – define o grupo e a língua. Estas
populações foram contatadas na década de 1840 por Joaquim Francisco Lopes e John H.
Elliot na foz do rio Corumbataí, no Ivaí (hoje, São Pedro do Ivaí, Fênix e São João do
Ivaí). Um pequeno grupo foi capturado em 1872, pelo engenheiro inglês Thomas Bigg-
Whiter, que fazia parte de uma expedição que de reconhecimento da região. Entre 1955-
56 houve o contato com 18 pessoas na Serra dos Dourados. Estas populações quase
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desapareceram em seguida e segundo Noelli e Mota (1999, p. 19), “restam menos de 10
remanescentes espalhados pelo Paraná”. Os Kaingang – Esta denominação define a
população e a língua falada. São conhecidos pelos arqueólogos, como Tradição Casa de
Pedra e Tradição Itararé (NOELLI e MOTA, 1999, p. 15). Seus antepassados pré-
históricos são pouco conhecidos, mas, os estudos arqueológicos e lingüísticos
concordam que o Brasil central é a região de origem dos Kaingang, que passaram a
ocupar a região sul do Brasil. Podem ter chegado antes que os Guarani ao Paraná.
Foram empurrados pelos Guarani (quando estes chegaram), para o centro-sul, e
territórios interfluviais. Esses povos viveram em guerras contra os Guarani e contra os
“brancos”. As aldeias localizavam-se em áreas de florestas ou às margens de campos e
praticavam a exploração da agricultura e coleta do pinhão. Existem poucos estudos
sobre sua cultura material. Os Xokleng são conhecidos como Tradição Itararé. Seus
ascendentes são pouco conhecidos. Como os Kaingang, podem ter chegado ao Paraná
antes dos Guarani. No decorrer do tempo foram empurrados pelos Guarani para a Serra
Geral no litoral Atlântico. Os Xokleng e os Kaingang tiveram contato com a Tradição
Humaitá. A ocupação do litoral era em determinadas épocas. Segundo Noelli e Mota
(1999, p. 18) “os ascendentes dos Xokleng devem ter sido empurrados para fora do
oeste paranaense na época da chegada e das primeiras expansões Guarani, ao redor de
2000 anos atrás”. Suas aldeias eram pequenas, com poucos habitantes e localizavam-se
nas florestas. Como os Kaingang, também habitavam em casas semi-subterrâneas. A
cerâmica era semelhante às dos Kaingang. Segundo estas observações, conclui-se que
três famílias lingüísticas principais ocuparam o território do atual Paraná: os Tupi ou
Tupi-Guarani, os Crên e os Jê.

Conforme Parellada, vieram provavelmente da Amazônia, ocupando primeiro o


norte e oeste paranaense, para depois fundarem aldeias no planalto curitibano e litoral.
São agricultores, plantavam especialmente mandioca, milho, batata-doce e feijão, e
moravam em aldeias com 300 a 400 pessoas em grandes casas comunitárias. Os
primeiros povos ceramistas e agricultores chegaram ao Paraná há quatro mil anos,
vindos do planalto central brasileiro. Eram populações Proto-Jê, também denominadas
Itararé-Taquara, ancestrais de indígenas da família linguística Jê: Kaingang e Xokleng,
que vivem até hoje no sul do Brasil, e que se miscigenaram com os antigos caçadores-
coletores que aqui estavam. Os agricultores Proto-Jê ou Itararé-Taquara moravam em
aldeias, com 200 a 300 pessoas, divididas em 4 a 6 casas comunitárias. Em áreas
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próximas plantavam roças de milho, amendoim, feijões e abóboras. No período em que
aguardavam o crescimento das plantações dividiam-se em pequenos grupos, para a
coleta de mel, pinhão e diversos frutos. Assim, foram fundamentais na expansão de
áreas com pinheiro araucária, pitanga, jabuticaba, araçá, jerivá e palmito, realizando o
manejo dessas espécies. Os Itararé-Taquara usavam diferentes armas de caça, como
flechas, algumas com ponta-virote, que serviam para caçar animais e derrubar pinhas,
além de pilões, picões, e lâminas de machado polidas, algumas relacionadas
especialmente a estes grupos culturais, como as petalóides e semi-lunares. Os primeiros
grupos Jê, com cerâmica fina e lisa, distribuíram-se, inicialmente, nas proximidades do
rio Paraná, entre os vales do Ivaí e Iguaçu, direcionando-se a áreas montanhosas dos
Campos Gerais, Serra do Mar e ainda a planícies costeiras, e por uma outra entrada
pelas terras altas no nordeste paranaense com posterior migração a outros espaços. São
relacionados monólitos, alinhamentos de pedras e megalitos no vale do médio Iguaçu,
alguns possíveis observatórios astronômicos, e sepultamentos com pedras no médio
Ribeira e Tibagi. Os Jê assentaram-se especialmente em aldeias a céu aberto, algumas
em cristas de morros, como as do alto Ribeira, Serra do Mar e topo de canyons com
campos associados a matas de pinheiros Araucária, como em planícies aluviais e
litorâneas, e em abrigos, algumas vezes com sepultamentos e arte rupestre
(PARELLADA, 2005). Parte das pinturas e gravuras rupestres encontradas no Paraná
está relacionada aos Itararé-Taquara (CHMYZ, 1969; PARELLADA, 2009). No sul de
Curitiba, em Fazenda Rio Grande e Mandirituba, Chmyz (2003) documentou vários
sítios Itararé-Taquara com estruturas semi-subterrâneas, com profundidades entre 0,7 e
2 m, identificadas como habitações. Sítios com aterros anelares em topos proeminentes,
como os de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, também foram documentados no
município paranaense de Turvo, medindo 80x70x1 m.

A relação dos proto-Jê com a floresta de araucária e os pinhões é uma questão


que intriga os arqueólogos. As primeiras casas subterrâneas associadas a esses povos
datam de 300 a.C, mas o desenvolvimento desse tipo de construção, presente em uma
centena de sítios arqueológicos do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná, se
dá por volta do ano 1000 d.C – justamente quando a mata de araucária se encontra em
um momento de grande expansão, de acordo com dados paleobotânicos. Uma
interpretação possível para a coincidência é que o crescimento da floresta de pinheiros,

15
fonte de alimento para os indígenas e atrativo para os animais por eles caçados,
possibilitou a disseminação dos proto-Jê.

Há 4.000 anos atrás, com a chegada de povos Jê no Paraná ocorreram


importantes mudanças culturais, precisava-se aumentar a quantidade de alimento para a
subsistência de aldeias com mais indivíduos, e um melhor gerenciamento de recursos
com estocagem permitiria esse fato. O manejo de espécies florestais com frutos, como o
pinhão e a pitanga, e o início da prática agrícola, possibilitaram o aumento populacional
e a ocupação de novos espaços (PARELLADA, 2005). Os líticos representativos são
mãos de pilão, lâminas de machado lascadas ou polidas, algumas muito grandes de
forma petalóide, com 30 cm de comprimento, várias com gume reativado lascado, além
de lâminas semi-lunares, talhadores, raspadores e lascas. Pontas em virote em rochas
básicas, no leste e norte do Paraná, são comuns (PARELLADA, 2016). A dieta
alimentar variável, de acordo com as diferentes especificidades de cada época e
subgrupo, nos últimos mil anos baseava-se na coleta de pinhão e mel, na caça e pesca,
no cultivo de milho, mandioca, feijão e abóboras, e no manejo ambiental de recursos
naturais, alternando o extrativismo com a prática agrícola. O pinheiro araucária, e
árvores com frutas importantes na alimentação, como o araçá, a pitanga, e o butiá,
tiveram sua área de ocorrência multiplicada através da dispersão planejada de sementes
em locais próximos às habitações e roças (PARELLADA, 2005).

Jonas Gregório de Souza aponta que a floresta de araucárias passou por uma fase
inicial de expansão entre 4 500 e 3 000 anos atrás, época em que ainda havia poucos
sinais de atividade agrícola e sedentarismo na região. Nessa fase, o crescimento das
araucárias se concentrou principalmente à beira de rios do planalto. Depois disso, há um
longo período de estagnação desse avanço, que retorna, de modo rápido e amplo, entre 1
500 e 1 000 anos atrás, coincidindo com uma fase de expansão e aumento da
complexidade e tamanho dos assentamentos Proto-Jê. Os ancestrais dos Kaingang e
Xokleng, portanto, de alguma forma estavam atuando como semeadores da floresta,
levando-a para locais onde não cresceria naturalmente e usufruindo dos muitos recursos
que ela oferece, como os saborosos e nutritivos pinhões. Coletando grandes quantidades
de pinhão e carregando-as consigo quando fundavam novos assentamentos, os indígenas
fatalmente deixariam de consumir algumas das sementes, que acabariam germinando.

16
Por volta de 4500 AP (antes do presente), inicia-se o processo de expansão das
matas de araucária a partir das florestas de galeria ao longo dos rios devido ao aumento
progressivo da umidade no sul do Brasil. Ademais, entre 1410 e 910 AP, o clima
tornou-se ainda mais úmido, situação que teria implicado na expansão das florestas de
araucárias sobre as áreas de campo do planalto meridional (BEHLING, 2007). Para
além da Araucária angustifolia (Pinheiro-do-Paraná), na Mata de Araucárias há grande
representatividade de outras espécies, tais como Podocarpos Lambertini (Pinheiro-
Bravo), Ilex paraguayensis (Erva-mate), Drymis brasiliensis (Casca-de-anta),
Symplocos uniflora (Pau-de-canga / Sete-sangrias) e Mimosa scabrella (Bracatinga),
além de outras das famílias Myrtaceae e Lauraceae. Há que se ter em mente, ainda, que
existem variedades de Araucária angustifolia que produzem em períodos distintos do
ano. Corteletti (2012, p. 173) aponta que existem diferentes variedades que se tomadas
em conjunto oferecem sementes ao longo de 11 meses de um mesmo ano.

Segundo Behling (2007, p. 122-124), historicamente sabe-se que o pinhão, fruto


da araucária, possui papel de destaque na dieta de grupos de matriz cultural Jê. Contudo,
mais do que isso, deve-se considerar que a Mata de Araucárias consiste em uma fonte
de madeira, bem como uma área de caça– pois a fauna também é atraída pela variedade
de frutos que compõe essa formação vegetal –, para estes grupos humanos. Ademais,
conforme aponta Mabilde (1983, p. 126-127), os Kaingang delimitavam seus territórios
grupais por meio de pinheirais. Símbolos gravados nos troncos das araucárias
sinalizavam a área de domínio de cada cacique. Deste modo, percebe-se a importância
da floresta de araucárias para territorialidade deste povo. Para Iriarte e Behling (2007, p.
124), a expansão das florestas de araucárias sobre a vegetação de campo e o aumento de
incêndios nestas áreas em um período onde o clima tornava-se progressivamente mais
úmido, evidenciam que há um elemento humano que orienta esta transformação da
paisagem. Uma vez estabelecidos no planalto, os grupos associados à cerâmica da
Tradição Taquara/Itararé teriam lançado mão de uma economia mista, combinando a
coleta das sementes de araucária com a agricultura de coivara em áreas mais baixas.
Neste sentido, existe a possibilidade de verificar a existência de sistemas de manejo do
ambiente de forma semelhante a outros contextos.

Alguns pesquisadores aventam a possibilidade de que o aumento da área de


araucárias poderia ter sido estimulado, ao menos em parte, pelos antigos habitantes da

17
região. Os índios teriam empregado um corte seletivo de árvores e favorecido a difusão
das araucárias. Os proto-Jê, tinham grande conhecimento do meio natural, sabiam
manejar, em alguma medida, a floresta de araucária e eram capazes de moldar a
paisagem local. As árvores de araucária lhes forneciam, por exemplo, uma parte
importante de seu cardápio, os pinhões.

As araucárias foram determinantes para a sobrevivência dos grupos. Em


contrapartida, disseminavam da floresta pelo território que ocupavam. Os povos Jê
auxiliaram a expandir a área e a densidade da floresta de araucária por volta de 1.000
anos atrás, construindo uma paisagem que hoje é entendida como natural, mas que foi
resultado da ação humana. São crescentes as influências antrópicas na distribuição da
floresta durante o período pré-colombiano, lado a lado com a intensificação do uso da
terra e o aumento da complexidade social ao longo do tempo.

A araucária devia ser objeto de culto dos povos jês. Na história, a dedicação de
povos por certas espécies vegetais é extrema, integrando a cultura. Diversas lendas
apontam que na floresta era para tudo que precisassem. A floresta exercia sobre o
espírito dos jês profunda influência. A floresta mantém o equilíbrio climático e o regime
das águas – precipitações, nutrição das fontes e dos arroios -, amparo a encostas e
manutenção da paisagem.

A floresta manejada proporcionava proteção, madeira e alimentação variada,


sem contar as roças que eram capazes de manter grandes populações. Existiam várias
estratégias de captura de animais, como os “pari”, armadilhas de pesca, descritos no rio
Tibagi (NOELLI, 1996), e muitos paris, além de caminhos, toldos e aldeias, apontados
em mapas do Paraná dos séculos XIX e XX. Num sistema de consórcio com diversas
plantas, a concentração de alimentos também atraía animais, desde antas, veados, tatus,
capivaras, aves e répteis. A pesca dos rios também aumentava a diversidade alimentar.
Os Jês também estocavam comida, defumando animais e produzindo farinha. Diversas
cerâmicas apontam os diversos métodos de processamento. Deveria ser comum o
consumo de misturas de carnes com ervas, cozinhas e assadas, como o que veio a dar
origem ao barreado e outros pratos típicos regionais, como peixe na grelha com
amendoim, porco no rolete, churrasco de chão, pinhão tropeiro, quirera, entre outros.

18
3. MODO DE PRODUÇÃO AGROFLOESTRAL JÊ

Os grupos Jê foram por muito tempo percebidos através daqueles que os


considerava demograficamente reduzidos, isolados e nômades. Foram considerados
“mais atrasados” pelos portugueses, sendo chamados de tapuias e botocudos, pois não
aceitavam a ocupação do seu território diferentemente de alguns grupos indígenas
coletores do litoral. No século XIX, conforme aponta Cunha (1992), há duas chaves
classificatórias – diametralmente opostas – utilizadas pelos estrangeiros para identificar
a diversidade das práticas dos povos indígenas: Tupi e Guarani vs Botocudos. A
primeira remete ao “índio que aparece como emblema da nova nação em todos os
monumentos, alegorias e caricaturas. É o caboclo nacionalista da Bahia, é o índio do
romantismo na literatura e na pintura. É o índio bom e, convenientemente, é o índio
morto”, enquanto que na segunda figura o indivíduo que “não só é um índio vivo, mas é
aquele contra quem se guerreia por excelência nas primeiras décadas do século: sua
reputação é de indomável ferocidade”. Tal dicotomia seria uma herança dos primórdios
da ocupação europeia da costa do que atualmente é o Brasil, sendo que portugueses
teriam se aliado aos povos Tupi visando uma parceria para o empreendimento colonial
frente aos inimigos Tapuia - onde estavam inseridos os Botocudos. No início dos
oitocentos, enquanto os indígenas aliados foram apresentados como símbolo nacional
através da literatura, os inimigos foram explorados pela ciência, especialmente para
estudos craniométricos que objetivavam atestar a humanidade e a primitividade destes
povos.

Entretanto, os recentes avanços da arqueologia no Sul do Brasil tornaram


possível questionar tal modelo. Ao contrário dos guaranis que ocupavam o litoral, os Jês
não viviam com base na coleta e pesca para subsistência. Por volta de 3 mil anos atrás
descobriram a agricultura, promovendo um salto na população, como aconteceu ao
longo da história com todas as sociedades que deixaram de apenas caçar e coletar para
cultivar parte de seus alimentos. Cerca de 3 mil anos depois que os Jês começaram a
ocupar o sul, ocorre a imigração de grupos Guarani e outras tradições, nas bacias
hidrográficas dos principais rios das regiões noroeste e sudoeste do Estado do Paraná,
oeste de Santa Catarina e norte e noroeste do Rio Grande do Sul. Quanto aos Guarani, à
beira do rio Paraná, nos municípios de Mundo Novo e Guaíra, foi encontrado registro

19
arqueológico deste período. Cabe lembrar que ocupavam também o litoral sul/sudeste
alguns séculos antes da chegada dos primeiros colonizadores europeus.

Conceito central da teoria marxista, o modo de produção caracteriza a


articulação, capaz de se reproduzir, entre as forças produtivas e as relações de produção,
constituindo a base ou a infraestrutura da formação económica e social. Conceito
complexo, não se circunscreve apenas à dimensão estritamente econômica, mas ao
modo de produção da vida material que, nas palavras de Marx, "condiciona o
desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral", também envolvendo as
outras dimensões da realidade social, como a ideológica e a religiosa.

O “modo de produção primitivo” foi desenvolvido no período paleolítico,


quando ainda não se produzia o próprio alimento. Se vivia exclusivamente da caça,
colheita e pesca, se dividindo tudo entre a tribo. Esse modo de produção não incluía a
opressão das classes pobres pelas classes mais poderosas, haja vista que ainda não
existia a divisão de classes sociais. Muitas vezes se entende que todos os indígenas
encontrados no Brasil vivessem desta forma. Pelo menos é assim que foi expressado
pelos colonizadores para justificar a colonização, apontando que os indígenas eram
quase “homens das cavernas”.

Também foi elaborado o conceito de “modo de produção asiático”. Com advento


da agricultura, se começou a ter noção de território, se tornaram sedentários, e assim
com uma divisão de trabalho onde uns plantavam, e alguns teriam de defender as terras
de outros que também queriam poder usá-las, formando os primeiros exércitos. Com
essa nova estruturação de sociedade, surgiram as classes sociais, as lutas entre tribos, e
nessas lutas, os perdedores começaram a virar escravos, aumentando ainda mais a noção
de classes superiores e inferiores. A agricultura, base da economia desses Estados, era
praticada por comunidades de camponeses presos à terra e viviam submetidos a um
regime de trabalho compulsório, tendo acesso à coletividade das terras de sua
comunidade. Essas sociedades também podem ser consideradas sociedades hidráulicas,
pois também dominaram técnicas de drenagem e utilização da força de rios para
agricultura. Essa nova forma de organizar a sociedade estava centrada na figura de um
rei-imperador, que exercia seu poder absoluto através da legitimação da graça divina, ou
seja, o próprio Deus lhe concedeu a autoridade, portanto, detinha poderes divinos. O
chamado modo de produção asiático, que teria iniciado por volta do ano 2500 a.C., na

20
Idade Antiga (antiguidade), caracteriza os primeiros Estados surgidos no Oriente
Próximo (egípcios, babilônios, assírios, fenícios, hebreus, persas), na Europa Meridional
no final da Antiguidade, na China, Índia e África antiga e também na América pré-
colombiana nas sociedades incas, astecas e maias. Todos teriam desenvolvido esse tipo
de sociedade.

O modo de produção agroflorestal Jê do Sul tem outras características, distintas


destes modos de produção. A base do modo de produção jê não era baseada na
agricultura hidráulica. A formação social Jê construiu um modo de produção dominante
baseado na floresta. Esta situação conferiu dada particularidade ao modo de produção
agroflorestal dos jês do Sul. Se trata de um modo de produção historicamente novo,
com leis de tendência e dinâmica específicas e distintas dos outros modos de produção,
seja do modo de produção primitivo, asiático ou escravista.

O modo de produção Jê do Sul não era estagnado ou decadente. Com base na


floresta, havia riqueza de alimentos, núcleos estáveis de moradia, uma estrutura social
de parentesco, diversos mitos, escrita e arte em cerâmica e vestimentas. Os Jê do sul do
Brasil tiveram uma economia baseada em uma ampla gama de alimentos de origem
animal e vegetal (por intermédio da caça, pesca e coleta) e produziam alimentos mais de
um século antes da conquista europeia. Eles também praticavam a agricultura e podiam
viver por longos períodos em casas subterrâneas, provavelmente para se proteger do frio
da região. A simbiose com as araucárias, bem como lavouras de mandioca, feijão e
abóbora, levou à construção de grandes aldeias com centenas de casas
semissubterrâneas e monumentos funerários como montículos de terra no alto dos
morros ou grandes anéis de terra batida, com dezenas de metros de diâmetro e até 1
metro de altura.

Isso nos leva a crer que os povos Proto-Jê – do território de São Paulo ao Rio
Grande do Sul – criaram um modo de produção complexo, cuja principal marca é a
progressiva produção do bioma. As florestas onde predominava a araucária, pinheiro e
imbuia foram produzidas para manutenção por gerações foram obra de ação humana,
por alguns séculos. A base econômica do modo de produção Jê era a floresta, mantendo
viável a ocupação do território por várias gerações.

21
4. UM PARANÁ SEM ÍNDIOS?

Os autores clássicos da história Paraná, como Martins (1944, 1995), Carneiro


(1995), Silveira Neto (1995), Wachowicz (1972) e Westphalen (1969), seguem na linha
de estudo de que a chegada dos europeus à formação de vilas e povoações se dá em
regiões consideradas como despovoadas, prontas para serem ocupadas, não contando
com a presença do indígena, justificando assim, a prática da conquista dos territórios
empreendida pelos europeus. Havia na verdade, uma política de omissão com respeito
aos primitivos habitantes, sendo que os europeus acreditavam que, se não podiam fazer
esses povos desaparecerem, eles seriam então integrados.

O livro “Um Brasil Diferente: Ensaio sobre fenômenos de aculturação no


Paraná”, escrito pelo crítico literário Wilson Martins, é considerado um marco na
imagem do Paraná como um estado branco e europeu. Para Martins, o Paraná era “um
Brasil diferente”, parte da nação, mas não se encaixava nas definições dominantes da
identidade nacional:

Assim é o Paraná. Território que, do ponto de vista sociológico, acrescentou ao


Brasil uma nova dimensão, a de uma civilização original construída com pedaços
de todas as outras. Sem escravidão, sem negro, sem português e sem índio, dir-se-ia
que a sua definição humana não é brasileira. (MARTINS, 1989, p. 446)

O Paraná não entraria na definição hegemônica da nação por não ter os


principais elementos definidores da sua identidade: a presença do negro, do português e
do índio. A formação brasileira atípica do Paraná teria levado à personalidade
paranaense, que não seria tão expansiva e extrovertida quanto a do “tipo humano”
brasileiro. Segundo o autor, a formação dessa sociedade e dessa personalidade
particulares se devem à especificidade da composição étnica paranaense. Um dos
argumentos fundamentais na definição dessa identidade particular é a negação da
influência indígena e negra. Martins chega a afirmar que a escravidão praticamente não
existiu no Paraná. Segundo Martins:

a escravidão foi insignificante na província e que, por isso mesmo, e também em


virtude do povoamento por estrangeiros não portugueses, os negros pouco
penetraram sexualmente na família paranaense. Há, pois, antes de mais nada, um
elemento de fato que impediu quase totalmente a influência de hábitos ou de
tendências africanas no Paraná. Seus traços culturais, como decorrência lógica,
também não puderam impor-se e, ao contrário, desapareceram totalmente. É, sem
22
dúvida, a influência negra que dá às cerimônias religiosas de outras regiões do
Brasil a sua coloração dionisíaca e pagã. O negro, por seu lado, rejeita geralmente
uma religião que, como o protestantismo, não admite o extravasamento dessas
tendências compensatórias. (MARTINS, 1989, p. 429)

Martins instituiu uma hierarquia das etnias. Nela, alemães e italianos


ocupam os lugares mais altos. Nas posições mais baixas, ocupadas pelas etnias de
menor contribuição, estariam os eslavos, poloneses e ucranianos, afetados pela sua
“vocação rural”. E, de certa forma abaixo da própria hierarquia está a presença
implícita dos índios e negros, um grupo que, para Martins, esteve presente, porém
sem fornecer contribuição ao estado.

Martins é um daqueles que se esforçam em excluir os povos indígenas na


construção da História do Paraná, seja pelo forte preconceito, racismo ou
incorporação da narrativa das classes dominantes. Chegou a defender que índios e
negros teriam existido em “reduzidíssimo número em toda província no decorrer da
sua história. Ao lado da imigração, é a inexistência da grande escravatura o aspecto
mais característico da história social do Paraná”. Os índios são tão primitivos e
atrasados que teriam se auto extinguido. Martins também acredita que a “fertilidade
assombrosa das terras paranaenses” era uma dádiva divina.

Entretanto, se o Paraná é um “Brasil diferente” não é pela imigração no


século XIX e XX – que também houve em diversos estados – mas pela
singularidade do escravismo colonial nos séculos XVI, XVIII, XVIII e XIX,
utilizando a mão de obra escrava indígena em grau muito maior do que outras
regiões. O Paraná também foi “diferente”, pois sua função no período colonial era
garantir o abastecimento e logística de escravos, indígenas (das florestas) e negros
que vinham do Porto de Paranaguá e circulavam de norte a sul. Pode-se dizer que o
Paraná foi o principal vetor logístico para sustentar a grande produção colonial
brasileira. Sem o Paraná e sua mão de obra escrava não haveria financiamento para
bandeirantes nem suporte territorial para transporte de escravos para São Paulo, Rio
de Janeiro e nordeste. Sua importância no escravismo colonial é muito maior do que
se costuma aceitar.

O que Wilson omite é que os “brancos imigrantes de cultura superior”


exploraram os modos de produção e vida dos habitantes que aqui estavam,

23
utilizando não apenas sua mão de obra de forma escravista, mas sua cultura, suas
estradas, sua floresta, suas comidas, seu mate, sua rede, sua alimentação e costumes.
Quando olhamos o povo paranaense – fora algumas elites cosmopolitas – vemos a
aculturação formada fundamentalmente pela cultura jê. Não foram os índios que
acabaram aculturados, mas os imigrantes portugueses e depois de outras
nacionalidades. Até hoje, as culturas imigrantes são mais ou menos nichos quase
exóticos, mantendo suas tradições em seus grupos. Enquanto isso, a cultura jê forma
a base do vocabulário, nomes, alimentação, trejeitos, hábitos e costumes.

Chega a ser absurda suas tentativas de recontar a história para comprovar sua
tese de “Paraná branco e europeu”. Wilson fala que o mate tem origem incerta.
Comer pinhão teria sido inventado pelos portugueses pobres. A farinha teria vindo
de colonos fazendeiros. O charque uma invenção gaúcha. O hábito de comer frutas e
hortaliças teria surgido pelos hábeis imigrantes na luta pela sobrevivência. A batata
e a mandioca teriam sido introduzidas pelos alemães. A influência da imigração
estrangeira seria total. O papel da comida indígena na construção da identidade
paranaense não é sequer citado. Não se sabe se Wilson omite deliberadamente a
origem dos alimentos. Seja como for, o que foge na explicação da aculturação do
Paraná formada exclusivamente pelos imigrantes é porque a base da alimentação
paranaense é indígena até nossos dias.

No caso do maior prato típico do Paraná, o barreado, existe uma disputa


atualmente para saber se foi Morretes, Antonina ou Paranaguá que “inventaram” o
prato. Muitos relatam histórias e receitas de família. Outros apontam que seria um
prato dos tropeiros, apesar de ser praticamente impossível que viajantes ficassem
muitas horas para preparar sua comida. No barreado se misturam carnes de segunda.
O segredo na preparação é o tempo de cozimento na panela de barro, o suficiente
para desfiar toda a carne. Depois de cozida, as fibras da carne se soltam resultando
em um caldo grosso e saboroso e temperado. Para manter o sabor da carne, é preciso
vedar a panela com uma massa de farinha e água para manter o vapor dentro da
panela. No prato é misturado com farinha de mandioca e banana-da-terra fatiada.
Esta parte da receita tem origem jê, sendo utilizada posteriormente pelos carijós que
habitavam o litoral. Este método de preparado para cozinhar carnes e ervas em
conjunto já acontecia milhares de anos antes dos portugueses. O que veio a ser
24
incorporado pelos portugueses no século XVII foram alguns temperos, como
cominho, pimenta-do-reino e louro, usados para temperar carnes e feijão. Mais tarde
foi incorporado o toucinho, mas o método de preparo indígena continuou o mesmo.
Apesar da influência, poucos créditos são dados. Preparado por jês, depois por
índios carijós no litoral e portugueses, o barreado tornou-se um prato típico
paranaense.

O pinhão era parte importante da dieta dos povos indígenas desta região. Foi
inserido na culinária paranaense pelos indígenas e, posteriormente, muito apreciado
pelos tropeiros e colonos. Muitos pratos são feitos à base desse ingrediente, como
por exemplo o entrevero de pinhão comum na região dos campos gerais e sul do
Paraná. O chimarrão é uma bebida arcaica feita de erva-mate e caracterizada como
bebida típica dos indígenas da região. A erva-mate chegou a ser o principal produto
de exportação do Paraná em finais do século XIX e início do XX. Grande parte dos
alimentos que temos na mesa, provém do manejo ambiental indígena, como a
mandioca, o milho, a abóbora, o inhame, a pimenta, amendoim, moranga, palmito,
paçoca, a batata, abóboras, feijão, palmitos, o mate chimarrão, frutas do mato
(guabiroba, guamirim, jabuticaba, pitanga, ariticum, etc.), a pimenta essencialmente
como tempero, o pescado, a caça (de pena e pata) silvestre e as técnicas de forno
subterrâneo. Dentre as ervas medicinais, destaca-se o boldo, copaíba, catuaba,
sucupira, entre outros, para curar enfermidades.

A partir do século XVII, os portugueses passaram a adotar as técnicas


indígenas conforme as necessidades impostas em seus deslocamentos. Os
bandeirantes comiam basicamente o que os nativos ofereciam – a caça, a pesca e a
coleta, além dos produtos de suas roças. Trata-se de uma história de dominação, em
que colonizadores se adaptaram à alimentação local, indígena, utilizando-a para
seus propósitos expansionistas. Ao mesmo tempo, muitos traços e hábitos indígenas
permaneceram “vivos e ativos” entre os colonizadores, eles próprios submetidos a
um processo de “aculturação”. O processo histórico de constituição da culinária se
deu com muita violência e apagamento – como o de técnicas indígenas de
cozimento e preparo que eram e seguem sendo utilizadas, mas não aparecem nos
livros de história e culinária.

25
5. EXPROPRIANDO A FLORESTA DE ARAUCÁRIAS

A recente expropriação da floresta de araucárias é o último capítulo da


destruição do modo de produção desenvolvido pelos jês desde cerca de 3 mil anos atrás.
Estima-se que as araucárias chegaram a cobrir cerca de 40% do território do Paraná,
onde a árvore é um o símbolo máximo do Estado, 30% da superfície de Santa Catarina e
25% do Rio Grande do Sul.

Em 1968, Reinhard Maack em sua Geografia Física do Estado do Paraná,


importante obra para geógrafos, geólogos, historiadores, naturalistas e biólogos, assim
se expressou:

Em pouco tempo as primitivas regiões de matas estarão completamente destruídas no


Estado do Paraná. As últimas reservas de matas virgens talvez resistirão ainda durante
uma geração. O destino da mata já está traçado, pois o Estado não criou oportunamente
as reservas naturais necessárias. Após seu desaparecimento, a ciência pouco saberá
sobre as plantas que caracterizam com suas sutilezas o macro e o microclima de uma
região. Talvez os declives de Serra do Mar e suas respectivas regiões alta ainda exibam
a vegetação durante um período mais prolongado; porém a mata dos planaltos do
interior dentro de alguns decênios dará lugar à terra de cultura, matos secundários e
pequenas áreas de reflorestamento. O Paraná então, passará de um Estado exportador
para importador de madeiras (MAACK, 1968).

Nas últimas décadas do século 19 e primeiras décadas do século 20, a cobertura


florestal do Paraná estava praticamente intacta, correspondendo a cerca de 80% de seu
território. Com o advento do ciclo madeireiro em 1888, após a inauguração da ferrovia
do Paraná, ligando Curitiba ao Porto de Paranaguá, a ocupação de áreas florestais foi se
processando de forma acelerada. Rapidamente, o Paraná se transformou em um grande
exportador de madeiras, com destaque para o pinho das araucárias e de outras espécies
nobres como a imbuia, a peroba, o marfim, o cedro e a canela. O Planalto de Curitiba já
estava completamente devastado no ano de 1900. Em 1910, com a chegada dos trilhos
da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande à União da Vitória, a atividade extrativa de
araucária, imbuia, cedro e canelas, foi “abrindo” o sul paranaense e as serrarias
cresceram ao longo da chamada Linha-Sul, entre Ponta Grossa e União da Vitória.

Com o início da I Guerra Mundial (1914-1918), houve uma explosão nas


exportações de madeira pelo Paraná. O pinho-de-Riga, uma das mais tradicionais

26
madeiras usadas pela construção civil na Europa e extraída de florestas ao redor do Mar
Báltico, foi uma dessas matérias primas afetadas. A madeira de pinho das Araucárias,
com características muito similares ao pinho-de-Riga, rapidamente foi transformada em
matéria de exportação. A partir da década de 1920, a derrubada de áreas de matas para a
implantação de grandes campos agrícolas veio se juntar ao processo de devastação
florestal já em andamento há várias décadas por conta da exploração madeireira. A
partir de 1920, passou-se a dizimar imensas regiões florestadas do Segundo Planalto
paranaense, para implantação da agricultura extensiva, denominadas “roças-de-toco”,
em vista da expansão da população sertaneja, quase sempre entregue a um “nomadismo
atávico”.
Em 1926, o então deputado estadual Romário Martins alertava para a sistemática
dilapidação dos pinhais e propôs um projeto de lei que alterava o Código Florestal do
Estado. Esse projeto previa a desapropriação de áreas, destinadas à perpetuação do
sertão paranaense, isento de alteração em sua fisionomia natural, e não permitia
qualquer exploração econômica, sendo sua finalidade exclusivamente científica, moral e
estética. Mas este projeto de lei não foi aprovado e a medida preservacionista, inédita
para a época, não foi levada a efeito. Um artigo publicado em alemão, de 1931, de
autoria de Reinhard Maack, falava que:

O que os homens do Paraná executaram pelas derrubadas e queimadas da floresta não


pode ser descrito. Em nenhum outro país do mundo a floresta é tão absurdamente
destruída como aqui e enormes áreas cobertas de matas, que no ano de 1926 me
impressionaram pela sua primitiva grandiosidade, encontrei em 1930 como capoeira
(MAACK,1931).
No final de 1933, Maack iniciava a exploração do Vale do Rio Ivaí, a mata
virgem ainda se estendia ininterruptamente desde Faxinal até o Rio Paraná. Dois anos
depois a “frente cafeeira” expandia-se a oeste do Rio Tibagi (MAACK, 1968). Já nos
anos 50, 60 e 70 foi implantado o regime das serrarias no interior delas. As araucárias
sofreram enormemente. Foram cortadas milhares de araucárias das terras indígenas.
Somente na década de 1960 o Paraná perdeu cerca de 240 mil ha/ano de florestas, à
custa da expansão agrícola na região oeste. Segundo Maack (1968): “Da área primitiva
de 167.824 km2 de florestas existentes no território paranaense, já haviam sido
destruídos 119.688 km2, restando 48.136 km2, sendo 32.204 km2 da grandiosa floresta
pluvial tropical e apenas 15.932 km2 da floresta de araucária”. Maack previu que esse
remanescente desapareceria em 20 anos, o que se verificou de fato, conforme suas

27
próprias palavras: o Paraná transformar-se-ia então de estado exportador a importador
de madeiras. Peroba, cedro, pinheiro, imbuia, marfim e outras madeiras-de-lei, se
tornarão raridades botânicas, se o Estado não criar o mais depressa possível as reservas
florestais necessárias (MAACK, 1968).

Durante a década de 1970, a fronteira agrícola progrediu na frente oeste, até


esgotar-se em meados da década. Em 1980, o “Inventário de Florestas Nativas do
Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF)”, encomendado à Fundação
de Pesquisas Florestais do Paraná (FUPEF), apontou a distribuição das florestas
paranaenses da seguinte forma: “9,6% de florestas nativas de Araucária e Pluviais, 2,3%
de parques e reservas e 5,3% de capoeiras e capoeirões, totalizando 17,21% do território
estadual”, o que contrasta vivamente com os 83,41% de cobertura original (GUBERT,
1988). A década de 1980 assinalou uma relativa pressão demográfica sobre as regiões
menos povoadas do Estado, em vista do esgotamento da fronteira agrícola no oeste. Isso
gerou um “refluxo” dos chamados “gaúchos”, principalmente de municípios como
Toledo e Marechal Cândido Rondon, para municípios do centro-sul do Paraná, onde
justamente concentravam-se os 10% de florestas remanescentes, e a pressão por terras
florestais ainda não agricultadas recaiu sobre os “faxinais” (GUBERT, 1987). O
Sudoeste do Paraná era constituído por matas densas de araucárias, porém passou por
um forte processo de desmatamento nas décadas de 1940, 1950 e 1960. O que foi
resultado de centenas de anos de manejo florestal – com pinheiro, imbuia, peroba,
cedro, canela e madeiras duras - foi quase totalmente dizimada neste período. Uma das
maiores reservas de araucárias do planeta – mais de seis milhões de pinheiro-do-paraná,
que existia até os anos 1950 foi sendo transformada em matriz agrícola, com alguns
fragmentos florestais, provocando empobrecimento da fauna e flora, erosão e
fragilização do solo e poluição dos recursos hídricos.

Em apenas um século (1890 a 1990), o Estado do Paraná reduziu sua cobertura


florestal de 16 milhões 762 mil e 600 hectares, ou 83,41% de seu território, para cerca
de 872 mil e 600 hectares, ou 5,20% de seu território (GUBERT, 1988). Essa redução
drástica de populações naturais da fauna e da flora, impactou irreversivelmente nossa
biodiversidade, além de representar altos custos econômicos, pela perda de florestas
naturais e de solos.

28
Das exuberantes matas encontradas no Estado nos primeiros tempos da
colonização da Brasil, restam hoje remanescentes florestais na Serra do Mar e no Parque
Nacional do Iguaçu, respectivamente no Leste e Oeste do Paraná, ao longo da Escarpa
Devoniana e da Serra da Esperança, além de outros fragmentos florestais transformados
em parques e Unidades de Conservação. Atualmente resta no Paraná apenas cerca de
3% da extensão original da Floresta de Araucárias. A espécie corre risco de extinção, de
acordo com a União Internacional para Conservação da Natureza e com a Relação das
Espécies Ameaçadas de Extinção no Paraná, do Instituto Água e Terra (IAT).

Dessa forma, a expropriação do modo de produção jê acontece até nossos dias.


No século XVII, com o uso dos métodos de alimentação e os caminhos indígenas para
colonização, comércio de mão de obra indígena escrava para os centros de produção
colonial e na mineração de Paranaguá e Antonina. No século XVIII, com a caça de
escravos e uso da mão de obra escrava indígena na produção de gado e com o
tropeirismo. No século XIX, com a mão de obra escrava indígena na produção de mate.
E, desde o final do século XIX até nossos dias, com a destruição das florestas indígenas
para extração de madeira e ampliação da fronteira agrícola. A base econômica que criou
riquezas para as classes dominantes desde o período colonial até nossos dias atuais
passa pela expropriação das forças produtivas jês desenvolvidas por mais de 3 mil anos.

29
6. REFERÊNCIAS

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7. SOBRE O AUTOR

Fernando Marcelino Pereira nasceu em Curitiba (1987), graduado em Relações


Internacionais pela UNICURITIBA, Mestre em Ciência Política e Doutor em
Sociologia pela UFPR. Especializado em China, tendo atuado no Escritório Paraná-
China junto ao IPARDES. Membro do Núcleo de Estudos Paranaenses (NEP),
produzindo diversas pesquisas sobre genealogias de famílias ligadas ao poder
econômico, político, judiciário, midiático e do tribunal de contas no Paraná e no Brasil.
Militante do Movimento Popular por Moradia (MPM). Membro do Mimesis Conexões
Artísticas e Samba da Resistência. Autor de: Desencontros e seus golpes (2016, poesia),
Classes Dominantes no Paraná Contemporâneo (2019), COVID e a nova geopolítica
global (2020, relações internacionais), Revolta Paraná (2022, conto), Vivendo no Fim
dos Tempos (2022, teatro), 93 Haikais (2022, poesia), Oito Breves Amorosidades
(2022, poesia), Última Hora (2022, poesia), Em Defesa do Projetamento: Ignácio
Rangel e os desafios do desenvolvimento brasileiro (2023, planejamento), China: novos
ensaios (2023, ensaios), Marx no século XXI: valor, crise e capitalismo financeiro
(2023, análise), Guerra Civil Brasileira – 1891-1894 (2023, história), Dialética do
Planejamento Urbano em Curitiba (2003, planejamento), Geopolítica Hídrica Global
(2023, relações internacionais), entre outros textos e artigos políticos.

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