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SAFO DE LESBOS: ÍCONE LÉSBICO?

Letticia Batista Rodrigues Leite1

Resumo: O objetivo dessa comunicação é apresentar uma análise preliminar das respostas
apresentadas em uma enquete, que circulou entre grupos compostos por mulheres lésbicas,
bissexuais e/ou feministas, entre os meses de junho e setembro de 2016, com o intuito de
compreender como elas se relacionam ou, mesmo, se elas se relacionam, em alguma medida, com a
figura da poeta Safo de Lesbos (VI-VII a.C.) e com os seus fragmentos poéticos.

Palavras-chave: Safo de Lesbos. Usos do passado. Lesbianidade.

No primeiro semestre do ano de 2008, em diversos portais da internet, circularam notícias


acerca de um grupo, composto por três habitantes da ilha grega de Lesbos, que entrara com uma
petição judicial com o intuito de impedir o uso do termo “lésbica” – adjetivo que, desde a
Antiguidade, designa as nascidas na referida ilha – como sinônimo de mulheres que se relacionam
com outras mulheres. Segundo nota veiculada pelo portal da BBC Brasil2, nesta ação, cujo alvo
preciso era a Comunidade Homossexual e Lésbica grega (OLKE), o grupo alegava, entre outras
coisas, que o uso do termo para se referir a mulheres gays era um insulto para a sua identidade.
O pedido, felizmente, seria rejeitado pela justiça da Grécia. Mas, se assim não o fosse, ou
seja, ainda que o uso do termo “lésbica” como sinônimo de “mulheres que se relacionam com
mulheres” fosse proibido em território grego, isso dificilmente mudaria o fato de que o adjetivo é
hoje usado, em diversos idiomas, com a referida conotação. Tampouco tal interdição dissiparia a
realidade de que tal uso deriva de um longevo “rumor” associado à poeta Safo e/ou a Ilha de Lesbos
na qual ela viveu entre o final do século VII e o início do século VI a.C, e que diz respeito a
relações que ela teria mantido com outras mulheres e/ou jovens mulheres que frequentaram o seu
círculo. Reputação que, como é sabido, decorre em especial das leituras que atribuem a própria Safo
os desejos expressos pelo sujeito de enunciação, marcado pelo gênero feminino, por um objeto de
mesmo gênero, que encontramos em alguns dos fragmentos poéticos a ela atribuídos.
Com efeito, levando-se em conta o material ao qual hoje temos acesso, já no final do século
I a.C., encontramos não apenas a primeira alusão, mas também uma menção direta que apontam,
ambas, para uma identificação desse homoerotismo enunciado em alguns dos fragmentos atribuídos

1
Doutora em História pela Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne/ANHIMA (Anthropologie et histoire des
mondes antiques). Bolsista do Programa Doutorado Pleno no Exterior - CAPES.
2
Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/story/2008/07/printable/080722_lesbosprotest.shtml. Acesso
em: 25 jun. 2017.

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a Safo com a própria compositora. Refiro-me, respectivamente, a um excerto da ode de número
XIII, do segundo livro de Horácio3, e a dois trechos da hoje célebre XV carta que compõe as
chamadas Heroides de Ovídio, nos quais Safo é posta em cena pelo poeta rememorando seus
amores por jovens mulheres4. Quanto à associação da Ilha de Lesbos, ou das “mulheres lésbicas” à
prática homoerótica, por sua vez, sem que no entanto Safo seja sequer mencionada, vamos
encontrá-la de forma inequívoca5 apenas no século I d.C., no V,1 Diálogos das cortesãs (I d.C.) de
Luciano – que constitui nada mais nada menos que uma das passagens mais longas da literatura
antiga abordando a temática das relações sexuais entre mulheres6.
Isso posto, vale no entanto ressaltar que Sandra Boehringer, em seu livro L’homosexualité
féminine dans l’Antiquité grecque et romaine – no qual ela nos oferece um minucioso estudo dos
discursos antigos sobre as relações amorosas e/ou sexuais entre mulheres –, chama atenção para a
sua constatação de que, até pelo menos por volta do século II d.C., quando o “homoerotismo
feminino” era invocado, não era o nome da poeta de Lesbos o mais comumente associado a essa
prática, mas sim o de Filenes – autora/personagem sobre a qual pouco sabemos, mas cujo nome
encontra-se ligado à autoria de um manual erótico antigo7. Seja como for, fato é que,
independentemente de outras “imagens” de Safo que foram construídas nos tempos antigos 8, o
renome de uma Safo “amante de (jovens) mulheres remonta a tempos longínquos.
Duas passagens biográficas tardias que tratam da poeta não deixam dúvidas nesse sentido,
uma vez que fazem menção, e já de forma negativa, a essa associação entre Safo e o que hoje

3
HORÁCIO, Odes, II, 13, 24-25.
4
OVÍDIO, Heroides, XV, 15-20; 201-204. Para uma análise da carta de “Safo à Faon”, ver: cf. BOEHRINGER,
SANDRA, L’Homosexualité féminine dans l’Antiquité grecque et romaine, Paris, Les Belles Lettres, 2007, p. 215-223.
Missiva que a pesquisadora considera nada mais nada menos como o gesto inaugural que marca não apenas a
transfomação de Safo em personagem mítica (nesse sentido é pertinente lembrar que as demais cartas são atribuídas a
personagens “míticas”), mas também como um gesto que, ao mesmo tempo que associa abertamente Safo a essa
modalidade erótica, o faz relegando-a a uma espécie de“hors champ” amoroso. Visto que, além desses amores serem
apresentados como algo que pertence ao passado, a sua evocação pode ser lida não apenas como uma estratégia útil para
realçar o seu atual sofrimento pela ausência de Faon, mas também para sugerir a superioridade do discurso amoroso
elegíaco quando comparado ao mélos do qual a poeta lançava mal para dar voz a estes desejos. O que aliás explicaria a
ausência dessa modalidade amorosa nos demais textos do autor como Amores e a Arte de Amar. No entanto,
encontramos uma outra referências a esses amores em Tristes, II, 363-364.
5
Ver, no entanto, a ambígua alusão feita no fragmento 358 (Fr. 358 Poetae Melici Graeci) analisada por
BOEHRINGER, op. cit., p. 60-66.
6
Para uma análise desse diálogo ver BOEHRINGER, op. cit., p. 349-356.
7
Ibidem, p. 275-314.
8
Safo é, desde muito cedo, uma poeta renomada graças à qualidade de suas composições. Se há por parte dos antigos
alguma forma de projeção do conteúdo poético das suas composições sobre a biografia da poeta, o enfoque privilegiado
é, primeiramente, de Safo como uma espécie de protótipo da personagem, digamos, douta em matéria de erotismo, quer
dizer não há nenhuma menção/diferenciação relativa a um “homoerotismo”. Além do que, ao se examinar os
fragmentos e os comentários indiretos por intermédio dos quais conhecemos a existência de comédias produzidas nos
séculos V e IV a.C., trazendo como personagem título “Safo”, o que se encontram são traços de uma poeta satirizada
como inveterada amante de personagens do gênero masculino. Cf.: BOEHRINGER, op.cit., p. 212.

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entendemos por lesboerotismo. A primeira trata-se do trecho de um um papiro, que remonta ao
século II-III d.C., onde encontramos Safo descrita como “acusada devido aos seus modos
irregulares e como amante de mulheres” (κ[α]τηγόρηται δ΄ὑπ΄ἐν[ί]ω[ν] ὡς ἄτακτος οὖ[σα]

τὸν τρόπον καὶ γυναικε[ράς]τρια)9; a segunda remonta ao século IX/X d.C. e trata-se da

passagem do léxico antigo Suda, na qual encontramos o nome de três companheiras (ἑταῖραι) de

Safo, com às quais ela seria “acusada de manter relações vergonhosas” (πρὸς ἃς καὶ διαβολὴν

ἔσχεν αἰσχρᾶς φιλίας). Não por acaso, como ressaltam logo de entrada Sandra Boehringer e
Anne-Claire Rebreyend, no verbete “Sappho”, que compõe o Dictionnaire de l’homophobie, a
poeta acabaria por se tornar um símbolo atemporal da homossexualidade feminina, sobre a qual se
cristalizaram diversos discursos lesbofóbicos10.
Por certo, apesar dos silêncios e das memórias em fragmentos, as representações sobre a
poeta e seu círculo foram abundantes. Nesse sentido, se o intervalo compreendido entre os séculos
XV e XVII foi particularmente fecundo em matéria de representações da poetisa – literárias e
pictóricas –, com a chegada do XIX isso não seria diferente11. Com efeito, com a emergência da
ideia da sexualidade como estância definidora de comportamentos psico-sociais dos indivíduos,
compreendendo toda uma gama de classificações de desvios e perversões –, é possível que os
tradutores e comentadores dos fragmentos da poeta veriam-se, mais do que nunca, às voltas com a
embaraçosa “questão” de justificar ou, no limite, negar, o lesboerotismo presente de forma mais ou
menos explícita em alguns dos fragmentos sáficos.
Os séculos XX e XXI, por sua vez, sendo palcos da (re-)emergência, entre tantos outros
movimentos sociais, dos feminismos e dos movimentos gays e lésbicos, em especial a partir do
começo da década de 1970, deram lugar ao florescimento de uma série de críticas, cujos impactos
nas produções pertencentes ao âmbito das ciências humanas não seriam poucos. Um deles diz
repeito a uma reivindicação da escrita de narrativas que incluíssem os grupos historicamente
excluídos: mulheres, grupos racializados, segmentos sociais economicamente desfavorecidos,
outros formados por pessoas com identidades de gênero e sexualidades até então tidas como

9
BOEHRINGER, SANDRA; REBREYEND, ANNE-CLAIRE. Sappho. In: Louis-Georges Tin (dir.). Dictionnaire de
l’homophobie. Paris: PUF, 2003, p. 367.
10
Ver, entre outros: DEJEAN, JOAN. Fictions of Sappho, 1546-1937. Chicago & London: The University of Chicago
Press, 1989. DEMARCHI, Cristiane. Uma Safo à francesa: estudo das representações de Safo em imagens pictóricas da
França do século XIX. 2013. 365f. Tese (doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2013. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000906096. Acesso em: 26
mar. 2016.
11
P. Oxy. 1800.

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desviantes, e quiçá criminosas, entre outros. Nessa perspectiva, também os prismas adotados nos
estudos referentes a Safo puderam ganhar dimensões outras, nas quais as questões de gênero e do
homoerotismo expresso no feminino têm a possibilidade de serem ressaltadas sem hesitação, e isto,
por vezes, com objetivos abertamente políticos.
Isto posto, vale por fim ressaltar, que os impactos dessas abordagem estiveram, felizmente,
longe de se restringem aos espaços estritamente acadêmicos. Com efeito, encontramos inúmeros
ecos da onipresença de alusões à figura de Safo, seja no material produzido por mulheres que
militaram no MLF (Mouvement de Libération des Femmes), na França, no começo dos anos 197012,
como os encontramos hoje, no Brasil, de maneira bastante pulsante.
O nome da poeta de Lesbos pode ser encontrado nomeando coletivos de mulheres lésbicas –
como é o caso do grupo de percusionistas negras, lésbicas e bissexuais, chamado “Tambores de
Safo”, atuante desde 2010, no Ceará13 –; assim como evocado na terceira parte da letra da música
“Les Queens”, composta pela paulistana Luana Hansen, rapper feminista independente, negra,
lésbica. Uma busca no “Google”, seja pelo nome “Safo de Lesbos”, seja por “Ilha de Lesbos”, aliás,
não deixa dúvidas quanto a esta onipresença. E é justamente no esforço de confirmar ou infirmar e
comprender melhor este proeminente lugar que esta figura, embora tão antiga, parece ter entre os
grupos de mulheres militantes feministas, lésbicas e bissexuais, que me levou a investigar se Safo
de Lesbos, independente de ter ela mesma mantido relações homoeróticas, de fato representa uma
espécie de ícone lésbico.

Safo de Lesbos: ícone lésbico?: a enquete

Entre meados do mês de junho de 2016, fiz circular, em especial no grupo de e-mails das
participantes do 9º Seminário Nacional de Lésbicas e Mulheres Bissexuais – SENALESBI daquele
ano – o que só foi possível graças à preciosa coloboração das organizadoras do evento –, uma
pesquisa intitulada “Safo de Lesbos: ícone lésbico?”, elaborada por meio do Google formulários.

12
Ver o periódico: Le torchon brûle – editado entre maio de 1971 e junho de 1973, e cujos artigos inicialmente eram
publicados sem atribuição de autoria. A edição do ano de 1973 traz um artigo intitulado “Quelques remarques sur
l’homosexualité, qui finiront bien un jour par former un tout cohérent !”, no decorrer do qual a questão da lesbianidade
aparece designada como“Sappho l’faire”.
13
Suas atividades foram inicialmente vinculadas ao grupo militante LAMCE – Liberdade do Amor entre mulheres no
Ceará (2004). Para a apresentação de um breve histórico da criação e atuação desse grupo ver: OLIVEIRA, CLÁUDIA
FREITAS DE. O Movimento lésbico em Fortaleza – LAMCE: trajetória e ações de luta. Cadernos de História, Belo
Horizonte, v.16, n.24, 2015. p.83-102.

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Enquete que trazia um curto texto apresentando e justificando a pesquisa, sendo composto por doze
questões, dentre as quais sete eram de múltipla escolha e cinco abertas/dissertativas.
As quatro primeiras questões procuravam traçar um perfil das respondentes: “a qual faixa
etária você pertence? Em qual região do país você reside atualmente? Você milita em algum
grupo/coletivo lésbico e/ou feminista? Se você respondeu ‘sim’ à última questão, poderia informar
o nome do coletivo/grupo?” As oito questões restantes, por sua vez, diziam respeito precisamente
ao assunto da pesquisa: “você já ouviu falar e/ou leu algo sobre Safo e a Ilha de Lesbos? Se sua
resposta à pergunta anterior foi ‘sim’, por intermédio de qual suporte se deu esse contato? Você já
leu e/ou ouviu alguns dos poemas atribuídos a Safo? Você considera Safo de Lesbos como uma
figura histórica importante? Se você respondeu ‘sim’ ou ‘não’ à questão anterior, saberia dizer o por
quê? Existe uma distância de mais de 2.500 anos nos separando da sociedade da Ilha de Lesbos na
qual Safo teria vivido e composto os seus poemas. Levando-se isso em conta, você acha que, ainda
assim, é apropriado fazer uso de termos modernos tais como “lesbian(i)dade” ou
“homossexualidade” para se referir à poeta e à expressão homoerótica de seus poemas? Se você
respondeu ‘sim’ ou ‘não’ à questão anterior, saberia dizer o por quê? Como você imagina e
descreveria a sociedade de Lesbos e/ou o círculo de garotas no qual a atividade poética de Safo teve
lugar?” No intervalo de tempo de quase três meses (16/06/2016 - 07/09/2016)), 33 respostas foram
enviadas.

O perfil das respondentes

Tendo em vista que fiz circular a supracitada enquete em listas de grupos compostos por
mulheres lésbicas e bissexuais, identificados com pautas feministas, era de se esperar que grande
parte delas responderiam “sim” à terceira questão, ou seja, 65,6% delas (= 21 pessoas) se
identificaram como militantes. Os grupos citados foram diversos: Grupo Matizes, Grupo de
Convivência Borboletas, Coletivo Cores e Femenina (ES), Liga Brasileira de Lésbicas, Fórum de
Mulheres de Pernambuco, Fórum Enlesbi, Resiliência lésbica, Lésbitoca, Articulação Brasileira de
Lésbicas, Adelg, Grupo de mulheres lésbicas e bissexuais Maria Quitéria, Coletivo Violeta
Formiga, ANEL, Rosas de Luta, Rede Sapatá, COMLES, Mulheres & Democracia, Samba das
Mina, Acontece – Arte e Política LGBT/ABGLT, Marcha Mundial das Mulheres, Brejo, Bonde das
Sapas, Fórum de Lésbicas e Mulheres Bissexuais da Bahia, Coletivo Resistência Lesbi, LGBT do
PT.

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No que diz respeito à faixa etária, 21 responderam estarem na faixa entre 20 e 29 anos
(63,6%), 8 entre 30 e 39 anos (24,2%), 2 entre 40 e 49 anos, e outras 2 entre 50 e 59 anos. Quanto à
região de residência: 15 declararam residirem atualmente na região Nordeste; 14 na região Sudeste,
2 na região Norte do Brasil , 1 na região Sul e, por fim, com relação a uma dentre elas não foi
possível identificar a região.

Sobre Safo, seus poemas e a Ilha de Lesbos

Quanto à Safo e à Ilha de Lesbos, tratava-se, em primeiro lugar, de saber se, de fato, a poeta
e sua ilha eram, em alguma medida, familiares para as respondentes; para somente em seguida
procurar saber como esse conhecimento foi acessado. A partir daí, as questões iam no sentido de
tentar mensurar, não se elas tinham acesso a um conhecimento erudito, mas sim, se e em que
medida, elas identificavam Safo como uma figura importante para a construção de narrativas que
visam conferir à representatividade lésbica uma profundidade histórica.
Vale de antemão mencionar que apenas três (9,1%) dentre elas disseram jamais ter ouvido
falar ou lido algo sobre Safo e a Ilha de Lesbos. Dentre estas, duas ainda assim consideram ser
válido fazer uso de termos modernos tais como “lesbian(i)dade” ou “homossexualidade” para se
referir à poeta e à expressão homoerótica de seus poemas, sem contudo justificarem as suas
respostas.
As demais, isto é, as 30 outras respondentes, isto é, nada mais nada menos do que 90,9%,
não somente já ouviram falar e/ou leram algo sobre Safo e a Ilha de Lesbos, como 22 (66,7 %)
responderam já terem lido ou escutado alguns de seus poemas. Ademais, 27, ou seja, 81,8% dentre
elas, reconhecem Safo como uma figura histórica importante. Tal valor aparece sobretudo
justificado seja pela “reputação pessoal literária”, imputada a Safo “num meio hegemonicamente
masculino” e/ou pela raridade de uma figura histórica que “traz visibilidade para as lésbicas”, tal
como descreve uma das respondentes: “É a nossa referência histórica de feminista e lésbica.
Quebrou os paradigmas e nos deixou o legado da luta e organização através da educação e disputa
da política macro”. Mas, há também aquelas que atribuem esta importância não diretamente a Safo,
mas aos “variados usos que se fazem hoje do seu nome”.
Uma das respondentes, por sua vez, ao justifcar o porquê ela considera Safo como uma
figura histórica relevante, apresenta um breve e significativo relato pessoal: “Tive uma pequena
citação de SAFO no meu ensino médio, não lembro o motivo pelo qual o professor citou. Naquele

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momento me senti incluída, pois pensava que ser lésbica era algo novo, quando vi soube da história
da ilha e das mulheres que ali viviam, me senti normal.”
No que concerne à pertinência ou não do uso de termos modernos tais como
“lesbian(i)dade” ou “homossexualidade” para fazer referência à poeta e à expressão homoerótica de
seus poemas, apenas cinco (15,2%) consideram tal uso impertinente, seja: “Para evitar cofusões”,
ou ainda, “(...) porque incorre-se no risco de um anacronismo não associado aos escritos de Safo e
[a]o contexto histórico nos quais eles se apresentam”. A maior parte das respostas é favorável ao
uso (84,0%). Pois, como coloca uma das respondentes:
(...) em uma sociedade tão lesbofóbica não é importante reivindicar figuras femininas que
se relacionaram com outras mulheres, ainda que o termo não seja cientificamente exato?
Respondi “sim”, em consonância com a resposta anterior, sobre o caráter político de
reivindicar experiências lésbicas passadas, porque senão parece que nós não temos história,
que a lesbianidade é algo que foi inventado pelo movimento LGBT...

Apenas seis (18,2%) responderam não considerar Safo uma figura histórica importante.
Dentre estas, somente três justificam as suas respostas. Duas respondem, simplismente, “não
conheço”, já a terceira – embora não se identifique como militante, muito embora informe ter
ouvido falar de Safo em contexto de militância – diz não considerar Safo uma figura histórica
importante, justificando sua resposta de maneira contundente: “Porque eu sou preta”. Perpectiva
que será ainda uma vez reforçada na resposta que dá à questão que segue, referente à
(im)pertinência do uso de termos modernos tais como “lesbian(i)dade” ou “homossexualidade”:
“Porque não representa todas as lésbicas”; assim como na sua última resposta à última pergunta
(“Como você imagina e descreveria a sociedade de Lesbos e/ou o círculo de garotas no qual a
atividade poética de Safo teve lugar?”), a qual ela responde nos seguintes termos: “Um lugar de
exclusão do povo negro”. Posicionamento que, sem dúvida alguma merece atenção, seja por
representar, em nossa amostra, uma notável exceção, seja pela recusa e resistência em tomar a
chamada antiguidade clássica como referência paradigmática do passado do grupo com o qual ela se
identifica: “o povo negro”.
De fato, a maior parte deixa poucas dúvidas quanto ao fato de que Safo tornou-se uma
espécie de “ícone lésbico”. Ademais, como evidenciam as respostas dadas à última questão, há uma
relação sobretudo positiva com relação à sociedade da Ilha de Lesbos contemporânea a Safo. As
ideias de prazer, liberdade, amor, respeito e reciprocidade são predominantes nas 23 respostas
dadas. Com efeito, como declara sem hesitar uma das respondentes: “Eu imagino como a ilha da
sapatice sem freios :)”, ou ainda outra, embora mais hesitante : “O paraíso na Terra?! Imagino o
círculo de mulheres como um espaço no qual artistas compartilham leituras, afetos e gozos, mas

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com certeza é uma invenção... Tenho dificuldade em montar uma imagem mais específica. Sobre
Lesbos, imagino como algo mais próximo à outra cidade da antiguidade do que um lugar onde só
vivem lésbicas.”

Referências

BOEHRINGER, SANDRA. L’Homosexualité féminine dans l’Antiquité grecque et romaine. Paris,


Les Belles Lettres, 2007.

BOEHRINGER, SANDRA; REBREYEND, ANNE-CLAIRE. Sappho. In: Louis-Georges Tin


(dir.). Dictionnaire de l’homophobie. Paris: PUF, 2003. p.367-368.

DEJEAN, JOAN. Fictions of Sappho, 1546-1937. Chicago & London: The University of Chicago
Press, 1989.

DEMARCHI, Cristiane. Uma Safo à francesa: estudo das representações de Safo em imagens
pictóricas da França do século XIX. 2013. 365f. Tese (doutorado) – Faculdade de Educação,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013. Disponível em:
http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000906096. Acesso: 26 mar. 2016.

OLIVEIRA, CLÁUDIA FREITAS DE. O Movimento lésbico em Fortaleza – LAMCE: trajetória e


ações de luta. Cadernos de História, Belo Horizonte, v.16, n.24, 2015. p.83-102.

Sappho from Lesbos: a lesbian icon?

Astract: The purpose of this paper is to present an initial analysis of a survey of opinion of groups
composed of lesbians and/or feminists, between June and September 2016, in order to understand
how they relate or even if they do to the figure of the poet Sappho from Lesbos (6-7 BCE) and her
fragments.
Keywords: Sappho from Lesbos. Past uses. Lesbianity.

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