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J. J.

Gremmelmaier

Carros e
Lágrimas

Primeira Edição

Curitiba
Edição do Autor
2016

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Autor; J. J. Gremmelmaier Earth 630, Fim de Expediente, Marés de
Edição do Autor Sal, e livros como Anacrônicos, Ciguapa,
Primeira Edição Magog, João Ninguém, Dlats e Olhos de
2016 Melissa, entre tantas aventuras por ele
criadas.
Carros e Lágrimas
Ele cria historias que começam
------------------------------------------ aparentemente normais, tentando
CIP – Brasil – Catalogado na Fonte narrativas diferentes, cria seus mundos
------------------------------------------ imaginários, e muitas vezes vai
Gremmelmaier, João Jose interligando historias aparentemente
Carros e Lágrimas, sem ligação nenhuma, então existem
Romance de Ficção, 96 pg./ João historias únicas, com começo meio e
Jose Gremmelmaier / Curitiba, PR. fim, e existe um universo de historias
/ Edição do Autor / 2016 que se encaixam, formando o universo
1 - Literatura Brasileira – de personagens de J.J.Gremmelmaier.
Romance – I – Titulo Um autor a ser lido com calma,
----------------------------------------- a mesma que ele escreve, rapidamente,
85 – 62418 CDD – 978.426 bem vindos as aventuras de
J.J.Gremmelmaier.
As opiniões contidas neste livro
são dos personagens e não
obrigatoriamente assemelham-se as
opiniões do autor, esta é uma obra de
ficção, sendo quase todos ou quase
todos os nomes e fatos fictícios.
©Todos os direitos reservados a
J.J.Gremmelmaier
É vedada a reprodução total ou
parcial desta obra sem autorização do Carros e Lágrimas
autor. Crises de criatividade criam
Sobre o Autor; historias como esta, vamos a ruas
João Jose Gremmelmaier, de Curitiba, vamos invadir outras
nasceu em Curitiba, estado do Paraná, historias, vamos nos divertir nas
no Brasil, formação em Economia, ruas de Curitiba.
empresário por mais de 15 anos, teve
de confecção de roupas, empresa de Agradeço aos amigos e
estamparia, empresa de venda de colegas que sempre me deram força a
equipamentos de informática, continuar a escrever, mesmo sem ser
trabalhou em um banco estatal. aquele escritor, mas como sempre me
J.J Gremmelmaier escreve em repito, escrevo para me divertir, e se
suas horas de folga, alguns jogam, conseguir lhes levar juntos nesta
outros viajam, ele faz tudo isto, a frente aventura, já é uma vitória.
de seu computador, viajando em
historias, e nos levando a viajar juntos. Ao terminar de ler este livro,
Ele sempre destaca que escreve para se empreste a um amigo se gostou, a um
divertir, não para ser um acadêmico. inimigo se não gostou, mas não o
Autor de Obras como a série deixe parado, pois livros foram feitos
Fanes, Guerra e Paz, Mundo de Peter, para correrem de mão em mão.
Trissomia, Crônicas de Gerson Travesso, J.J.Gremmelmaier

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J.J.Gremmelmaier

Carros e
Lágrimas

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Este conto rápido sobre Augusto Machado, é
um conto antigo, as vezes escrevo por vicio, ele
estava sem todos os componentes e na gaveta a
muito tempo, mas em 2016 ele desentocou,
com outros pequenos contos do mesmo ano.
Vamos as ruas de Curitiba, correr por elas, no
fim alterei alguns nomes, pois teria problemas
pessoais por cita-los, a historia é fictícia, bem
fictícia, mas que você consegue ainda em 2016
viver a mesma as ruas de Curitiba, o autódromo
ainda está lá, mesmo que já vendido para virar
um condomínio, talvez uma ultima chance de o
deixar nas minhas historias.
Sim, corri por aquele autódromo, poucos
viram, mas é que nem tudo é contado na minha
historia, o dia que corri lá, foi o dia que
descobri que não servia para correr.

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Estamos numa Curitiba em crescimento, os anos 80 vieram
com as canaletas de expressos e com as vias rápidas, tentando ligar
o centro aos bairros, naqueles anos, somente parte das avenidas
eram de sentido único, avenidas que hoje, apresentam um único
sentido, como Av. Getúlio Vargas, Av. Iguaçu, Av. Erasto Gaertner,
entre tantas outras, a cidade se apresenta como a capital do país
que mais cresce, e estamos em meio ao fim do regime militar, a
historia do planeta esta no meio da guerra fria, com tensões entre
as duas maiores potencias, e nosso país, começa a experimentar o
surgir dos primeiros sindicatos trabalhistas.
Estamos em uma cidade diferente da que vejo aos olhos,
menor, mais família, talvez isto que tenhamos perdido muito entre
hoje e há 30 anos, a família, sempre digo que as vezes ouço que o
passado foi bom, mas sei que não foi tão bom assim, pois lembro
dos amigos que perdi.
Vou ter de me apresentar, sim, sou um rapaz, indo da infância
a parte adulta, nasci em um mundo que não existiam adolescentes,
você ia da fralda ao trabalho, em um mundo cheio de contradições,
minha nação é uma contradição.
Caminhar as ruas é ver as obras das canaletas se esticando,
neste instante chegando ao boqueirão, estou apenas conduzindo
minha mãe a novena do Carmo, então não é a parte mais rápida dos
meus dias.

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Sim, a cidade parece ter se esticado para cá, vejo eles tirando
o muro do quartel e começando a isolar a região, dizem que vão
ampliar a rua até o terminal lá na frente do Boqueirão.
Olho a igreja, minha mãe sempre vinha as novenas, moramos
pouco a frente, na Vila Hauer.
Minha mãe sempre foi religiosa, muito normal na década de
oitenta, as pessoas iam a igreja na Quarta e Domingo, nos terreiros
de Benzedeiras nas Quintas.
Olho para Silvio, minha mãe estava na terceira fila da igreja,
eu saio e pergunto para ele.
— O que vai fazer na Sexta Silvio?
— Soube do Roberto?
— Soube, estávamos indo ao centro de madrugada, pela
Itupava, quando saímos dela entrando na descida para o Circulo
Militar, ele se perdeu, acho que aquele paralelepípedo estava
húmido, mas foi uma perda grande.
— A Regina parece inconformada, tem falado mal de você.
— Eu corro por diversão, como o irmão dela, não tenho culpa
do Opalão ter saído do chão e ter quebrado o eixo na queda nos
paralelepípedos, o resto foi consequência da descida, mas não
estava só eu lá.
— Mas ela está falando em dizer para a policia que você era
um dos que estava lá.
— Lá vem confusão.
Olhei a igreja cheia, não teria o que fazer, se falassem algo,
iriam lá em casa, meu pai nunca foi do grupo destes do governo, ele
sempre dizia que eles tomaram o poder e todas as suas chances de
ser alguém, mas talvez não entendesse tanto de motor de carro se
ele tivesse conseguido se formar, ele conta que passou na faculdade
de engenharia, quando do Golpe Militar, que alguns chamam de
Intervenção Militar, talvez quem não a viveu ache isto, quem a
viveu, não acha que foi apenas intervenção, mas o curso de
Engenharia Noturno, único horário que meu pai tinha para estudar,
foi cancelado, toda a linha de engenharia noturna foi tirada da
Universidade Federal, o que o revolta ainda.

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Não tinha como ligar para casa, olho o orelhão, lembro que o
pai não atendia o telefone, ele não gostava dos telefones, dizia que
as noticias ruins chegavam por ali.
A missa terminou e com a calma que sempre tinha, minha
mãe olha para a área de velas, acende algumas, ela vem para meu
lado depois de ajoelhar e fazer o sinal da cruz olhando o altar da
Igreja, com calma de uma bagunça a porta da igreja entramos no TL
do pai e vamos para casa, teria de manter a calma, mesmo sem
saber o que aconteceria.
A chegada foi vendo os carros a rua, minha mãe perguntou
com aquela cara de quem não gostava disto.
— O que aconteceu?
— Parece que Roberto morreu em um acidente ontem a
noite, como eu estava com ele, eles vão pressionar.
— Tem de parar com isto filho, temo por ti.
— Sei disto mãe.
Paro o carro e meu pai me olha, o policial chega a mim e
pergunta.
— Augusto Machado?
— Eu.
— Nos acompanha para uns esclarecimentos.
Sabia que iria apanhar, sabia que não teriam esclarecimentos,
mas já passara por isto, faço que sim, meu pai protestou e apenas
falei.
— Calma pai, não fiz nada demais ontem, eles devem ter
olhado o carro, não bati em ninguém.
— Se cuida filho.
Lá fui eu para a Delegacia Central, os policiais pareciam sorrir
quando viram que eu não resisti.

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O chegar em casa a pé, 3 dias depois, com marcas nos braços
e pernas, com um dedo da mão bem inchado, me faziam apenas ter
ódio de minha condição, sabia que alguns como Roberto, que era
filho de empresário, nunca foi a delegacia, mesmo quando o
pegaram dentro do carro a dois meses, com a namorada morta no
banco dos passageiro, ela estava sem sinto e no capotar do veiculo
ela bateu com a cabeça no vidro central.
Este era um mundo onde todos os meus amigos, e os que
corriam, o mais velho não tinha 26, diziam que quem passava disto,
não corria mais, mas não lembro de ninguém vivo depois disto.
Porque corro? Adrenalina, testar o motor, ver o que minha
mente é capaz de fazer e melhorar a cada corrida.
Minha mãe não falou nada, ela apenas me indicou o
banheiro, depois ela fez uma compressa, não era algo bom, mas
estava doido, esta semana não correria.
Meu pai sentou-se a mesa, ele raramente conversava, era
sempre lamurias, então raramente ele o fazia quando estava em
casa, geralmente conversávamos com eu abaixo do motor, ou
dentro do capo de algum carro a concertar.
— Tem de se cuidar filho, tem gente sumindo.
— Eles vem aqui pai, pois o resto tem dinheiro, eles não
tinham nada, senão até me enquadravam, mas é tratamento
diferente a quem tem advogado e dinheiro.
— O que aconteceu?

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— Roberto Senff se perdeu na descida do Circulo, soube por
Silvio, ele parece ter quebrado um dos amortecedores no saltar
entre a Itupava e a Conselheiro Araújo, o Opala Comodoro perdeu o
comando e saiu a capotar, não sei a velocidade, mas ele entrou em
um muro a esquerda capotando, o muro destruiu o carro e ele não
resistiu, como o senhor Senff deve ter pressionado, vieram sobre
nós.
— E não reclamou?
— Pai, eles querem mostrar serviço, eles sabem que aqui não
tem carro para competir com aqueles que os riquinhos do centro
fazem, mas precisam mostrar serviço.
— Passou por ele capotando?
— Nem vi capotar pai, não vi o que aconteceu.
— Mas tem de se cuidar, odeio esta policia, eles podem tudo
agora, nós nem podemos reclamar que vamos presos, tem de se
cuidar filho.
— Vou me cuidar pai.
Minha mãe fez uma atadura, e com calma ela colocou o dedo
que o delegado me fez por na gaveta, no lugar, doeu, mas sabia que
agora iria desinchar.
Mesmo com dor, tentei ajudar o pai, teria de não pensar no
problema, e por duas semanas não fui a rua com o carro, via que a
policia estava ao longe olhando.
Eles queriam me pegar ou queriam o Mercedes alterado, era
lata velha quando o peguei a 2 anos, primeiro fiz a lataria, vantagem
de algo pesado que dificilmente sai do chão, pesado para acelerar,
mas uma vez acelerado, difícil de parar.
Naquelas duas semanas, me dediquei a um Dodge Magenta,
tinha feito a lataria e ainda estava com um motor fraco, mas estava
brilhando, quando preguei prego a prego o novo couro dos bancos,
e refiz toda a fiação do radio e painel, pareceu ganhar vida
novamente.
Eu sempre amei carros, aprendi a fazer o que faço com meu
pai, sei que gosto de destruir alguns, mas sabia que este era um
chamariz, a polícia queria me ver a rua.

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Meu pai olha o carro e fala.
— Ficou bonito, está cada dia melhor filho, tem de se dedicar
a algo que lhe leve ao futuro, não carros para correr.
— As vezes temo minhas pretensões pai, mas estou querendo
vender este, mas quem vai me comprar ele, vai colocar um motor
adulterado, então dá pena de vender, caprichei e vai acabar num
muro.
— Pelo jeito estes seus amigos são todos irresponsáveis.
— Pai, eu tenho de juntar dinheiro, mas este eu sei que assim
que chegar a esquina, a polícia vai me parar, vai pedir para olhar o
motor, então tem de estar bem arrumado, nem que seja apenas
para eles olharem e não entenderem.
— Não entendi ainda o que tem feito, mas se cuida filho.
Abracei meu pai e falei.
— Tenho de me cuidar pai, sei disto.
Mas por mais uma semana, não sai com o carro, ajeitei o
carro, mas o despachante amigo do pai, não havia trazido os
documentos, então me dediquei a minha terceira preciosidade, eu
comprava no ferro velho pedaços de carros com carroceria bem
conservada, e transformava no que conseguia, Cadillac, Coupe de
Ville, verde metálico, o que mais me fez gostar deste carro, é
porque sou Coxa Branca, e um carro verde me pareceu uma forma
de não deixar isto na duvida, mas o estofamento dele estava
detonado, tive um trabalhão para conseguir uma imagem em uma
revista Americana, de como era ele por dentro, pois este modelo é
Americano, ano 1954, o motor natural deste carro me fez pensar no
que coloquei no que corro, um motor 8 cilindros em V, conversível,
algo que deve ter sido lindo quando novo, agora, estou tentando o
trazer a vida, mas não deixava de ser lindo.
Sei que eu queria correr, minhas costas ainda reclamavam da
dor na mesma, mas era algo que me fazia feliz.
Quando saio com aquele Dodge a rua, a primeira coisa que
fizeram foi dois carros da policia me podarem e fazerem sinal para
parar, sorri, encostei e o rapaz pediu os documentos, olha os

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mesmos, olha para o capo e pede para abrir, talvez o abrir e ver um
motor antigo, com as peças originais não era o que ele queria.
— Indo onde com este veiculo?
— Este estou dando uma volta para confirmar se o motor
esta bom, é uma encomenda de um cliente do meu pai.
— Encomenda?
— Sim, carros conservados e antigos, sempre foram
apreciados por pessoas de dinheiro da cidade senhor.
Os rapazes olham o carro inteiro, tentando achar algo errado,
mas era obvio que não poderia sair de casa com algo para correr,
mas isto era um detalhe, nunca sai mesmo.
Peguei a Marechal Floriano, passei a 116, olhei o viaduto em
construção, fazia parte do levar uma linha mais rápida ao sul da
cidade, com calma passo ao lado das distribuidoras de gás e vou
andando ao centro.
Quando olho pelo retrovisor, olho os policiais bem ao fundo.
Chego ao centro, calmamente, olho o estacionamento
inclinado no começo da Marechal Deodoro, não tinha ideia de que a
mesma ia muito mais a Leste, para mim ali era o fim da mesma.
Saio do carro após por uma trava de volante, e caminho até a
Santos Andrade.
Olho para o grupo parado a lanchonete, ao lado da
Universidade, Pereira me olha e fala.
— Veio, pensei que não corria mais?
— A policia está me seguindo, então não estou querendo
complicar ninguém.
— Aprontou algo? – Carlinhos.
— Alguém disse que fui responsável pelo acidente de
Roberto, e a policia após ser gentil, está sempre a porta da minha
casa.
— E não vai correr? – Silvio.
— Ainda não sei, mas estacionei na Marechal abaixo o que
encomendou.
Silvio sorriu, os demais não sabiam o que era, mas obvio que
Silvio gostava de clássicos, antigos, e se tinha um parado na rua de

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baixo, um grupo saiu da lanchonete onde estavam tomando uma
cerveja e desceram para a Marechal, Silvio olha aquele Dodge,
alcanço a chave e o mesmo abre a porta, olha o acabamento e sorri.
— Disto que falo pessoal, um clássico, com cheiro de novo,
mesmo com 30 anos.
Os demais começam a olhar os detalhes e Silvio liga o motor e
fala.
— Não o envenenou ainda?
— Se tivesse envenenado estaria retido Silvio, como disse,
eles estão de olho em mim.
— Certo, mas vai fazer isto para mim?
— Uma pena estragar um clássico, mas terei de mexer em sua
garagem, lá em casa não está fácil.
A policia nos olhava ao longe, mas ninguém mexia com Silvio,
dizem por ai que o pai dele é desembargador, não sei o que faz um,
mas ele sempre se dava bem, e morava ali a frente, no Hugo Lange.
Eu recebi o dinheiro, como estava no centro, aproveitei e
coloquei na poupança do Bamerindus, onde eu depositava minhas
economias.
Silvio me deu carona até em casa, ele entrou e olhou o
Cadillac e falou.
— E este ai?
— Este ainda não tenho peças para andar, mas com certeza
este vai ser outra relíquia que vai sair desta garagem.
Silvio se mandou e meu pai chega a mim e pergunta.
— Ele pagou certo?
Mostrei para ele o deposito na minha poupança e ele sorriu.
— As vezes esqueço que você pensa no futuro, mas como
está os estudos?
— Tenho de conseguir voltar a estudar, terminar o Cientifico
pai, e fazer uma faculdade, mas nunca me dei com cálculos como o
senhor, sei que sempre me explicou, mas acho que minha cabeça
não serve para isto.
— Sei que consegue ajeitar um motor no ouvido filho, mas
nem sempre se ouvira um motor.

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Lembro desta frase até os dias de hoje.
Mas sabia que agora teria como comprar algumas peças, que
queria e uma carcaça de veiculo a mais, eu nunca investia mais do
que 30% do que ganhava na venda de um veiculo em outro, sempre
tentava entender como eles montaram as peças, pois nunca
acreditei que a força fosse a resposta para tudo, sabia que um
amortecedor bem ajeitado com uma mola sempre nova, me
garantia mais estabilidade, mais certeza que iria chegar vivo,
mesmo que em segundo, às vezes.
Aquela semana não achei nada para comprar, então o
dinheiro ficou na poupança, hoje gargalho quando lembro do slogan
daquela poupança, mas é que olhar ao passado é gargalhar, mesmo
que de minhas tragédias.

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Na sexta, ainda dolorido, olho para a rua e a policia ainda
estava lá, pego a TL emprestada da mãe e vou ao centro, as vezes
temos de desentocar, eu não me preocupava em perder um ano de
estudos, mas perder as festas, ai era outra coisa.
Era dia de corrida e não tinha como tirar meu carro da
garagem, pois a policia estava me seguindo, quando parei ao lado
da concentração no Inicio de Santa Felicidade, no restaurante Jatão,
eu vi a policia e falei com Guedes, ele que cuidava das corridas.
— Eu não vou correr hoje Guedes.
— Vai amarelar?
— Não é isto, o Roberto se perde na descida e estou com
sempre duas viaturas as costas, se eu correr, eles vão ver os demais,
então recomendo um lugar que eu não esteja por perto.
O rapaz olha para a esquina ao longe e fala.
— As vezes ganhar nos custa amigo.
— Sei disto, abrindo o jogo, sei que se pegar o carro, eles
acabam com a festa na hora, eles estão a fim de me pagar.
— E vai aceitar?
— Não sei, mas vou tomar uma cerveja e ficar a olhar as
meninas, precisando de cobertura, fala.
— Certo, vou falar para o pessoal se reunir no Parque, sabe
que vai perder uma boa grana hoje.
— Melhor do que todos perderem os carros hoje.
Guedes sempre teve costa quente, mas sabia que o caso de
Roberto estava fervendo ainda, a noite era de corrida na 376 no

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sentido de São Luiz, a estrada tinha poucos trechos duplicados na
época, e na serra era sempre cheia de caminhões em pista única,
coisa para os bons.
Tive uma vontade grande de correr, mas vi que Gudes foi
falando com os rapazes e eles passaram provocando, falando que
havia amarelado, na verdade gostava de correr, mas sabia minhas
limitações, não ter costa quente era uma, e ter apanhado da policia,
neste momento ainda me doía as costas, e qualquer dor errada em
uma manobra na serra, pode ser fatal.
Sorri, sentei numa mesa e o senhor Elmo me cumprimenta e
fala.
— Bebendo sozinho Guto?
— Doido ainda, mas pelo jeito está calmo hoje.
— Daqui a pouco anima, mas vê se não exagera. – Ele
apontando a cerveja, ele sabia que eu era fraco para bebidas, talvez
um fraco, mas isto me fazia beber pouco.
Elmo é uma lenda na cidade, o Garçom Artista, meu pai fala
que ele tinha um bar ao centro chamado Sete Belo, quando ele teve
a ideia de montar o Jatão, o chamaram de maluco, agora ninguém
consegue entrar em Santa Felicidade sem falar do Restaurante dele,
na forma de um Jato na entrada de Santa Felicidade.
Pedi algo para comer e uma cerveja a mais, não tinha muita
grana e as vezes, não se tem muito o que gastar, se fosse apostar
alto na corrida, teria sacado dinheiro, mas ali, é adrenalina e muito
dinheiro quando se ganha, pensa que vinte neguinho apostam perto
de mil, quem ganhar leva os 20.
Como eu construo carro, sei que preciso de duas vitorias para
construir um bom carro, a maioria tem dinheiro dos pais, acho as
vezes que estou no lugar errado.
Estava a olhar para a garrafa, olhando e pensando em sair dali
quando ouço alguém a frente, vi as mãos segurando a cadeira e tive
de olhar, acho que duas cervejas sozinho já estava me deixando
bem confuso.
Regina, não precisava de mais nada para aquela noite.
— Não vai responder?

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— Desculpa, estava distraído.
— Você matou meu irmão, e ainda vem se fazer por aqui,
você deveria ficar com os seus, um pobre metido a corredor, as
vezes deveriam proibir vocês de entrarem em certos lugares.
Para vocês pode parecer um discurso pesado, mas já ouvi
coisas bem piores, eu mecho com graxa, sei que meus dedos nunca
serão limpos como os dos demais, eu trabalho, então não tenho
como ter tempo para me produzir para vir a uma noitada, mas eu
não considerava por este lado.
— Sei que este lugar não é meu moça, mas não matei seu
irmão, e sabe disto, mas como tem de culpar alguém, deve ter
jogado sobre mim, sei pois apanhei desta policia incrível da cidade,
mas o que é bater em um pobre, não é?
— Não fizeram um bom trabalho, já está andando.
— Verdade, paga mais da próxima vez, estava
economizando?
A moça olha em volta, uma coisa era me chamar de sujo,
sabia que era, mas nunca matei ninguém, fiz sinal para o garçom e
pedi a conta.
— Vai fugir?
— Como disse, eles deveriam proibir pobres de entrar aqui,
deixa eu tirar meu corpo imundo de seu mundo.
Me calei, ela estava me olhando, mas eu olhava para o balcão
esperando a conta, paguei a mesma e ela ainda estava ali.
— Se vai correr vai perder hoje.
— Eu não vou correr hoje, em respeito aos demais, mas um
dia eu volto a correr.
Me levantei e sai, acho que a adrenalina me colocou no rumo,
mas estava alcoolizado.
A policia ao fundo apenas me observava, a moça pareceu vir a
porta, pois um agito se fez as minhas costas, caminhei até a parte
dos restaurantes, deixando ali o carro da minha mãe, teria de andar,
e a policia me olhando, não era uma boa coisa a fazer, não estava
sóbrio.

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Talvez a moça tenha pensado que iria pegar um ônibus, seria
cômico tentar chegar a Vila Hauer de ônibus a noite, já o fiz um dia,
quando bati meu carro, e não tinha o que fazer antes de
amanhecer.
Mais a frente, vi o agito de outro bar, e lá vi Cezar, ele tem
uma casa no mesmo lugar, a mais de 30 anos, era dos pais, hoje é
dele, um local para festas e recepções grandes, mas assim como ele
tem a casa a frente, montou um barzinho para motoqueiros bem
em frente.
Ele me olha andando desajeitado e fala.
— Guto já alcoolizado, o que aconteceu?
— Deveria estar correndo, mas hoje estou passeando em
Santa.
— O que houve, bateu o carro?
— Problemas por causa do Roberto, ainda aquilo, ganha-se a
corrida e alguém que nem estava lá lhe acusa de ter matado o
irmãozinho dela, 3 dias de detenção, de agrados na cadeia, dai
ainda tem dois carros me seguindo onde vou.
Cezar olha os policias ao fundo, ali eles não chegariam e fala.
— E resolveu beber sozinho?
— Cezar, as vezes as pessoas falam coisas, e não pesa, hoje
tudo esta pesando, e já sai do Jatão para não discutir com a Regina,
que estava gritando lá, que não era lugar para pobre.
— E vai tomar algo?
— Uma cerveja, se estiver bem bêbado quem sabe esqueça
das dores nas costas?
— Dores nas costas, o que ouve.
— Carinho por 3 dias na cadeia.
— Teve algo com a batida?
— Nem vi, devo ter passado pelo ponto uns 7 minutos antes,
para uma corrida de rua, é quase uma eternidade.
— Ele era muito seu amigo.
— Roberto era gente de bem, mas ele nunca olhava a
segurança, eu pensei que ele pararia para pensar depois da morte
da namorada, mas continuou cada vez mais maluco.

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Uma cerveja a mais, mas agora conversando, parecia que ela
descia melhor, sabia que teria de pegar o carro e ir para casa, mas a
TL da mãe ia quase sozinha para casa, sabia o caminho melhor que
eu.
— E vai ter corrida hoje?
— Sim, mas como a policia está sobre mim, se fosse ao local,
estaria cheio de policia lá.
— Ou não, o pessoal tem costas largas.
— Cezar, o problema é que eu, você, a irmã, sabem que o
desembargador dava dinheiro para ele montar os carros, para ele
apostar, para ele tocar o horror, agora o mesmo senhor, quer achar
um culpado, eu é o mais fácil, sem costas quentes, sem pai famoso,
e o vencedor da corrida, mas a policia para mostrar serviço pode
pegar no pé do Tião, do Marquinhos, do Caio, do Paulinho, do
Serginho, pois são pessoas que correm por adrenalina, apostam
querendo um dia ganhar.
— Entendi, poupando quem nunca lhe pouparia?
— Na verdade, a dor nas costas está terrível, e fazer a serra
de São Luiz com as costas doendo a 150 quilômetros por hora, é
loucura.
— Tudo jogando contra, mas pelo jeito não levou o que a
Regina falou a serio?
— Na verdade eu sei meu lugar, mas ai vem a pergunta, eles
sabem o deles, pois eu estou em uma corrida de automóvel, que eu
montei o motor, a suspensão, as molas, o sinto de segurança, eu
tirei peso da parte frontal e joguei para traseira, para equilibrar o
carro, então a pergunta, sou eu que estou no lugar errado?
— Dizem que você regula um carro como poucos, mas não
sou de correr.
— Na verdade, eu restauro carros, deve ter visto o Dodge que
o Silvio está desfilando por ai.
— Sim, você que restaurou, não sabia deste seu lado
detalhista, pena que ele rebaixou o carro e mudou o motor.
— Sim, mas se ele estiver de sinto, que está lá, aquele carro
capota e ele sai inteiro do carro.

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— Certo, quer dizer que você não descuida da segurança.
— Corrida de rua não tem segurança suficiente, mas a batida
que o Roberto fez, se eu tivesse feito o Comodoro que ele estava,
teria colocado um sinto mais forte.
— Algo que não muda a desempenho do veiculo, mas muda a
segurança, seria isto?
— Sim, mas agora estou me dedicando a um clássico, estou
restaurando um Cadillak 54, acho que vou me dedicar um pouco aos
negócios, quem sabe me acalme até as costas melhorarem.
— Fazendo força para não correr.
— Para ganhar um dinheiro.
— Nunca fui na sua oficina, fica onde?
— Vila Hauer.
— Longe, mas me passa o endereço, sabe que um clássico
sempre me agrada, nem que para pegar as garotas.
— Nem que para isto.
Olhei Marcia, chega a mesa e me olhar estranho.
— Perdido por aqui, pensei que estaria na corrida.
— Me recuperando para correr, mas e você não deveria estar
por lá?
— Não gosto destas estradas, sempre se perde alguém, sei
que o Guedes adora, pois é mais difícil de ter problemas com a
policia.
— A estrada é boa, mas sexta está cheia de caminhões vindo,
sei que um caminhão carregado de soja não para se nos ver pela
frente, ele não tem como parar. – Falei olhando para Cezar.
— Vocês são malucos, é como estes fissurados por
motocicletas, eu não viajaria em uma, eles fazem com uma
facilidade que nem de carro consigo.
Marcia pede um copo e me olha.
— Mas serio que bateu no carro do Roberto.
— Se eu bati no Roberto devo ter chego em 12º lugar, pois
ele estava em 13º quando bateu.
— Mas falam que você e ele se desentenderam na saída.

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— Sempre dizia para ele parar, para ele não beber tanto, para
ele cuidar da segurança, sim, eu era o chato que ele vivia chamando
de pobre metido, mas era um bom amigo.
— Não foi ao enterro, todos repararam.
— Fui preso, ele foi enterrado e eu estava apanhando por ter
batido no carro dele, não quero falar nisto.
Cezar me olhou, não sei o que pensou e falou.
— Pelo jeito todos acreditaram que você fez mesmo.
— Por isto tenho de acalmar, eu só corro, não tenho pai
empresário, desembargador, juiz, delegado, politico, sempre sobra
para quem não tem costas quentes.
Marcia ainda me olhava estranho, ela parecia ter certeza que
fiz, isto me machucava mais, eu não era um cara de sair brigando,
mas adorava pisar no acelerador.
— Acha que vamos acreditar?
Olhei para Cezar, olhei para o garçom, pedi a conta e me
levantei.
— Não, para que duvidar de uma certeza, o pobre fedido é o
culpado mesmo.
Paguei para o garçom antes mesmo dele trazer a conta, me
despedi de Cezar e sai pela porta, acho que não seria minha noite
aquela, estava bêbado, agora nem tanto, mas por dentro estava em
pedaços.
Caminhei novamente no sentido do Jatão, peguei o TL de
minha mãe e fui para casa.

20
Sabe quando tudo se volta contra você, estava eu acordando
no sábado, minha mãe discutia com alguém a sala, eu acordo com
sono e vejo os policiais a sala e um me apontar a arma.
— Nem tenta correr.
— O que fiz agora?
O policial me encostou na parede, me algemou, eu não tinha
nem corrido, não sabia o que estava acontecendo, e estava
novamente sendo colocado no carro da policia, as vezes queria
entender o que estava acontecendo, ninguém me falou nada até
chegar a frente do Delegado que me faz perguntas normais, que
respondi normalmente.
Como iria saber que Silvio, com o carro que vendera para ele
a poucos dias, entrou numa curva sem olhar e um caminhão passou
sobre o veiculo, como iria saber que tudo que eles queriam era um
culpado, e novamente era mais fácil me culpar.
Fui a cela, outros me viram lá de novo, talvez minhas mãos e
braços de trabalhador, sempre os deixava longe, mas era obvio,
entrei pelo cano e apanharia de novo, não sabia nem como me
defender.
As vezes é difícil acreditar, tinha dois amigos nas corridas,
este mês perdi dois, os demais eram colegas, mas não amigos,
Roberto estava afastado desde a morte da namorada, e eu não
tinha ajeitado o motor de Silvio, ele sabia que não o faria aquela
semana, pois a policia estava de olho em mim, mas todos viram que
fui eu que vendi o carro para ele.

21
O que é mais fácil, bater no trabalhador e o fazer confessar
ou procurar os devidos culpados.
Uma coisa eu soube, Guedes estava jogando para cima de
mim, não teria como Marcia achar que tinha batido em Roberto,
estávamos muito longe um do outro, e novamente ele não deve ter
aparecido nem para dar o socorro.
Perder pessoas é ruim, já vi muitos morrerem, mas
normalmente não um por corrida, as vezes dois mortos ao ano, não
um por corrida.
Meus pensamentos estavam longe quando me levam a
salinha de confissão, e me fazem agrados, eu não confessei nada, o
que era minha parte, afirmei, o que eles queriam que falasse, eles
mesmo tinham provas que não estava lá.
Eu não dei testemunhas, pois não gostava de dever favores,
melhor apanhar da vida do que dever favor a gente que tem muito
mais que nós, eles nos esfolam mais que a policia.
3 dias e novamente fui colocado para correr, não estava bom
da primeira ida a delegacia e já estava quebrado pela segunda.
Chego em casa e minha mãe me descasca, e pior, eu não
tinha culpa daquela vez, eu não corri, eu não fiz, e mesmo assim,
eles estavam sobre mim.
Foram quase dois meses sem parecer nas corridas, se eles
queriam me ferrar, eu me considerava fora.
Estava com o Cadillac pronto a 6 dias, sem ninguém para
comprar, eu saíra da roda de gente com dinheiro, e o acidente com
o Dodge não foi uma boa propaganda.
Estava eu em baixo de uma Variant Dois, quando ouvi meu
pai falar.
— Tem um rapaz querendo lhe falar Guto.
Sai de baixo de vi Cezar, as mãos estavam cheias de graxa e
sorri.
— Perdido na periferia?
— Me falaram de um veiculo especial a venda, não sei se
ainda vai vender o Cadillac.

22
— Se quer dar uma olhada, meu pai começa a lhe mostrar,
vou limpar as mãos.
Me abaixei, terminei de apertar o parafuso do cárter e dai fui
lavar a mão.
Cheguei ao carro colocando uma camiseta manchada mais
limpa e olhei Cezar no volante do mesmo, ele olha para meu pai e
pergunta o preço, os dois acertam e ele me olha.
— Sumido, pelo jeito vai sair mesmo das competições
noturnas.
— Eu longe eles não tem como me culpar.
— Paulinho se deu mal no fim de semana, começam a olhar
em volta, no lugar de para você Guto.
— Eu nem corri na que Silvio se enfiou embaixo de um
caminhão, e fui o culpado.
— Soube que estão tentando achar um outro culpado, mas
vai vender mesmo?
— Se não for correr com ele, pois vi no ferro velho o estrago
do Dodge, não sobrou nada do meu trabalho naquilo.
— Sabe que estes acabamentos cromados com esta cor verde
metálica ficou muito lindo.
— Cuidando é um carro para durar 100 anos, mas as pessoas
querem sair correndo por ai.
— Posso dar uma volta com ele?
— Meu pai vai junto, acerta com ele, tenho ainda dois
motores para ajeitar.
Cezar me olha estranho, ele queria falar algo, mas não dei
espaço, quando ele saiu minha mãe perguntou.
— Não eram amigos?
— Mãe, o ultimo carro que vendi para gente de dinheiro, me
custou 3 dias de cadeia.
— Esta mesmo fora disto filho?
— Não mãe, eu queria estar correndo, mas se vou correr e
tudo que der errado vai vir sobre mim, melhor não correr.
— Tem de esquecer as corridas filho, com a oficina vocês e
seu pai vão longe, sozinho ele desanima.

23
Sorri, minha mãe queria eu ajudando o pai, estava ajudando,
mas não estava ainda contente.
Com o dinheiro daquela venda, fui ao ferro velho e o que me
encantou não foi um veiculo tão velho, mas um Opala 72, já tinha 9
anos, mas ainda com charme, estava muito judiado, nitidamente
fora usado para corridas, mas o preço estava dentro do que queria,
e sabia que era um carro que bem conservado, até eu andaria nele.
Levo o mesmo com o guincho do pai para casa, que olha o
opala e fala.
— O que pretende com este dai?
— Clássico é clássico pai, dá para tirar um dinheiro nele
depois de desamassado, feito a pintura, cromado as peças chaves,
pois a estrutura está boa, mas foi bem judiado o mesmo.
Meu pai sabia que aquilo era um carro que ajeitado, era uma
maquina de correr, 4 marchas, mas sabia que bem arrumado
também era um carro confortável para viajar.

24
Inicio de Janeiro, a cidade está vazia, eu vou ao centro
comprar umas peças, e aproveito e passo no Alto da XV, onde um
senhor tinha uma oficina de carros, mas ele sempre gostou de
clássicos, estava com vontade de ver o que ele tinha, mas ele nunca
me mostrava muito, mas ele tinha na garagem dele no Hugo Lange,
mais de 30 veículos antigos tomando poeira.
Eu queria um clássico, um Rolls-Royce, bem mal conservado,
algo que me daria trabalho, mas sim, seria uma peça única.
— O que quer menino, dizem ser um concorrente, mas um
azarado concorrente.
— Digamos que levei azar em uma reforma, acabou embaixo
de uma Scania.
— Me contaram, mas deve ter um interesse.
— Rolls-Royce que dizem que o senhor comprou, mas está a
anos esperando um corajoso.
— Quer o mais quebrado?
— Quero o que consigo comprar senhor, mas mesmo assim, é
puxado para mim.
— E resolveu bem o mais clássico?
— O que posso, fora isto teria de ir aos que não sei se tenho
talento, mas sei que gosto de desafios?
— Já viu ele, ou só ouvi falar, pois muitos desistiram quando
olharam ele.
— Sempre posso desistir senhor, mas sim, gostaria de olhar.

25
Fomos a casa do senhor, vi que a garagem dele tinha clássicos
de todas as idades, de Antigos Ford, Fiats, GM, muita coisa, mas vi o
carro ao fundo, talvez achasse que aquele era o que procurava, mas
era o ao lado, toda a lataria suja e com sinais de ferrugem em
algumas partes, estofamento apenas nas molas, volante bom, abri o
compartimento do motor, olho o bloco, olho as ligações metálicas,
estas eram as mais difíceis, estavam inteiras, olho o sistema de
transmissão para as rodas de traz, judiados mas inteiros, olho os
faróis e faço a primeira contraproposta, achei que ele iria jogar um
pouco para cima, descobri na contraproposta que ele achou que o
preço estava bom, interessante, eu achei que ele iria forçar para
cima e como havia visto um Mercedes ao lado, bem mais judiado,
perguntei quanto o senhor queria no ao lado, acabei saindo com
duas relíquias com o dinheiro que achei que compraria uma.
Vi uma moça olhar o senhor e perguntar.
— Conseguiu um otário pai?
Olhei a moça, me parecia conhecida, mas não liguei na hora
quem era, mas sorri e falei.
— Um duplo otário.
O senhor sorriu e me olhou serio.
— Pelo jeito vai lhe tomar tempo.
— Deve ter visto o Cadillak do Cezar Marcolla?
— Sim, vai dizer que você que fez aquela obra? – O senhor.
— Sim, deu trabalho, mas depois de muito esforço, acho que
ficou a contento.
O senhor olha o Mercedes.
— Sabe que se fizer com o Mercedes o que fez com aquele
Cadillak, terá compradores.
Sorri apenas, não sabia se iria tão longe.
O senhor teve de pedir para dois funcionários ajudarem a
empurrar alguns que estavam a frente, para abrir lugar para o
guincho entrar, eu guinchei o primeiro, deixei pago e fui para casa
com o Mercedes, meu pai olhou desconfiado, mas quando cheguei
com o segundo, ele me olhou e perguntou.
— Andou esbanjando filho?

26
— Não pai, descobri que tem um senhor com um estoque
incrível, fui disposto a pagar o que paguei no Cadillak, mas quando
fiz a contraproposta para baixo, como faço sempre, ele topou de
cara, estranhei, comprei os dois e não gastei o que achei que
gastaria.
— Tem a documentação certa?
Sorri, meu pai pensou o mesmo que eu, tirei os documentos,
ele como alguém que sempre foi organizado colocou no armário ao
fundo e falou.
— Então estes são os dois desafios do ano?
— Acho que o Mercedes vai dar mais trabalho, o senhor me
vendeu o Rolls-Royce mais barato, pois acha que dará mais
trabalho, sei que as peças são mais complicadas, mas acho que o
Mercedes tem uns detalhes bem difíceis.
Meu pai sorriu, pois me viu pesquisando sobre o carro quase
um mês, logo depois que eu soube que existia um em Curitiba, sei
que me apaixono por uma ideia e a levo a frente, e o veiculo a
garagem agora era um desafio, algo que me tomaria as horas de
folga, e na semana seguinte eu me dediquei a comprar peças de
alguns outros veículos quase irreconhecíveis que fui numerando e
colocando na parte de trás dos veículos, quando eu comecei a
montar a base do veiculo, meu pai até ficou assustado, os mesmos
ficaram apenas estrutura, e com uma boa raspagem, passei um anti-
ferrugem neles, deixando eles ali, a estrutura, entre os carros da
oficina do pai e os veículos, fiz minha matricula no ultimo semestre
do cientifico no Camões, no centro, era a noite e estava disposto a
terminar meus estudos, para ir a frente.
Comecei concertando as rodas, não tinha como as substituir
com uma paralela, então teria de as fazer martelo a martelo, rebite
a rebite até ficarem como novas.
As vezes ouvia sobre o pessoal correndo, as vezes me
segurava para não ir, meu pai viu que estava tentando me conter,
ele não falava nada, mas sabia que estava me contendo.

27
Após a primeira semana de aula, o Camões ficava no Largo, e
desci para tomar uma cerveja, parei no Sal Grosso, e vi Serginho
parar a minha mesa e perguntar.
— Quando disseram que amarelou eu não acreditei, mas
parece que é verdade. – Serginho com uma moça ao lado, talvez
somente nesta hora tenha identificado quem era a filha do senhor,
era Paulinha, todos a chamavam de A Louca, agora entendi o
apelido, ela era filha de Fernando Locco, pensei em outra coisa a
vida inteira, mas olhei para Sergio e falei.
— Não tenho como correr sem dinheiro, sabe disto, as vezes
é difícil manter o que vocês mantem, eu sou apenas um metido em
correr Serginho.
— Soube que andou ganhando dinheiro vendendo carros, não
vem me enrolar.
— Andei comprando carros antigos, com o pai de sua
namorada também, mas ainda defendendo meus estudos, que
estão todos atrasados.
— Mas então vai voltar a correr, sei que tem uma corrida no
fim de semana, pena que não tenho um carro. – Serginho, que havia
batido o seu carro no fim de semana, ele dirigia bem, mas sempre
com carros mal preparados para os desafios, sempre dizia que
quem preparava os carros dele, tinha um pensamento em avenidas
rápidas, mas Curitiba sempre tinha avenidas retas terminando em
curvas chatas, em becos difíceis, então ele acabava perdendo nestes
pontos, no dia que Roberto morreu ele terminou segundos atrás de
mim.
Olhei para fora, depois para Sergio e perguntei.
— Ainda quer correr amanha Serginho?
— Não ouviu.
— Não respondeu.
— Quero, mas não tenho um carro.
— Qual a rota que Guedes escolheu?
— A reta que esta no cascalho entre o terminal do Boa Vista e
o da Santa Cândida, tem uma reta incrível, mas a corrida vai
terminar numa descida em cascalho em curva, já na Santa Cândida.

28
— Tão correndo em estrada de cascalho e eu que era
maluco? – Falei.
— Guedes parece ter se tocado que terminaria o ano sem
competidores, se continuasse com aquelas corridas malucas em
rodovia, perdeu Roberto por acidente, sei que eu e você fomos
pressionados, bem os que nem vimos o que aconteceu, depois a
fatalidade de Silvio, por ultimo na descida para praia de Paulinho,
acho que ele está tentando aumentar a dificuldade, mas sem matar
ninguém.
— Já correu com um Mercedes Serginho?
— Vai me emprestar um carro?
— Sei que não posso correr ainda, mas quer ou não?
— E como está o carro?
— Está a pé? – Perguntei.
— Estou com o carro da namorada.
— Sergio, a minha missão é tirar um pouco o pé do
acelerador, mas a maior missão, é chegar aos 27 anos.
— Amarelou mesmo.
— Não, mas vi jovens como nós, deixar Guedes cada vez mais
rico, ele leva 10% pela organização, pago pelo vencedor a ele,
sempre, mas tem de entender, quando chegar na curva no fim da
descida, não pisa no freio de jeito nenhum.
— Mas...
— Se pisar no freio vai me dever um Mercedes envenenado.
— Você é maluco.
— Maluco que venci todas as que o fim terminava em uma
curva, por sinal a ultima que venci, me tirou das corridas, por duas
surras da policia.
— Pelo jeito pegaram mais pesado com você que comigo.
— Sergio, é fácil dois desembargadores, financiarem Roberto
e Silvio, certo que a família de Roberto tem mais dinheiro, e no fim
sobrar para nós.
— Esqueci que tinha vendido o carro para Silvio.
— Eu disse para ele não meter o carro na estrada, não estava
bom para isto, alguém me ouve?

29
— E vamos ver o carro onde? – Paulinha.
Saímos dali, como fui ao centro de ônibus, não tinha ninguém
na minha cola, fomos ao sul, passamos pelo terminal do Boqueirão
e pegamos uma trilha que ia no sentido de umas chácaras com
flores, depois passamos sobre a ferrovia e descemos no sentido do
Osternak, eram grameiras, e mais grameiras, paramos em um
barracão de grameira, buzinei e meu primo me olhou pela janela.
— Pensei que iria herdar este carro.
Entramos e Sergio viu que o carro estava pronto, apenas
esperando a poeira baixar, estava em uma parte da cidade que ele
nem conhecia, soube disto quando ele me perguntou se estávamos
em São Jose dos Pinhais e falei.
— Não, ainda é Sitio Cercado.
— Onde fica isto, Mandirituba?
— Não, ainda é Curitiba Serginho.
— A policia sabe chegar aqui?
Sorri, tirei a cobertura do Mercedes e ele perguntou.
— E o que esconde ai embaixo. – Apontando a outra lona.
Puxei ela e falei.
— Este é um Opala SS6 – 4100, ainda não está pronto.
Sergio olha o Opala amarelo, bem brilhoso e fala.
— Nisto que tem perdido tempo?
— Nisto e num Mercedes que comprei do pai de sua
namorada.
— Aquilo é um clássico. – Paulinha.
— Sim, mas se terminar o Rolls-Royce que estou reformando,
terei dinheiro para terminar o Opala, depois vamos ao próximo.
— E se ganhar vai quere quanto?
— Meio a meio.
— Mas ai eu entro com o risco.
— Eu entro com o carro, tem de ver se quer correr. – Falei
olhando ele.
Sergio olha para a namorada e fala.
— Acho que consigo me acostumar com um Mercedes, mas
nunca entendi a estabilidade dele.

30
— Vai sofrer, se acha que é fácil dirigir um destes, não
entendeu nada, mas apenas não freia na curva, tenho certeza que
Roberto se deu mal pois freou, a Itupava é inclinada, ele deveria ter
acelerado e concertado no volante, mas deve ter freado e logico,
saiu pela tangente, quando as rodas tocaram o meio fio, ali é alto,
começou a capotar.
— Nunca entendi porque na largada vai tão mal.
— Vai entender agora, é um carro pesado, quando o Opala
estiver pronto, quero ver o que vocês sentem na largada, pois com
o Mercedes, estou sempre meia tonelada mais pesado que vocês.
— Se acha que consigo?
— Aquela região é de subidas e descidas, tem de pegar
embalo e quando começar as subidas, estica a marca até um terço,
volta para terceira, quando começar a descer, acelera com tudo.
— E não freia na curva. – Paula.
Olhei para meu primo Carlos e perguntei.
— O Gramado está bom?
— Sim.
— Vamos lá, vamos ver se tem jeito para isto. – Falei e olhei
para Paulinha.
— Vou tomar seu lugar, um pouco.
Fiz sinal para ele entrar no carro e saímos com calma, tinha
uma trilha, estava escuro, e falei.
— A única coisa que tem no caminho, é o trilho, lá na parte
alta, mas quando chegar nele, acelera com tudo, pula ele e não pisa
no freio, olha a trilha e continua.
Sergio sorriu, ele sentou-se e falei.
— O cinto.
— Não gosto de cinto.
— Sei, quebrou um braço e me deixou quase 4 corridas
vencendo o ano passado por um braço para fora durante um giro
incontrolável.
Paulinha sorriu e olhei para ela.
— Senta bem no meio, da visibilidade, mas o principal, tem
um sinto central.

31
— Acha que vou usar um sinto?
— Recomendava, não gosto de matar a namorada dos
pilotos.
Sergio sorriu e fez sinal para ela por, ela coloca e ele viu que o
escuro dava para ver apenas o que o farol mostrava, começam a
acelerar, ele sentiu o peso do veiculo e fala.
— Mas é lento demais esta aceleração.
— Enfia o pé, não esta num carro leve.
Ele começa a acelerar, vi que ele tendia a pisar no freio nas
curvas, vi quando rodamos e sorri.
— Toda vez que pisar no freio, vamos parar na grama.
— Mas ele joga demais.
— Sim, isto não é esporte para maricas, lembra.
— Quero ver você fazendo.
Ele parou o carro, eu assumi o volante, fiz ele por o cinto, e
comecei acelerando, fui explicando que como o carro era pesado,
uma vez acelerado, tinha de cuidar para não perder a aceleração.
Acelerei, liguei os faróis no alto e disparei pela trilha, vi que
ele evitou todas as vezes subir a parte que dava para os trilhos, eu
disparei e quando chegamos na parte alta, sentimos o carro tocar
apenas com as rodas traseiras no trilho, acelerei assim que as senti
no chão, tração traseira não adianta nada a frente, Paula sentiu a
inercia, sem o cinto teria ido ao teto, faço uma volta imensa,
desviando pedras, por trilhas, por dentro de riachos pequenos e
voltamos e pulamos o trilho novamente, Sergio olha-me no fim e
fala.
— Você é maluco.
— Sergio, você tinha carro para me vencer em 3 das vezes
que não ganhou, então se tenho 8 vitorias este ano, 4 foram por um
braço quebrado, e 3 por acabarem em uma curva, e você tirar o pé.
— Querendo me ensinar a dirigir?
— Não, você dirige bem, mas sair de traseira, em veículos de
tração traseira, é muito normal, principalmente em Curvas, onde as
rodas de trás, por terem tração, querem passar a qualquer custo.
— E porque não vai correr?

32
— Ainda não estou pronto para voltar, acho que ouvi muita
merda, eu e você nem vimos Roberto bater, ouvi gente dizendo que
joguei Roberto para fora da rua, nós nem vimos o local, já tinhamos
acabado nossa corrida quando o acidente aconteceu.
— Pelo jeito não gostou da pressão.
— Vamos mudar de assunto, mas a oferta está de pé, mas
tem de praticar, este é mais pesado que o seu, tem de acelerar
mais.
— Pelo jeito fez milagres para me vencer.
— Não, apenas como falou, sou maluco, mas gosto da
dificuldade, não saberia dirigir um carro que não sentisse ele nas
mãos.
Abri a porta e olhei para ele.
— Tem meio tanque, tenta pegar o jeito do carro, depois para
no barracão, vai ter de o levar para casa hoje, pois se eu sair com
um carro amanha, a policia vai estar lá.
— Certo, pelo jeito você não vinha aqui há algum tempo.
— Odeio me sentir vigiado.
O casal entrou e olhei a cada volta ele pegar mais o jeito.
Carlos me olhou e perguntou.
— Vai precisar do carro hoje?
— Acha que ele está bom? – Perguntei olhando o Opala.
— Eu gostei dele, mas tem de amaciar este motor ainda.
Sorri, e vi quando o Mercedes chegou perto do barracão e
freou fazendo a curva e o carro deu um cavalinho de pau, este era
um dos problemas de dirigir algo assim.
Paulinha me deixou em casa, enquanto Sergio levou o carro
para casa dele, não sei o que alguns pais pensariam disto, o meu
estanharia.
Meu pai olha para a moça e pergunta.
— Quem é a moça?
— Namorada de um amigo.
— E já lhe deixando em casa, isto dá confusão filho.
— Sei, ela é filha do Fernando Locco.
— Cuida com isto filho.

33
— Pai, vou emprestar para o namorado dela o Mercedes, a
algum tempo estou pensando em passar o carro afrente, mas quero
ver se ele se adapta ao carro.
— Vai mesmo parar de correr, a sua mãe adoraria isto.
— Ainda não sei pai, mas obvio, as vezes conseguimos nos
livrar da tentação que fica escondida, a vendendo para alguém.
Meu pai sorri, mas dentro de mim ainda tinha o corredor, o
rapaz capaz de maluquices como o pular sobre o trilho de trem a
mais de 90 quilômetros por hora, hoje estava calmo o movimento
de trens, mas nem sempre é assim.
Entrei e tomei um banho, olhei para a rua e olhei para o pai.
— Ir ao centro sempre de ônibus está acabando comigo.
— Dizem que vão melhorar, que com o viaduto tudo vai ficar
mais rápido.
As vezes queria duvidar, mas era tão demorado, que nada
poderia ficar pior, então o melhorar era quase automático com os
anos.
Me arrumei e olhei para o carro da policia parar a frente de
casa, vi que os policiais estavam perguntando para meu pai sobre os
documentos dos veículos, ele mostrou um a um, eles pareciam
querer pressionar, ainda estranhava isto, pois já deveriam ter
desencanado e estavam ali ainda.
Estava arrumado, mãos e unhas que quase não diziam ser de
um mecânico, o quase entra em detalhes que somente observando
de perto se via.
Saio a área dos carros e olho para o pai.
— Vou ao centro pai, o pessoal vai se reunir hoje no largo,
estou muito tempo afastado.
— Vê se consegue um comprador para aquele carro.
— Acho que ainda não estão prontos para vender. – Eu olhei
as armações, somente quem entendia de carro poderia dizer que
eles estavam quase que inteiros, mas como as peças estavam ao
lado, ao chão, a parede, parecia apenas um amontoado de peças.
— Se cuida filho.
— Vou me cuidar pai, problemas?

34
— Apenas a policia querendo saber se não temos peças
roubadas.
— Então tá tranquilo, eles nunca lhe viram gritando com o
Cartola porque ele queria dar meia nota.
Meu pai sorriu, ele era alguém sistemático, sabia que naquele
momento teria de ser mais sistemático ainda.
Sai e vi os policiais me olharem ao longe, eu ir ao centro
parecia movimentar os policiais ao longe.
Talvez tivesse de observar melhor, algo estava acontecendo e
somente eu não estava vendo.
Os meus pensamentos estavam tentando achar o motivo
deles ainda estarem ali, e nada parecia suficiente para isto.
Quando chego ao centro, obvio, sem carro, os policiais me
olhavam ao longe e Paulinha chega perto.
— Vai perder a corrida?
— Não, mas ainda... – olho a moça ao lado de Paulinha me
olhar e perguntar.
— Quem é o rapaz?
— Mana, este é o Guto.
Ela sentou-se a mesa e falou.
— Pamela, não me tinham falado de você ainda.
Olhei a menina, deveria ter uns 16, não mais que isto,
confusão na certa, que me estica a mão, aperta firme, estranhei
isto, geralmente elas vinham e beijavam o rosto, esta me olhou aos
olhos e apertou firme minha mão.
— O que estava falando mesmo? – Falei para descontrair.
— Que não iria perder a corrida do Sergio. – Fala a menina
que olha para Paulinha.
— Mas não entendi com que carro ele vai correr, eu não
ajeitei nenhum para ele.
O ajeitei me pegou de surpresa, talvez me chocou e chamara
atenção ao mesmo tempo, e ouvi Paula falar.
— Guto emprestou um carro pesado para ele tentar dirigir.
— Pesado, ele tem pé leve.
— Isto que falávamos no inicio da noite.

35
Olho o relógio, próximo da meia noite, a corrida seria
próximo as quatro da manha, mas ainda olhava as vezes para os
policiais ao longe,
— Falavam? – Pamela.
Paula olha para mim e pergunta.
— Acho que você que pode explicar melhor o problema, ela
tenta as vezes explicar para mim estas coisas, mas nunca entendo,
ela sempre tenta compensar nas molas o vicio de Sergio de frear na
hora errada.
— As vezes até eu acho que ele deveria enfiar o pé no
acelerador, é triste ganhar uma corrida de alguém que fez tudo
certo mas não consegue fazer uma curva sem pisar no freio.
— Você corre? – Pamela.
— Sim, emprestei meu Mercedes Prata para ele correr.
Pamela ajeita-se na cadeira e me olha, não sei o que ela
pensou, mas ela inclinou a cabeça no meu sentido e sorriu.
— Vocês estão dizendo que ele vai pilotar a Flecha de Prata?
E que você é Augusto Machado, o Machadinho?
— Sim, os amigos me chamam de Guto.
Ela olha para Paula e pergunta.
— E ele vem com o carro quando?
— Eu vou de encontro a ele, lembra que lhe convidei pois
precisava de alguém trazendo um carro?
— Sei, o pai me mata se souber que andei dirigindo, mas não
entendi o problema.
— A policia ao fundo, vai me seguir onde eu for, então se eu
for com Paula lá, a polícia vai me seguir e estragar tudo. – Falei.
— E porque lhe seguem?
— Estou a mais de 3 meses tentando entender e ainda não
entendi, quando venci a ultima corrida, a quase 4 meses, fui
gentilmente levado a delegacia e espancado, pois Roberto tinha
morrido, mas eu nem vi o acidente, depois levei azar e vendi um
carro que iriamos ainda envenenar para o ... – Contei toda a
historia, estava ficando bom, mas cada vez mais chato falar isto
tudo de novo.

36
— E desistiu de correr?
— Não disse isto, mas Sergio aceitou o empréstimo, e agora
ele deve estar prestes a capotar na curva final o flecha de prata.
— E não se importa?
— Se ele apenas tirar o pé do acelerador o motor faz a curva,
ele só tem de não por o pé no freio.
— Certo, carro pesado vai grudar na curva, se ele não
consegue acelerar pelo menos não freie, seria isto.
— Sim.
— E como vamos acabar na corrida? – Pamela.
— Vamos em um carro que não é meu, nem sei qual é, fazer
uma corrida no sentido da saída sul da cidade.
— Vai correr um pouco?
— Quem sabe não acabo preso hoje novamente.
Paulinha saiu e a menina, crescida menina fala.
— E não tem namorada?
— Não, dizem por ai que nem deveria me meter em corridas,
pois não é coisa para pobre.
— E corre assim mesmo.
— Sim, e dai, vamos despistar um pouco? – Perguntei.
— Vamos onde? – Pamela.
— O Blindagem tá tocando no Pineland, ainda é cedo.
Ela sorriu e subimos pelo calçadão do largo no sentido das
Ruinas do São Francisco, entramos no bar, pedi um refrigerante e
Pamela me olhou.
— Não vai beber hoje.
— Talvez não saiba, mas quando vou exagerar na adrenalina,
eu não bebo.
— Exagerar?
— Acha mesmo que vamos passear de carro?
Ela sorriu, aquele bar era do Blindagem, vi o Ivo na Bateria,
raramente o via tocando bateria, o pessoal começou a agitar e
quando deu duas da manha, todos já indo as suas casas, olho meu
primo entrando pela porta.
Carlos olha para Pamela e fala.

37
— Correr seu pai aceita, namoradas, ai o negocio fica mais
serio.
Sorri e olhei para Pamela e falei pegando a chave a mão de
Carlos.
— Vamos, o assunto está muito sóbrio.
Olhei os policiais ao longe, olhei para Pamela e falei.
— Esta vendo o Opala Amarelo na descida.
— Sim.
— Nossa condução, a policia está nos observando ao longe,
mas acham que vamos até seu carro.
— Mas não entendo porque lhe perseguem?
— Isto que quero descobrir.
Carlos me olha a porta e fala.
— Vou avisar o tio para lhe tirar da cadeia logo cedo.
— As vezes nem eu entendo o que está acontecendo primo,
mas se cuida.
Saímos andado, os demais vinham junto, o bar estava
fechando, então o caminho era para a Tiradentes e dali para outra
praça.
Quando cheguei a porta do carro, apenas abri, vi a correria,
esperei Pamela entrar e fiz sinal para ela por o cinto.
— Não uso cinto.
— Vão nos pegar se não por o sinto.
Eu a encarei, ela me olha serio e coloca o cinto, via já a policia
vindo ao longe, linguei o carro, se ouviu o motor do carro e como a
policia vinha com tudo, as pessoas pareciam nesta hora ficar em
câmera lenta, eu acelerei e quando cheguei no começo da Murici,
inverti o volante e acelerei indo no sentido do centro, era
madrugada, mas não descuidaria nem neste horário, acelerei até a
Visconde de Guarapuava, peguei a esquerda, e acelerei no sentido
do Capanema, a policia vinha com tudo, desviei para a Marechal
Floriano, entrei a esquerda novamente na Rebouças e acelerei no
sentido da 376, eles iriam me fechar mais a frente, pois teria de
pegar a recém feita avenida das torres, mas quando cheguei na
altura da favela, entrei a direita em uma viela e desliguei o carro.

38
Vi alguns rapazes me olhando ao longe, mas quando a policia
passou ao longe, pareceram entender que estava fugindo para a
região, eles não falaram nada, mas vi alguns encostarem no fundo
do carro, e a policia passou ao fundo olhando, como eles estavam
ali, não falaram nada, sempre digo que cada um neste país se
defende como pode, mas as vezes, me dá medo a forma que eles
agem com os trabalhadores.
O rapaz dá uma batida no vidro e abaixo ele.
— Não damos cobertura de graça rapaz.
— O problema é pagar antes de receber, como fazemos? –
Falei olhando o rapaz.
Outro chega ao rapaz e fala algo, não entendi, mas o rapaz
fala.
— Pensei que era um boizinho fugindo da policia, o primo
disse que é filho do Machadinho, verdade?
— Sim.
— Vai, as vezes esqueço que a policia pega pesado com seu
pai a muito tempo.
Sai lentamente, aquilo estava em minha mente, algo que
talvez fosse a soma de fatos, não um só.
Saímos lentamente, Pamela me olha e fala.
— Pelo jeito vai mudar de estilo, este é mais o estilo do
Serginho de dirigir.
— Acredito que o problema é ele confiar no carro para entrar
na curva acelerando, ele não confia.
— Como ele se atreve.
— É a vida dele ali dentro menina, pode parecer pouco, mas
quando estamos correndo, o limite pode ser a vida ou a morte.
— E você nitidamente não tem medo da morte.
— Eu sei os limites do carro, poderia ter dado mais, mas o
motor é novo, tem de ser amaciado ainda.
— E já anda isto?
— Ele perderia para o Flecha ainda.
— Confia muito naquele carro.

39
— Não, talvez Sergio chegue em terceiro hoje, mas tem de
ver que ele nunca dirigiu aquele carro.
— E acha normal?
— Eu já cheguei em ultimo, acho que a diferença entre quem
ganhava a 8 meses de quem ganha hoje, é que os bons morreram e
os novos ainda não são páreo para os mais velhos.
— Acha que Roberto era bom mesmo.
— Um amigo bom, irresponsável, ele mudou depois que a
namorada dele morreu, deve achar graça por um cinto, mas se ela
estivesse de cinto estaria no máximo com uma marca do no peito,
deixada pelo cinto, mas saiu pela janela com o veiculo girando,
quando isto acontece, é morte quase certa.
— Acha que a segurança é mais importante que a vitória.
— Eu pretendo vencer, e estar vivo na linha da vitória, se fiz
com segurança é um detalhe que se eu o fiz, os demais teriam como
ter feito.
— E estamos onde?
Olhei em volta e falei.
— Dando a volta por dentro dos bairros vazios da cidade as
quase 3 da manha.
Quando eu encosto o opala na parte final da curva em
construção em Santa Cândida, obvio que alguns olharam o carro,
mas senti que alguns até respiraram fundo quando me viram saindo
do carro, mas chego ao lado do Flecha de Prata e faço sinal para
Sergio abrir o capo. Pamela olha o motor e fala.
— Este é seu segredo?
— Montei cada peça deste V8, o segredo está na parte de
traz, um tanque para 150 litros de gasolina.
— Certo, um acerto com muito combustível, mas deixa mais
pesado ainda.
— Sim, como disse para Sergio, se puder repetir, para não
tirar o pé do acelerador, pois até pegar velocidade, ele estará
correndo com um carro 500 quilos mais pesado que os
concorrentes, quando ele entrar naquela curva ali atrás, será o
ganhar ou perder.

40
A muito não aparecia, então conversei com alguns, me
inteirei de algumas coisas e no fim, soube quem estava vencendo,
quem estava se dando mal, e coisas assim.
Guedes olha para mim e fala.
— Sabe que alguns não querem que você corra.
— Não vim correr, apenas olhar de longe.
— Mas e o Opala?
— Quando for a hora de correr, vou correr, mas ainda não
entendi o que está acontecendo, sei que você sabe de algo Guedes,
esta sua posição para que não corra, mostra isto, a sua forma de me
por como culpado pela morte de Roberto, mostra isto, mas não vim
correr.
— Me acusando? – Fala ele alto.
— Falando baixo, para você ouvir, mas se quiser que grite,
eles podem vir a fazer as mesmas perguntas que eu, porque não
recolheu os indícios do acidente de Roberto, nem foi lá para ver se
ele estava vivo, sabe que sua parte, é para isto, ou acha que é só
para a bandeirinha Guedes?
— A policia chegou rápido demais.
Olhei para Sergio e perguntei.
— Já apostou?
— Não ainda.
— Então recolhe o dinheiro, vai dar policia ai, Guedes sabe de
algo e não está querendo falar, melhor guardar o carro para a
próxima.
— Se não os quiser dentro na próxima? – Guedes.
Sorri, olhei para Carlinhos, para os que estavam próximos, e
falei.
— Se quer assim, não nos vai sobrar alternativa Guedes, mas
depois não venha dizer que foi traído.
— Não entendi.
— Se não entendeu, e nos quer de fora, poderia me dizer
pelo menos porque não me quer dentro.
— Você é sujeira, todos sabem.

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— O que quer dizer com isto? – Serginho olhando para
Guedes.
— Não se mete Sergio, o problema é com este pobre metido
ai, ele se acha acima dos demais.
Sergio fecha o capô e fala me olhando.
— Poderíamos fazer uma de mano naquela grama.
Sorri, poderia mesmo.
— Covardia, mas se quer perder seu dinheiro eu topo.
Entramos no carro e saímos dali, não sei o que aconteceu
naquela noite, mas nos divertimos nos canteiros de grama a noite
inteira, era manha quando estacionamos os carros e Paulinha me
deixou em casa e foi no sentido da casa de Sergio.
A policia a porta já era de praxe, mas os rapazes pareceram
duvidar da ordem, me encostam a parede e saio algemado mais
uma vez, acho que estou começando a me encher disto.
Era manha de domingo quando vi o delegado me fazer
perguntas, não sabia as respostas, desta vez não entendi, mas fiz
perguntas, e no lugar de cela, fui colocado para fora.
Cheguei em casa e meu pai me olhou, ele esperava mais um
problema, e estava ali novamente.
— Não lhe prenderam?
— Me fizeram perguntas que não soube responder pai, mas
uma pergunta que não me sai da cabeça, é porque eles pegam no
seu pé há anos?
— Acha que pode ter relação?
— Não sei, mas entendi em parte a posição do rapaz que
controla as corridas.
— Entendeu?
— Com eu fora, um dos rapazes conseguiu se perder e acertar
o carro do Serginho, Roberto morto, Silvio morto, um dos rapazes
que usa um carro emprestado dele, está vencendo as corridas.
— Tudo por dinheiro.
— Pai, acho que dá para ganhar dinheiro com isto.
— Tá maluco.

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Sorri, não falei nada, tinha um terreno encostado em Curitiba
na divisa Leste, que era plano, estava pensando e resolvi ir ao local,
estava querendo aprontar, mas em si, queria um local para correr.
Peguei o carro da mãe e passei na casa de Serginho e ele me
olhou querendo confusão.
— Guedes disse que estou fora, que ele não vai aceitar gente
rebelde nas corridas que ele promove.
— Sergio, a pergunta, quer ganhar dinheiro ou quer apenas
adrenalina?
— Pelo jeito quer confusão como eu.
— Não, quero calma, mas uma pergunta, seu pai ainda tem
aquele terreno em Piraquara?
— Não entendi.
— Na grama não tem graça, tem de ter uma trilha, uma
competição, tem de ser largo para se ultrapassar, não adianta
apenas uma rua.
Sergio me olha, ele talvez não tivesse ainda entendido a ideia,
mas seus olhos mudaram, me olha serio.
— Pensando em promover isto?
— Fazer algo dentro de uma regra, dentro de um espaço
legalizado, onde pudéssemos cobrar até para as pessoas olharem.
— Acho que tá vendo muita TV.
— Sim.
Sergio me olha e fala.
— Entra, deixa eu pensar nisto.
Entramos, eu não conhecia o pai de Sergio, sei que ele é
daqueles fissurados por corridas, o próprio Sergio corre desde
criança, antes de ser de Kart já corria de bici-cross, ele olha o pai e
antes de me apresentar formalmente fala.
— Pai, acha que seria difícil legalizar uma pista de corrida
naquele terreno que tem em Piraquara?
O senhor olha o filho, eu fui pego de surpresa, eu pensei em
trocar uma ideia, mas olhei o senhor olhar para o filho com
curiosidade.
— Porque quer fazer isto filho.

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— Sabe que corro a rua pai, mas quem organiza está
sacaneando, e disse que estou fora, não quer gente que pense lá, e
não quero parar de correr, e aquele terreno daria para fazer uma
pista legal.
— Quem é seu amigo?
— Guto, da Flecha de Prata.
— Soube que convenceu meu filho ontem a não correr, não
entendi, ele chegou exausto de tanto correr, e não correu ontem,
nem apostou.
— Senhor, não sei o que aconteceu ontem a noite, mas
corrida em cascalho, com final em curva, onde todos os auxílios e
organizadores estão na curva antes da reta de chegada, na curva
que a tendência é a inercia jogar os carros, mostrava que não era
uma competição para seu filho, ele ainda tem de aprende a entrar
acelerando na curva.
— Acha que ele consegue.
— Ele consegue, apenas ele não tem a manha.
— Acha que o que meu filho falou daria resultado?
— Acho que daria para fazer uma pista de cascalho mesmo,
bem amassado, coisa de duas semanas dava para fazer, e convidar
os que sempre correm a participar, mas precisávamos de algo
legalizado se acontecer senhor, pois Guedes tem costas quentes e
assim que souber, vai querer jogar a policia lá.
O senhor me olhou e me perguntou.
— Não sei o que aconteceu, mas muita gente fala para
manter meu filho longe de você.
— Este é outro problema, estou sofrendo represália e não sei
ainda de onde vem, mas sei que vão pegar pesado ainda comigo,
mas a ideia é ter onde correr, não dá para desenvolver uma técnica
de corrida se as regras mudam de corrida a corrida.
— E porque acha que daria resultado filho?
— Pai, existiria a parte que os demais veem, mas a ideia
surgiu hoje, não sei ainda, tenho de pensar melhor.
Saímos dali, e fomos ao terreno do meu pai, não o do pai do
rapaz e olhei para Sergio e falei.

44
— O terreno do seu pai é aquele depois da cerca.
— E este?
— Do meu pai, os dois juntos daria para fazer uma reta de
mais de mil metros Sergio, o rio corre ao fundo, então teríamos de
tirar a terra de lá e jogar para cá, para dar mais estabilidade, mas
ainda acho uma ideia maluca.
— E porque quer fazer isto Guto?
— Não quero, eu queria uma desculpa para parar, mas não
estou conseguindo, vocês compram a ideia muito rápido.
— Queria que falasse que era maluquice, mas por ser
maluquice que é legal.
Eu fui ao fundo e tinha um barracão, olhei para o mesmo e vi
que tinha peças de carros, meu pai andou usando o lugar e falei
para Sergio.
— Vamos sair.
— O que houve?
— Passamos para o seu lado e continuamos a conversar.
Sergio me olhou e perguntou novamente.
— O que houve?
— Alguém deixou peças ali, devem estar usando para
desmanche, não quero encrenca.
— Esqueço que meu pai falava que quando comprou isto era
um bando de cantos obscuros, mas seu pai tem de se cuidar com
isto.
Pensei e olhei para o rapaz, eu tive a ideia, mas teria de falar
com meu pai antes, mas se tivesse uma super reta, faria uma curva
invertida no fim dela, seria aquelas curvas para freio e braço,
gostava da ideia.

45
Segunda é dia de aula, mas na tarde, enquanto pintava a
primeira mão na estrutura do Mercedes, olho para meu pai e
pergunto.
— Pai, as vezes temos de trocar ideia, pensei em fazer uma
trilha de corrida no terreno em Piraquara.
— Mas porque disto filho, aquelas terras são ruim de
aplainar.
— Eu pensei em ganhar dinheiro bem para isto pai, um dia vir
a morar para lá. – Eu estava provocando.
— Não gosto da ideia filho.
— Porque pai, o que tem de mal em ganhar um dinheiro em
um terreno que não tem nada, e pode nos gerar recursos?
— Esta ideia é ruim filho.
— A ideia é ruim ou vou atrapalhar algo pai? – Falei serio
olhando ele, parando de fazer o que estava fazendo.
Ele me olha, não sei o que veio a mente dele, pois ele
pergunta.
— O que sabe filho?
— Que não temos a nota de tudo que usamos, e que não
existe fornecedor de nome Pereirinha em Piraquara.
Ele parece olhar a porta e falar.
— Não pensei que estivesse tão evidente.
— Pai, não precisamos disto.
— É difícil parar filho.
— Por que?

46
— Toda vez que lhe prendem, é pressão, eles estão me
dizendo que podem complicar sua vida.
— Pai, eu gosto de complicação, mas o barracão que tem no
terreno vou derrubar, tudo que tiver lá vai para o lixo, então melhor
quem tem algo lá tirar.
— Não pode fazer isto filho.
— Vou fazer.
A noite fui para a aula, e na saída tinha uma moça a entrada a
me olhar, o que Regina fazia ali, as vezes fico pensando que em
outra vida atirei pedra na cruz, ou algo assim, pois parecia que tudo
desandava por um lado, e quando desandava, era para o pior
caminho.
Eu tentei a ignorar, mas quando passei pela porta senti
alguém me segurar o braço, olho para quem o segurava e vi um
policial.
— Senhor Gustavo Machado?
— Sim.
— Poderia nos acompanhar?
— Não sem saber do que me acusa, pois estava estudando, e
não fiz nada além de trabalhar hoje.
— Tem uma acusação contra você.
— E porque não me entregaram em casa, já que tenho casa.
— A determinação saiu só hoje.
Eu fui jogado em um camburão, apanhei para valer, acho que
desacordei, só lembro de abrir os olhos e sentir a boca cheia de
agua, cuspi, olhei para onde estava, não sabia, mal conseguia me
mexer, com dificuldade levantei a cabeça do riacho, olhei em volta,
me arrastei a beira, mal conseguia me mexer, senti a costela, a dor
estava insuportável, me recolhi e senti o gosto de sangue a boca,
não conseguia enxergar nada, dor, acho que me arrastei até um
clarão, lembro de ver alguém passando ao longe, não sei quem era,
mas desacordei.

47
Quando acordei, estava em um hospital, senti dificuldade de
me mexer, alguém deveria ter me achado.
Olho em volta, uma enfermaria, mas um rapaz a ponta olha
para a porta e fala.
— Doutor, a bela adormecida acordou.
Quanto tempo teria se passado, onde estava, os braços
estavam com cicatrização, olho em volta e não conhecia o local.
O doutor vem a mim, me faz abrir a boca, falar “a”, me
pergunta coisas básicas, meu nome, se tinha um telefone para
contato, soube naquele momento que ninguém soubera do
acontecido, mas estava difícil de remontar os últimos momentos,
das agressões lembrava pouco, não sabia onde me jogaram, pela
pronuncia soube que não estava perto, aquele cantado na fala,
indicava estar mais ao sul, provavelmente litoral de Santa Catarina.
Com dificuldade me ajeitei na cama, minha perna direita
ainda estava enfaixada, o braço esquerdo enfaixado, senti a cabeça,
fechei os olhos, a dor estava forte.
O medico pareceu passa a outro os dados, e 12 horas depois,
vi meu pai e minha mãe entrarem pela porta, descobri que sumira a
15 dias, todos estavam me dando como morto, as lagrimas nos
olhos de minha mãe não sabia se era de felicidade ou de dor, os de
meu pai era de medo.
Demorei mais 15 dias para me levantar, para por os pés no
chão e andar, quando voltei de Rio Negrinho para Curitiba, parecia
que tudo estava fora do lugar.

48
Tento lembrar de detalhes, e não consigo, nem consegui fazer
uma imagem do policial que me abordou, já nem sabia se era um
policial, mas era obvio naquele momento que alguém me odiava, e
não via motivos para alguém me odiar.
Dois meses para voltar a poder fazer força com o braço
direito, sabia que sem minha ajuda as coisas para o pai não estavam
fácil.
Minha mãe sorria, mas se nem eu entendia o problema, como
ela entenderia.
Quando consegui ir ao centro, tranquei a matricula, pois se
não poderia ir a aula e ter a certeza de voltar vivo, não queria isto
para mim.
Estranho eu estar pensando em projetos de velocidade em
um dia, e nos dias seguintes, somente a vida parecerem ter sentido.
Eu quando cheguei em casa, meu pai me esperava a sala.
— O que quer falar pai?
— Queria saber quem fez isto filho.
— Não sei, não lembro, me lembro de ter sido detido na
porta do colégio, jogado em um camburão, mas não lembro de ter
chego a lugar nenhum, poucas lembranças, tenho certeza que quem
fez me queria morto pai, então não vou bobear, não quero trazer
problemas para casa, terei de me ajeitar pai, ate entender o
problema.
— Não está em condição de ficar sozinho filho. – Fala minha
mãe me segurando uma das mãos sobre a mesa.
— Sei que não mãe, mas não vejo motivo para o que
aconteceu, pois quando você sabe por que apanha, se afasta, mas
quando você nem tem ideia do porque, como se pode enfrentar?
— Falei para sua mãe, sobre o desmanche, parei com aquilo,
embora ache que não foi aquilo que deu problema. - Meu pai.
— Porque não?
— Porque não usava mais aquele barracão, mas filho, quem o
pegou, deve ter poder, pois ninguém deu queixa, ninguém viu lhe
conduzirem, então eles foram pressionados a não falar.

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— Sempre a mesma historia pai, mas não pretendo sumir,
mas vou verificar se aquele barracão em Piraquara pode ser
transformado em uma casa, em casa e na minha mesmice, não vou
saber quem me quer morto.
Eles me abraçaram, os dias seguintes eu fui ao barracão e
comecei a erguer as paredes de madeira interna, a estrutura
externa, e com calma fiz uma cama, uns armários, ajeitei o lugar e
olhei para o terreno ao lado, Sergio estava levando a serio a ideia,
eles devem ter achado que morri, não sai por ai dizendo que não
morri, então poucos sabiam onde eu estava, como estava.
Se antes eu estava quebrado, quando deu 3 meses de saído
do hospital, me sentia bem, fazia a corrida a volta do terreno toda
manha, os dois carros de corrida eu coloquei na garagem dali, ia a
Vila Hauer para trabalhar, sempre com um boné e uma barba rala
que deixei crescer.
As vezes me olhava no espelho, e a cicatriz da agressão estava
ali, estranho ter uma cicatriz que nem se sabia com o que foi feito,
com calma eu terminei os carros e ao mesmo tempo, ajudava meu
pai, mas com o pouco que ganhava teria de trabalhar anos para ter
minha casa boa a ponto de viver.
Eu tentava pensar no que fazer, as vezes olhava o saldo da
poupança pensando se dava para investir em algo, mas ainda não
sabia o que fazer, eu vi ao longe quando Sergio fez a primeira
corrida, vi que ele conseguiu uma arquibancada desmontável e
aquilo estava cheio num domingo, quando vi bem de longe, por um
binóculos, quem correu.
Uma moça me chamou a atenção, Regina, ela estava
correndo, o carro era o antigo de Roberto, não entendi, mas ela
parecia feliz, eu nunca havia a visto sorrir, mas naquele dia correndo
ela estava.
Bem ao longe, vi ela chegar em terceiro, ela ao fim da corrida
já não parecia na mesma felicidade, vi a forma de ódio que ela
olhou para Siqueira, que chegou em primeiro, bem ao fundo, vi
quando a policia cercou o local, talvez isto fosse algo esperado, pois
para quem observava ao longe, vi o pai de Sergio barrar os policiais,

50
pedir a determinação, mostrar as autorizações, colocar o rapaz da
prefeitura da Curitiba para correr, mostrando para ele o rio, e
explicando, se queria falar algo, falasse do outro lado do rio.
Sorri, mas não apareci, acho que no fundo, quando me olhava
ao espelho, me sentia estranho, fisicamente bem, psicologicamente
afetado por um medo, gerado por alguém que nem sabia quem era.
Quando o Rolls-Royce estava pronto, meu pai pediu que
entregasse, estava pago, eu chego a frente da casa, não conhecia a
mesma, talvez porque sempre entrara pelo outro lado não
reconheci a casa antiga do Roberto.
Estava com o boné, com a barba cada vez maior, com aquela
cicatriz, e olhei Regina a porta, talvez somente nesta hora me
toquei, onde estava, o senhor olha o carro e fala.
— Este vai para minha sala de estar, pode estacionar no
fundo.
Coloquei lá, vi que a moça não me olhou, talvez ela não
tivesse me reconhecido, achava difícil, mas mortos não voltam,
então estacionei, olhei para o local, um carro exposto ao centro de
uma sala de estar, o senhor apenas me indicou a porta e sai, não
olhei para fora, a moça falou algo e nem olhei, apenas sai.
Como vim dirigindo, fui ao ponto a frente e esperei o ônibus,
vi a moça parar a minha frente e falar me olhando.
— Sabe que poderia me fazer um favor rapaz.
Olhei Regina e engrossei a voz e falei.
— Favor?
— Tenho um serviço para você, me liga, eu pago bem.
Ela me esticou um cartão, telefone 62 2103, olho para a moça
se afastar, pego o ônibus e volto, obvio, não liguei, não sabia o que
ela queria.
Sei que voltei ao trabalho, com o dinheiro comprei um
terreno no Sitio Cercado, meu pai fez proposta em dois veículos dos
Locco, e os estacionou falando alto.
— Aquele lugar é um museu.
Sorri, não estava muito para sorriso, mas não me sentia bem
por dentro, acho que fiquei menos confiante, mas minha mãe viu o

51
como meu pai ficou empolgado e talvez ele tenha entendido porque
pedi para ele ir lá.
Eu todo dia voltava a Piraquara, estava a ouvir as noticias
quando ouvi que Pedro Siqueira, fora encontrado morto em casa,
ninguém sabia o que havia acontecido, ele havia se destacado na
primeira corrida de desafio de Curitiba.
Eu estava ouvindo a noticia e olhei aquele carro parando a
entrada, uma Brasília com todos os acessórios possíveis, era o carro
do ano, estranhei e olhei Regina sair do carro, talvez ela tenha
olhado ao fundo e visto a pista e me olhou.
— Senhor Augusto, não me ligou.
A olhei e falei.
— O que precisa senhora?
— Um favor.
— Como conseguiu meu endereço?
— O senhor Machado me conseguiu, ele não queria, mas
sabe que as vezes um suborno ajuda.
— Acho que não entendeu, eu não sirvo para nada.
— Vi que manca, tem esta marca ao rosto, sabe que se
parece com alguém que conheci no passado.
— E?
— Ele me atrapalhava muito, mas ele não vai mais me
atrapalhar.
— O que precisa senhora? – Estava querendo entrar na
historia, mas parecia que não seria hoje.
— Vi que sabe seu lugar, e preciso de alguém que cuide dos
meus carros, o senhor Machado disse que você que reformou
aquele Rolls-Royce.
— Acho que não entendeu moça, eu não sei se sou de
confiança, se quiser me contratar depois, pode ser, mas tem de
entender o problema.
— É procurado?
— Meu pai diz que não, mas não lembro, não lembro quem
fui, o que fiz, sei meu nome porque me informaram, alguém me
encontrou na beira de uma estrada em Santa Catarina, não lembro

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de como cheguei lá, não lembro do que fui ou fiz, gosto de clássicos,
mas sei que apenhei muito, fui encontrado com esta marca no
rosto, com uma perna quebrada, um braço quebrado, pulmão
perfurado, por 6 costelas quebradas, mas eu não sei quem fui,
então eu me isolo, pois meu mundo, não parece ser o da casa de
meu pai, não parece ser esta cidade ao lado ou esta, mas tudo que
sei, é o que dizem que fui, não o que lembro que fui.
Eu mentira, mas se era para voltar, teria de ser pela proteção,
sei que lembrava dela no dia que tudo aconteceu, mas se ela
soubesse disto, eu morreria com certeza.
Ela me olha estranho e pergunta.
— E como é seu nome?
Pegue o meu documento e estiquei para ela, vi a forma que
ela olha para a foto e para mim, não era mais o mesmo, ela me olha
e fala.
— Vou pensar, mas sinceridade sempre foi o forte de Augusto
Machado, agora entendo porque o senhor Machado o deu
emprego, é o filho que todos dizem por ai que morreu.
— Eu não sei se não morri, pois para mim, a vida começa num
hospital há poucos meses, mas estranho como a parte de mecânica
de automóveis ainda está aqui. – Apontei a cabeça.
— E mora ai?
— Aqui tem duas coisas que gosto, me fazem sorrir, mas não
sei quando as fiz, mas tem meu estilo, mas é algo que para mim, me
acalma.
— Não entendi.
Fiz sinal para ela entrar e ela olha os dois carros parados ali,
ela conhecia aqueles carros, não sei o que ela pensou, mas pareceu
feliz, era estranho ela se alegrar em acabar com a vida de alguém.
Ela saiu e falou.
— Nos falamos amanha e vejo se vou lhe contratar ou não.
— Se passar tudo bem, se não, continuo na minha.
Regina saiu pela porta, na minha mente estava a tentativa de
lembrar algo, mas parecia um branco entre 3 pontos, o ser jogado
no camburão, o acordar e respirar naquele riacho, que não saberia

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dizer onde era, pois estava escuro, e o acordar na enfermaria do
hospital em Rio Negrinho.
As vezes demoro para dormir, eu corri em volta da casa, eu
ajeitei as coisas, eu não sabia se poderia confiar na moça, ela
poderia pedir para acabar comigo novamente, mas teria de ter uma
posição se ela se propusesse a comprar os veículos.
Sorri, vender, porque não.
Eu não dormira, então estava acabado quando chego ao
trabalho na oficina do pai, ele me olha e fala.
— Desculpa, dei o endereço seu para uma moça.
Expliquei para o pai o que falei para ela, não queria ela
sabendo que eu lembrava do passado, meu pai ficou me olhando
como se não entendesse, depois de uma insistência falei.
— Pai, a única pessoa que lembro na porta do Colégio
naquele dia, que sumi, é esta moça, então é melhor não facilitar.
— E de que família é?
— Irmã do Roberto.
— Filha de Desembargador?
Concordei com a cabeça e na hora do almoço estava a moça a
frente da oficina, estava eu a mexer em um outro Dodge, este eu
pintaria de Azul metálico, e estava desmontando ele ainda.
— Podemos conversar Guto?
— Augusto. – Concertei.
— Podemos?
Olhei para o pai e falei.
— Já retorno senhor Machado.
Sai e a moça estava com outro carro, as vezes me acho um
metido, pois pobres não tem um carro, eu tinha mais de um, mas
entrei naquele Corcel e ela falou.
— Posso fazer uma proposta?
— Faça?
— Me venderia o Flecha de Prata?
— Eu não tenho Flechas de Prata, o que está falando.
— O Mercedes que tem lá em Piraquara, não gostaria de me
vender?

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— Teria de ver quanto ele vale.
— Pago por ele o que meu pai pagou pelo Rolls-Royce.
— Se vai pagar bem, logico que vendo.
A moça olha para mim e fala.
— Não lembra nada mesmo?
— Porque quer saber?
— Dizem por ai que você era dos melhores corredores de rua
que tínhamos em Curitiba.
— Corredor de Rua, porque alguém faz isto, arrisca vida por
algo assim?
— Seus amigos diriam que Adrenalina.
— As vezes duvido que tivesse amigos, pois meu pai, é difícil
o chamar assim ainda, disse que ninguém nem apareceu para
perguntar de mim.
— As vezes ninguém quer atrapalhar.
— Verdade, mas se está falando serio em comprar o veiculo,
é só marcar onde entrego que levo para você.
— Pode ser no sábado naquela pista que fica ao lado do seu
terreno.
— Eu vou ficar pouco ali, pelo jeito todos querem me tirar
dali, o proprietário da pista fez uma proposta de compra para meu
pai, se pagarem o que se propuseram, ficarei apenas com um trecho
do terreno, mas não mais onde estou hoje.
— Me entrega no sábado, vou providenciar o deposito do
dinheiro, tem uma conta bancaria?
— Consigo o numero de uma poupança, já que não tenho
dinheiro para manter uma conta corrente.
A moça sorriu, sai do carro e ela saiu, meu pai chega ao meu
lado e perguntou.
— O que ela queria?
— Acabo de vender o Flecha de Prata, pelo preço do Rolls-
Royce.
— Acha que ela engoliu que não lembra de nada?
— Pai, acho que não entendo destes que acham que a vida é
uma vitrine que tudo se compra.

55
— Eles são perigosos quando acham isto filho.
— Ela vai passar ai, passa para ela o numero da minha
poupança.
— E vai fazer oque?
— Assim que entregar o carro no Sábado, sumir um pouco.
Sai naquela noite, as vezes era estranho ver que tinha gente
que mandava tanto, que vi a policia me seguir naquela noite.
Voltei a ser alvo, mas ela queria algo, e obvio, tinha quase
certeza de que seria roubado naquela noite.
Pego o ônibus até o Sitio Cercado, atravesso o grande campo
que separava o Sitio Cercado da pequena vila do Osternak, olho
meu primo e falo.
— Preciso de ajuda primo.
— Não apareceu mais.
— Preciso que tire do terreno do pai hoje a noite os dois
carros que lá estão, coloque as duas carcaças de peças que
tínhamos do Mercedes e do Opala, para peças de reposição.
— Mas...
— Eles vão tentar me roubar Carlos, põem no terreno ali no
Sito Cercado, cobre com lona e deixa lá, mas vão me roubar e
incendiar o resto.
— Cada vez mais maluco.
Sai dali, os policiais ainda estavam chegando ao local e já
estava saindo, eles me seguem, e vou ao centro, sento no Sal
Grosso e peço uma cerveja.
Eu estava com as mãos sujas de graxa, o boné batido, a barba
cada dia maior, aquela cicatriz por baixo de parte da barba.
Eu estava sentado quando vi um rapaz me olhar assustado da
porta, se ele soubesse que queria falar com ele, ele não apareceria,
mas Sergio sempre ia ali.
— É você Guto.
Olhei para o garçom e pedi mais uma cerveja e fiz sinal para
ele sentar.
— Me disseram que você morreu.
— O que vou falar rapaz, fica entre nós.

56
— Rapaz?
— Eu fui tirado daquele colégio a frente a mais de 4 meses,
isto é o que me falaram, dizem que apanhei muito, eu não lembro
quem sou, sempre me chamam por Guto, tenho de corrigir, sou
Augusto Machado, é o que meus documentos falam.
— Não lembra de nada, como assim?
— Rapaz, manco de uma perna quebrada, tenho um braço
até hoje que dói quando chove, a cabeça as vezes só para de doer
com remédio, mas como é seu nome?
— Sergio.
— Rapaz, meu pai falou que não devo voltar a correr, pois
alguém está matando quem vence, e como ele disse, quando
alguém vencer, e não morrer, este era o assassino.
— Seu pai sempre o apoiou, mas tem gente que chorou sua
morte.
— Pense rapaz, para mim, eu morri, pois nada do passado eu
lembro, então é uma vida estranha, ter de conhecer ruas, locais,
sentar e o garçom lhe chamar pelo apelido, sabe que já bebeu ali,
mas não lembrar nada.
— E os médicos não previram melhora?
— Sei lá, não vou muito no médico.
Tomei a cerveja e sai dali, a policia me segue, tomo o ônibus e
vou a Piraquara, quando chego lá, a policia cercava a casa, olho para
o local e olho para os policiais.
— O que aconteceu senhor, é minha casa.
— Alguém, pois fogo na casa.
— Mas e minhas coisas?
Um policial me olha e fala.
— Tem de achar um lugar para passar a noite senhor.
Reconheci aquele senhor, olho em volta e pego um ônibus
para a Vila Hauer, falo para meu pai para não dar o numero da
poupança que alguém havia me roubado e colocado fogo no
barracão.

57
Dormi em meu quarto antigo, a muito minhas costas não
amanheciam tão bem, estranho como a cama que moldou as costas
da gente fazem milagre nas mesmas.
Quando Regina bateu na porta, meu pai a comunicou do
evento, que alguém havia roubado a casa e colocado fogo, que eu
não estava em uma boa fase, ouvia a conversa da oficina, olho a
moça entrar e falar.
— E não montaria um carro para mim?
— Um carro?
— Pago o preço que propus pagar, mas preciso de um carro
como o Flecha de Prata, sei que as pessoas tremem ao olhar para
ele, sei pois vi meu irmão muitas vezes perder pois tinha certeza
que você venceria.
— Seu irmão? – Perguntei.
— Ele corria com você pelas ruas.
— Ele parou de correr, o que aconteceu, ele desistiu?
— Ele morreu, muitos morrem nas ruas.
Olhei para ela e falei.
— Como falei ontem, não entendo porque alguém correria
arriscando a vida, coisa mais besta.
A moça me olha e fala agressiva.
— Preferia você arrogante a besta como está.
Ela sai pela porta, olho o pai e o mesmo fala.
— O que está acontecendo filho?
— As vezes não sei, queria lembrar das coisas, mas não sei
pai.
Ele me olha, olha para a porta e olha a moça nos olhando e
fala.
— O que sobrou lá?
— Alguém foi lá e incendiou, está apenas as carcaças do que
tinha, vou ter de desmontar e remontar os dois carros.
— E a casa?
— Perda total.
Saio pela porta e Regina ainda estava ali.

58
— Eu monto um carro para você, mas tenho de trazer para cá
as peças, não sei ainda o estrago, mas vou aceitar o pagamento
somente se ficar bom.
— E quem fez isto, não entendo como pode ter tanto inimigo.
— Não sei, quando cheguei lá, vi um rosto, não entendo, mas
pela primeira vez um rosto e uma voz me pareceu despertar em
minha mente, era um policial, quase ouvi ele me chamando de lixo,
mas ele apenas me mandou para casa.
— Reconheceu alguém?
— Não, mas quem sabe os médicos tenham razão, o passado
volte, mas eles dizem que assim como pode acontecer, pode ser
que sejam apenas relâmpagos sem conexão.
A moça sai, olho para a esquina e falo.
— Uma coisa me parece familiar, e a policia ao longe me
olhando sempre me parece familiar, vocês estão me escondendo
algo, pois gente de bem a policia não vigia de perto.
Olhei a moça sorrir, ela sabia de algo, ou ela gostava de ver as
pessoas sofrerem.
Na manha seguinte trouxemos para a oficina do pai duas
carcaças e ele me olhou.
— Isto não vai dar em nada filho.
— Sei disto.
Meu pai olha a rua e olha os dois veículos encostando e
entrando na oficina, ele não entendeu, mas ficou obvio que eu me
roubei.
— Tudo encenação?
— Sim, tudo encenação.
— Ela vai voltar.
Colocamos os veículos na parte do fundo, as estruturas dos
carros estavam ali, mas queria ver a reação do sábado, e sabia que
um dia teria de encarar aquilo, liguei para a moça e falei que
entregaria o veiculo no sábado, se ela gostasse pagava, se não,
ficava com o carro.

59
Eu saio com o Flecha de Prata no sentido da Pista na divisa do
município, saio com a barba feita, cabelo cortado, a marca ao rosto
ficou bem visível, sem boné, apresentei o convite na entrada e
estaciono ao lado de Regina, saio do carro, talvez todos quando
viram o carro, olharam, dos corredores presentes, todos já tinham
perdido para aquele veiculo.
Regina estava a falar com alguns quando me viu parar o carro,
ela me olha, não fui disfarçado, fui como alguém que sofrera, mas
era teimoso, saio do carro, e os olhos que estavam no carro, vieram
a mim, Regina olha em volta, eu a olho e falo.
— Tentei dar o melhor.
Ela olha em volta e fala.
— Pode não saber, mas todos a volta esperam o dia que você
vai voltar a correr por ai.
— Como disse para alguns, que me cercaram, me chamando
por Guto, o ser do passado morreu, nem sei se me sairia bem no
volante, mas se quer dar uma olhada, como disse, se achar que vale
o dinheiro, vendo, se não, fico.
— Pelo jeito trabalhou dia e noite.
— As vezes quando se quer entender a única coisa que
lembra, ficamos a trabalhar por horas.
— Lembrou de algo?
— Toda a estrutura mecânica de um veiculo, estranho como a
parte mecânica está aqui ainda.

60
Alguns me cumprimentaram, não falei nada, eles não
precisavam saber que não lembrava, mas quando me virei, senti o
tapa e olhei para Pamela, olhei a menina e falei.
— Pelo jeito este Guto era terrível.
Regina ao fundo sorriu e falou.
— Não vai explicar?
— Vim apenas entregar o pedido, ainda tenho muito a
concertar do outro veiculo.
— Dizem que tinha o outro, nunca o vi na pista.
— Esquece que não lembro de ter corrido, para mim, vocês
estão falando de um ser que não vejo motivo de existir, pois eu não
gosto de correr.
— Mas se isto despertar ai dentro, sei que muitos tremeriam.
Carlos fez que o carro deu defeito na entrada, ele abre o capo
e fica a olhar o veiculo, muitos me olhavam, cheguei ao carro e falei
baixo.
— Vai dizer que alguém ainda acredita nesta mentira.
— Sabe que todos lhe olham, mas o seu mancar, o andar
torto, a cicatriz não existiam primo.
— Esqueço que era melhor que agora.
— Não falei isto.
Senti alguém as costas e ouvi.
— Não acredito no que estão falando.
Olhei para traz e vi Pamela e falei.
— Doeu moça, o que falou?
— Não acredito no que estão falando.
— Não sei o que estão falando.
— Que não lembra quem foi.
— Se namoramos moça, peço desculpa, pelo menos tinha
bom gosto, mas ninguém sabe quanto tempo fiquei desacordado
até me acharem, lembro apenas de ter acordado, bem longe daqui,
vim para as origens, mas se lhe fiz mal, desculpa.
Ela me olha serio e fala.
— Mas quem fez isto?

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— Se lembrasse moça, seria mais fácil, sempre tenho a
sensação de que quem fez por primeiro, vai tentar novamente.
— E vendeu o carro?
— Ela disse que queria, mas não sei se já dirige, parece nova
para isto, mas aquele carro não é um carro de corrida, é um V8, a
potencia dele, em 4 voltas, a potencia máxima não tem como
vencer.
— Mas porque não, aquele motor você que fez, e pode não
saber, mas também amo regular motores.
— Então deve ter sido isto que me fez lhe olhar?
— Não chegamos a namorar.
— E me dá um tapa daqueles? Imagina se tivéssemos.
— Mas não entendi a colocação.
— Acha que quem vence?
— Sergio.
— Desregula, todos os vencedores dos últimos dias,
morreram misteriosamente.
— Ele não acredita nisto.
— Seu irmão?
— Não, cunhado.
— Arriscam por tão pouco.
— Acha que venceria ainda?
— Não sei se um dia corri neste lugar, mas me parece uma
pista boa de correr, mas que precisaria de um carro mais leve para
ganhar a corrida.
— Esta falando de consumo?
Sorri, ela entendeu finalmente.
Vi ela ir ao veiculo de Sergio e fazer uma regulagem que o
daria muita potencia, ela poderia não querer arriscar, ela estava
linda, eu, este traste.
Vi as duas baterias e no fim da segunda vi a raiva nos olhos de
Regina que chega a mim e fala.
— Está um lixo, e pensar que acreditei que ainda era o
mesmo.
A moça se afastou e cheguei a Sergio e falei.

62
— Ainda tem como inscrever um corredor para ultima
corrida?
— Quer correr?
— Não montei um carro para alguém que não sabe dirigir
chamar o que montei de lixo.
Regina ouviu, este era eu, mas ela olha para eu entrar no
carro, olhar a regulagem e por ela no máximo, enchi o tanque até o
limite e fomos todos para a pista.
Quando me anunciaram, que Augusto Machado correria a
ultima bateria com seu clássico Flecha de Prata, todos me olham e
aplaudem, olhei para onde Regina olhou, olhei para Carlos que olha
o policial.
Eu não me classifiquei, então estava em ultimo na largada,
obvio, teria de correr com moderação, teria 3 voltas, para sair de
ultimo, passar 19 carros, e ganhar, ou perder, mas uma coisa era
dizer que meu carro era ruim, vi Regina pegar o antigo carro, o
clássico Comodoro de Roberto.
Todos parados, eles cantam pneu e saem, eu largo, mas sem
cantar pneu, o acelerar naquela imensa reta, fez o carro pegar
embalo, quando engatei a terceira e acelerei na curva, o carro
grudou no chão e passei 3 dos rapazes, quem via da arquibancada,
começam a olhar eu acelerar, um na curva a direita, um na da
esquerda, olhei os demais, Regina a frente acelerou, ela não iria
querer perder para mim, ela ultrapassa Sergio tomando a frente, eu
chego atrás de Sergio, o carro dele era rápido, estranho em uma
volta ter saído do 20º ao 3º, talvez os demais realmente temessem
aquela maquina, mas eu tinha de estar com combustível na ultima
volta, então grudei atrás de Sergio, no vácuo e fiz uma volta inteira
atrás dele, quando passamos abrindo a terceira volta, eu na freada
o fiz com o motor em aceleração e passei ele e em 2 curvas estava
encostado na traseira de Regina, ela olha eu no retrovisor, era reta
oposta, eu grudei no vácuo, eu vi o ponteiro piscar no vermelho da
gasolina, então tinha a reta oposta, a curva em alta e a reta de
chegada, no vácuo eu economizava energia, eu deixei até faltar uns
30 metros, atrás, coloquei de lado e passei vendo o combustível

63
acabar a poucos metros da linha, o carro com todo peso passa
folgado a frente.
Sorri, sabia que tinha comprado uma inimiga, mas obvio, o
publico delirava na arquibancada, eu parei no fim da reta, não tinha
gasolina e Sergio me deu carona até o box improvisado.
— O que aconteceu, parou? – Regina.
— Se não tivesse desistido, teria vencido Regina, eu fiz a
curva rápida já sem gasolina, talvez o que falte a vocês é vontade de
correr, mas dizer que o Mercedes não serve para correr, um
absurdo.
— Mas como pode dirigir algo tão pesado.
— Economizando gasolina, pois uma vez embalado, ele passa
de qualquer jeito.
O pessoal chega perto, eu me afasto e falo.
— Mas se quiser, ainda está a venda.
Ela olha o carro parado no fim da reta e fala.
— Eu compro, mas terá de me explicar como se ganha com
um carro daqueles.
Sorri, ficou claro que a moça queria o carro, ela tinha
dinheiro, eu fui lá entregar a encomenda, ela falou mal do carro,
mas não era hora de festa ainda.
Entrei no opala e todos viram eu acelerar para fora, não fiquei
para parabenizações, mas o carro foi no sentido da cidade de
Piraquara, olho aquele senhor amarrado e ele me olha.
— Acha que vai se livrar de ser um alvo rapaz, está morto.
— Quem quer minha morte rapaz.
— Nem sabe quem o quer morto, mas pelo jeito lembrou de
mim.
— Muito pouco, quase nada, só lembro de você me
empurrando no camburão, mais nada.
— Nem pode me acusar.
Olhei para o rapaz ao lado e falei.
— Quem era o alvo do dia?
— Acha que vai ser fácil.

64
— Acho que não, mas Carlos, o que acha que faria eles
falarem?
— Podemos prender eles naqueles formigueiros do gramado,
e esperar eles resolverem falar.
— Não pode fazer isto.
— Podemos, mas não faremos em um gramado que passe
gente, e sim um aqui nem Piraquara que ninguém passa. – Carlos.
Olhei para eles e peguei o Opala e volto a região e olho para
Regina, olho para Sergio e falo.
— Podemos conversar rapaz.
— O que quer falar, não disse não lembrar?
— Apenas alertando, se cuida, o rapaz que tentou me matar,
disse que você era o alvo da semana, alguém não entende, que se
for para correr sozinha, não é vencer, é apenas correr.
— Tem certeza disto?
— Infelizmente sim.
— E como descobriram?
— Lembrei de um senhor, mas eu sou alvo por não ter
morrido, ela queria apenas comprar o carro, para ninguém poder
dizer que foi por isto que mandou me matar.
— E acha que ela se contenta.
— Eu vou falar com ela, mas se cuida.
— Mas...
— Fala com seu pai, ele sabe quem pressionar para o manter
vivo rapaz.
Chego a Regina que me olha ao lado do carro e fala.
— Veio a comemoração?
— Acho que não sou de comemorações, este lugar não é
meu, me sinto mal, vocês parecem gente de dinheiro, eu sei de
onde eu sai.
— E veio falar algo?
Estiquei o cartão para ela, estava ali o numero da minha
conta, e atrás estava escrito. “Cabo Herbert subiu no telhado”.
Ela me olha, todos estavam olhando, eu dei as costas e estava
saindo quando ela segura minha mão.

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— O que quer dizer com isto.
— Não é lugar para falar disto, mas se eu amanhecer morto,
agora pelo menos sei quem pagou minha morte, mesmo que não
saiba se este que mandaram matar era gente boa ou ruim.
Ela me olha como se o rapaz tivesse falado, ela dá um passo
atrás e fala.
— Vai voltar a ser o pobre metido a besta?
— Não, eu não pretendo ficar em ambientes que não me
fazem bem, se corri hoje foi pois desmereceu um trabalho meu,
mas não quero correr, se precisa de alguém para preparar os carros,
aceito o desafio, mas não ofende os veículos, eles merecem o
respeito, são bem mais velhos que ti.
Eu me afastei e vi Sergio olhar a moça, ela olha a
arquibancada como se procurando alguém, que não estava lá, ele
para a minha frente e fala.
— Quando se fala em estilo em dirigir, foi o que fez na
primeira volta Guto, desculpa, Augusto, pois você conseguiu entre o
jogar de um lado, o acelerar por fora, deixar sua marca de corrida
na memoria dos que viam.
— Bom que gostou, soube que seu pai fez uma proposta pela
ponta do terreno, meu pai é teimoso, dá um pouco mais que ele
não resiste e vende.
— Pode não saber Augusto, mas a ideia disto, foi você que
teve, você propôs a meu pai isto, ele gostou da ideia, hoje teríamos
como pagar o premio do vencedor com a bilheteria.
Olhei em volta, sorri, estranho alguém jogar limpo, eles
sempre jogavam sujo.
— A reta é boa para quem tem potencia, acho que nunca
havia chego a aquela velocidade na vida, pelo menos na parte que
lembro de minha vida.
— Não lembro de ter visto você chegar a tanto, mas quando
você quer ultrapassar, eles sabem que vai passar, e todos sabem
que seu carro não é fibra, é ferro, eles sabem o estrago de tentar
lhe tirar da pista.

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— Esta dizendo que a fama que fiz venceu a corrida, este
Guto deveria ser um corredor nato.
— Pode não lembrar, mas no carro, dirigiu como ele.
Olhei ele aos olhos e falei já saído.
— Mas se cuida.
Entrei no carro e sai pelo portão, vi os policiais mais a frente e
parei o carro antes deles, eles começam a pedir documentos, sorri,
olho para Sergio a entrada, ele olha a policia, não sei o que ele
pensou, mas ele sorriu.
Eu olhei o trilho de trem ao lado da estrada de entrada, eu
coloquei na pista que acabava no trilho, e acelerei, pego velocidade
e pulo o trilho, sinto o gramado do outro lado, puxo o freio de mão,
o carro inverte a direita, o solto e saio queimando pneu na rua ao
lado, os policiais ao longe entram nos carros, mas eu não iria a
delegacia hoje.
Acelerei dobrando em uma vi a frente, e mais a frente parei o
veiculo em um posto, eles passaram bem abaixo, olho um rapaz me
apontar e outro vir falar comigo, estranho isto.
— Nos daria um autografo Guto Machado?
Não sabia se sorria ou saia correndo, mas precisava que os
policiais se afastassem.
— Pelo jeito andou fugindo da policia.
— Eles parecem adorar me perseguir.
Assinei a camisa dos dois, coisa meio estranha, mas saio no
sentido de Piraquara pela PR415.
Chego ao terreno e os rapazes gritavam do lado de fora,
estavam bem ao fundo e olho para Carlos.
— Vai chamar atenção primo.
— Temos 12 nomes, não sei como vencer algo assim.
— Alguém grande?
— Um delegado, parece que o próprio pai da moça sabe o
que está acontecendo, ele está vingando a morte do filho.
— Idiota.
Entro no terreno e olho para o rapaz ao lado e falo.
— Me ajuda a abrir duas covas.

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— Mas...
Carlos pegou uma pá, e chega ao lado e começamos a abrir
duas covas, os rapazes estavam amarrados nas mãos e nos pés,
apenas empurrei eles para o buraco, o rapaz todo confiante me olha
e fala apavorado.
— Não pode me matar.
— Um dado que valha sua vida, todos os nomes, parecem
inventados, me convença que apenas estes estão envolvidos.
Sentei, olhei para Carlos e comecei a anotar os nomes que ele
falou em pânico, olhei para o rapaz que estava ali com Carlos, e
falei.
— Podem enterrar.
Não fiquei para ver eles encherem os buracos com terra,
entrei no carro e olho em volta, teria de falar com alguém, e não
sabia com quem.
Olho Carlos e falo;
— O que teria de gente capaz de nos dar cobertura Carlos?
— Você está mais duro, parecia amar as coisas mais fácil.
— Odeio a ideia de ver todos morrerem, mas vou ao centro,
não sei onde vou parar isto primo.
— Espera um pouco para sair, vai onde?
— Largo da Ordem.
Vi Carlos pegar o telefone da casa, discar e falar com uns
amigos, não sabia quem eram, mas ele me olha e fala.
— Tenta não se matar.
Entrei no carro e sai.

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Estava sentado no Sal Grosso, sempre gostei das mesas deste
bar pois ficam ao calçadão, olho em volta, vi que a policia estava
fechando o local, vi que o negocio iria pegar fogo.
Estava ali a olhar para cima, quando alguém sentou a mesa e
ouvi.
— Ainda não acredito que você não lembra de nada.
Sem olhar para a moça falei.
— Quando se quase morre, e continuamos sendo alvo,
tentamos deixar os demais de fora Pamela, sei que muitos não
entendem, mas se sumir hoje, sabe, não foi um suicídio, não foi um
acidente, apenas um Desembargador e sua filha, resolveram vingar
a morte do filho, sobre todos os corredores de rua da cidade.
— E não tem como falar isto?
— Se eu falar para alguém e esta pessoa falar, os dois vão
sumir, as pessoas somem neste país.
— E não vai me olhar?
A olhei, eu me sentia um caco, ela passa a mão em meu rosto
e fala.
— Pelo jeito o estrago por dentro foi maior que por fora, não
sorri mais.
— Pamela, para sobreviver, tenho de não ser eu, pois eles só
vão parar se os pararmos, mas o fizermos sem que eles desconfiem
de nós.
— E como paramos algo assim?

69
— Acho que vou ter de jogar, e não quero machucar
ninguém, sei que vai acabar acontecendo, mas não quero machucar
ninguém.
— E por isto quer eles acreditando que você não lembra.
— Na corrida, assim que ganhei, Regina olha para dois
policiais na arquibancada, lembro de um, talvez das ultimas
lembranças antes de ter acordado quebrado a beira de um rio que
nem sei onde fica.
— Sabe quem encomendou e quem fez, mas se falar eles vão
inverter para você, e se não acontecer assim.
— Eles invertem historias, eles são a lei, mas recomendava
não ficar por perto hoje.
— E se quiser ficar.
— Toma cuidado, nem eu sei quem a rua sabe quem sou.
A polícia descia a rua, ela vinha direto, Pamela me olha
segurando minha mão.
— Se cuida, vou ficar na parte interna.
Sorri e o garçom me olha e falo.
— Melhor recolher as garrafas assim que a confusão
começar.
— Que confusão?
Sorri, Pamela encostou no fundo, olhei um policial me
apontar, obvio que com aquela cicatriz ficou fácil me identificar, os
policiais chegam a mesa e um fala puxando a arma.
— Mãos na mesa.
Outro dava cobertura e olhei para o senhor.
— Se vai atirar em alguém desarmado, é só puxar o gatilho
policial, não precisa inventar depois.
Um grupo de Punk passava ao fundo, e um puxa uma garrafa
a mesa da frente e acerta um outro rapaz, o policial vê os dois
grupos começarem a brigar ali a frente, ele dá um tiro para cima, e
nem sente quando um rapaz o acerta a cabeça, vi os rapazes
acertarem o segundo policial, os que estavam a uns 20 metros
chegam sacando as armas.

70
Se um começasse atirar seria a morte de inocentes, mas um
segundo grupo descia a rua, passando pelos carros da policia e
batendo neles, um grupo da torcida organizada da Mancha, os
policiais viram que a rua enchia, do outro lado, um grupo de
pessoas com camisa da Fanáticos, eles estavam no meio, eles viriam
e se encontrariam ali, os policiais mais a cima tentaram intimidar e
foram encostados a parede, alguém soltou um rojão na parte
interna de um dos Corcel da policia, o agito para todo lado, o
empurra-empurra, o agito estava grande quando os policiais se
viram desarmados, dentro de carros presos, os punk arrastaram os
policiais rua acima, todos olham em volta e as torcidas se
cumprimentam, no lugar de brigar e vejo pessoas armadas
conduzindo policias em seus camburões para fora dali, olho para
dentro do bar e Pamela sai e fica ao meu lado, subimos a rua e um
rapaz me olha e fala.
— Deve ser Guto.
— Sim, o que está acontecendo?
— Ainda não sabemos, mas se tem uma coisa que a policia
não gosta é de apanhar.
Ele fez sinal para entrarmos levantando o banco do fusca para
entrarmos, e vi o carro sair ao norte, meu carro ficou ali estacionado
a calçada.
Paramos em uma pedreira ao norte da cidade, ficava numa
rua lateral ao Parque São Lourenço, vi o fusca chegar a um lugar e
Pamela olha para mim e fala.
— Não preciso saber o que vai acontecer ai.
— Não vai acontecer nada de mais.
— Tem de ver que coisas assim saem do racional.
Sorri, eu não sabia nem o que estava acontecendo, mas o que
eu não sabia também, é que cada um a volta, tinha um membro da
família que sumiu sem explicação, sem dizerem nem que tinham
sumido.
Sai do veiculo, olho aquele grupo de pessoas com armas
apontadas para eles, mandando eles tirarem as armas, quem
reagisse morreria, vi que a coisa estava complicada, vi um rapaz me

71
alcançar a mascara de Elis Regina e olhei em volta, todos estavam
com aquela mascara, resolvi ver de perto, mas vi que a coisa não iria
ser fácil, não sabia quem era quem, a vantagem das mascaras, é que
nem quem estava ali como quem estava executando ficava
evidente.
Vi o rapaz bem a frente olhar um policial e perguntar serio.
— Quem iriam fazer sumir hoje?
— Ninguém, entenderam errado.
O rapaz sacudiu a cabeça negativamente e deu um tiro na
perna do senhor, que se recolhe de dor, talvez Pamela tivesse razão
em não querer ver o que aconteceria ali, mas vi que um caminhão
de pedras vazio, ouvi o segundo tiro, vi que o segundo rapaz
começa a falar, eles separaram os que falaram algo, os que não
sabiam nada, iriam naquela noite ao outro mundo, mas entro no
carro e olho para Pamela e falo.
— Eu e você estamos na lista da noite.
Ela pega a lista e fala.
— E o que vamos fazer.
— Vamos pegar meu carro, passar na casa de seu pai, pegar
sua irmã, seu cunhado, e vamos dar uma volta.
— Uma volta?
— Eles deram a ordem, não sabemos quem a recebeu para
cada, mas todos que estiverem na cidade pela manha, com certeza,
sumirão.
Passamos nos endereços e descemos para Paranaguá, tinha
parentes lá, mas nada de gente rica, apenas gente que morava em
casas pequenas e desprovidas, para mim algo normal, para alguns
que ali estavam, algo estranho.
Eu não sabia se a ideia daria resultado, mas obvio, muita coisa
ficou visível, muita coisa ficou sem explicação, mas entrei na casa de
um Tio-Avô, ele me recebeu a porta, sorriu, eu não conseguia sorrir
mais com aquela naturalidade.
Ajeitamos os 8 da lista na casa, eu me ajeitei na varanda, sem
saber o que acontecia na cidade.

72
Acordei assustado na rede, a perna estava toda picada por
pernilongo, sorrio, cocei e olhei para fora e vi que o dia seria
abafado.
Quando eu sentei a cozinha meu tio-avô me perguntou.
— O que houve neto? – Ele sempre me tratou como um neto.
— Me colocaram em uma lista a dar sumiço vô, escapei da
primeira vez, é só olhar o estrago que fizeram na primeira vez.
— E resolveu proteger os demais?
— Quero entender como parar a lei, pois tudo que vemos é
uma estrutura que não conseguimos mexer, temos sempre de
desviar, mas começo a achar que posso estar trazendo problema a
quem me ajudar.
— Seu pai disse que bateram na casa dele, ele soube que algo
havia acontecido, pois da primeira vez eles nem apareceram.
Tenho de cuidar para não me achar esperto, olho em volta e
vejo as noticias na TV Globo.
— Uma briga ontem na parte histórica do Largo da Ordem,
parece que gerou alguns sumiços, existem pais perguntando pelos
filhos, que foram ao largo e não voltaram, todos falam em uma
grande operação policial no local, outros falam que houve confronto
de torcidas organizadas com a policia no meio, poucas informações,
mas existe uma lista de mais de 50 pessoas que sumiram no centro
ontem e o chefe de policia diz que nada aconteceu, que eles não
sabem nada sobre o assunto.

73
Algumas fotos da região apareceram no fundo e a jornalista
terminou.
— A policia diz que existem 42 policiais que não voltaram
para casa ontem a noite, então podemos ter mais de 90 pessoas
sumidas depois dos confrontos ontem no centro da cidade.
A moça olha o papel alcançado para ela e termina.
— O DOI-CODI acaba de mandar um comunicado que está
mandando um grupo especial para Curitiba. Tropas do Exercito
estão se mobilizando e a policia Federal vai confrontar os dados das
pessoas envolvidas.
Olhei parar Carlos que entrava na sala e falei.
— Odeio o que aconteceu, mas não posso ficar escondido
agora Carlos.
— Sabe o risco?
— Sim, odeio muita coisa, mas começo a ver uma luz no fim
do túnel.
— Sabe que vão cair matando.
— Sei, mas as prisões e coisas do gênero, não tinham haver
com o DOPS, eles acabaram de por gente assim no problema.
— Certo, vai fazer oque?
— Mantem os demais por aqui, ninguém nem vai olhar para
cá por enquanto.
Peguei o carro e subi a serra novamente, calmamente, sem
mais estardalhaço do que aquele carro poderia gerar, sei que
poucos me conhecem, mas com certeza, muitos vão falar coisas que
não sabem sobre mim, então melhor estar lá.
Chego em casa e estaciono o carro, meu pai me olha e olho
para a mãe e falo.
— Vamos conversar na oficina?
Entro na oficina e ligo um dos motores e falo.
— Eles entraram por onde pai?
— Apenas portão.
— Evita telefone, e tudo que possa ser rastreado, desconfio
que alguém resolveu aprontar ontem a noite, e sempre sobra para
nós.

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— Por que disto filho? – Minha mãe.
— Eles vão por o DOPS nisto mãe.
Meu pai me olha e olha para fora, sabia que poderiam vir a
ouvir os telefones, coisas do gênero, me olha e fala.
— E porque eles poriam o DOPS?
— Porque um grupo de policiais, com um grupo de
procuradores, resolveram que matariam todos os corredores de rua
da cidade, mas ontem o grupo de corredores de rua não estava com
vontade de morrer.
Ele se cala olhando para fora.
— Vai ficar por ai?
— Pai, se eles vão procurar alguém, eles vão ter de achar os
que estão em casa, depois os sumidos, depois os corpos, mas
ninguém está morto ainda.
— Certo, temo por...
Ouvi alguém batendo a porta e fui a ela.
— Senhor Augusto Machado?
— Sim, eu.
— Poderia me acompanhar?
A vestimenta impecável, barbas impecáveis, carros pretos ao
fundo, já me adiantavam que não seria uma simples conversa.
— Preciso de meus documentos ou posso ir assim?
Os rapazes apenas se olharam e falam mais ríspidos.
— Vamos de uma vez rapaz.
Sei que fui levado, sei que as torturas que sofri ali no centro,
na Rua João Negrão, ninguém vai falar que aconteceu, mas o que
mais estranho, alguém que se diz médico, acompanhou tudo, para
que eu não morresse na mão deles.
Sei que eu não sabia as respostas as perguntas, eu sai dali
para uma prisão militar, como o carro estava todo fechado, não vi
onde era.
Sempre ouvi sobre guerrilheiros, eu nunca fui um, mas duvido
que eles estejam atrás de um, eles não me fizeram perguntas que os
levariam a alguém, eles apenas judiavam por gostar de judiar, sei
que meu corpo estava doido, a sola do pé cortada, de ficar horas

75
sobre uma embalagem de leite em pó, o corpo tinha queimaduras,
mas quer saber, não são estes os meus inimigos, estes são a inercia,
e sempre dizem que a inercia se extingue por si.
Fiquei 6 meses em uma cela, e um dia fui deixado em frente a
casa dos meus pais.
Soube que pegaram outros, soube que ainda procuravam o
grupo armado que dera fim em muitos policiais, mas como digo, na
minha casa não tem armas, não sei atirar, mas isto não quer dizer
que não saiba abrir buracos e bater para valer.
Sei que minha mãe me vendo um traste sorriu, ela gritou para
meu pai que veio e me abraçou, o corpo estava já curado das
feridas, magro, sujo, barba por fazer, mas aquilo era apenas um
pedaço do problema, e sabia que quem pediu uma morte,
continuaria a pedir mortes, precisava parar estes senhores.
Sei que tinha sido preso, não sei como, mas sei que não
consegui vaga nos colégios noturnos do estado, parecia que meu
nome estava na lista a não darem vagas, mesmo no Camões que era
pago, vieram com a desculpa que não tinha mais vagas.
Meu sonho de me tornar algo mais, começava a mudar, talvez
o que muitos não sabem, é que se você não tem desafios, você não
cresce, minhas poupanças estavam lá, olho aquilo e sento-me a
praça Santos Andrade, olho ao fundo, alguns me observavam, eu
ainda estava sobre monitoramento, bem que meu pai falou no dia
anterior para não usar os telefones.
As vezes queria não ter nada a perder, mas tinha, eu amava
minha família, eu amava minha vida, mas estava ali, pois sabia que
um dos meus problemas, sairia pela porta da Universidade a frente,
ela sempre passava por ali, para pegar seu carro e ir para casa,
como se nada tivesse acontecido.
Ela estava falando com duas moças, quando me olha, ela não
deveria ter sorrido, sinal que algo estava errado.
— Pensei que tivesse me livrado de você.
— Indico falar baixo, agora o DOPS me observa, e não quer
uma confissão em documentos deles.
Ela olha em volta e pergunta.

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— Veio falar comigo?
— Soube que ainda não aprendeu a vencer, Regina, já pensou
matar todos e perder para você mesmo, é o mais frustrante.
— Não sabe o que está acontecendo.
— Sei, seu pai resolveu jogar a culpa que é dele, pois ele que
sempre financiou as loucuras de Roberto, sobre todos os demais,
para não assumir, eu matei meu filho.
— Lembrou das coisas, mas acha que alguém acredita?
— Acha que falei para alguém isto?
— Pelo jeito não, mas ele não vai mudar de ideia, o pai do
Silvio agora apoia a ideia dele.
— Sei disto Regina, mas quer aprender a correr, a ganhar com
seus méritos, ou vai deixar seu pai acabar com a diversão só para
não assumir que ele fez merda.
— Não posso falar assim com meu pai.
— Eu acho que você fala pior com seu pai, tem jeito de quem
colocou a ideia na cabeça dele, sei que me odeia, mas não me culpe
por ser insuportável, e você ter invadido a minha praia, pois de
carros de corrida, eu entendo, não você.
— Continua sendo agressivo.
— Eu quase morri desta vez moça, se tem uma coisa que não
gosto, é de quase morrer, se o seu pai forçar mais, e você apoiar,
pode ser que a próxima pessoa presa pelo DOPS seja você.
— Eles não se atreveriam.
— Eles não fazem Regina, se perguntar, vão negar que estive
preso, eles monitoram a gente para não morrer, mas não quer dizer
que não tenhamos como morrer lá, mas para seu pai, eles vão
negar, vão afirmar que foi aquele grupo ilegal, da Operação
Bandeirantes, mas são todos interligados, e seu pai se não sabe, é
por ter medo de perguntar.
— E porque eles estão nos olhando.
— Eles acham que sou culpado de algo, o que ainda nem eu
sei, seu pai acha que sou culpado, mas neste caso, ele sabe que o
culpado não fui eu, ele sabe que pode nos matar a todos, mas a
culpa continuará sendo dele, por um momento pensei que era isto

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que você queria, fazer ele depois sentir-se mais culpado, pois uma
hora ele não terá mais em quem jogar a culpa.
— E vamos ficar conversando de pé na praça?
— Não podemos ir para sua casa, envolveria seu pai, não
podemos ir para a minha, pois eles devem ter implantado escutas,
nem sei se isto funciona bem, mas eles são malucos para tentar,
mas se me convidar a beber uma cerveja, aceito, você paga. – Falo a
olhando.
— Pelo jeito quer que desista da sua morte.
— Regina, sei lá porque me quer morto, talvez isto que me
interesse saber, mas duvido que uma cerveja a fizesse falar.
Ela fez sinal para ir a frente e atravessamos a praça, ao lado
do Teatro Guaíra tinha um café, entramos nele e ela pediu uma
cerveja, o garçom olhou atravessado, pelo jeito ele não gostava de
servir cerveja tão cedo.
Tomei o primeiro copo olhando Regina, era o tipo da mulher
que não me atraia, não sei, existem pessoas que sorriem e mudam
nossa posição, ela parecia até no sorriso ser falsa.
— Tem de ver que você era o amigo do meu irmão que nunca
me deu bola, o único que ia lá em casa e me chamava de criança, os
demais sempre brincavam com Roberto o chamando de Cunhado,
você nem me olhou como mulher.
— E isto incomoda tanto assim?
— Agora você está acabado, mesmo que não o mate, você
agora tem uma cicatriz, manca, hoje ninguém vai olhar para você
mesmo, digamos que neste ponto estou vingada.
— Quantos desafetos já mandou matar, ou somente eu levei
este azar?
— Mandar matar só você, tinha um namoradinho no começo
do colegial que achou que tinha de o obedecer, não queria nem que
me divertisse com minhas amigas, mas ele tropeçou na escada lá do
colégio, pobre coitado quebrou o pescoço.
Sorri, estava diante de alguém que não tinha medo de falar
isto para mim, sinal que pretendia me matar, mas olhei para ela e
perguntei serio.

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— Então era só ter te dado bola e não teria sido o primeiro da
lista?
— Quem manda não ter me dado bola e ter ganho bem na
corrida que Roberto perdeu, meu pai nunca vai saber que o mano
estava quase em ultimo quando bateu.
— E acha que quantas mortes contenta seu pai?
— Acho que com o sumiço de 12 corredores ele se contentou,
dizem que até aquela sua namoradinha sumiu.
— Sei lá, não a vi, pensei que ela estava me evitando, quer
dizer que colocou o nome de todos na lista?
— O pai de Sergio está tentando manter o autódromo, a ideia
é boa, mas pergunta do filho sempre.
— E vai correr no Domingo?
— Eu vou, ainda não me acertei com o Flexa, mas ele não
podendo correr, pois é meu, ninguém tá conseguindo me vencer.
— Nos vemos no Domingo então.
— Vai se atrever a tentar ganhar de mim?
— Vou ter de emprestar um carro, mas sim, e não bobeia, lhe
jogo na arquibancada.
— Me ameaçando.
— Quem sabe você acorde, que o que fazia não olhar para
você Regina, é este comportamento infantil, e desculpa, não
namoro crianças.
Levantei e falei para o garçom.
— Se ela não pagar Roger, eu pago na volta.
Ele olha a moça e sorri.
Saio a rua e vejo aqueles rapazes saírem atrás, não sei o que
eles queriam comigo, mas estava na hora de falar com um
Desembargador, então fui ao fórum, e esperei na sala de espera, o
senhor me viu ali e falei.
— Gostaria de conversar senhor.
Ele me olha, eu frequentei a casa dele desde os 15, agora o
senhor parecia na empáfia de ser um procurador do estado.
— Não falo com marginais.
— Não, manda os matar e se esconde no escritório, não é?

79
— Me acusando?
— Já que o DOPS com aqueles dois ao fundo se fazendo de
indiferentes estão ouvindo, vai a dica Procurador, se outro corredor
se acidentar em casa, morrer sem explicação, pode ter certeza, sua
filha é a próxima, se acha que pode matar como fez, com o senhor
Locco, as duas filhas, e se acha homem por ter feito isto, quem sabe
quando a sociedade souber quem é o senhor de verdade, assim
como este pessoal do DOPS, eles poderiam perguntar para o
senhor, o que fez com todos aqueles policiais, porque eles não
cumpriram a minha execução.
— Acha que eles acreditam.
— Eles sabem, mas você é parte, não deveria estar matando
os rapazes deles, acho que o problema senhor, é que é um
merdinha, e pode me prender por Desacato, mas terá de narrar o
desacato, quero ver o senhor o fazer.
Dei as costas e sai, os rapazes do DOPS estavam olhando o
senhor, não para mim, não sei para quem a secretaria estava
olhando, mas o recado fora dado.
Sai dali e fui a casa do senhor Locco, ele estava olhando as
paredes, meio perdido, quando me vê a porta.
— Não vou vender nada hoje rapaz.
— Não vim comprar senhor.
— O que quer então? – Agressivo.
Estiquei uma lista para ele e falei.
— Elas estão escondidas senhor, aquele Desembargador
Mathias Senff, pagou para apagar todas, elas souberam e se
esconderam.
— Porque ele faria isto?
— A filha dele diz que ele culpa os demais, que participam de
corridas pela morte do filho, acho que tem mais coisa ai, mas elas
devem estar voltando assim que conseguirem para a cidade.
— E porque não veio antes?
— Aqueles policiais sumiram, e o DOPS achou que fui eu,
sobrevivi, mas não foi fácil senhor.
— Acha que estão bem?

80
— Vou verificar, se eu ligar para eles o DOPS bate lá, então
estou tentando entender o problema, saber quem fez, antes de por
mais gente na mão deles.
— Obrigado, uma noticia é melhor que nada.
— Tenho de ir, não gosto desta sensação de estar sendo
seguido.
O senhor olha para os rapazes parando do outro lado da rua e
fala alto, o senhor era rápido.
— Se pagar o preço que falou, lhe vendo o Dodge.
Sorri, olhei o senhor e falo.
— Ele vale mais do que posso pagar no momento, mas
mando noticias.
Volto para casa, tinha carro a frente da casa, vi que meu pai
estava assustado, mas vi que quando entrei, um senhor
aparamentado saiu de um dos carros do exercito parado a frente e
um dos soldados bateu a porta.
— Boa noite, o senhor Gustavo Machado?
Eles entraram e eu os fiz esperar um pouco a sala e fui para
lá, olhei o senhor e perguntei.
— No que posso ajudar?
— Estamos de olho em você rapaz, mas me vieram
informações que você ameaçou um desembargador hoje, poderia
me confirmar porque você o fez, e o que de tão grave sabe deste
senhor que ele não acionou o sistema que o daria proteção?
— Eles tem matado pessoas que competem nas corridas no
novo autódromo da cidade vizinha, não entendi o motivo, mas algo
referente a morte do filho dele, em um racha, não sei o que o
motiva, mas sei que a filha dele me confirmou que é ele e um
segundo desembargador que estão por traz das mortes.
— Ela não disse qual seria o segundo?
— Não, mas disse que era outro pai revoltado com as corridas
de rua em Curitiba, não entendi ainda os motivos totais senhor.
— Dizem que foi convidado do DOPS estes dias?
— Passei lá sim, pois toda vez que não sabem quem acusar,
vem sobre os pobres, se é este o tipo de informação privilegiada

81
que o DOPS levanta em Curitiba, nem quero ver a casual, pois é fácil
deixar os culpados fora, por serem de famílias tradicionais, e
descontar em pessoas como eu.
— Pelo jeito não sabe conter a língua rapaz.
Sentei a frente do senhor e falei;
— O senhor sabe fazer isto, me conta como, quando, pois não
vi seus rapazes segurarem a língua, eles falaram mais sobre os locais
que eu estava do que eu sobre minha vida, mas continua a pergunta
senhor, no que posso ajudar?
— Saberia quais as pessoas que eles pediram a morte?
— Tem gente que se escondeu senhor, não vai morrer apenas
porque um Desembargador do Estado do Paraná quer que ele
morra.
— Mas saberia quem está na lista?
Levantei e fui ao quarto, coloquei as duas listas na mão do
senhor e falei.
— Quem são não sei, mas quando me passaram estas duas
listas, eu prestei atenção apenas no meu nome, sabia que tinha me
metido com as pessoas erradas.
O senhor alcança a lista para o soldado ao lado e apenas
levanta-se e sai.
Eu fiquei ali parado, não sabia o que aconteceria ainda, mas vi
que os rapazes do DOPS fizeram que saíram, não saberia se saíram
de verdade.
Meu pai me olhou e fui a oficina, olhei para o Opala, ajeitei
ele, e sai.

82
Eu no domingo acordo cedo, olho para o carro, vou ao banho
e tomo um bem demorado, eu não estava querendo algo fácil, mas
sabia que o dia seria de pé no fundo.
Olho meu pai, olho para o fim da rua, tinha um carro estranho
lá, como saber de quem, eram tantos grupos de repressão, que se
duvidar um não sabia o que o outro fazia.
— Toma cuidado filho.
— Cuida da mãe pai, cada um tem seu destino, eu construí o
problema, eu não entendi o senhor aqui ontem, sei que você não
falou nada, sinal que ele lhe conhece, mas pai, protege a mãe, as
vezes temos de tomar as rédeas da nossa vida.
Entrei no Opala, sai calmamente, passei no posto de gasolina,
enchi o tanque e abri o porta mala, enchendo mais 6 galões de
gasolina.
Chego a região do autódromo, pago para entrar na área de
competidores, olho para Regina, tinha uns três competidores, não
olhei em volta, a frente estava apenas Carlinhos Silva e Valter
Rodrigues, corrida a 3 era algo que não teria graça.
— Achei que não vinha.
Não falei nada, olhei para o pai de Serginho e falei.
— Seu filho deve estar chegando por ai, vamos ver se ele
melhorou estes dias treinando fora.
Regina me olha assustada, o pessoal ao publico não estava
muito grande, então quando os 10 carros a mais embicam na área
de corrida, o senhor sorriu ao ver o carro do filho.

83
Eu não olhei muito, mas sei que Carlos estava ainda para
chegar, ele pela manha disparou em todas as rádios que hoje teria
uma grande corrida no autódromo, não sabia se daria efeito, soube
mais tarde que tinha um radialista presente, quando ele anuncia
que seria uma super corrida, que já tinham mais de 14
participantes, e não sabia quantos viriam, as pessoas dos bairros
próximos começam a sair no sentido do autódromo.
Vi Carlos chegando ao fundo, olhei para Serginho e falei.
— Pronto para voltar?
— Não entendi a ideia?
— Sergio, eu não sei se a ideia vai dar certo, mas sei que uma
corrida a quatro não tem graça.
Vi Pamela chegar perto e me olhar serio e falar.
— Dizem por ai que não fugiu do desafio.
— Está linda.
Ela se aproxima e me beija, pensei que ela não o faria, não sei
o que os demais pensaram, mas sei que foi um beijo que me fez
perder a concentração, me fez pensar o quanto poderia tentar ser
eu novamente.
Ela afasta os lábios e fala.
— Detona eles, mas se for para ficar inteiro, aceito que
chegue em segundo.
— Vou tentar não me quebrar.
Olhei o agito na entrada, tinha gente chegando ao montes,
mas vi que alguns carros da policia de repressão chegam a entrada,
poderia ser que terminassem a corrida antes de começar, mas pelo
menos já tinha levado o beijo de consolação.
Os rapazes se colocaram ao longe, Carlos ficou tenso, imagino
que parte do pessoal a arquibancada também, mas não
interferiram, Regina sorriu, ela também não estava entendendo,
mas olhei para Pamela e falei.
— Ajuda Sergio a regular o carro, vou cuidar do meu.
— E o que pretende?
— Não sei quantas voltas vão ser, mas este dá para dar mais
voltas.

84
Coloquei os galões para fora do carro, coloquei gasolina até o
ponto máximo, liguei o carro, acertei a regulagem e o desliguei.
O pai de Sergio o abraçou, parecia feliz, olhei para a
arquibancada e o senhor Locco estava lá, ao seu lado uma senhora
bonita, deveria ser a mãe de Pamela, o nariz parecia com o dela.
O senhor viu mais quatro competidores que a muito não
apareciam surgirem, muita gente havia se afastado, pois sentiram
que as pessoas estavam morrendo.
Olho para o fundo na arquibancada Guedes, este deveria
estar tendo saudades do dinheiro fácil.
O senhor faz um sorteio, e obvio, três baterias, de três voltas,
o vencedor seria o melhor colocado nas três corridas.
Eu chego ao carro de Silva e pergunto.
— Não está afogando muito?
— Um pouco.
— Quer ajuda rapaz?
— Vai ajudar a todos?
— Corrida sem competição não é corrida, desafiar a si próprio
é meio chato.
O rapaz abriu o capô e olhei a regulagem do carburador e
peguei uma chave ao bolso e ajustei, pedi para ele acelerar, ele
acelerou um pouco, fui regulando até não entrar mais do que o
necessário em combustível.
— Deve parar de afogar, mas na reta vai ter de pisar mais
fundo.
— Não entendo você Guto.
— Eu gosto de correr, acho que alguns aqui também, correr é
melhor do que vencer.
— Muitos estão tensos com a repressão em volta.
— Eles não agem em público, eles adoram pegar em casa e
dar sumiço, falo por experiência própria.
— E não lhe mataram?
— Eles queriam informações que não tinha, acho que os
métodos são falhos, mas se perguntassem por bem, teriam mais
informação do que me torturando.

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— Todos a volta temem isto.
— Não é para não ter medo, aquilo não é para fracos, mas
aquilo é dentro de uma regra, que se for forte, sobrevive, passei por
algo pior, me pegaram a surdina, me bateram para matar, não
lembro nem de ter acordado, pois estava num hospital pois alguém
me achou a beira de um riacho, me tirou da agua, onde
provavelmente me afogaria.
— Soube, a cicatriz diz que foi pesado.
— Por dias eu não me senti digno de correr, me senti um lixo,
acho que por dentro foi mais difícil que por fora.
— E vai ajuda a todos?
— Carlinhos, vamos criar uma categoria, vamos fazer corridas
regulares, vamos ganhar dinheiro com patrocínio, acho que
podemos transformar o que eles chamam de diversão em profissão.
— Bebeu?
Sorri e baixei o capô, ajudei outros a calibrar os carros, vi
Carlos ao fundo sair e entrar com aquele Mercedes, fui a ele, um
motor mais leve, 3 anos mais novo, mas que corria bem, ele me
cumprimenta e fala.
— Acha que consigo?
— Tenta, se não conseguir, sabe que não é para este mundo.
— E vamos correr?
— Fala com o senhor ali, diz que cedo meu lugar para você e
saio do ultimo lugar.
— Quer se divertir.
— Sempre.
Carlos chega ao local, os carros se alinharam, o senhor foi a
parte frontal, parecia alegre de ver o filho, muitos familiares ali, pois
os filhos haviam se escondido, olho os militares, não estavam
olhando os carros, estavam a observar no geral, eu não sabia o que
eles pretendiam, mas parecia saberem de algo que não sabia.
Me posicionei em ultimo, a bateria seria curta, sempre digo
que neste tipo de corrida não tem segunda chance, o senhor chegou
ao lado e esticou um sinalizador para cima e atirou, os carros saíram
cantando pneu, eu acelero o carro e não sei porque, mas quando

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chego a primeira curva, a direita, entro engatando uma marcha para
baixo e acelerando, o carro gruda a frente no chão, mas quase sai
de traseira, se pisasse no freio ele teria saído, a segunda perna para
a esquerda faço por fora e fui passando outros 3, os rapazes devem
ter estranhando, mas entrei na reta oposta com mais de 5 as costas,
sorri e acelerei naquela reta, pois era passar e não pensar, quando
vejo que a curva aberta do fim da reta oposta estava chegando
encosto atrás de Carlos que parecia meio na duvida, vi ele pisar no
freio, a luz de trás acendeu e eu joguei a direita, meio na grama,
mas vi ele sair rodando, e os para traz freando, e eu acelerando,
chego atrás de Regina, encosto na lateral para passar e ela joga o
carro para meu lado, eu freio na reta e deixo ela tocar a grama do
centro da pista, os cascalhos subiram, e acelerei, passando
enquanto ela controlava o carro para não girar, chego atrás de Silva
e o passo na Curva a direita, Robinho na Direita e encosto no carro
de Sergio, o deixei correr a frente a reta oposta, encostando no
vácuo dele no fim da reta, quando o ultrapassei no fim da reta,
entrei muito lançado e vi o opala dar o cavalinho de pau na curva e
Sergio passar de novo, acelerei vendo Regina passar e sorri, encostei
atrás dela e a passei na reta oposta.
Acelerei mas as primeiras 3 voltas tinham acabado e tinha
ficado em segundo.
Sorri, as vezes é bom correr de verdade.
Todos os carros param e o publico foi aumentando.
Os carros alinham na posição inversa da chegada, para mim
era sempre o desafio que achava mais gostoso, sair em ultimo e
tentar chegar o mais para frente possível.
O sorriso de Regina a frente, dizia que ela iria aprontar, eu
olho para o publico, vi que o lugar estava lotado, estranho, a subida
que tinha ao lado da reta, estava com gente por toda ela, gente que
não tinha mais como por na arquibancada, mas que tinham uma
boa visão dali.
Quando vejo o senhor disparar, senti que Regina jogaria o
carro sobre o meu, sorri, Sergio sentiu o movimento e passou pelo
outro lado, mas estávamos todos acelerando, para pegar

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velocidade, alguém na frente parece ter pisado na grama e girado,
estava a minha frente, freei com tudo, os demais passaram, eu
desviei pela grama, e saio lentamente da grama a frente, enquanto
os demais já iram pela reta oposta, eu olhei para a plateia, sorri e
acelerei, talvez não fosse meu fim de semana, mas quando cheguei
aos retardatários, estava já entrando na segunda volta, nem pensei,
quase não freei entre a primeira e segunda curva, deixando ali 5
pessoas enfileiradas, eu acelero na reta oposta, passando alguns, e
entrando por fora na curva aberta para a reta principal, pegando
velocidade, enquanto os demais controlavam o carro na parte
interna, eu fazia com a traseira saindo pela parte de fora, entrei
acelerando na reta na ultima volta, deixando apenas 3 pessoas a
minha frente, encosto em Sergio e o passo, dou a curva e com
dificuldade chego ao carro de Regina e passo ela por fora na ultima
curva, mas nem vi Carlos chegar em primeiro.
Sorrio, duas vezes segundo lugar, já era uma boa posição,
mesmo que não conseguisse o intuito na ultima bateria.
Vou a beira da pista, pego o combustível e encho o tanque,
abro o capô e regulo o motor, todos olhavam os motores, mas
poucos mexeram.
Regina olha para mim, novamente ela sairia a minha frente,
sorri, olhei para Carlos e falei.
— Ela vai jogar para meu lado, acelerar tudo e passa.
— É estranho dirigir este carro, agora entendo quando fala
que é uma briga para não pisar nos freios, mas o motor sentiu a
ultima corrida.
— Estica mais as marchas, antes de chegar lá, sei que as vezes
perdi um ou outro motor por bobeiras assim.
Ele sorriu e ao longe Regina me olhava, ela parecia confiante
que algo aconteceria no final da corrida, pois olhava os policiais,
sorri, poderia ser que me metesse em problemas realmente.
Vamos a ultima corrida, a única coisa que teria de fazer, era
chegar para estar feliz, poderia chegar em ultimo e estaria feliz, isto
que alguns não entendiam, corria pelo desafio, não pelo ganho.

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O tiro e fomos a ultima bateria, obvio, acelerei, Regina veio e
tentou bater na minha lateral, ela se tivesse como objetivo vencer,
talvez vencesse, mas ela queria é me atrapalhar, Carlos passou
direto, ela viu que o rapaz aproveitou a manobra dela, eu joguei
quase fora da pista a esquerda para não bater, mas sem tirar o pé
do acelerador, a reta longa me fez chegar ao fim dela com ela ao
meu lado, ela não se preocupava em não fazer a curva, ela estava
apenas querendo me barrar, infantilidade, eu estava acelerando
tudo quando puxo o freio de mão e inverto o volante, o carro freou
jogando de lado e acelerei na curva, ela passou direto, se ouviu o
barulho da batida, não olhei, ela estava a tentar me ferrar, passei
mais 2 nas curvas e entro na reta oposta já olhando o terceiro lugar
ficar para traz, agora a frente apenas Sergio, vejo a bandeira
amarela no inicio da reta fazendo sinal para que encostássemos.
Uma ambulância estava no fim da reta, um rapaz do corpo de
bombeiro estava lá apagando o fogo, mas vi que tiraram a moça do
carro, ela parecia estar inconsciente, será que a sina daquela família
era ficar toda no caminho?
Sergio olha para mim e pergunta.
— As vezes eles esquecem que você não freia antes da hora,
mas pelo jeito vão jogar em você.
— Eu não toquei no carro dela Sergio, todos viram isto, ela
passou direto.
Estavam com os carros parados, faltava duas voltas, e tudo
estava parado.
A atenção na arquibancada estava no agito da curva, quando
se viu uma porção de policiais entrarem no lugar, eles vieram
apontando as armas e mandando todos os motoristas saírem dos
carros, olhei para Carlos e apenas soletrei com a boca “Calma”.
Os corredores sabiam que estava tudo legalizado, o pai de
Sergio foi pedir satisfação e levou uma coronhada, ele olha
assustado.
Um desembargador chega junto com os policiais e tenta
achar a filha, ele olha o carro ao fim da pista, talvez somente nesta
hora tenha lhe ocorrido que o socorro ao fundo, parado pela

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operação era de sua filha, ele olha os policiais, fazendo sinal com as
mãos, e grita com o policial.
— Prendam todos estes marginais.
O senhor olha em volta, sinto o policial me algemar, eu não
estava preocupado em ser preso, e sim em ser acusado do que não
fiz, mas os policiais começam a ouvir vaias da arquibancada, o pai
de Sergio recua, viu que era algo truculento.
Eu estava de costas quando ouvi o agito a mais as costas, ouvi
um policial ao lado perguntar para o outro.
— O que eles estão fazendo aqui?
Olhei a entrada onde os policiais entraram e vi dois tanques
de guerra, dois caminhões apinhados de gente e mais dois Opalas
negros, do exercito.
Olho para o ar e vejo um helicóptero do Exercito, com
militares apontando as armas para baixo e olho o senhor que
estivera em minha casa sair de um carro e olhar para o policial que
estava a frente, um Capitão da Policia Militar.
— Quem é responsável pela operação?
— Estamos cumprindo ordens do Desembargador.
— As quero ver por escrito, pois o desembargador está sobre
analise do DOPS, e liberem a ambulância, senão a filha dele morre e
depois ele manda dar sumiço em vocês.
Os policiais ao fundo olham a ambulância fazendo sinal para
passar, o exercito com seus rapazes estavam postados quando o
policial olha para o Desembargador.
— O que o exercito interfere em uma operação aprovada.
— Aprovada mas não comunicada, não baseada em leis,
apenas em sua vontade Desembargador?
— São marginais.
— Deixa sua filha correr com marginais, ou vai a prender
também assim que estiver boa no hospital?
— Eles estão fora das leis, não tem todas as autorizações.
— Duvido que seja sua função determinar isto, temos maior
trabalho com os Comunistas do que com os corredores, dos quais, o
senhor financia sua filha, se for considerar isto crime, o senhor

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como financiador de um crime, vai ser indiciado, e os policiais não
parecem estar cumprindo ordens, vou pedir a identificação de cada
um dos presentes, pois não quero a policia desviada para uma
vingança pessoal senhor, temos maiores usos para a policia local, e
não vingança pessoal.
— Não sei do que está falando.
— O senhor será chamado a Brasília para explicar a sua
posição referente a ordens que acabaram com o sumiço de 22
pessoas na cidade, as ordens foram dadas, as pessoas sumiram,
depois os policiais usados para tais operações, sumiram também,
então – o general olha para o capitão – a cúpula da policia militar do
estado do Paraná também vai ser chamada a explicar as
determinações, onde estão as pessoas, e o que foi feito com quem
as cumpriu.
— Mas temos a determinação assinada. – Capitão.
— O que diz esta determinação, pois se era para não
correrem, estão atrasados, se era para parar uma corrida no meio,
seria matar os pilotos, e duvido que tenham isto assinado.
O senhor estica a determinação para o general que olha os
rapazes ao fundo e fala.
— Estão todos sendo acusados de corrida ilegal – Ele olha
para o desembargador – e tem coragem de assinar algo assim, qual
era o próximo passo?
— Esta me acusando general Castro?
— Perguntando, pois esta corrida foi anunciada, sua filha
participava dela, e não vejo nos nomes a prender, porque? Por sinal
aqui diz apenas 6 nomes, estão prendendo todos. Esta corrida tem
permissão e anuncio dela, estava esvaziando, isto nos colocou no
caso, uma corrida que os vencedores quando não eram sua filha
desembargador, morriam estranhamente, estamos pedindo a
exumação dos corpos, vamos descobrir a verdadeira causa morte
deles.
— Esta acusação é um absurdo.
— Um absurdo, porque o nome de sua filha não está na
determinação de prisão, pois ela estava nas ultimas 10 corridas, tem

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gente que apareceu apenas hoje depois de estar no DOPS por mais
de mês, e está nesta lista.
O general olha para os policiais e fala.
— Soltem os rapazes, se querem pegar eles, todos tem
endereço, não precisa de uma operação desta, me disseram que
aconteceria, duvidei, mas vejo que algo está errado, e
Desembargador, esperamos você e um companheiro seu, para
explicações amanha em Brasília, se não está preocupado com sua
filha que sofreu um acidente, não terá motivos para atrasar a ida a
Brasília, não nos faça o tirar de casa, e o levar para lá.
Os policias desalgemaram, o general olha para o organizador
que estava com um sangramento na altura da boca e fala.
— Limpa a boca e recomeça, não aconteceu nada aqui hoje.
Os policiais se retiraram, o exercito ficou mais ao longe,
estranhei, o carro esfriou, os demais estavam assustados, mas o
publico estava em cólicas e tínhamos apenas duas voltas para
decidir quem venceria.
Olho para a posição dos carros para relargada, agora em
quarto lugar para terminar a corrida, largo com força, acho que nem
pensei nos problemas, acho que a maioria estava com a adrenalina
nas veias, então pareciam todos com o pé pesado, vi aquele grupo
de carros chegando todos junto no fim da reta, eu fiz a curva em
segundo e já acelerei para a curva dois sem pensar por fora, passei
tão rápido que parecia que nada me pararia, vi que Carlos veio na
minha cola, ele estava com um Mercedes, estava pesado e usando
meu vácuo, ele veio com força, eu me manti na posição da curva
que não dava para ele passar, acelerei fundo na reta de chegada, e
entramos na ultima volta, vi que ele tentou pela direita, ele passou
por dentro e eu acelerei por fora, ele entrou na reta oposta colado
na traseira, saberia vencer, mas não jogaria sujo, pois na curva a
frente, se eu pisasse no freio, ele o faria por impulso, e se perderia,
mas gostava da adrenalina, ele põem por dentro e passa meio carro,
eu deixo o opala sair de traseira e acelero na curva de alta antes da
reta de chegada, estávamos os dois acelerando, ele por dentro e eu

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por fora quando ele engata a quarta marcha e eu também, e os dois
aceleram até a chegada.
Detalhes de metros podem decidir uma corrida, mas é bom
ver que tem gente que tem jeito para correr.
Sorrio, encosto o carro depois de uma volta vendo os demais
sorrirem de estarem livres, paro o carro a reta depois de uma
sequencia de cavalinhos de pau.
Sai do carro, olho para Carlos e falo.
— Bem vindo ao mundo da corrida.
— Perdi.
— Tem de ver que quase ganhou, sei que sou meio maluco,
quem faria a curva de trás inteira jogando a traseira, com
aceleração ao máximo, pois não esqueça, a tração é traseira, então
ela queria me levar de ré a linha de chegada.
— Então acha que levo jeito.
— Ficou em segundo em sua primeira corrida, muito bom.
As pessoas se confraternizaram, eu peguei o dinheiro do
premio e olhei o general parar a minha frente e falar.
— Sabe que estamos de olho em você rapaz.
— Senhor, com respeito, se perguntar o que sei, falo por
bem, mas métodos de tortura, são para fracos, eles para não morrer
falam, não tenho medo de morrer.
— Obrigado pela lista de ontem, mas pelo jeito havia
escondido as pessoas.
— Enquanto o DOPS se divertia nós morríamos a rua senhor,
não tenho nada contra o sistema, mas não gosto de morrer.
— E vão manter o local?
— Conseguimos com a prefeitura o asfaltar da pista, vamos
criar os pontos de escapes.
— Acha que a moça vai se recuperar.
— Se ela estava de cinto, correndo em 3 semanas, se estava
sem cinto, espero que leve sorte.
— Sabe que pedi para levantar sua historia rapaz, se cuida,
anda aprontando muito.

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— Senhor, sempre digo que confusão é comigo, mas sempre
tento ficar em confusões que aguento.
— E vai fazer o que com este dinheiro todo?
— Tenho uma poupança para garantir meu futuro.
— Se cuida rapaz. – O general saiu, muitos me olharam como
uma pessoa mal quista, mas não estava querendo encantar
ninguém, vi o senhor Locco abraçar as filhas ao fundo.
Entro no carro e volto para casa, para meu universo, talvez no
fundo, era o voltar para casa que sempre me agradou mais, talvez
meu coração estivesse tendo uma esperança, mas terei de achar
uma forma de gostar de mim, a perna direita estava doida, coisa
que antes não acontecia, acho que no fundo, eu aos meus 19 anos
adquiri os pesos que trago até os dias de hoje.

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No dia seguinte soube que Regina tinha fraturado as duas
pernas, soube que levou sorte, ela estava de sinto, ela ainda
correria, soube que um desembargador perdeu o emprego, outro
foi colocado a parede para não fazer burrada, me mostrando que
esta parte de tortura era para nós os pobres, não para os ricos.
Dois dias de dores por ter acelerado mais do que deveria,
pensar que antes eu não sentia nada, estava enfiado embaixo de
uma Variant de um cliente, quando meu pai me chama.
Chego a sala e olho aquela menina, que me olha e fala.
— Fugiu de lá?
— Era a hora de seu pai, não minha.
— Não vai nem me ligar?
Sorri, eu não tinha o telefone dela, talvez eu fosse um pouco
meu pai, quando queria algo ia ao local e negociava, esta coisa de
ficar no telefone fazendo negocio não era para nós.
Lembro que quando compramos o telefone, depois de meses
de fila, meu pai colocou ali apenas pela oficina, ele não queria ligar
para ninguém.
Ela me estica a mão, eu olhei minhas mãos cheias de graxa e
sorri, estiquei e fomos a oficina, ela me alcançou algumas peças, eu
terminei o veiculo antes de namorar, o ganhar o dinheiro antes de o
gastar sempre foi minha forma de pensar.
Aqueles dias começamos uma relação cumplice, hoje ela sorri
a varanda, ainda olhando o carro na oficina, ela gosta de correr, mas
tem medo, então continua regulando os motores, hoje os filhos de

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Sergio e os nossos correm por esporte, hoje sei que aqueles dias
podem ter parecido apenas passado, mas carrego ainda as marcas
daquele ano, as vezes sinto falta de correr, mas a mais de 10 anos
não pego num carro, me divirto vendo os demais correrem, minhas
dores não me permitem mais.
Mas a saudade da velocidade, ainda está na veia.
Vida.

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