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Paixão amorosa VS relações contratuais

Génese da relação da relação amorosa

Há muitos modos de juntar um homem e uma mulher, mas, não sendo isto
inventário nem vademeco de casamentar, fiquem registados apenas dois deles,
e o primeiro é estarem ele e ela perto um do outro, nem te sei nem te
conheço, num auto-de-fé, da banda de fora, claro está, de fora, claro está, a
ver passar os penitentes, e de repente volta-se a mulher para o homem e
pergunta, Que nome é o seu, não foi inspiração divina, não perguntou por sua
vontade própria, foi ordem mental que lhe veio da sua própria mãe, a que ia na
procissão, a que tinha visões e revelações, e se, como diz o Santo Ofício, as
fingia, não fingiu estas, não, que bem viu e se lhe revelou ser este soldado
maneta o homem que haveria de ser de sua filha, e desta maneira os juntou. O
outro modo é estarem ele e ela longe um do outro, nem te sei nem te
conheço, cada qual em sua corte, ele Lisboa, ela Viena, ele dezanove anos,
ela vinte e cinco, e casaram-nos por procuração uns tantos embaixadores,
viram-se primeiro os noivos em retratos favorecidos, ele boa figura e
pelescurita, ela roliça e brancaustríaca, e tanto lhes fazia gostarem-se como
não, nasceram para casar assim e não doutra maneira, mas ele vai desforrar-se
bem, não ela, coitada, que é honesta mulher, incapaz de levantar os olhos para
Génese da relação da relação amorosa
Por um lado, entre D. João V e rainha tudo se desencadeia
de um modo artificial. Daí o casamento resultar na falta de
amor, com os jogos de interesses, que, naturalmente,
desembocarão apenas numa relação física entre duas
pessoas visando essencialmente a procriação e o
cumprimento de um dever conjugal.

Por outro, com Blimunda e Baltasar a relação surge de


forma espontânea, para depois se transformar numa união
perfeita (que não precisou de ser legitimada pela igreja e
pelo formalismo das burocracias), numa partilha
desinteressada, num amor verdadeiro.
D. João V é descrito como:
megalómano, infantil, devasso,
libertino e ignorante, que não hesita
em utilizar o povo, o dinheiro e a
posição social para satisfazer os seus
caprichos.
Inicialmente, preocupado com a falta
de descendentes, apesar de possuir
bastardos, promete “levantar um
convento em Mafra”, se tiver filhos da
rainha Maria Ana Josefa, com quem
tem relações para cumprimento do
dever, em encontros frios e
É o marido que não evidencia qualquer sentimento amoroso pela rainha,
apresentando nesta relação uma faceta quase animalesca, enfatizado pela
utilização de vocábulos que remetem para esta ideia.

A sua pretensão vai realizar-se com o nascimento da princesa Maria


Bárbara
e, apesar da deceção por não ser menino, mantém a promessa que
“Haveremos
convento”.

Poderoso e rico, D. João V medita “ (…) no que fará a tão grandes somas
de
dinheiro, a tão extrema riqueza.

Infiel à rainha, vai promovendo relacionamentos amorosas com outras


mulheres,
entre as quais a madre Paula, do convento de Odivelas.(p. ???)

É o homem que teme a morte e que antecipa a sua imortalidade, através


D. MARIA ANA JOSEFA

D. Maria Ana é caraterizada como uma


mulher passiva, insatisfeita, que vive um
casamento baseado na aparência, na
sexualidade reprimida e num falso código
ético, moral e religioso.
A rainha representa a mulher que só
através do sonho se liberta da sua condição
aristocrática para assumir a sua feminilidade.

A pecaminosa atração que sente por D.


Francisco, seu cunhado, leva-a a uma busca
D. MARIA ANA JOSEFA

A rainha vive num ambiente repressivo, cujas proibições


regem a sua existência e para a qual não há fuga possível, a não ser
através do sonho, onde pode explorar a sua sensualidade.

Consciente da virilidade e da infidelidade do marido, D. Maria


Ana assume uma atitude de passividade e de infelicidade perante
a vida.

Profundamente devota, dedica a vida à oração, com visitas


frequentes a locais sacros e em orações contínuas, até antes e após
a prática do ato sexual – “Retirados el-rei e os camaristas, deitadas
já as damas que a servem e lhe protegem o sono, sempre cuida a
rinha que seria sua obrigação levantar-se para as últimas orações
(…) contenta-se em murmurá-las infinitamente (…) até que
“D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta
noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa,
que chegou há mais de dois anos da Áustria para
dar infantes à coroa portuguesa [...]” (I, p. 11)

Rainha D. Maria e Rei D.


João V
“D. Maria Ana estende ao rei a mãozinha
suada e fria, que mesmo tendo aquecido
debaixo do cobertor logo arrefece ao ar
gélido do quarto, e el-rei, que já cumpriu o
seu dever, e tudo espera do convencimento
e criativo esforço com que o cumpriu, beija-
lha como a rainha e futura mãe.”(I, p. 17)
 Esta relação conjugal tem um único objetivo: o de dar um herdeiro à
Coroa, pois não existe amor entre eles.
 O Rei cumpre o seu dever de marido duas vezes por semana, para
tentar que a Rainha engravide.
 Este encontro periódico reveste-se de cerimónias antieróticas, o que
mostra a ausência de amor entre eles.
 Todo o ambiente de preparação do ato é artificial, pelo excesso de
roupas, pela presença das camareiras e dos camaristas, tornando
forçado e ridículo algo que devia ser espontâneo e natural.
 Esta relação contratual, em que não há amor, torna-se insatisfatória para
ambos e origina as infidelidades do Rei e os sonhos eróticos da Rainha
com o infante D. Francisco.

 Os monarcas são, aqui, descritos de forma irónica e caricatural,


numa linguagem jocosa que tenta destituí-los do seu estatuto real e
aproximá-los das pessoas vulgares e mortais.
 Cobertor:
 Trazido da Holanda pela rainha, torna-se símbolo da
separação que marca o casamento de conveniência do casal régio.
 Exprime a frieza do amor, a ausência do prazer, os desejos
insatisfeitos.

 Convento:
 D. João V, que surge na obra como um monarca libertino e vulgar
(contrariando a História, que o consagra como «o Magnânimo»)
manda construir um monumento como resultado da promessa a
cumprir se Deus lhe desse descendência.
 Será também símbolo da ostentação régia, da opressão e da
vaidade dos poderosos.
 Representa o sacrifício dos operários que construíram esse
monumento, a exploração e miséria do povo que nele trabalhou.
Filha de Sebastiana Maria de Jesus, condenada ao degredo em Angola, pela Inquisição, por
ser cristã-nova.

Mulher sensual e inteligente, tem capacidade de vidente e possuidora de uma sabedoria


muito própria, intuitiva e espiritual.

Conhece Baltasar Sete-Sóis num auto de fé, no Rossio.Vai ajudar na construção da


passarola e partilhar com Baltasar as alegrias, tristezas e preocupações da vida.

É uma estranha vidente que vê no interior dos corpos males que destroem a vida e consegue
recolher as “vontades” vitais que permitirão o voo da passarola do padre Bartolomeu.
Por amar Baltasar, Blimunda recusa usar magia para conhecer o seu interior.

O poder de Blimunda permite, simultaneamente curar e criar, ou melhor, ver o que está no mundo,
as verdades mais profundas que o sustentam.
Baltasar Mateus, de alcunha Sete-Sóis é um homem pragmático e simples.

É, juntamente com Blimunda, uma das personagens mais interessantes da obra e das que
possuem maior densidade psicológica.

Representa a crítica do narrador à desumanidade da guerra, uma vez que participa na


Guerra da Sucessão, e, depois de perder a mão esquerda, é excluído do exército.

Ao chegar a Lisboa como pedinte, conhece Blinda Sete-Luas, com quem partilhará a sua
vida.

Vai ainda partilhar do sonho da passarola voadora do padre Bartolomeu de Gusmão,


ajudando a construí-la e participando no seu primeiro voo.
 O encontro entre Baltasar e Blimunda está marcado pela
crueldade do auto de fé, que condena ao degredo
Sebastiana de Jesus, mãe de Blimunda, e pelo misticismo
da promessa de Blimunda de que nunca «olhará por
dentro» Baltasar. 

 Blimunda amou apaixonadamente Baltasar desde o


primeiro momento.

 O silêncio e os gestos simples, como o de deixar a porta


aberta, o acender o lume, o servir a sopa, o esperar pela
colher usada de Baltasar, marcam a entrega e a
comunhão entre estes dois seres.
Por uma hora ficaram os dois sentados, sem falar. Apenas uma vez
Baltasar se levantou para pôr alguma lenha na fogueira que
esmorecia, e uma vez Blimunda espevitou o morrão da candeia que
estava comendo a luz, e então, sendo tanta claridade, pôde Sete-
Sóis dizer, Porque foi que perguntaste o meu nome, e Blimunda
respondeu, Porque minha mãe o quis saber e queria que eu o
soubesse, Como sabes, se com ela não pudeste falar, Sei que sei,
não sei como sei, não faças perguntas a que não posso responder,
faze como fizeste, vieste e não perguntaste porquê, E agora, Se não
tens onde viver melhor, fica aqui, Hei de ir para Mafra, tenho lá
família, Mulher, Pais e uma Irmã, Fica, enquanto não fores, será
sempre tempo de partires, Por que queres tu que eu fique, Porque é
preciso, Não é razão que me convença, Se não quiseres ficar, vai-te
embora, não te posso obrigar, Não tenho forças que me levem daqui,
deitaste-me um encanto, Não deitei tal, não disse uma palavra, não
te toquei, Olhaste-me por dentro, Juro que nunca te olharei por
dentro, Juras que não o farás e já o fizeste, Não sabes de que estás
a falar, não te olhei por dentro, Se eu ficar, onde durmo, Comigo. (V,
p. 56)
Deitaram-se. Blimunda era virgem. Que idade tens,
perguntou Baltasar, e Blimunda respondeu, Dezanove anos,
mas já então se tornara muito mais velha. Correu algum
sangue sobre a esteira. Com as pontas dos dedos médio e
indicador humedecidos nele, Blimunda persignou-se e fez
uma cruz no peito de Baltasar, sobre o coração. Estavam
ambos nus. Numa rua perto ouviram vozes de desafio, bater
de espadas, correrias. Depois o silêncio. Não correu mais
sangue.
Quando, de manhã, Baltasar acordou, viu Blimunda
deitada ao seu lado, a comer pão, de olhos fechados. Só os
abriu, cinzentos àquela hora, depois de ter acabado de
comer, e disse, Nunca te olharei por dentro. (V, p. 57)
Baltasar / Blimunda: são um casal
transgressor dos códigos oficiais e sociais:

Pois não procriam, entregam-se às carícias e aos jogos eróticos, sem olharem a
limites, lugares ou datas (pp. 57, 77, 102, 109, 144, 281, 346).

Vivem um amor sem regras, instintivo e natural. Não casam oficialmente

Não há um discurso amoroso, pois as palavras tornam-se desnecessárias quando


o silêncio diz tudo («Por uma hora ficaram os dois sentados, sem falar.» (cap. V,
p. 56), quando ambos se amam e entendem perfeitamente - «Tu e eu temos três
mãos.» (IX, p. 100)

A sua união não se ressente da ausência de um herdeiro, porque eles


descobriram a plenitude no seu amor (“missa” do amor – cap. XII, p. 144).

O tempo passa, eles envelhecem, mas continuam enamorados e até


escandalizam a vila de Mafra. «(…) pela violência com que abraça Baltasar, pela
sofreguidão do beijo, pobres bocas, perdida está a frescura, perdidos alguns
dentes, partidos outros, afinal o amor existe sobre todas as coisas.» (cap. XXIII; p.
346)
Blimunda: Com o seu poder de visão, compreende as coisas sobre a vida, a
morte, o pecado e o amor. O olhar de Blimunda é o olhar da «História» que o
narrador exercita, denunciando a moral duvidosa, os excessos da corte, o
materialismo e hipocrisia do clero, as injustiças da Inquisição, o terror, o
obscurantismo de uma época, a miséria e as diferenças sociais.
Numero sete: Sete são as vezes que Blimunda passa em Lisboa, em
demanda de Baltasar. Esse número regula os ciclos da vida e da morte na
Terra e pode ligar-se à ideia de felicidade, de totalidade, de ordem moral e
espiritual.
Sol: Associado a Baltasar e ao povo, sugere a ideia de vida, de renovação
de energias (o povo trabalha até à exaustão no convento, Baltasar constrói
uma máquina, mesmo depois de decepado).
Lua: Como o Sol, que todos os dias tem de vencer os guardiães da noite
(mitologia antiga), também Baltasar vence as forças obscuras da ignorância
e da intolerância ao voar.
Colher: Quando partilhada, é um símbolo da aliança, do compromisso
sagrado que vai unir para sempre as duas personagens populares.
Exprime o amor autêntico, a atração erótica e apaixonada, a vivência plena
do prazer.
 Cobertor - Símbolo de afastamento, da separação que
marca o casamento de convivência entre o rei e a rainha.
Liga-se à frieza do amor, à ausência do prazer, esconde
desejos insatisfeitos.

 Colher - Símbolo de aliança, da “união de facto”, de


compromisso sagrado.
Exprime o amor autêntico numa relação de paixão, a
atração erótica de um casal que se complementa sem
precisar de reprimir o seu prazer.
 Símbolos

 Número “sete”

É o número de dias de cada ciclo lunar, que regula os ciclos de vida e da morte na
Terra.
Símbolo de sabedoria e de descanso no fim da criação.

 Sete-Sóis / Sete-Luas
O sete associa-se ao sol e à lua:
 O sol símbolo de vida, associa-se ao povo que trabalha incessantemente, como o
próprio Baltasar, apesar de decepado.
 a lua não tem luz própria, depende do sol, tal como Blimunda depende de Baltasar.
A lua atravessa fases, o que representa a periodicidade e a renovação.
 Outros símbolos representativos

Convento de Mafra representa a ostentação régia e o místico religioso, mas


também testemunha a dureza a que o povo está sujeito, a miséria em que vive, a
exploração a que é sujeito apesar da riqueza do país.

Passarola voadora simboliza a harmonia entre o sonho e a sua realização, o


desejo de liberdade. Permitiu a união entre Bartolomeu Lourenço, Baltasar e
Blimunda, que juntaram a ciência, o trabalho artesanal, a magia e a música para
construir e fazer voar a passarola.
Símbolo de fraternidade e igualdade capaz de unir os homens cultos e os
populares.

Blimunda representa um elemento mágico difícil de explicar: possui poderes


sobrenaturais que lhe permite compreender a vida, a morte, o pecado e o amor.
Através de Blimunda o narrador tenta entrar dentro da história da época e
denunciar a moral duvidosa, os excessos da corte, o materialismo e hipocrisia do
clero, as perseguições e injustiças da inquisição, a miséria e diferenças sociais.
É o padre Bartolomeu Gusmão que os
alcunha:
“(…) o padre virou-se para ela, sorriu,
olhou um e olhou outro, e declarou, Tu és
Sete-Sóis porque vês às claras, tu serás
Sete-Luas porque vês às escuras, e,
assim, Blimunda, que até aí só se
chamava, como a sua mãe, de Jesus,
ficou sendo Sete-Luas”.
O padre Bartolomeu sacraliza a relação de Baltasar e
Blimunda, numa cerimónia invulgar e irá confirmar o
carácter mágico e universal do seu amor, ao desvendar
o simbolismo dos nomes das personagens.

Baltasar Sete-Sóis / Blimunda Sete-Luas: o número


sete representa a totalidade do universo, o ciclo lunar e o
ciclo vital, a perfeição, a plenitude.
O amor de Blimunda por Baltasar foi posto à prova sobretudo quando este
desapareceu e ela percorre Portugal duma ponta à outra, durante nove anos,
à procura do seu homem.
Encontra-o quando passa pelo Rossio e decorre um auto de fé, tal como
quando se conheceram, 28 anos antes.
Chega no momento em que ele está a ser queimado na fogueira e ainda vai a
tempo de recolher a “vontade” dele, o que significa a sua união “para sempre”’,
o início de uma outra vida e que “o amor existe sobre todas as coisas”.
O amor verdadeiro de Baltasar e
Blimunda

É legitimo dizer-se que Blimunda e Baltasar


representam plenitude da união amorosa. A história de
amor destas duas personagens é o contraste perfeito a
todos os defeitos apontados ironicamente por Saramago a
outros sentimentos nutridos por algumas personagens da
sua obra, como a do rei e da rainha. O amor de Baltasar e
Blimunda perdura ao longo de toda vida e mesmo para
além desta, ampliando-se como algo ingente e
intemporal.
Em suma, nesta obra, esta distinção do amor revela
que nem sempre os poderosos são os verdadeiros, porque
o amor verdadeiro, aquele que "arde sem se ver" está
presente é no amor de um ser pobre, que foi mutilado na
guerra e não do Rei. Baltasar e Blimunda vivem uma
história de amor que quebra todas as barreiras do visível e
O amor verdadeiro de Baltasar e
Blimunda

O amor de Baltasar e Blimunda é um amor que na


atualidade é difícil de encontrar. Cada vez mais as pessoas
perdem noção do que é amar e não sentem necessidade de o
fazer.
É por isso maravilhoso edificante o relacionamento entre
Blimunda e Baltasar que, ao longo de toda a obra, quebra
todas as barreiras do físico e concreto. Permite-nos mergulhar
numa aura de magia e de amor sobrenatural, face a todos os
limites que a sociedade por vezes impõe ao mais belo
sentimento que o coração humano pode vivenciar.
Juntos, Blimunda e Baltasar, formam um só ser e, desta
forma, esta união atribui-lhes outro nome. Este “apelido”
simbólico representa uma entidade abstrata em que se julga
que luas e sóis convivem em laços de amor e harmonia.
AMOR CONTRATUAL AMOR VERDADEIRO
(REI/RAINHA) (BALTASAR/BLIMUNDA)
Unidos por contrato estabelecido entre casas Uniram-se de livre vontade. (p.
régias (D. João V- Portugal e D. Maria Ana 57)
Josefa, da Áustria)

Casaram-se sem se amar. Amaram-se sem se casar.


(“colher”, p. 56)
Casados pela Igreja. Juntos sem a bênção da Igreja.
(56)
Casados há mais de dois anos. (p.11) Blimunda era virgem. (57)

Vida opulenta e luxuosa.  Blimundaera virgem. Partilha de


uma vivência humilde.
 Vestidos
nos encontros amorosos com o trajo Despidos nos atos amorosos. (p.
da função e do estilo. (p. 13) 57, 144, 347)

 Dormindoem quartos separados, juntavam-se Dormiam sempre juntos e


apenas para o ato sexual. (11) aconchegados. (p. 144)
Relação com o fim único de Espontâneas manifestações
dar um herdeiro à coroa. (15, de um amor espiritual e
17) carnal.
Sexualidade encarada como Jogos eróticos sem fins
uma obrigação régia com o procriativos.
fim de procriar.

Encontros amorosos no Encontros amorosos em


quarto da rainha. (13) espaços múltiplos e variados.

Excesso de formalidades e Vivência ativa e espontânea


cerimónias. (beija-mão, do amor e da sexualidade.
orações, …)
Frustração pessoal. Plena realização pessoal.

 Saramago recusa um “narrador unilinear”. Por isso, a existência


de uma linguagem plurivocal permite registar as diversas formas
de intervenção quer na narrativa e na desconstrução histórica,
quer na construção ficcional. As frases e a ausência de
pontuação favorecem essa pluralidade de vozes que observa. As
regras discursivas são aparentemente ignoradas. Há, no texto,
linguagens que abandonam a tradicional hierarquia de
correlação proposta pelos padrões discursivos, embora sem
desprezarem uma estrutura organizativa.
 A pontuação transgride os princípios apresentados pelas
aprendizagens gramaticais, fluindo dentro da conceção lógica do
próprio discurso. A estrutura sintática infringe intencionalmente a
norma, prestando-se a leituras que alternam o discurso escrito,
com o discurso oral e, sobretudo, com um discurso monologado
que resulta da mistura de vozes que se produzem no
pensamento das personagens.
Note-se como facilmente se gera o desvio da norma, conseguindo que
várias frases sejam ditas a mais do que uma voz em diálogo interno. “ A
obra romanesca de José Saramago fala uma linguagem coral e une um
desejo de ficção a um desejo de história.

A oralidade da sua escrita vem do modo como combina maneiras,


construções e ritmos da tradição literária, com a coloquialidade mais
comum; com o uso irónico, a transformação e a invenção de provérbios.
Vem do modo como, na sua prosa, uma só frase é já um diálogo, ou um
fragmento de diálogo, onde cabem o acordo e o desacordo.” A riqueza da
sua linguagem resulta desta transgressão ou capacidade de reinventar a
escrita, dando à linguagem um tom de crónica histórica, quer no género
quer no sentido de quem conversa, com recurso à voz do seu ator, à ironia
que desperta e provoca o leitor, à reflexão filosófica, à constatação dos
factos, ou mesmo, a momentos de intimismo poético.
A sua linguagem flutua entre a riqueza dos termos, jogos conceituais e
duplicidades sintáticas, que se combinam com discursos simples da
oralidade, cheios de expressões triviais, de frases idiomáticas ou
proverbiais, de ditados e aforismos, de humor e de ironia.
José Saramago pretende criticar a relação conjugal do casal régio. O rei e a
rainha são descritos caricaturalmente e os episódios jocosos tentam destituí-los
do seu estatuto real e aproximá-los das pessoas vulgares e mortais. Daí a
referência às orações antes de darem início ao ato sexual para evitar a morte e à
presença de percevejos, na cama do rei como na da rainha.
Saramago, chega mesmo a afirmar que, a rainha D. Maria Ana Josefa, apenas
chegou de Áustria para “dar infantes à coroa portuguesa.” No entanto, apesar de
todas as obrigações conjugais, a rainha “até hoje ainda não emprenhou”. Devido a
esta delicada situação, a esposa de D. João V implora aos céus um filho.
Obviamente o problema de infertilidade nunca poderia ser atribuído ao rei, e
porque “abundam no reino bastardos da real semente.” Assim, uma vez que o rei é
persistente e a situação já não é nova (“D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de
dois anos da Áustria”), só a ajuda divina poderá auxiliar a rainha. Crê-se que aquilo
que virá a acontecer, acontecerá por intervenção divina.
Em suma, o autor pretende iniciar o romance com uma acesa crítica às
relações da família real, consequentes traições e também às expectativas
exageradas que toda a população depositava em Deus.
Na obra “Memorial do Convento”, o leitor depara-se com dois tipos
opostos de amor, os quais persistem no tempo.
Por um lado, temos o casal real, composto pelo rei D. João V e D.
Maria Ana, e por outro, o casal composto por dois elementos do povo,
Blimunda e Baltasar. De facto, ao longo de toda a obra, o narrador vai
opondo a vida amorosa ou vivências amorosas entre estes dois casais,
cujas diferenças estão presentes nas formas de tratamento vivenciadas
pelos elementos de cada casal.
Para além disto, podemos dizer que a comparação entre ambos os
casais, delimita duas realidades distintas e levam-nos a caracterizar o
“amor” como sendo de dois tipos: Amor por obrigação (casal real) e amor
sem limites (Blimunda e Baltasar).
Assim, o casal real vive um casamento de conveniência, ausente de
amor, marcada por obrigações e pelas constantes traições do rei. O rei
encara a sua relação com a rainha, como uma mera forma de assegurar a
descendência real.
Contrariamente a este casal, temos Blimunda e Baltasar, os quais
vivem um amor verdadeiro e pleno, entregando-se um ao outro, sem
escolherem datas, lugares e apenas porque ambos se desejam,
dedicando-se um ao outro por o prazer de amar.
Assim, eles partilham um sentimento ilimitado onde o silêncio é
o meio de comunicação, entendendo-se através do olhar,
representando um amor mais humano e não tão animalesco quanto o
“amor” do casal real.
A mensagem que Saramago quer passar está bastante atual, pois
também nos dias de hoje existem casais que não se amam e que vivem
relações idênticas à do rei e da rainha, marcadas por traições, não
havendo ligação nenhuma entre eles, apenas são casados porque têm
que ser, pois a classe social assim o exige.
Quanto ao casal Blimunda e Baltasar, a união, o carinho, o afeto, a
ternura que estas personagens sentem uma pela outra. O facto de
viverem intensamente cada momento e cada pormenor das suas vidas
em comum, remete-nos a entender que este sim é um amor
verdadeiro.
E esse amor, nos dias de hoje ainda existe. Basta procurar e
construí-lo dia após dia através de sentimentos sinceros, atos e

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