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O Povo em “Memorial do convento”

Introdução

O verdadeiro responsável pela construção do Convento de Mafra em “Memorial do Convento” é


o povo trabalhador.
O povo atravessa toda a narrativa, numa construção de figuras que, embora corporizadas por
Baltasar e Blimunda, caracterizam a massa coletiva e anónima que construiu, de facto, o
convento. Toda ela sobrevivia aterrorizada pelo Santo Ofício.
Esta faixa da população vive na completa miséria física e moral, visto que, a religião tem um
grande efeito sobre esta classe social. Todo o povo possui uma moral estreita devido a esta
influência, ou seja, crê em milagres, feitiçarias entre outros.

A crítica e o olhar satírico do narrador enfatizam a escravidão a que foram sujeitos quarenta mil
portugueses, para alimentar o sonho de um rei ao qual se atribui a edificação do Convento de
Mafra.
A necessidade de individualizar personagens que representam a força motriz que edificou o
palácio-convento, sob um regime opressivo, é a verdadeira elegia de Saramago para todos
aqueles que, embora ficcionais, traduzem a essência de ser português.

Entre estes dois polos, o de uma corte barroca e o de uma multidão que sofre e dá quanto os
seus músculos podem para simplesmente sobreviver, o narrador desenrola sucessivos painéis e
episódios, ora patéticos ora burlescos.

Caracterização física e psicológica

Vestem roupas rôtas, trapos, sempre sujos das obras, do suor, não têm quaisquer hábitos de
higiene. São fisicamente desnutridos. O povo é, no geral, humilde, analfabeto, nada informado,
por isso ignorante e ainda altamente manipulável.

É também rude/violento. Submetido à tirania, aos trabalhos forçados e aos desejos e interesses
da Igreja, do clero e demais apoiantes;

Evitavam comportamentos e pensamentos contrários aos dogmas vigentes, pois eram


censurados pela Inquisição.

Relação com outras personagens


O povo está representado em personagens como Blimunda e Baltasar, João Elvas, Manuel
Milho, José Pequeno, Álvaro Diogo e Inês Antónia (cunhado e irmã de Baltasar), Marta Maria
(mãe de Baltasar) e João Francisco (pai de Baltazar), uma vez que todas estas personagens,
apesar de fictícias, representam duma maneira mais próxima e generalizada a realidade das
pessoas daquela época. O povo estava submisso ao rei, que mostrava para com este uma atitude
de indiferença e o usava de acordo com as suas necessidades. O seu evidente desinteresse está
também presente no facto de que vivia num ambiento faustoso na corte, que se dedicava
inteiramente a cerimónias ocas e de adulação do monarca. Para além disto, a nação estava
também subjugada à Inquisição e ao Tribunal do Santo Ofício, o que impedia a evolução do país
em todos os setores e promovia dar continuidade ao regime de censura que estava instalado em
Portugal.
Momentos mais importantes em que intervém

A construção do Convento de Mafra é, sem dúvida, o acontecimento mais importante em que


esta personagem coletiva intervém. Serve para o narrador reconhecer o sacrifício dos operários
na sua construção e, ao mesmo tempo, para denunciar a exploração e a miséria do povo, apesar
da riqueza do país. Os trabalhadores construíram o Convento de Mafra, à custa de sacrifícios e
morte; os homens são vistos como simples peças de uma obra, como tijolos, que só servem
enquanto são utilizados. Vivem aglomerados no mesmo local, 40. 000 homens, em barracões ou
tendas, dormem em esteiras ou beliches todos juntos, têm a mesma rotina, variante na função
ocupada.

Os homens que aqui trabalham são carpinteiros, pedreiros, serradores, madeireiros, tecelões,
entalhadores e tapeceiros. Enquanto executam as suas tarefas estão por perto soldados que de
bastão e vergão na mão vão se certificando que os trabalhos estão a ser cumpridos da forma
correta.

Crítica e representação na obra:


Primeiramente, é necessário ter em consideração que José Saramago, escritor e narrador desta
história é um comunista de extrema-esquerda, sendo, assim, um “homem do povo”, e tem,
portanto, como objetivo glorificar a personagem coletiva. Oposto à classe dominante, surge este
povo anónimo coletivo, trabalhador que construiu o Convento de Mafra à custa de muito
esforço, sofrimento, sacrifício e mortes. O narrador define-o pelo seu trabalho, pela sua miséria
física e moral, pela sua devoção e humildade, e é este povo o verdadeiro construtor do convento
que alimentou a megalomania do Rei e concretizou o sonho deste. Não há diferença entre tijolos
e homens, estes são apenas a massa bruta que trabalha. Vemos os homens a escavar os alicerces,
a arrotear terras, a transportar pedras, a erguer paredes, a abrir caboucos, apinhados, sujos,
miseráveis, agrilhoados. Alguns, por desejo do autor, ganham rostos e nomes, tais são os casos
de Francisco Marques, José Pequeno, Manuel Milho, Joaquim da Rocha, João Anes… Todos
estes ganham individualidade e é-lhes concedida, aqui na obra, a importância que a História lhes
retirou. No entanto este facto que confere ao povo algum valor, não impede o narrador de
criticar esta personagem coletiva e de mostrar todos os podres físicos e morais e a sua
ignorância. Nesta parte é o povo estúpido e fanático que assiste deliciado aos autos-de-fé
gozando e atirando imundices aos que vão ser queimados. “Aquela gente que esta cuspindo para
mim e atirando cascas de melancia e imundices” (Cap. V)

Para concluir, considero que o povo, apesar não ser uma personagem principal, é a peça chave
da obra, visto que para além de ser uma das personagens mais simbolizantes da narrativa, dado
a crítica e representação que lhe é atribuída, é ainda a linha de conexão entre as histórias de
Baltasar/Blimunda e do Rei/Rainha. Assim, tal como num puzzle, onde todas as peças são
necessárias, em memorial do convento, o povo é também indispensável.

O povo anónimo coletivo construiu o Convento de Mafra à custa de muito esforço, sofrimento,
sacrifício e mortes e é ainda a linha de conexão entre as histórias de Baltasar/Blimunda e do
Rei/Rainha.

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