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Páginas de revisão

Memorial do Convento,
de José Saramago
José Saramago
Em consequência da atribuição do Prémio Nobel a minha atividade pública viu-se
incrementada. […]. Participei em ações reivindicativas da dignificação dos seres
humanos e do cumprimento da Declaração dos Direitos Humanos pela consecução
de uma sociedade mais justa, onde a pessoa seja prioridade absoluta […].
No ano de 2007 decidiu criar-se em Lisboa uma Fundação com o meu nome, a
qual assume, entre os seus objetivos principais, a defesa e a divulgação da literatura
contemporânea, a defesa e a exigência de cumprimento da Carta dos Direitos
Humanos, além da atenção que devemos, como cidadãos responsáveis, ao cuidado
do meio ambiente.
José Saramago, in https://www.josesaramago.org/
(texto com supressões, consultado a 28 de novembro de 2022)
Memorial do Convento
Ressalta em Memorial do Convento a evocação histórica de
dois macroespaços determinantes no desenrolar da ação: Mafra
e Lisboa. No primeiro, observa-se, com pormenor (estudado
embora ficcionado), a construção do convento que inspirou o
título, à volta da qual gravitam as personagens principais
embora nunca ali tenham assento definitivo. As mesmas
personagens surgirão, por mais de uma vez, em Lisboa […].

É com o olhar crítico de um homem do século XX, que


Saramago olha este edifício […]. Em Memorial do Convento o
que sobressai é a luta titânica dos homens para a construção de
um convento notável e imenso quanto a vaidade e a ambição de
um rei.
Teresa Azinheira e Conceição Coelho, Uma leitura de Memorial do Convento de José Saramago,
Lisboa, Bertrand Editora, 2004, pp. 31-32 (texto com supressões)

Mural Balão de ar quente , Kelsey Montague,


Nashville, EUA, 2018
Memorial do Convento
O título e as linhas de ação
Uma narrativa de memórias, que se desenrola em torno das seguintes linhas de ação:

 A construção do convento em Mafra pelo povo, anónimo e explorado, a partir da


promessa de D. João V de um herdeiro.

 A história de amor entre Baltasar e Blimunda, casal transgressor dos códigos sociais
da época, símbolo da cumplicidade e do amor verdadeiro.

 A construção da passarola do padre Bartolomeu de Gusmão, símbolo do sonho de


alcançar os céus pelo voo, com a conjugação de saberes: científico (Bartolomeu),
artesanal (Baltasar), sobrenatural (Blimunda) e, ainda, musical (Scarlatti).
Memorial do Convento
Caracterização de personagens e a relação entre elas
D. João V Relação D. Maria Ana Josefa
protocolar e
distante

 Personagem histórica, que reinou em Portugal de  Personagem histórica, de origem austríaca,


1706 a 1750. casada com D. João V.

 Protótipo do rei absolutista, megalómano,  Não consegue conceber um herdeiro ao trono e,


prepotente, caprichoso, displicente e adúltero. por isso, o rei promete edificar um convento em
Mafra.

 Vítima da frieza do marido, evade-se em sonhos


com o cunhado, refugiando-se na Igreja e na
confissão, apesar de o narrador defender que
“sonhos não contam”.
Memorial do Convento
Caracterização de personagens e a relação entre elas
Povo

 Personagem coletiva: o verdadeiro herói do romance.

 Pessoas anónimas que Saramago pretende imortalizar, atribuindo-lhes a construção


do convento.

 Oprimidos, explorados e sacrificados pelo rei e pela Igreja.


Memorial do Convento
Caracterização de personagens e a relação entre elas
Relação
Bartolomeu Lourenço de amizade, Domenico Scarlatti
lealdade e
respeito
 Personagem histórica, protegido pelo rei, terá feito voar  Personagem histórica, de origem italiana, convidado
um balão no Paço da Ribeira. pelo rei para ser o professor de música da infanta
D. Maria Bárbara.
 Tem o sonho de voar, sendo o mentor do projeto da
passarola.  Conhecedor do segredo da passarola e, por isso,
presença assídua na abegoaria.
 Põe em causa os dogmas da Igreja e é perseguido pela
Inquisição. Foge, após voar, e morre louco em Espanha.  Consegue curar Blimunda do seu estado de letargia e
morbidez, com a sua música.
 Sonhador, visionário, ambicioso, resiliente, protetor e
leal.  Sensível, sonhador, fiel.

 Mantém com Baltasar, Blimunda e Scarlatti uma relação


de amizade, lealdade e respeito.
Memorial do Convento
Caracterização de personagens e a relação entre elas
Relação
Baltasar de amor e Blimunda
complemen-
taridade
 Personagem fictícia, embora haja registos de que viveu uma  Personagem fictícia, ainda que possa ser baseada numa
família Sete-Sóis em Mafra. figura real, segundo testemunhos da época.

 Soldado na Guerra de Sucessão de Espanha, onde perdeu a  Elemento ativo na relação com Baltasar e na construção
mão esquerda. da passarola, tendo em conta o papel da mulher na época.

 Executor do projeto da passarola, primeiro, e, depois,  Possui o poder de ver por dentro, estando em jejum e
trabalhador nas obras do Convento de Mafra. quando não muda o ciclo lunar.

 Condenado pela Inquisição, morre queimado numa fogueira.  Procura incessantemente Baltasar durante nove anos,
encontrando-o a morrer queimado numa fogueira da
 Homem simples, destemido, leal. Inquisição.

 Mulher destemida, inteligente, persistente, fiel.


Memorial do Convento
O tempo histórico e o tempo da narrativa

 A narrativa desenvolve-se no século XVIII, durante o reinado de D. João V, marcado


pelo ouro do Brasil, pela ação repressora do Santo Ofício, pelas reformas no
domínio da educação e pela proteção real à ciência.

 A narrativa parte da promessa real da construção do convento e desenvolve-se em


sequências cronologicamente não lineares, alternando entre as diversas linhas de
ação, com recurso a frequentes analepses e prolepses, sendo que as prolepses
remetem muitas vezes para a atualidade, através de reflexões e comentários do
narrador.
Memorial do Convento
Visão crítica
Reescrita da História oficial, por parte do narrador, crítico Apresentação de quadros de época do século XVIII,
e subjetivo levando à crítica de costumes

 Exaltação do povo anónimo, os verdadeiros construtores,  O poder absolutista, opressor e arbitrário por parte da
que homenageia num “memorial de A a Z”, resgatando-os realeza e da Igreja;
do esquecimento e elevando-os a um estatuto de heróis;
 Os casamentos por conveniência, como o casal real;
 Ridicularização da prepotência do poder real, da
megalomania do rei, que escraviza milhares de portugueses  A condição da mulher, como a da rainha, condenada ao
na construção do convento e solidariedade para com os triste papel de devota parideira e à indiferença e frieza do
trabalhadores oprimidos; rei.

 Crítica ao materialismo e à hipocrisia da Igreja, à falsa justiça  O fanatismo religioso presente nos autos de fé.
das fogueiras da Inquisição.
 A vida conventual hipócrita, falsa e imoral.
Memorial do Convento
Dimensão simbólica
 A construção do convento, símbolo da megalomania real, e da passarola, símbolo
de superação do ser humano, representam o contraste entre o poder opressivo e o
poder do sonho.

 O número 3: a “trindade terrestre”, “o pai, o filho e o espírito santo”, a conjugação


entre o saber científico, o artesanal e o sobrenatural, na construção da passarola.

 O número 7: número da renovação e da totalidade, associa-se a Baltasar “Sete-Sóis”


e a Blimunda “Sete-Luas” – complementaridade entre os elementos do casal, unidos
num projeto e num percurso comum.

 O número 9: a circularidade e a intemporalidade (durante nove anos Blimunda


procurou Baltasar, até o encontrar).
Memorial do Convento
Linguagem, estilo e estrutura
A estrutura da obra: vinte e cinco capítulos, organizados em linhas de ação

 A intertextualidade: relações de intertextualidade com provérbios, com a Bíblia ou com


outros autores da literatura portuguesa – Luís de Camões, padre António Vieira e
Fernando Pessoa.

 A pontuação: predomínio da vírgula e do ponto final, conferindo à escrita o tom


oralizante.

 Os recursos expressivos: a anáfora, a comparação, a enumeração, a ironia e a metáfora.

 A reprodução do discurso no discurso: ausência de marcas gráficas convencionais a


delimitar o discurso direto, o discurso indireto e o discurso indireto livre.

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