Você está na página 1de 24

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/334126866

Os desafios da experiência brasileira com projetos de Parceria Público- Privada


(PPP) de iluminação pública e cidades inteligentes (smart cities)

Article · June 2019

CITATIONS READS

0 24

1 author:

Clóvis Alberto Bertolini de Pinho


University of São Paulo
19 PUBLICATIONS   2 CITATIONS   

SEE PROFILE

All content following this page was uploaded by Clóvis Alberto Bertolini de Pinho on 30 June 2019.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


Os desafios da experiência brasileira
com projetos de Parceria Público-
Privada (PPP) de iluminação pública e
cidades inteligentes (smart cities)

Clóvis Alberto Bertolini de Pinho


Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito do
Estado pela Universidade de São Paulo (USP). Advogado em Curitiba. E-mail: clovisabpinho@
gmail.com.

Resumo: O artigo trata sobre a viabilidade de constituição de Parcerias Público-Privadas (PPPs) de


iluminação pública a partir da ideia de uma smart city, ou cidade inteligente. O escrito apresenta um
panorama geral sobre o conceito de smart city a partir de um projeto de iluminação pública, apresentando
os principais benefícios na utilização desse modelo em termos de eficiência energética e administrativa.
Em segundo lugar, o escrito apresenta o quadro de estruturação de projetos de iluminação pública,
bem como as possibilidades jurídicas de se conceber a ideia de PPPs de iluminação pública a partir do
ideário de uma smart city, analisando alguns dos desafios existentes no ordenamento jurídico brasileiro.
Além disso, o artigo avalia alguns projetos de PPP de iluminação pública já realizados no Brasil, de
modo a examinar a possibilidade de se explorar a viabilidade de concepção da ideia de smart city em
PPPs de iluminação pública.
Palavras-chave: Iluminação pública. Smart city. LED. Parceria Público-Privada. Contribuição para o
custeio da iluminação pública.

Sumário: 1 Introdução – 2 Iluminação pública como parte integrante do sistema de cidades


inteligentes – 3 Gestão do parque de iluminação pública no Brasil – 4 Desafios na modelagem jurídica
de smart cities na área de iluminação pública no Brasil – 5 Conclusões – Referências

1 Introdução
A utilização de projetos de Parceria Público-Privada (PPP) nos últimos anos
teve um crescimento considerável. Primeiramente, o fenômeno deve-se em grande
medida pelas alterações na legislação atinente às responsabilidades pela gestão
do parque de iluminação pública (IP) no âmbito dos municípios brasileiros.
O conceito de cidades inteligentes (ou smart cities) busca compreender os
centros urbanos a partir de uma ideia de maior inclusão dos cidadãos na vida social,
bem como promover alterações significativas na relação entre os indivíduos e as
cidades. Isso se deve, principalmente, pela utilização dos ferramentais tecnológicos
para a facilitação da vida dos cidadãos.

R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019 9
Clóvis Alberto Bertolini de Pinho

Nesse sentido, os projetos de iluminação pública se encaixam perfeitamente no


conceito de cidades inteligentes ou smart cities. A ideia de um projeto de iluminação
pública a partir da utilização de novas tecnologias, como a tecnologia de LED ou os
mecanismos de telegestão de iluminação pública, adapta-se perfeitamente com a
noção de cidades inteligentes.
A partir disso, o presente artigo busca compreender a ideia de cidades inteli-
gentes, bem como proporciona um panorama geral de funcionamento de um projeto
de iluminação pública, a partir do conceito de smart city. O foco do presente artigo
está na demonstração dos principais desafios da implementação desses projetos,
a partir das ferramentas jurídicas atualmente existentes no Brasil, especialmente
a utilização de PPPs para a estruturação de projetos de IP e a possibilidade de
aplicação das receitas da Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública (Cosip).
Para isso, o escrito também analisa o modelo de estruturação da concessão
administrativa de iluminação pública do Município de Belo Horizonte, Estado
de Minhas Gerais, considerado como um dos principais cases de sucesso do
funcionamento do modelo de PPP de iluminação pública no Brasil. O modelo de
garantias e de receitas do projeto será apresentado e analisado, de modo a verificar
a pertinência na sua utilização em projetos de iluminação pública e para o conceito
de smart cities no Brasil.
Por fim, o artigo oferece alguns contributos e os desafios que os projetos
de PPP de iluminação pública ainda enfrentam no Brasil, de modo a concretizar
a inserção da IP através de Parcerias Público-Privadas como parte integrante do
conceito de cidades inteligentes.

2 Iluminação pública como parte integrante do sistema de


cidades inteligentes
A definição de cidade inteligente poderia ser traduzida como uma cidade
altamente tecnológica, que conecta pessoas, informações e os elementos da cidade
pela utilização de novas tecnologias, de maneira a criar um ambiente sustentável,
mais verde, competitivo, um comércio inovador e aumentar a qualidade de vida.1
Uma das principais considerações na utilização de recursos tecnológicos, a
partir de projetos de smart cities, está na ideia de onipresença (ubiquitous). Em
outras palavras, a imagem de que a tecnologia encontrar-se-ia em todas as ruas

Tradução livre da língua inglesa. Essa é a definição, por exemplo, utilizada pela Prefeitura da cidade de
1

Barcelona, Espanha, apud LEE, Jung Hoon; HANCOCK, Marguerite Gong; HU, Mei-Chih. Towards an effective
framework for building smart cities: lessons from Seoul and San Francisco. Technological Forecasting &
Social Change, n. 89, 2014, p. 82.

10 R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019
Os desafios da experiência brasileira com projetos de Parceria Público-Privada (PPP) de iluminação...

da cidade e da infraestrutura urbana, o que permitiria uma melhoria nas condições


de vida da população a partir da consolidação de processos tecnológicos.2
Como se verificará adiante, pelo simples fato de que todos os municípios
brasileiros arrecadam valores a título da Cosip e por esta ser uma receita vinculada,
ou seja, que não pode ser utilizada para outras finalidades que não o custeio da
manutenção da iluminação pública, as municipalidades têm buscado forma de
explorar a receita da Cosip de forma a reverter benefícios aos seus munícipes.3
A iluminação pública é uma das principais formas de intervenção urbanísticas.
Isso porque bons projetos de iluminação pública podem reverter em mais segurança
para os munícipes, bem como podem estimular o desenvolvimento de regiões mais
segregadas da cidade, como no caso de regiões que apresentam elevados índices
de criminalidade.
A mero título de exemplo, percebe-se abaixo a nítida diferença entre a utilização
de lâmpadas comuns (alógenas) para as lâmpadas de LED (Light Emitting Diode),
na região central da cidade de Buenos Aires, Argentina:

Figura 14

2
Esse conceito foi desenvolvido pelo governo da Coreia do Sul, que permitiria aos cidadãos a utilização de
serviços por meio da rede de infraestrutura da cidade, através da infraestrutura e de mobilidade urbana.
A concepção se encaixaria em todas as infraestruturas urbanas, incluindo as estruturas de energia e de
monitoramento ambiental (cf. LEE, Jung Hoon; HANCOCK, Marguerite Gong; HU, Mei-Chih. Towards an effective
framework for building smart cities: lessons from Seoul and San Francisco. Technological Forecasting &
Social Change, n. 89, 2014, p. 81).
3
A própria Lei de Responsabilidade Fiscal brasileira (Lei Complementar nº 101/2001) estabelece que os
recursos com finalidade específica somente poderão ser utilizados ao objeto de sua vinculação: “Art. 8º Até
trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias
e observado o disposto na alínea c do inciso I do art. 4º, o Poder Executivo estabelecerá a programação
financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso. Parágrafo único. Os recursos legalmente
vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação,
ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso”.
4
PHILIPS. Philips renews the street lighting system of Buenos Aires with LED technology. 16 out. 2013.
Disponível em: https://goo.gl/sHUJ7a. Acesso em: 20 mar. 2019.

R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019 11
Clóvis Alberto Bertolini de Pinho

A mudança é significativa. Além trazer maiores benefícios à população,


especialmente pelos efeitos urbanísticos na utilização dessa tecnologia, os projetos
de iluminação pública em smart cities trazem inegáveis benefícios à gestão da
própria cidade.
Como introduzido, ainda que de maneira breve, smart city é o conceito
de cidades dotadas de tecnologia da informação e comunicação,5 sistemas de
mobilidade urbana modernos, qualidade de vida elevada, governança, eficiência e
utilização inteligente dos recursos públicos e naturais, por meio de ações eficientes
e engajamento cívico.6
Os pilares fundamentais de qualquer projeto de cidade inteligente baseiam-se
em 6 (seis) seguintes preceitos essenciais:

Figura 27

Mobilidade
inteligente

Pessoas Governança
inteligentes inteligente

Economia Vida
inteligente inteligente

Nesse sentido, os sistemas de iluminação pública também se inserem, por


meio do planejamento da iluminação eficiente de ruas, estradas, parques e prédios
públicos, o que permite a economia de recursos públicos e de energia. A utilização

5
Na língua inglesa, normalmente, utiliza-se a expressão Information and Communication Technology (ICT),
que traduz a ideia de conjugação de informação e comunicação tecnológica.
6
KUMAR, Navin. Smart and intelligent energy efficient public illumination system with ubiquitous communication
for smart city. International Conference on Smart Structures & Systems, 2013, p. 152.
7
Tradução do esquema apresentado em KUMAR, Navin. Smart and intelligent energy efficient public illumination
system with ubiquitous communication for smart city. International Conference on Smart Structures &
Systems, 2013, p. 152

12 R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019
Os desafios da experiência brasileira com projetos de Parceria Público-Privada (PPP) de iluminação...

de um sistema de iluminação pública também permite a melhoria do próprio sistema


de comunicação da cidade como um todo.8
A utilização do LED é considerada como a tecnologia do futuro, já que por
meio dela permite-se uma maior economia de energia. Menciona-se, ainda, que as
lâmpadas de LED são de longa duração, menores em tamanho, com custo menor
de manutenção em relação às alógenas e podem diminuir o consumo de energia
em até 70%.9
O consumo de energia elétrica por parte do sistema de iluminação pública é
de suma importância, pois se estima que 2% (dois por cento) de toda a energia
consumida no planeta é decorrente da utilização dos sistemas de iluminação pública.10
Ainda, menciona-se que as lâmpadas de LED permitem uma maior visibilidade, com
a possibilidade de utilização de diversas cores e com o direcionamento da luz, o
que auxilia o tráfego em ruas e rodovias.
Desse modo, a principal funcionalidade dos projetos de smart cities a partir da
iluminação pública consiste na automatização do parque de iluminação pública, a
partir da tecnologia. Em outras palavras, a ideia de conectar o sistema de iluminação
pública em uma smart city é permitir que a iluminação se conecte a uma rede,
que diversos usuários possam cooperar para o ambiente de iluminação.11 Isso
permite que o sistema de iluminação pública possua maior autonomia em relação
a eventuais disfunções ou mau funcionamento. Por exemplo, ao se automatizar o
sistema de acionamento das lâmpadas, permite-se que o sistema conserve energia
apenas desligando lâmpadas desnecessariamente ligadas.12
Não obstante, um dos principais pontos na utilização de um sistema inteligente
de iluminação está na possibilidade de conexão do sistema de gestão aos usuários,
a partir do seguinte esquema:

8
KUMAR, Navin. Smart and intelligent energy efficient public illumination system with ubiquitous communication
for smart city. International Conference on Smart Structures & Systems, 2013, p. 152-153.
9
KUMAR, Navin. Smart and intelligent energy efficient public illumination system with ubiquitous communication
for smart city. In: International Conference on Smart Structures & Systems, 2013, p. 153.
10
KUMAR, Navin. Smart and intelligent energy efficient public illumination system with ubiquitous communication
for smart city. In: International Conference on Smart Structures & Systems, 2013, p. 153. O tema da
economia de energia não é relevante somente para o âmbito da iluminação pública, mas também para
prédios públicos. Estudos revelam que 40% da energia consumida na Europa é destinada a iluminar
somente prédios públicos de tamanho médio e grande, como hospitais, repartições públicas, escritórios,
entre outros. MARTIRANO, Luigi. A smart lighting control to save energy. In: Intelligent Data Acquisition and
Advanced Computing Systems (IDAACS), 2011 IEEE 6th International Conference on, vol. 1, IEEE, 2011,
p. 132-138.
11
KUMAR, Navin. Smart and intelligent energy efficient public illumination system with ubiquitous communication
for smart city. International Conference on Smart Structures & Systems, 2013, p. 153.
12
KUMAR, Navin. Smart and intelligent energy efficient public illumination system with ubiquitous communication
for smart city. International Conference on Smart Structures & Systems, 2013, p. 153.

R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019 13
Clóvis Alberto Bertolini de Pinho

Figura 313

A Figura 3 demonstra, justamente, como um sistema de iluminação pública pode


ser utilizado de modo a configurar um ambiente de iluminação inteligente. A partir
do esquema demonstrado acima, denota-se que cada lâmpada tem a capacidade
de controle automatizada. Assim, baseada nas informações que circulam por meio
da rede que conecta o sistema, cada lâmpada, individualmente, pode usar um
algoritmo e controlar o sistema de maneira automatizada, facilitando o padrão e
iluminação ideal de cada ambiente (optimum lighting pattern).14
Além disso, cada lâmpada poderá ter um dispositivo de dimmer, que é um
equipamento que permite a variação automática da luminosidade de uma luminária,
que controla o nível de iluminação de acordo com a quantidade de informações que
os sensores obtêm, seja em decorrência das condições externas do ambiente, ou
mesmo de programação.15
Conforme a Figura 4, estudos recentes, a partir de testes laboratoriais,
demonstram que a utilização de um sistema adaptável de iluminação é capaz de
reduzir sensivelmente o consumo de energia elétrica:

13
Tradução e adaptação do autor do presente artigo do esquema apresentado em KUMAR, Navin. Smart
and intelligent energy efficient public illumination system with ubiquitous communication for smart city.
International Conference on Smart Structures & Systems, 2013, p. 153.
14
KUMAR, Navin. Smart and intelligent energy efficient public illumination system with ubiquitous communication
for smart city. International Conference on Smart Structures & Systems, 2013, p. 154.
15
KUMAR, Navin. Smart and intelligent energy efficient public illumination system with ubiquitous communication
for smart city. International Conference on Smart Structures & Systems, 2013, p. 154.

14 R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019
Os desafios da experiência brasileira com projetos de Parceria Público-Privada (PPP) de iluminação...

Figura 416

1600
Consumode energia em Joules (J)

1400
1200
1000
800
600
400
200
0
L1 L3 L5 L7 L9 L 11 L 13 L 15
Poste de iluminação

Não-adaptável
Adaptável

A partir do esquema acima, percebe-se que as lâmpadas dotadas de sistemas


adaptáveis são capazes de reduzir consideravelmente o consumo em Joules nas
situações testadas, o que demonstra o grande proveito econômico e energético
na adoção dos sistemas de iluminação pública inteligente.
A eficiência energética é tema de essencial relevância para o desenvolvimento
de nossas cidades e que possui especial importância para o tema das contratações
públicas. Fernanda Paula Oliveira chega a defender que a contratação pública
deve promover objetivos de essencial importância, como a eficiência energética,
sobretudo a partir da Diretiva nº 2014/24, da União Europeia, que permitiu que os
efeitos ambientais de determinadas contratações públicas pudessem ser levados
em consideração no momento de sua efetivação.17
Apesar disso, a adoção de tecnologias de iluminação pública mais inteligentes
é um dos principais desafios a serem enfrentados nos próximos anos, especialmente
por conta da alteração do regime de responsabilidade na gestão do parque de
iluminação pública brasileira ocorrido recentemente, como se analisará com maior
detalhamento a seguir.

16
Tradução e adaptação do autor do presente artigo do esquema apresentado em ESCOLAR, Soledad et al.
Estimating energy savings in smart street lighting by using an adaptive control system. International Journal
of Distributed Sensor Networks, v. 10, n. 5, 2014, p. 971587.
17
OLIVEIRA, Fernanda Paula. Eficiência energética na contratação pública portuguesa e da União Europeia.
Revista de Contratos Públicos – RCP, Belo Horizonte, ano 7, n. 12, set./fev. 2018, p. 76.

R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019 15
Clóvis Alberto Bertolini de Pinho

3 Gestão do parque de iluminação pública no Brasil


A Constituição Federal estabelece a competência constitucional dos Municípios
para a gestão de seus assuntos relacionados a serviços públicos de interesse local,
conforme prescreve o art. 30, V, da Constituição Federal.18 Como forma de conferir
efetividade à gestão do sistema de iluminação pública, a própria Lei Fundamental
reservou uma receita tributária específica para a gestão da iluminação pública no
Brasil, que se trata da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública
(Cosip), conforme prescreve o art. 149-A, da Constituição Federal.19
Anteriormente à instituição da Cosip, muitos municípios brasileiros se valiam
da cobrança da taxa de iluminação pública para a remuneração da manutenção
da gestão da iluminação brasileira. No entanto, por conta da impossibilidade de
taxa poder remunerar serviços públicos de natureza indivisível (como no caso da
iluminação pública), que podem ser usufruídos por toda a coletividade (uti singuli),
o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a cobrança de taxa para
esses serviços.20
Na exposição de motivos constante na Proposta de Emenda à Constituição
nº 03/2002, do Senado Federal, consta que a partir da década de 80, a forma de
custeio da iluminação pública sempre gerou muita discussão, nomeadamente pela
instituição da Taxa de Iluminação Pública (TIP). Além disso, inclui-se o seguinte:
“Como os municípios não têm condições efetivas de custear a iluminação pública
por meio de seus impostos e, também, não podem permanecer inadimplentes
com as empresas distribuidoras de energia elétrica, a solução proposta é a de
emendar-se a Constituição, para que eles possam vir a instituir e cobrar uma
contribuição de iluminação pública, dentro da legalidade e sem os percalços das
demandas judiciais”.21
Desse modo, o Congresso Nacional, no ano de 2002, em muito amparado pela
interpretação sobre a inconstitucionalidade da cobrança de taxa para remunerar os

18
“Art. 30. Compete aos Municípios: [...] V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão
ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter
essencial”.
19
“Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis,
para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. Parágrafo único.
É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica”.
20
Essa é a exata redação da Súmula Vinculante nº 49/STF: “O serviço de iluminação pública não pode ser
remunerado mediante taxa”. No mesmo sentido, inclinam-se diversos precedentes do STF: “É assente nesta
colenda Corte que as taxas de iluminação pública e de limpeza pública se referem a atividades estatais que
se traduzem em prestação de utilidades inespecíficas, indivisíveis e insuscetíveis de serem vinculadas a
determinado contribuinte, não podendo ser custeadas senão por meio do produto da arrecadação dos impostos
gerais” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI nº 463.910 AgR, Rel. Min. Ayres Britto, 1ª T, j. 20.06.2006,
DJ, 08 set. 2006). Por todos, cf. VELLOSO, Carlos. Taxa de iluminação pública – Inconstitucionalidade –
Serviço “uti universi”. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 217, p. 197-199, 1999.
21
BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal de 28 de fevereiro de 2002. Proposta de Emenda à
Constituição nº 3, de 2002, p. 974-975. Disponível em: https://goo.gl/j71ptZ. Acesso em: 20 mar. 2019.

16 R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019
Os desafios da experiência brasileira com projetos de Parceria Público-Privada (PPP) de iluminação...

serviços de iluminação pública do STF, estabeleceu uma receita de ordem vinculada


para que os Municípios brasileiros fizessem a gestão e o custeio dos parques de
iluminação pública, o que permitiu maiores condições aos Municípios de gerir de
maneira adequada o sistema de iluminação pública.22
O STF já reconheceu que Lei Municipal pode restringir os contribuintes da Cosip
aos consumidores de energia elétrica, o que não ofenderia o postulado da isonomia,
nem mesmo o preceito da capacidade contributiva, pois a Cosip seria dotada de
especificidade e destinada a um fim específico: “Tributo de caráter sui generis,
que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade
específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de
um serviço ao contribuinte”.23
Porém, no ano de 2010, a Resolução nº 414/2010, da Agência Nacional
de Energia Elétrica (Aneel), estabeleceu as condições básicas de fornecimento
de energia elétrica no Brasil. No art. 218, da referida Resolução da Aneel,
ficou estabelecido que as distribuidoras de energia elétrica deveriam realizar a
transferência da responsabilidade do parque de iluminação. Até então, grande parte
das distribuidoras de energia estaduais, normalmente titularizadas por empresas
públicas ou sociedades de economia mista sob controle dos Estados, realizavam
a gestão da iluminação pública municipal.24
O art. 218, da Resolução Normativa nº 414/2010, estabeleceu um regime de
transição para que as distribuidoras realizassem a transferência da responsabilidade
de iluminação pública para os Municípios. A Aneel determinou que as distribuidoras
de energia elétrica teriam até 31 de dezembro de 2014 para realizar a transferência
dos ativos e das responsabilidades aos Municípios.25

22
A respeito das críticas na instituição da Emenda Constitucional nº 39/2002, ampliar em OLIVEIRA, José
Marcos Domingues de. A chamada contribuição de iluminação pública (Emenda Constitucional nº 39 de
2003). Revista de Direito Administrativo, v. 233, p. 295-310, jul./set. 2003.
23
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 573.675, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25.03.2009, DJE,
22 maio 2009.
24
“Art. 218. A distribuidora deve transferir o sistema de iluminação pública registrado como Ativo Imobilizado
em Serviço – AIS à pessoa jurídica de direito público competente. [...] §4º Salvo hipótese prevista no §3o,
a distribuidora deve observar os seguintes prazos máximos: I – até 14 de março de 2011: elaboração de
plano de repasse às pessoas jurídicas de direito público competente dos ativos referidos no caput e das
minutas dos aditivos aos respectivos contratos de fornecimento de energia elétrica em vigor; II – até 1º de
julho de 2012: encaminhamento da proposta da distribuidora à pessoa jurídica de direito público competente,
com as respectivas minutas dos termos contratuais a serem firmados e com relatório detalhando o AIS,
por município, e apresentando, se for o caso, o relatório que demonstre e comprove a constituição desses
ativos com os Recursos Vinculados às Obrigações Vinculadas ao Serviço Público (Obrigações Especiais); III –
até 1o de março de 2013: encaminhamento à Aneel do relatório conclusivo do resultado das negociações,
por município, e o seu cronograma de implementação; “IV – até 1º de agosto de 2014: encaminhamento à
Aneel do relatório de acompanhamento da transferência de ativos, objeto das negociações, por município;
V – até 31 de dezembro de 2014: conclusão da transferência dos ativos; e VI – até 1º de março de 2015:
encaminhamento à Aneel do relatório final da transferência de ativos, por município.” (Redação dada pela
Resolução Normativa Aneel nº 587, de 10.12.2013)
25
Diversos municípios brasileiros se viram em uma situação difícil, já que não teriam condições de gerir
um parque de iluminação pública. A mero título de exemplo, destaca-se que ação ordinária ajuizada pelo

R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019 17
Clóvis Alberto Bertolini de Pinho

Dessa forma, as distribuidoras de energia elétrica se eximiram de uma


responsabilidade difícil de gestão, pois, além de realizar a distribuição de energia aos
consumidores, elas tinham que se preocupar com a gestão da iluminação pública dos
mais de 5.000 (cinco mil) municípios brasileiros. Logo, os Municípios brasileiros se
viram em uma situação difícil, já que boa parte das municipalidades não detinham
mais a expertise para a gestão da iluminação pública, em que pese a existência de
uma receita tributária vinculada somente para o custeio de energia elétrica.
Uma das soluções encontradas para os Municípios é a estruturação de pro-
jetos de PPP de iluminação pública. Entretanto, ressalta-se que os entes federa-
tivos brasileiros ainda têm dificuldades na implementação de projetos de PPP,
especialmente por conta de que estes projetos favorecem a intervenção urbana,
já que a “falta de capacidade técnica do quadro administrativo municipal, nesse
passo, muitas vezes torna a atuação direta pouco eficiente ou destituída de viabi-
lidade para a promoção de efetivas transformações urbanísticas, aptas a garantir
o direito à cidade”.26
Destaca-se que muitos Municípios, por conta de sua estrutura reduzida e
dificuldades orçamentárias e financeiras, sentiram dificuldade na necessidade de
gestão do parque de iluminação pública no Brasil. Uma das principais formas de
melhoria do sistema de iluminação pública está na utilização do modelo de Parcerias
Público-Privadas (PPPs) para a gestão e melhoria do sistema de iluminação pública.

4 Desafios na modelagem jurídica de smart cities na área


de iluminação pública no Brasil
Como mencionado brevemente, as dificuldades de implementação de um
sistema de smart city no Brasil está na própria estruturação jurídica do melhor
modelo de parceria a ser implementado, seja por meio da utilização de uma
Parceria Público-Privada (PPP) e as dificuldades de utilização da Contribuição para

Município de Itaíba, Pernambuco, em face da Aneel para a declaração de nulidade do art. 218, da Resolução
Normativa nº 414/2010. Contudo, o Juízo da 3ª Vara Federal do Distrito Federal considerou que não
existiria qualquer ilegalidade na Resolução Normativa no que tange à onerosidade excessiva na assunção
das responsabilidades pela gestão do sistema de iluminação pública municipal: “O art. 218 da Resolução
Normativa da Aneel nº 414/2010, ao determinar a transferência do sistema de iluminação pública para os
municípios, manteve sintonia com a distribuição constitucional de competência entre os entes federativos.
Evidentemente, a transferência causará grande impacto financeiro nos municípios, habituados que estão
à prestação do serviço pelas concessionárias sem qualquer ônus. Ciente de tais ônus, o constituinte
derivado assegurou no art. 149-A a instituição de contribuição para o custeio do serviço de iluminação
pública. Assim, o argumento de excessiva onerosidade não autoriza o acolhimento do pedido do Autor,
na medida em que se trata de situação transitória, que rechaça a perseguida perenidade da prestação
do serviço de iluminação pública pelas concessionárias, por força de contratos celebrados com a Aneel”
(BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Sentença nos autos nº 12446-30.2015.4.01.3400, j.
15.05.2017. Disponível em: https://goo.gl/cBXiJ6. Acesso em: 20 mar. 2019).
26
HUNGARO, Luis Alberto. Parceria público-privada municipal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 82.

18 R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019
Os desafios da experiência brasileira com projetos de Parceria Público-Privada (PPP) de iluminação...

o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip), conforme será explorado nos


tópicos a seguir.

4.1 Parceria Público-Privada (PPP)


A utilização do instituto da Parceria Público-Privada (PPP) para a estruturação
de projetos de iluminação pública passou a ser a principal forma de delegação dos
serviços de gestão de iluminação pública no Brasil. Isso porque a PPP permite que
os serviços que não possam ser remunerados por meio da tarifa ou taxa sejam
objeto de concessão.
Os Municípios brasileiros normalmente realizam a contratação de serviços
para a manutenção da iluminação pública por meio de contratos regidos pela Lei
nº 8.666/1993 (Lei Geral de Licitações e Contratos – LGL), que possui limitações
quanto ao escopo de seus objetos, alterações qualitativas e quantitativas e à própria
duração limitada a 60 (sessenta) meses. Ainda, destaca-se a utilização do recurso
do Sistema de Registro de Preços, previsto no art. 18, da Lei nº 8.666/1993, para
a aquisição de quantidade de lâmpadas, baseada na expectativa de compras de
lâmpadas durante um período.
Segundo estudo divulgado pela consultoria Radar PPP, o número de PPPs de
iluminação pública realizadas entre 2013 e 2017 saltou de 2 (duas) para 52 (cinquenta
e duas), o que demonstra o relativo sucesso na utilização do modelo da Parceria
Público-Privada na estruturação dos projetos de gestão de iluminação pública.27
Para isso, a Lei de Parceria Público-Privada (Lei nº 11.074/2004) estabeleceu
duas modalidades de PPP: (i) concessão administrativa; e (ii) concessão patrocinada.
A diferenciação entre a concessão patrocinada e a administrativa é que naquela
há a efetiva contraprestação do parceiro público ao parceiro privado, enquanto que
esta se caracteriza pelo contrato de prestação de serviços em que a Administração
Pública seja a usuária direta ou indireta.28
Fernando Vernalha Guimarães destaca que a “concessão administrativa é
o contrato administrativo concessório celebrado entre a Administração Pública e
terceiro (parceiro privado), que tenha por objeto a prestação de serviços de que a
Administração Pública seja o usuário direto ou indireto, ainda que envolva execução
de obra ou fornecimento e instalação de bens”.29

27
TAIR, Estevão. Iluminação pública abre espaço a PPPs. Valor Econômico, São Paulo, 09 jul. 2018. Disponível
em: https://goo.gl/RRycSJ. Acesso em: 20 mar. 2019.
28
“Art. 2º Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou
administrativa. §1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de
que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos
usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. §2º Concessão administrativa
é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta,
ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens”.
29
GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Parceria público-privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 176.

R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019 19
Clóvis Alberto Bertolini de Pinho

Além disso, como destaca Luis Alberto Hungaro, a utilização dos modelos de
concessão implementados pela Lei de PPP permitem que os Municípios que não
dispõem de recursos públicos suficientes possam realizar a implementação de
infraestruturas urbanas, de modo a concretizar funções sociais e interesses coletivos.30
A gestão municipal normalmente se vale de contratos de empreitada por
preço unitário, geralmente decorrentes de atas de registros de preços, de modo
a promover a manutenção do sistema de iluminação pública dos municípios.
Normalmente, os projetos de PPP de iluminação pública no Brasil se valem da PPP
administrativa, sem o aporte de recursos do poder público ao agente privado, pois
a Cosip é a fonte de recursos públicos utilizada para trazer maiores garantias ao
agente privado, como se verificará a seguir.

4.2 Utilização da Cosip dos Municípios e os desafios de


sua utilização em projetos de smart cities
Um dos grandes desafios para os projetos de PPP de iluminação pública no
Brasil é a utilização dos recursos da Cosip para a estruturação dos projetos de
IP. Como uma receita tributária com destinação específica, ou seja, que não pode
ser usado para outros fins que não o “custeio do serviço de iluminação pública”,
conforme a redação do art. 149-A, caput, da Constituição Federal.
Não foi por outro motivo que o STF conferiu Repercussão Geral ao tema da
possibilidade de utilização dos recursos da Cosip para além do custeio da iluminação
pública, já que a contribuição possui caráter peculiar, atrelada à manutenção do
sistema de iluminação pública.31 Porém, até o momento, não houve decisão definitiva
da Suprema Corte sobre a possibilidade de utilização da Cosip para atividades que
não as de custeio da iluminação pública.
Conforme observa Mário Saadi: “A existência da Cosip pode ser fulcral para o
sucesso desses projetos (e de outros a eles correlatos), já que seus recursos são
destinados, exclusivamente, para o custeio dos serviços de iluminação pública. Assim,
os recursos arrecadados por meio de sua cobrança poderão ser utilizados para o
pagamento de contraprestações públicas, para a realização de aportes de recursos
e para a constituição de garantias públicas em favor dos parceiros privados”.32
Mas, a utilização de receitas tributárias para a celebração de contratos de
PPPs de iluminação pública chama atenção, pois a responsabilidade fiscal deve

30
HUNGARO, Luis Alberto. Parceria público-privada municipal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 83.
31
“Possui repercussão geral a controvérsia relativa à constitucionalidade da cobrança, por Municípios e Distrito
Federal, de contribuição de iluminação pública visando satisfazer despesas com melhoramento e expansão
da rede” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 666404 RG, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 28.11.2013,
publ. 17.02.2014).
32
SAADI, Mário. A figura da Cosip e as PPPs no setor de iluminação pública. Revista Brasileira de Infraestrutura –
RBINF, Belo Horizonte, ano 3, n. 6, 2014, p. 179.

20 R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019
Os desafios da experiência brasileira com projetos de Parceria Público-Privada (PPP) de iluminação...

ser o imperativo no âmbito dessas contratações. Normalmente, como esses


projetos envolvem duração elevada de até 35 (trinta e cinco) anos, é preciso que
os recursos sejam suficientes para fazer frente às obrigações dos projetos de PPP
de iluminação.33

4.2.1 Esquema de funcionamento das garantias da PPP de


iluminação de Belo Horizonte
Ao contrário do que ocorre nas concessões de serviço público, em que a
remuneração da concessionária se funda quase que exclusivamente em receitas
tarifárias, pagas diretamente pelos usuários dos serviços por ela prestados, em
PPPs sua remuneração pressupõe o pagamento de contraprestações pelo poder
concedente.
Isso gera para os potenciais parceiros privados um risco jurídico não observado
no modelo das concessões clássicas: o de inadimplemento da contrapartida devida
pelo poder concedente. Esse risco jurídico é ainda mais acentuado em concessões
administrativas, em que a contraprestação paga pelo Poder Público representa a
integralidade da remuneração da concessionária.
Destaca-se a importância das garantias a serem prestadas pelo poder
concedente como fator para redução dos custos dos projetos de PPP. Há, portanto,
uma relação direta e inversamente proporcional entre os custos de um projeto de
PPP e a eficiência do sistema de garantias ao parceiro privado que ampara esse
mesmo projeto.34
Em outras palavras: quanto mais eficazes forem as garantias prestadas em
favor da futura concessionária, menores serão os riscos jurídicos, o que resultará em
menores custos e em propostas com valores reduzidos, e mais bem resguardados
estarão os preceitos da economicidade e da eficiência.35
De outro lado, quanto mais frágeis forem as garantias prometidas pelo poder
concedente, maiores serão os riscos opostos aos potenciais parceiros privados

33
SAADI, Mário. Contratação de parcerias público-privadas no setor de iluminação pública: aspectos da receita
corrente líquida e as características da Cosip. Revista Digital de Direito Administrativo da Universidade de
São Paulo, Ribeirão Preto, v. 3, n. 2, 2016, p. 451.
34
GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Parceria público-privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 349-353;
SCHIRATO, Vitor Rhien. Os sistemas de garantia nas parcerias público-privadas. Revista de Direito Público
da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 7, n. 28, p. 177-181, out./dez. 2009.
35
Como observa o economista Oliver Hart, contratos normalmente são incompletos, o que faz com que a
alocação de riscos seja realizada, em sua maioria, ex post, ou seja, após o acontecimento dos riscos.
A existência de garantias e modelos contratuais que diminuam a exposição a riscos do contratado pode
gerar um equilíbrio contratual entre as partes, o que, normalmente, se dá a partir do estabelecimento de
um sistema de garantias ou formas de pagamentos condicionadas à efetiva prestação dos serviços. HART,
Oliver. Firms, contracts, and financial structure. Oxford: Oxford University Press, 1995, p. 3-6.

R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019 21
Clóvis Alberto Bertolini de Pinho

que, em função disso, apresentação propostas com valores elevados – panorama


não alinhado aos princípios da economicidade e da eficiência.
Um dos casos de PPP de iluminação pública já implementados no Brasil é o
promovido pelo Município de Belo Horizonte. O projeto, que foi licitado no ano de
2015 e o concessionário começou a operar no ano de 2016, pode ser considerado
como um caso de grande destaque, porque foi um dos principais projetos de PPP
de iluminação pública que conseguiu se concretizar em uma cidade de grande
porte brasileira.36

Figura 5

Município de
Belo horizonte

Dotação Depósito da COSIP


orçamentária em conta-garantia
no caso de (gerida por instituição
insuficiência da financeira)
conta-garantia

Pagamento de
contraprestação
mensal à
concessionária

Concessionária

Fonte: Elaboração do autor.37

36
Destaca-se a dificuldade do Município de São Paulo, maior município do país, em promover a licitação da
PPP de iluminação pública, desde o ano de 2015 e com diversas determinações de suspensão da licitação
por parte do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e do Tribunal de Contas do Município de São Paulo.
Um dos problemas na falta de “atratividade” de grandes investidores se deu por conta da inexistência de
uma conta-vinculada de recursos destinada ao concessionário privado. Além disso, ainda no ano de 2018,
o TCM-SP ponderou que a Prefeitura de São Paulo deveria considerar a anulação do contrato assinado
com o licitante vencedor (HIRATA, Taís. Tribunal de Contas pede que Doria considere anulação de PPP de
iluminação em SP. Folha de S. Paulo, 28 mar. 2018. Disponível em: https://goo.gl/qAJYCb. Acesso em:
20 mar. 2019).
37
Elaborado a partir de dados extraídos da Prefeitura de Belo Horizonte, especialmente a partir do contrato de
PPP entre o Município de Belo Horizonte e a concessionária BH Iluminação Pública S.A. Cf. MUNICÍPIO DE

22 R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019
Os desafios da experiência brasileira com projetos de Parceria Público-Privada (PPP) de iluminação...

A partir do esquema anterior, percebe-se que o modelo adotado pelo Município


de Belo Horizonte permite a transferência dos recursos da Cosip a uma conta
vinculada, gerida por uma instituição financeira independente do poder concedente,
de modo a trazer uma maior segurança ao parceiro privado no funcionamento do
contrato de concessão.
O Município de Belo Horizonte realizou a vinculação dos recursos da Cosip,
por meio da Lei Municipal nº 10.897/2015, o que demonstra a necessidade de
autorização legislativa para a criação desse tipo de garantia ao concessionário
privado, mesmo que a Cosip seja uma receita de natureza vinculada.38
Como bem ressalta Maria Silvia Zanella Di Pietro: “A forma de remuneração,
na concessão administrativa, é fundamentalmente a contraprestação paga pela
Administração”,39 o que se justifica no fato de que, para fins legais, ela será a
única usuária direta ou indireta do serviço a ser prestado pela concessionária de
iluminação pública.
No entanto, como uma receita tributária, a Cosip pode sofrer variações
em sua arrecadação. É indiscutível, portanto, que a Administração Pública, ao
formalizar contrato de concessão administrativa, assume a obrigação de remunerar
a concessionária, mediante o pagamento de contraprestações certas, que não
podem depender das variações conhecidas da arrecadação tributária.
Tem-se percebido que diversos municípios brasileiros preferiram não constituir
garantias ao parceiro privado, como a conta-garantia, por conta das dificuldades
em sua implementação. É lícito aos municípios a opção pela não operação de
garantias ao particular, como decorrência lógica do postulado da discricionariedade
administrativa. Entretanto, a instauração de garantias ao particular é fundamental
para o sucesso e a atratividade dos projetos de iluminação pública.
Assim sendo, acredita-se que o modelo apresentado pelo Município de Belo
Horizonte de vinculação das receitas da Cosip ao concessionário por meio de
uma conta-garantia, gerida por instituição financeira sem interferência do poder

BELO HORIZONTE. Contrato de Concessão Administrativa nº AJ 016/2016 para prestação dos serviços de
iluminação pública no Município de Belo Horizonte, incluídos o desenvolvimento, modernização, ampliação,
eficientização energética, operação e manutenção da rede municipal de iluminação pública. Belo Horizonte:
Município de Belo Horizonte, 2016, p. 58-59. Disponível em: https://goo.gl/VU3sMj. Acesso em: 20 mar.
2019.
38
“Art. 2º Fica o Executivo autorizado a determinar a vinculação de receitas municipais provenientes da
Contribuição para Custeio dos Serviços de Iluminação Pública – CCIP, de que trata a Lei Municipal nº 8.468,
de 30 de dezembro de 2002, para pagamento e garantia da contraprestação da parceria público-privada a
que se refere o art. 1º desta lei. Parágrafo único. Sem prejuízo de quaisquer outros mecanismos destinados
a conferir estabilidade ao mecanismo de pagamento e garantia, a vinculação de que trata o caput deste
artigo será criada por mecanismo contratual e poderá contar com a contratação de instituição financeira
depositária e operadora dos recursos vinculados”.
39
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias da administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 156.

R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019 23
Clóvis Alberto Bertolini de Pinho

concedente, é um modelo adequado para a estruturação de garantias em projetos


de PPP de iluminação pública.

4.2.2 (Im)Possibilidade de desvinculação de recursos da


Cosip e os limites na sua utilização
O grande desafio na estrutura de projetos de iluminação pública com a
concepção de smart city é a possibilidade de utilização de recursos da Cosip para
outros fins da cidade, ou mesmo para outros fins de um projeto de cidade inteligente.
Em primeiro lugar, os recursos da Cosip geralmente são recolhidos em conjunto
com a tarifa de energia pública, ou seja, os índices de inadimplência costumam ser
baixos. Em segundo lugar, destaca-se que os recursos são vinculados e possuem
destinação específica e certa, motivo pelo qual a utilização para outros fins que não
os de custeio da iluminação pública são absolutamente vedados pelo ordenamento
jurídico.
É justamente nesse último fator que reside boa parte das preocupações
atualmente existentes na utilização da Cosip para outros fins. Como mencionado
antes, pelo simples fato de a Cosip ser uma contribuição com a utilização vinculada
exclusivamente destinada ao custeio e manutenção da iluminação pública, ques-
tiona-se a possibilidade de desvinculação de seus recursos para a constituição de
garantias ao agente privado.
Observa-se que a Cosip é uma contribuição especial que possui uma finalidade
específica, porém, que não permite a sua denominação como tributo vinculado.
Como esclarece a doutrina, “o critério da vinculação utilizado para se classificar as
espécies tributárias leva em conta o fato gerador (hipótese de incidência) do tributo,
e não a destinação legal do produto de sua arrecadação (critério destinação)”.40
A utilização de recursos da Cosip para o pagamento da contraprestação dos
serviços da iluminação pública, em nosso modo de ver, impossibilitaria a aglutinação
de outros serviços normalmente existentes em projetos de smart cities, v.g., a
disponibilização de sistemas de internet sem fio por toda a cidade, da gestão
telemática de semáforos ou da gestão de câmeras de segurança pública.41

40
FURTADO, João Ribamar Caldas. Direito Financeiro. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 319.
41
Esse, por exemplo, foi o modelo adotado pelo Município de Dois Vizinhos, Estado do Paraná, que estabeleceu
como objeto da PPP a gestão, modernização digital, otimização, expansão, operação, manutenção da
infraestrutura da rede digital de iluminação pública, segurança e trânsito do Município. No entanto, isso
foi objeto de impugnação, pela impossibilidade de utilização dos recursos da Cosip para objetos estranhos
ao da iluminação pública sem autorização legislativa específica para tanto, o que ensejou a revogação do
procedimento licitatório pelo Prefeito Municipal. Ampliar em: MUNICÍPIO DE DOIS VIZINHOS. Decreto nº
14.519/2018. Revoga a licitação na modalidade de Concorrência Pública, procedimento nº 001/2017.
Dois Vizinhos, 2018. Disponível em: https://goo.gl/1RA18a. Acesso em: 20 mar. 2019.

24 R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019
Os desafios da experiência brasileira com projetos de Parceria Público-Privada (PPP) de iluminação...

Como a própria redação do caput do art. 149-A, da Constituição Federal,


prescreve que a Cosip se destina somente ao custeio da iluminação pública, há um
nítido impedimento na utilização da referida contribuição que não os de custeio da
iluminação pública. Uma das grandes dificuldades na concretização dos projetos de
smart cities a partir de uma PPP de iluminação pública está no fato de que a Cosip
é uma receita que se destina somente “para o custeio do serviço de iluminação
pública”, nos exatos termos da Constituição Federal.
Por outro lado, uma das possibilidades aventadas é a desvinculação de parte
das receitas da Cosip para a remuneração de outros objetos no projeto de PPP. A
Emenda Constitucional nº 93/2016 adicionou ao Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias o art. 76-B, que permitiu aos Municípios a desvinculação de 30% das
receitas vinculadas.42
A primeira possibilidade que se aventa é a desvinculação de parte dos recursos
da Cosip para a remuneração de objetos estranhos à iluminação pública. Mas as duas
dificuldades existentes na desvinculação de recursos da Cosip para remuneração
de outros serviços estão em: (a) limitação constitucional da desvinculação até
2023, o que impediria efeitos para além desta data, o que não se coaduna com o
regime de um contrato de longa duração como uma PPP; e (b) o art. 76-B, caput,
refere-se somente à possibilidade de desvinculação de “outras receitas correntes”.
O art. 11, §1º, da Lei nº 4.320/1964, classifica as contribuições dentre o
rol das receitas correntes.43 A discussão já foi enfrentada pelo STF no âmbito da
Desvinculação das Receitas da União (DRU), realizada pelas Emendas Constitucionais
nº 27/2000 e 42/2003. O STF considerou que as contribuições sociais estariam
abarcadas no conceito da desvinculação, inexistindo qualquer inconstitucionalidade
na desvinculação de contribuições sociais.44
Destaca-se que algumas entidades já se manifestaram sobre a inconstitucio-
nalidade da desvinculação das receitas da Cosip, com fundamento no art. 76-B, do

42
“Art. 76-B. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, 30% (trinta por
cento) das receitas dos Municípios relativas a impostos, taxas e multas, já instituídos ou que vierem a ser
criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, e outras receitas correntes.
Parágrafo único. Excetuam-se da desvinculação de que trata o caput: I – recursos destinados ao financiamento
das ações e serviços públicos de saúde e à manutenção e desenvolvimento do ensino de que tratam,
respectivamente, os incisos II e III do §2º do art. 198 e o art. 212 da Constituição Federal; II – receitas
de contribuições previdenciárias e de assistência à saúde dos servidores; III – transferências obrigatórias
e voluntárias entre entes da Federação com destinação especificada em lei; IV – fundos instituídos pelo
Tribunal de Contas do Município”.
43
“Art. 11. A receita classificar-se-á nas seguintes categorias econômicas: Receitas Correntes e Receitas
de Capital. §1º São Receitas Correntes as receitas tributária, de contribuições, patrimonial, agropecuária,
industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras
pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas
Correntes”.
44
“Não é inconstitucional a desvinculação de parte da arrecadação de contribuição social, levada a efeito
por emenda constitucional” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 537.610, Rel. Min. Cezar Peluso,
2ª T, j. 1º.12.2009, DJE, 18 dez. 2009).

R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019 25
Clóvis Alberto Bertolini de Pinho

ADCT, como no caso da Federação Catarinense de Municípios, que emitiu parecer


pela impossibilidade de desvinculação dos recursos da Cosip.45
Sem embargo, acredita-se que a visão da entidade recaiu em omissão, por não
considerar que o conceito de contribuições especiais, como a Cosip, estaria abarcado
no caput do art. 76-B, do ADCT, especialmente na expressão “outras receitas
correntes”, o que poderia ser admitido pelo art. 11, §1º, da Lei nº 4.320/1964 e
pela própria interpretação do STF no caso da Desvinculação das Receitas da União
envolvendo contribuições sociais.
Assim sendo, considera-se como viável a possibilidade de desvinculação das
receitas da Cosip, no limite constitucional do ADCT de 30%, para a remuneração
de outros objetos de uma eventual concessão administrativa em PPP de iluminação
pública. Porém, ressalva-se que a regra constitucional permite que esta desvinculação
seja feita somente até o ano de 2023, o que inviabilizaria a utilização das receitas
desvinculadas no projeto de PPP de smart city por período superior ao delimitado
pela Constituição Federal.

4.3 Contratualização da eficiência energética


O terceiro grande desafio na estrutura de projetos de iluminação pública é
a possibilidade de celebração de contratos de eficiência energética, como já é
realizado em diversos países europeus.
Menciona-se o exemplo da cidade de Lisboa, que, a partir do Decreto-Lei nº
29/2011 da República Portuguesa, promoveu concurso público específico para a
implementação de medidas de eficiência energética no sistema de semáforos na
capital portuguesa. O contratado ou licitante vencedor deveria proceder à conversão
de toda a rede de lâmpadas de semáforo da cidade, com a substituição de cerca de
20.000 (vinte mil) lâmpadas, sem qualquer tipo de despesa adicional por parte da
municipalidade de Lisboa. Durante a execução contratual, permitiu-se a poupança
de 92% (noventa e dois por cento) de energia elétrica.
Ademais, no âmbito da República Portuguesa, as entidades licitantes têm
privilegiado as soluções energéticas que tragam maiores benefícios à sustentabi-
lidade: “No sentido de responder a estes propósitos, as entidades adjudicantes
têm procurado inserir, no âmbito das compras públicas, fatores relacionados com
a eficiência energética, o que, aliás, está em perfeita sintonia com a legislação
europeia nesta matéria, bem como recorrer aos instrumentos especialmente previstos

45
“Logo, denota-se a possibilidade de desvinculação de receitas provenientes de impostos, taxas e multas até
o ano de 2023. Entretanto, não é possível a desvinculação de contribuições e tarifas, conforme questionado
na consulta, dada a inexistência de previsão Constitucional para tanto” (FEDERAÇÃO CATARINENSE DE
MUNICÍPIOS. Parecer nº 3624. Florianópolis: FECAM, 2017. Disponível em: https://goo.gl/26z2nB . Acesso
em: 20 mar. 2019).

26 R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019
Os desafios da experiência brasileira com projetos de Parceria Público-Privada (PPP) de iluminação...

para o efeito na legislação nacional, como sejam os contratos de desempenho


energético ou os contratos de gestão de eficiência energética”.46
Contudo, no âmbito de projetos de PPP no Brasil, que ensejem a eficientização
e economia de recursos públicos em decorrência do bom desempenho das atividades
do concessionário, é possível que haja uma remuneração pela sua eficiência, como
já foi realizado no âmbito da PPP de Belo Horizonte.
Na realização do Primeiro Aditivo da PPP de Belo Horizonte, ficou acordado
que, na comprovação de que se houver redução do patamar de consumo de energia
elétrica, poderia ser concedido um Bônus sobre a Conta de Energia (BCE),47 com a
possibilidade de compartilhamento do valor economizado pelo poder concedente
(Município de Belo Horizonte), se nenhum dos valores relativos ao Índice de
Desempenho do Concessionário estivesse abaixo a 0,80 (oitenta centésimo).
Todavia, ainda não há parâmetros legais para a definição de como realizar
a divisão dos inegáveis ganhos econômicos na redução do consumo de energia
elétrica no âmbito de uma PPP de iluminação pública.

4.4 Receitas acessórias


Por fim, a quarta dificuldade nos contratos de PPP de iluminação pública
consiste na possibilidade do aproveitamento de receitas acessórias no âmbito
desses projetos. Como demonstrado, normalmente há implementação de um projeto
de iluminação pública a partir do conceito de smart city
A partir da ideia de uma PPP de iluminação pública, um dos grandes proveitos
na utilização de uma rede de comunicação de luminárias de LED poderia ser o
aproveitamento da rede de comunicação instalada na cidade como uma receita
acessória, como no caso de ser utilizada, por exemplo, uma instalação de fibra
óptica.48

46
OLIVEIRA, Fernanda Paula. Eficiência energética na contratação pública portuguesa e da União Europeia.
Revista de Contratos Públicos – RCP, Belo Horizonte, ano 7, n. 12, set./fev. 2018., p. 82.
47
Nos termos do Primeiro Aditivo: “Ressalta-se que a base de cálculo do BCE é o valor efetivamente pelo
poder concedente à empresa distribuidora, distinguindo-se da base utilizado o FME e, por consequência, da
contraprestação mensal efetiva até o cumprimento ao 5º marco, calculados a partir do cadastro municipal
de iluminação pública, conforme especificado no item 3.1.1” (MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. 1º Termo
Aditivo ao Contrato de Concessão Administrativa nº AJ 016/2016 para prestação dos serviços de iluminação
pública no Município de Belo Horizonte, incluídos o desenvolvimento, modernização, ampliação, eficientização
energética, operação e manutenção da rede municipal de iluminação pública. Belo Horizonte: Município de
Belo Horizonte, 2017, p. 58-59. Disponível em: https://goo.gl/8bZCSR. Acesso em: 20 mar. 2019).
48
O conceito de cabo de fibra óptica, segundo a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) é: “Conjunto
constituído por fibras ópticas, elementos de proteção da unidade básica, elemento de tração dielétrico,
eventuais enchimentos, e núcleo completamente preenchidos com material resistente à penetração de
umidade e protegidos por uma capa de material termoplástico”, conforme o item 4, inc. II, da Resolução
nº 299/2002, da ANATEL.

R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019 27
Clóvis Alberto Bertolini de Pinho

O art. 11, da Lei nº 8.987/1995,49 esclarece que, em relação às peculiari-


dades do serviço público, o poder concedente poderá prever a possibilidade de
a concessionária explorar receitas acessórias. A título de exemplo, o contrato de
PPP entre o Município de Belo Horizonte e a concessionária BH Iluminação Pública
S.A. prevê exatamente essa possibilidade, nos termos de seu primeiro aditivo,
celebrado em 17.05.2017.
Portanto, uma possível complementação de receitas da concessionária, de modo
a integrar o cálculo de equilíbrio econômico-financeiro do contrato, é a possibilidade
de se prever receitas acessórias, como realizado no âmbito do contrato de PPP de
iluminação pública do município de Belo Horizonte.

5 Conclusões
O conceito de smart city ou cidade inteligente congrega o esforço tecnológico
de modo a incluir os sistemas de mobilidade urbana e maior inclusão do cidadão
no espaço urbano. A ideia de organização de um projeto de iluminação pública
a partir do ideário de uma smart city pressupõe a utilização de ferramentas de
comunicação entre as luminárias que permitem uma maior eficiência energética,
especialmente a partir da tecnologia LED.
No Brasil, ainda há dificuldades consideráveis na estruturação de projetos de
iluminação pública a partir da ideia de uma smart city. A principal dificuldade está
no fato de que a maioria dos projetos de PPP de iluminação pública se valem da
receita da Cosip, que tem destinação constitucional específica para o custeio da
iluminação pública, como determina o art. 149-A, da Constituição Federal. Desse
modo, há uma inegável inviabilidade de utilização de PPPs de iluminação pública
para a aglutinação de objetos estranhos à iluminação pública, que normalmente
são utilizados em projetos de smart city, ou cidades inteligentes, como no caso de
implementação de serviços de comunicação.
Além disso, a partir da experiência brasileira, há ainda dificuldades na
estruturação jurídica de PPPs de iluminação pública, especialmente no que tange
a: (a) utilização da Cosip para a remuneração de objetos estranhos à iluminação
pública, como na inserção da gestão semafórica, de comunicação de internet sem
fios, entre outros; (b) possibilidade de remuneração pela eficiência energética,
com a distribuição da economia de energia e dos recursos economizados pelo

49
“Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em
favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas
alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com
vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei. Parágrafo único.
As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial
equilíbrio econômico-financeiro do contrato”.

28 R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019
Os desafios da experiência brasileira com projetos de Parceria Público-Privada (PPP) de iluminação...

Poder Público com a concessionária; e (c) a possibilidade de utilização de receitas


acessórias para a composição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Uma solução aventada para a estruturação de projetos de smart city, a partir
da ideia de uma PPP de iluminação pública, está na possibilidade de remuneração
de serviços estranhos à iluminação pública, a partir da utilização da desvinculação
de receitas tributárias, na qual se incluiria a Cosip, contudo, limitada à data de
2023, tendo em vista o limite constitucional imposto para tal providência, o que não
poderia se coadunar com contratos de longa duração, como no caso de uma PPP.
Por fim, acredita-se que, pelo fato de grande parte dos projetos valerem-se
da receita da Cosip para a estruturação de PPPs de iluminação pública, a ideia de
utilização de estruturação de uma cidade inteligente ou smart city torna-se uma
tarefa difícil. Porém, é possível se aventar hipóteses de desvinculação das receitas
da Cosip, com fundamento no art. 76-B, do ADCT.

The Challenges of the Brazilian Experience with Projects of Public-Private Partnerships (PPP) of
Public Lighting and Smart Cities
Abstract: The article deals with the feasibility of establishing public-private partnerships (PPPs) for
public lighting from the idea of a smart city. The paper presents an overview of the concept of smart
city from a public lighting project, presenting the main benefits in using this model in terms of energy
and administrative efficiency. Secondly, the brief presents the framework for structuring public lighting
projects, as well as the legal possibilities of conceiving the idea of public lighting PPPs from the ideals
of a smart city, analyzing some of the challenges existing in the Brazilian legal system. In addition, the
article evaluates some PPP projects of public lighting already carried out in Brazil, in order to examine
the possibility of exploring the feasibility of designing the idea of smart city in public lighting PPPs.

Keywords: Public lighting. Smart city. LED. Public-private partnership. Contribution to the cost of public
lighting.

Referências
BRASIL. RE nº 537.610, Rel. Min. Cezar Peluso, 2ª T, j. 1º.12.2009, DJE, 18 dez. 2009.
BRASIL. RE nº 573.675, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25.03.2009, DJE, 22 maio 2009.
BRASIL. RE nº 666404 RG, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 28.11.2013, publ. 17.02.2014.
BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal de 28 de fevereiro de 2002. Proposta de
Emenda à Constituição nº 3, de 2002, p. 974-975. Disponível em: https://goo.gl/j71ptZ.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI nº 463.910 AgR, Rel. Min. Ayres Britto, 1ª T, j. 20.06.2006,
DJ, 08 set. 2006.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Sentença nos autos nº 12446-30.2015.4.01.3400,
j. 15 maio 2017.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias da administração pública: concessão, permissão,
franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019 29
Clóvis Alberto Bertolini de Pinho

ESCOLAR, Soledad et al. Estimating energy savings in smart street lighting by using an adaptive
control system. International Journal of Distributed Sensor Networks, v. 10, n. 5, 2014.
GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Parceria público-privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
HART, Oliver. Firms, contracts, and financial structure. Oxford: Oxford University Press, 1995.
HIRATA, Taís. Tribunal de Contas pede que Doria considere anulação de PPP de iluminação em
SP. Folha de S. Paulo, 28 mar. 2018. Disponível em: https://goo.gl/qAJYCb.
HUNGARO, Luis Alberto. Parceria público-privada municipal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
KUMAR, Navin. Smart and intelligent energy efficient public illumination system with ubiquitous
communication for smart city. International Conference on Smart Structures & Systems, 2013.
LEE, Jung Hoon; HANCOCK, Marguerite Gong; HU, Mei-Chih. Towards an effective framework for
building smart cities: lessons from Seoul and San Francisco. Technological Forecasting & Social
Change, n. 89, 2014.
MARTIRANO, Luigi. A smart lighting control to save energy. In: Intelligent Data Acquisition and
Advanced Computing Systems (IDAACS), 2011 IEEE 6th International Conference on, vol. 1, IEEE,
2011.
MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. 1º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão Administrativa nº
AJ 016/2016 para prestação dos serviços de iluminação pública no Município de Belo Horizonte,
incluídos o desenvolvimento, modernização, ampliação, eficientização energética, operação e
manutenção da rede municipal de iluminação pública. Belo Horizonte: Município de Belo Horizonte,
2016.
MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. Contrato de Concessão Administrativa nº AJ 016/2016
para prestação dos serviços de iluminação pública no Município de Belo Horizonte, incluídos o
desenvolvimento, modernização, ampliação, eficientização energética, operação e manutenção
da rede municipal de iluminação pública. Belo Horizonte: Município de Belo Horizonte, 2017.
Disponível em: https://goo.gl/VU3sMj.
MUNICÍPIO DE DOIS VIZINHOS. Decreto nº 14.519/2018. Revoga a licitação na modalidade de
concorrência pública, procedimento nº 001/2017. Dois Vizinhos, 2018. Disponível em: https://
goo.gl/1RA18a.
OLIVEIRA, Fernanda Paula. Eficiência energética na contratação pública portuguesa e da União
Europeia. Revista de Contratos Públicos – RCP, Belo Horizonte, ano 7, n. 12, set./fev. 2018.
OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. A chamada contribuição de iluminação pública (Emenda
Constitucional nº 39 de 2003). Revista de Direito Administrativo, v. 233, jul./set. 2003.
PHILIPS. Philips renews the street lighting system of Buenos Aires with LED technology. 16 out.
2013. Disponível em: https://goo.gl/sHUJ7a.
SAADI, Mário. A figura da Cosip e as PPPs no setor de iluminação pública. Revista Brasileira de
Infraestrutura – RBINF, Belo Horizonte, ano 3, n. 6, 2014.
SAADI, Mário. Contratação de parcerias público-privadas no setor de iluminação pública: aspectos
da receita corrente líquida e as características da Cosip. Revista Digital de Direito Administrativo
da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, v. 3, n. 2, 2016.
SCHIRATO, Vitor Rhien. Os sistemas de garantia nas parcerias público-privadas. Revista de Direito
Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 7, n. 28, out./dez. 2009.
TAIR, Estevão. Iluminação pública abre espaço a PPPs. Valor Econômico, São Paulo, 09 jul. 2018.
Disponível em: https://goo.gl/RRycSJ.

30 R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019
Os desafios da experiência brasileira com projetos de Parceria Público-Privada (PPP) de iluminação...

VELLOSO, Carlos. Taxa de iluminação pública – Inconstitucionalidade – Serviço “uti universi”.


Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 217, 1999.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2018 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

PINHO, Clóvis Alberto Bertolini de. Os desafios da experiência brasileira com


projetos de Parceria Público-Privada (PPP) de iluminação pública e cidades
inteligentes (smart cities). Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo
Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019.

Recebido em: 22.04.2019


Aprovado em: 17.05.2019

R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 17, n. 66, p. 9-31, abr./jun. 2019 31

View publication stats

Você também pode gostar