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Oscar Aibar nasceu em Barcelona, em 1967.

É diretor, roteirista, autor de


histórias em quadrinhos, publicitário, produtor de TV e escritor. Formado
pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona, entre 1986 e
1994, Oscar Aibar destacou-se como roteirista de quadrinhos do circuito al-
ternativo, conquistando vários prêmios na França e na Itália.
Atuando na televisão como roteirista e diretor de séries e programas da
TV espanhola, logo ficou conhecido entre os espanhóis por seu “freakismo”.
Em 1995, estreou como diretor de cinema, tendo, até hoje, dirigido quatro
longas-metragens e dois curtas, trabalhos em que a crítica notou semelhanças
com o cinema de Almodóvar. Em 2002, publicou seu primeiro livro, totali-
zando três até hoje: Tu mente extiende cheques que tu cuerpo no puede pagar
(2002), Los comedores de tiza (2005) e Making of (2008). Somente Os devo-
radores de giz foi publicado no Brasil. A ideia da história surgiu após Aibar
ter lido, em uma revista, um artigo que falava de uma mulher que comia giz –
o mesmo problema da protagonista de seu romance.
Os devoradores de giz não é seu primeiro trabalho que flerta com o mundo
psíquico. Em 2003, dirigiu Platillos volantes, seu segundo longa-metragem,
no qual aborda a complexa personalidade de seus personagens, todos adictos
à ufologia. Segundo o autor, porém, foram os quadrinhos que abriram as
portas de sua imaginação. Atolladero, trabalho que realizou em parceria com
o ilustrador Miguel Angel Martin, tem como cenário um atípico faroeste
spaghetti futurista. A história foi transformada em filme, o qual não obteve

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grande êxito perante a crítica espanhola, apesar de ser considerado pioneiro
no gênero.

POR QUE LER?


Em Os devoradores de giz, Aibar parte de metáforas e alegorias para traçar
um forte e debochado retrato de sua geração, nos anos de 1990, referindo--se
à disseminação das drogas, à vida solitária e à necessidade de venenos anti-
monotonia. O texto traz uma avalanche de situações absurdas que aconte-
cem na vida de Ana. Aos 30 anos, a protagonista ainda convive com a enorme
culpa decorrente de um incidente em que a filha tetraplégica de sua melhor
amiga, colocada sob seus cuidados, é morta por golfinhos. Ana, dependente
de cocaína, tenta se livrar da droga e da solidão. Para substituir a dependência,
retoma um hábito de infância, aliás nada convencional: comer giz, somente
os brancos, visto que os coloridos são duros e lhe causam dor no estômago.
Descobrindo que sofre de uma síndrome desconhecida, ela participa de um
fórum na internet em que encontra pessoas com o mesmo mal. Assim, em
contato com outros que experimentam o mesmo problema, sente-se acolhida.
Porém, no longo trajeto até encontrar esse grupo, vão desfilando pela história:
um namorado que passa o dia anotando de maneira obsessiva os horários de
chegada e saída dos trens da estação, um voyeur, indivíduos preocupados com
a combustão espontânea, um outro namorado, maduro, que arruinou sua
própria fortuna preso a uma dependência por consumir iguarias raras e vinhos
safrados, entre outros exóticos sofredores silenciosos.
Tratada no livro como um transtorno alimentar, a pica, ou picacismo, é
hoje classificada como um “transtorno da primeira infância”, que tem proximi-
dade com os transtornos da alimentação: a compulsão, a impulsividade, a
culpa. Uma relação entre pica e transtornos da alimentação é observada desde
os primeiros relatos de clorose, doença de interesse psiquiátrico descrita por
médicos ingleses e norte-americanos do século XIX e que acometia meninas
adolescentes. Seus sintomas incluíam fraqueza, cansaço, irritabilidade,
constipação, amenorreia, apetite reduzido, que se tornava caprichoso, mani-
festando-se como aversão a alguns alimentos, como, por exemplo, carne, ou
como o desejo exagerado por bolachas e geleias. Algumas meninas relatavam,
ainda, apetite incomum, desejando por vezes mostarda, pimenta, alimentos
picantes, sal, especiarias, giz, argila, carvão, etc. No livro, Aibar apresenta

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alguns casos de indivíduos com anorexia nervosa que consomem papel a fim
de saciar a fome.
A palavra “pica” deriva do nome em latim do pássaro Pega (Magpie em
inglês), notório pelo hábito de reunir objetos variados em seu ninho que sirvam
para saciar sua fome. Pássaro de hábitos alimentares peculiares, caracteriza-
-se por não discriminar substâncias nutritivas de não nutritivas. Alguns autores
ainda fazem uma metáfora entre o fato de que a Pega é um pássaro muito
colorido, e a pica, uma síndrome com nuanças variadas. Essas nuanças pode-
riam referir-se a sua etiologia ou às manifestações da doença, que incluem
uma lista grande de substâncias ingeridas: terra, cabelo, gelo, entre outras.
Aibar inclui entre os capítulos informações interessantes sobre o hábito de
comer terra (geofagia) e o hábito de comer cabelo (tricofagia).
Ana é dependente de cocaína e troca a essa dependência pelo hábito de
consumir giz, relembrando a semelhança entre a pica e o modelo de dependên-
cia química, pela necessidade cada vez maior de consumo da substância, segui-
da de períodos com sintomas de abstinência, tais como suor, queda de pressão,
irritabilidade e até a sensação do gosto da substância na boca. Nesse sentido,
a droga é o objeto eleito para apaziguar seu sofrimento. Ana, sentindo um
grande vazio ao parar de consumir cocaína, precisa substituí-la por algo que
possa incorporar – no caso, o giz, mas só os brancos...

OS DEVORADORES DE GIZ 21

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