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PONTO 41
Anestesia para
Cirurgia Torácica
José Mariano Soares de Moraes
Responsável pelo CET da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), MG;
Chefe do Serviço de Anestesiologia do Hospital Monte Sinai, Juiz de Fora, MG;
Professor adjunto de anestesiologia da Faculdade de Medicina da UFJF, MG.
Espirometria
A espirometria é um exame de fácil execução que pode ser realizado à beira do leito. A avaliação
do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e a verificação da capacidade vital forçada
(CVF) são os testes propostos para predizer o risco de complicações pulmonares pós-operatórias. Pa-
cientes com valores abaixo do normal antes da cirurgia estão sob risco de complicações pós-operató-
rias. Principalmente aqueles que serão submetidos a cirurgias com ressecção de tecido pulmonar. Para
melhor quantificar esse risco, deve ser feita uma estimativa de quanto parênquima vai permanecer após
a cirurgia. Para isso, se utiliza o cálculo do volume expiratório forçado no primeiro segundo predito no
pós-operatório (ppoVEF1) 4. Esse cálculo é realizado pelo valor de VEF1 pré-operatório multiplicado pela
razão entre o número de segmentos pulmonares pós-operatório sobre o número de segmentos pulmo-
nares pré-operatório (Figura 41.1).
ppoVEF1 = VEF1 pré x nº segmentos pós/nº segmentos pré.
Figura 41.1 - Número de segmentos pulmonares por lobos do pulmão direito (22) e esquerdo (20). Total 42 segmentos
Por exemplo, um paciente com VEF1 pré-operatório de 96% que fará ressecção dos lobos pulmonares
médio e inferior do pulmão direito. Qual será seu ppoVEF1?
ppoVEF1 = 96% x 42-16/42
ppoVEF1 = 96% x 26/42
ppoVEF1 = 96% x 0,619
ppoVEF1 = 59,4%
Esse cálculo é guia para o manejo pós-operatório e possui associação com risco. Pacientes com ppoVEF1
maior que 40% pode ser extubado em sala desde que esteja estável, aquecido, alerta e confortável. Se o
ppoVEF1 der entre 30% e 40%, pode-se considerar a extubação com base na tolerância ao exercício, rela-
ção ventilação-perfusão e doenças associadas. Se o ppoVEF1 for menor que 30%, prosseguir com desmame
ventilatório lentamente, considerando a analgesia adequada para o melhor controle respiratório5.
Figura 41.3 - Representação esquemática do deslocamento do mediastino no paciente que respira espon-
taneamente, com tórax aberto, na posição de decúbito lateral. Durante a inspiração, a pressão negativa no
hemitórax intacto faz com que o mediastino se desloque para baixo. Durante a expiração, a pressão positiva
relativa no hemitórax intacto faz com que o mediastino se desloque para cima (Tarhan S, Moffitt EA. Principles
of thoracic anesthesia. Surg Clin North Am, 1973;53:813)
O segundo fenômeno é a respiração paradoxal (Figura 41.4). Durante a inspiração, a pressão relativa-
mente negativa no hemitórax intacto, em comparação com a pressão atmosférica no hemitórax aberto,
Ponto 41 - Anestesia para Cirurgia Torácica | 881
pode provocar o movimento de ar proveniente do pulmão não dependente para o pulmão dependente. O
oposto ocorre durante a expiração. Essa inversão no movimento gasoso de um dos pulmões para o outro
representa desperdício de ventilação e pode comprometer a adequação da troca gasosa. A respiração
paradoxal aumenta com uma toracostomia grande ou com o aumento da resistência das vias aéreas no
pulmão dependente. A ventilação na compressão positiva ou a vedação adequada do tórax aberto elimina
a respiração paradoxal.
Figura 41.4 - Representação esquemática da respiração paradoxal no paciente que respira espontaneamente,
com tórax aberto, na posição de decúbito lateral. Durante a inspiração, o movimento gasoso proveniente do
pulmão exposto em direção ao pulmão intacto e o movimento de ar proveniente do ambiente em direção ao
hemitórax aberto causam o colapso do pulmão exposto. Durante a expiração, ocorre o inverso, e o pulmão
exposto se expande (Tarhan S, Moffitt EA. Principles of thoracic anesthesia. Surg Clin North Am, 1973;53:813)
Figura 41.5 - O lado esquerdo do diagrama mostra a distribuição da ventilação no paciente acordado (tórax fe-
chado), na posição de decúbito lateral, e o lado direito mostra a distribuição da ventilação no paciente anestesia-
do (tórax fechado), na posição de decúbito lateral. A indução de anestesia provocou perda de volume pulmonar
em ambos os pulmões; o pulmão não dependente (acima) passa da parte plana, não complacente, para a parte
complacente e íngreme da curva pressão-volume, e o pulmão dependente (abaixo) passa da parte complacente
e íngreme para a parte plana, não complacente, da curva pressão-volume. Assim, o paciente anestesiado, na po-
Figura 41.6 - Esse diagrama, de um paciente na posição de decúbito lateral, compara a condição anestesiada,
com tórax fechado, com a condição anestesiada e paralisada, com tórax aberto. A abertura do tórax aumen-
ta a complacência do pulmão não dependente e reforça ou mantém a parte maior da ventilação corrente que
chega ao pulmão não dependente. A paralisia também reforça ou mantém a parte maior da ventilação corren-
te, que segue para o pulmão não dependente, pois a pressão do conteúdo abdominal (PAB) que comprime o
diafragma superior é mínima, sendo, portanto, mais fácil para a ventilação com pressão positiva deslocar esse
domo menos resistente do diafragma. V, volume; P, pressão (Benumof JL. Anesthesia for Thoracic Surgery,
Philadelphia: WB Saunders, 1987, p. 112)
Figura 41.7 - Representação esquemática da ventilação bipulmonar em comparação com a ventilação mo-
nopulmonar (VMP). Valores típicos do fluxo sanguíneo fracionário que chega aos pulmões não dependente
e dependente, bem como PaO2 e Vs/Qt para as duas condições, conforme mostrado. Considera-se que Vs/
Qt durante a ventilação bipulmonar se distribua igualmente entre os dois pulmões (5% para cada pulmão). A
A VMP cria um shunt transpulmonar obrigatório da direita para a esquerda, através do pulmão não ven-
tilado e não dependente, pois a relação V/Q daquele pulmão é zero. Teoricamente, devem-se adicionar
mais 35% ao shunt total durante a VMP. No entanto, considerando uma vasoconstrição pulmonar hipóxica
(VPH) ativa, o fluxo sanguíneo para o pulmão hipóxico não dependente diminuirá em 50% e, portanto,
será de (35/2) = 17,5%. A este, devem-se adicionar 5%, que é o shunt obrigatório que passa pelo pulmão
não dependente. O shunt que passa pelo pulmão não dependente é, portanto, 22,5%. Junto com o shunt
de 5% no pulmão dependente, o shunt total durante a VMP é de 22,5% + 5% = 27,5%. Isso gera um PaO2 de
aproximadamente 150 mmHg (FIO2 = 1,0)9.
Como 72,5% da perfusão é direcionada para o pulmão dependente durante a VMP, a ventilação ade-
quada desse pulmão é importante para que se obtenha uma troca gasosa adequada. O pulmão depen-
dente já não está mais na parte íngreme (complacente) da curva volume-pressão, por causa da redução
do volume pulmonar e da CRF. Há vários motivos para essa redução da CRF, entre eles anestesia geral;
paralisia; pressão exercida por conteúdo abdominal; compressão pelo peso das estruturas do mediastino
e posicionamento inadequado sobre a mesa cirúrgica. Outras considerações que afetam a ventilação ideal
do pulmão dependente incluem atelectasia de absorção; acúmulo de secreções e a formação de transu-
dato de fluidos no pulmão dependente. Todos esses fatores criam uma baixa relação V/Q e um grande
gradiente P (A-a) O2.
Ventilação monopulmonar
Tabela 41.1 - Indicações para a ventilação monopulmonar
Figura 41.8 - (A) Intubação endobrônquica do brônquio fonte esquerdo utilizando um tubo de Carlens. Observe
o “gancho” carinal utilizado para o posicionamento correto. (B) Tubo de duplo lúmen, esquerdo, do tipo Ro-
bertshaw, feito de cloreto de polivinil (A: Hillard EK, Thompson PW. Instruments used in thoracic anaesthesia.
Thoracic Anaesthesia. Editado por Mushin WW. Oxford, Blackwell Scientific, 1963, p. 315. B: Courtesy of Nel-
lcor Puritan Bennett, Inc., Pleasanton, California)
Figura 41.9 - Vista broncoscópica por fibra óptica da carina principal. (A) Carina brônquica esquerda. (B) Brôn-
quio direito. (C) Observe o orifício no lobo superior direito (seta)
Outros métodos que têm sido utilizados para garantir a colocação correta do TDL incluem fluoroscopia,
radiografia do tórax, capnografia seletiva e utilização de vedação imersa. A determinação da presença de
vazamento gasoso ao aplicar pressão positiva em um dos lúmens do TDL é facilmente obtida na sala de ci-
rurgia. Se o cuff brônquico não estiver inflado e for aplicada pressão positiva no lúmen brônquico do TDL,
haverá vazamento gasoso pelo cuff brônquico, que retornará pelo lúmen traqueal. Se o lúmen traqueal
for conectado a um sistema de vedação imersa, será possível ver a formação de bolhas de gás na água.
O cuff brônquico pode então ser gradualmente inflado até que não sejam observadas bolhas de gás e que
seja obtida a pressão de vedação desejada para o cuff. Esse teste é de extrema importância quando há
necessidade de separação absoluta dos pulmões, como durante uma lavagem broncopulmonar.
O avanço mais importante para verificar a posição adequada do TDL é a introdução do broncoscópio
flexível pediátrico por fibra óptica (Figura 41.9). Smith e cols. mostraram que, quando se acreditava que
oTDL descartável estivesse na posição correta por auscultação e exame físico, a broncoscopia subsequente
com fibra óptica mostrou que 48% dos tubos estavam, na verdade, mal posicionados18. No entanto, esse
mau posicionamento geralmente não tem significância clínica.
Ao utilizar um TDL esquerdo, o broncoscópio é geralmente, em primeiro lugar, introduzido através do
lúmen traqueal. A carina é visualizada, mas não deve ser observada nenhuma herniação do cuff brôn-
quico. A superfície superior do cuff endobrônquico azul deve ficar logo abaixo da carina traqueal. O cuff
brônquico do TDL descartável é facilmente visualizado por causa de sua cor azul. O broncoscópio deve,
então, passar pelo lúmen brônquico, e o orifício brônquico do lobo superior esquerdo deve ser identifica-
do. Ao utilizar um TDL direito, a carina deve ser visualizada através do lúmen traqueal. Vale ressaltar, no
entanto, que o orifício do brônquio do lobo superior direito deve ser identificado quando o broncoscópio
passar pela ranhura de ventilação do lobo superior direito do TDL . Os broncoscópios pediátricos de fibra
óptica estão disponíveis em vários tamanhos: 5,6 mm, 4,9 mm e 3,6 mm de diâmetro externo. O broncos-
Figura 41.10 - Mau posicionamento do membro brônquico esquerdo do tubo de duplo lúmen (TDL). (A) O mem-
bro penetrou bastante o brônquio esquerdo, pois o cuff não está evidente. (B) O TDL foi retirado, e o balão
pode agora ser visto, o que indica posicionamento correto do TDL (seta)
Figura 41.11 - Separação dos pulmões em paciente com via aérea difícil. VAML via aérea com máscara laríngea
(adaptado de Cohen E, Benumof JL. Lung separation in the patient with a difficult airway. Curr Opin in Anesthesiol,
1999;12: 29)
Figura 41.12 - (A) O tubo Univent também permite a separação dos pulmões, utilizando um tubo endotraqueal
de lúmen único. (B) Bloqueador brônquico Univent posicionado no brônquio fonte esquerdo
Pode-se usar um bloqueador brônquico inserido independentemente, com um tubo de lúmen único,
para obter o isolamento dos pulmões, evitando, assim, a utilização de um TDL em pacientes com via
aérea difícil. O uso de um bloqueador brônquico também elimina a possível necessidade de trocar o TDL
por um tubo de lúmen único (TLU) quando do término do procedimento. Os bloqueadores são discutidos
mais adiante, na ordem cronológica em que foram desenvolvidos e introduzidos na prática. Antigamen-
te, os cateteres para embolectomia vascular Fogarty eram utilizados para a separação dos pulmões,
mas não há nenhuma indicação para uso deles na prática atual de anestesia torácica. O balão Fogarty
é de alta pressão e baixo volume, e não há nenhum lúmen que permita a saída de gás do pulmão para
facilitar a desinflação.
Tubo Univent
O Univent (Fuji Systems Corp., Tóquio, Japão) é um tubo endotraqueal de lúmen único, com um blo-
queador endobrônquico móvel (Figura 41.12). No tubo Univent, o bloqueador brônquico fica alojado em
um pequeno canal furado na parede do tubo. O bloqueador contém um balão de alto volume e baixa
pressão e é angulado para permitir direcionamento externo para dentro do brônquio desejado, mediante
visão direta por broncoscópio de fibra óptica (FB). Após a intubação da traqueia, o bloqueador móvel é
manipulado até o brônquio fonte desejado com o auxílio de um broncoscópio de fibra óptica.
O tubo Univent pode ser ideal para casos em que a troca de tubos (por exemplo, de um tubo de lú-
men único por um de duplo lúmen) seja difícil (por exemplo, mediastinoscopia seguida de toracostomia)
ou em casos de transplante bilateral de pulmão. O tubo Univent tem uma vantagem comum a todos os
bloqueadores brônquicos: ele é um tubo de lúmen único e não há necessidade de trocá-lo no final do pro-
cedimento se for necessário suporte ventilatório pós-operatório. Esse fator é particularmente importante
em casos de intubação difícil, cirurgia prolongada com edema das vias aéreas, como ocorre na cirurgia
de aneurisma aórtico torácico ou em procedimentos neurocirúrgicos extensivos na coluna vertebral, com
substituição maciça de fluidos, e alteração da anatomia da via aérea. É também possível fazer a sucção
Figura 41.13 - O bloqueador endobrônquico Arndt é um bloqueador guiado por fio que permite colocação direta
com o uso de um broncoscópio de fibra óptica. O broncoscópio de fibra óptica é inserido através da alça na ex-
tremidade do bloqueador, que, então, desliza sobre o broncoscópio até o brônquio escolhido. (A) O broncoscó-
pio de fibra óptica é inserido pela alça e guiado até o brônquio fonte esquerdo. (B) Alça na ponta do bloqueador
com cuff de alto volume e baixa pressão. (C) O broncoscópio se retrai, deixando o bloqueador no lugar
O bloqueador brônquico do tubo Univent de primeira geração era difícil de direcionar até o brônquio
fonte desejado. O bloqueador girava sobre seu longo eixo, o que dificultava controlá-lo. A segunda gera-
ção, o Torque Control Blocker Univent, foi lançada mais recentemente. Ela consiste em um tubo endotra-
queal de silicone, com alto coeficiente de atrito. O Torque Control Blocker proporciona melhor controle,
o que facilita o direcionamento do bloqueador dentro do brônquio fonte desejado.
Bloqueador endobrônquico Arndt
Na tentativa de resolver os possíveis problemas descritos anteriormente, um bloqueador brônquico
guiado por laço foi lançado (Cook Critical Care) (Figura 41.13). Ele consiste em um cateter guiado por
fio, com um laço. Um fibroscópio passa pelo laço do bloqueador brônquico e, em seguida, é direcionado
até o brônquio desejado. O bloqueador então desliza distalmente sobre o fibroscópio até o brônquio
desejado. A visualização broncoscópica confirma a colocação do bloqueador e a oclusão brônquica. Esse
cateter com ponta em balão tem um lúmen oco de 1,6 mm, que permite sucção para facilitar o colapso
do pulmão e insuflação de oxigênio até o pulmão não dependente. O balão é oferecido nos formatos es-
férico ou elíptico. O conjunto contém um adaptador com várias portas, que permite ventilação ininter-
rupta durante o posicionamento do bloqueador. O fio pode então ser removido. Pode-se usar um lúmen
de 1,6 mm como porta de sucção ou para insuflação de oxigênio. Na primeira geração desse dispositivo,
não era possível reinserir o fio uma vez que ele tivesse sido retirado, perdendo-se a capacidade de redi-
recionar o bloqueador brônquico, se necessário. O reforço externo do fio agora permite a reintrodução
através do lúmen. Finalmente, o diâmetro externo exige um tubo de lúmen único, de tamanho maior
(pelo menos, 8 mm) para que possa acomodar o bloqueador brônquico. O bloqueador Arndt é oferecido
nos tamanhos pediátricos 7 Fr e 5 Fr.
Uma desvantagem do bloqueador Arndt é que ele é avançado às cegas sobre a FB até o brônquio fonte
desejado. Em algumas ocasiões, a ponta do bloqueador pode ficar presa na carina principal ou no olho de
Murphy do tubo de lúmen único.
O bloqueador brônquico Cohen Flexitip (Cook Critical Care) foi projetado para ser utilizado como blo-
queador brônquico independente. Ele é inserido através de um tubo endotraqueal de lúmen único com o
auxílio de um broncoscópio de fibra óptica de pequeno diâmetro (4 mm)27 (Figura 41.14). O bloqueador
tem uma roda giratória que deflete a ponta macia em mais de 90° e a direciona facilmente ao brônquio
desejado. O cuff do bloqueador é um balão de alto volume e baixa pressão insuflado através de um lú-
men de 0,4 mm, dentro da parede do bloqueador. Ele tem o formato de pera, que proporciona vedação
adequada do brônquio. Geralmente, são necessários entre 6 mL e 8 mL de ar para vedar o brônquio com
o cuff. O cuff tem uma cor azul distinta que é facilmente reconhecível pelo broncoscópio de fibra ópti-
ca. É melhor inflar o cuff sob “visão direta” e através de um broncoscópio de fibra óptica. O tamanho do
bloqueador é 9 Fr. Ele tem um lúmen principal central (1,6 mm) que permite sucção limitada das secre-
ções e insuflação de oxigênio para o pulmão colapsado no caso de hipoxemia. Esse bloqueador e a FB não
precisam passar pelo tubo endotraqueal ao mesmo tempo, para a colocação; pode-se passar o bloquea-
dor antes da FB até além da ponta do tubo endotraqueal. Portanto, ele pode ser utilizado com um tubo
endotraqueal de 7 mm.
Unibloqueador
Recentemente, a Fuji Systems introduziu um novo bloqueador angulado 9 Fr, com ponta em balão, com
um adaptador de várias portas que, em essência, tem o mesmo modelo do bloqueador de tubos Univent,
mas que pode ser utilizado como bloqueador independente através de um tubo endotraqueal convencio-
nal, com conector especial.
Um estudo randomizado prospectivo comparou a eficácia do isolamento pulmonar entre três disposi-
tivos: o TDL Broncho-Cath esquerdo; o bloqueador com controle de torque Univent e o Arndt guiado por
fio. Não houve nenhuma diferença estatística no mau posicionamento dos tubos entre os três grupos: foi
necessário mais tempo para posicionar o bloqueador Arndt (3 minutos) em comparação com o TDL es-
querdo (2 minutos) e o Univent (2 minutos). Excluindo-se o tempo necessário para a colocação do tubo, no
grupo do Arndt, também foi necessário mais tempo para o pulmão colapsar (26 minutos), em comparação
com o grupo do TDL (17 minutos) e o grupo do Univent (19 minutos). Além disso, ao contrário dos outros
dois grupos, a maioria dos pacientes do Arndt necessitou de sucção para obter o colapso do pulmão. Uma
vez obtido o isolamento do pulmão, a exposição cirúrgica total foi avaliada como excelente para os três
grupos. Um minuto a mais para posicionar o bloqueador brônquico ou 6 minutos a mais para colapsar o
pulmão com um bloqueador brônquico são insignificantes quando se considera a duração do procedimen-
to torácico. O benefício de risco e a segurança de cada paciente devem ser levados em consideração ao
escolher os métodos de isolamento pulmonar28,29.
Figura 41.15 - Conclusão do procedimento cirúrgico. Veja a discussão no texto. TLU, tubo de lúmen único; TDL,
tubo de duplo lúmen; UTI, unidade de tratamento intensivo
Se for necessário trocar o TDL por um tubo de lúmen único, deve-se utilizar um trocador de tubos para
manter o acesso à via aérea, como discutido anteriormente. O trocador de tubos pode ser inserido pelo
membro brônquico do TDL. Como opção, a troca do tubo também pode ser feita sob visão direta usando
um laringoscópio Bullard ou Wu. Com esses laringoscópios, pode-se colocar o trocador de tubos, sob visão
direta, através das cordas vocais, ao longo do tubo existente para possibilitar a passagem de um tubo de
lúmen único (Figura 41.15).
Em resumo, o anestesiologista precisa dominar diversos métodos de separação dos pulmões e familia-
rizar-se com os dispositivos disponíveis para proporcionar a VMP. Além disso, deve-se sempre planejar an-
tecipadamente o período pós-operatório ao escolher o método de separação dos pulmões. Por fim, nesses
casos, é de suma importância manter um diálogo franco com a equipe cirúrgica.
Figura 41.16 - Efeito de uma pressão positiva expiratória final de 10 cm H2O (PEEP) sobre a capacidade resi-
dual funcional (CRF). Postula-se que, em pacientes com PaO2 < 80 mmHg e compressão expiratória final nula
(ZEEP) a CRF seja baixa. A PEEP10 aumenta a CRF e, assim, aumenta a PaO2. VMP, ventilação monopulmonar;
PEEP10, pressão positiva expiratória final [10 cm H2O]; VR, volume residual
Os efeitos benéficos da CPAP 10 cm H2O (CPAP10) não são atribuíveis exclusivamente ao efeito da pres-
são positiva em desviar o fluxo sanguíneo para longe do pulmão colapsado, pois, em cães, a hiperinsufla-
ção de nitrogênio no pulmão não dependente, abaixo de 10 cm H2O, não conseguiu melhorar a PaO2.
A aplicação de uma CPAP alta (15 cmH2O) não é benéfica. A essa pressão, o pulmão fica superdisten-
dido, o que interfere na exposição cirúrgica. Além disso, uma CPAP alta assim pode ter consequências
hemodinâmicas, ao passo que a CPAP10 não mostrou ter nenhum efeito hemodinâmico significativo42.
A CPAP pode ser aplicada no pulmão não dependente por meio de vários sistemas simples, tendo to-
dos eles essencialmente as mesmas características: uma fonte de oxigênio; tubulação para conectar a
fonte de oxigênio ao pulmão não ventilado; uma válvula de alívio de pressão e um medidor de pressão. O
cateter que se liga ao pulmão não dependente é geralmente insuflado com 5 L.min-1 de oxigênio, usando
um circuito (pediátrico) modificado com T de Ayres, e a válvula no membro expiratório é ajustada até a
pressão desejada que será lida no medidor acoplado. Em vez de um medidor depressão ou manômetro
inserido no circuito, pode-se utilizar uma válvula de purga ponderada, tal como uma válvula de PEEP de
esferas ou acionada por mola.
A ventilação de alta frequência com oxigênio para o pulmão não dependente e a ventilação convencio-
nal para o pulmão dependente também têm sido utilizadas para melhorar a PaO2 durante a VMP.
Abordagem clínica em relação ao controle da ventilação monopulmonar
Uma vez que o paciente esteja na posição lateral, deve-se verificar novamente a posição do TDL. A
ventilação bipulmonar deve ser mantida pelo máximo de tempo possível quando for necessário instituir a
VMP. Recomenda-se geralmente utilizar uma FiO2 de 1 (Tabela 41.2). Deve-se ventilar o pulmão utilizan-
do um VC que gere um patamar de pressão das vias aéreas < 25 cmH2O, a uma frequência ajustada, para
manter a PaCO2 a 35 ± 3 mmHg. Geralmente, o monitoramento é feito com um capnômetro ou outro ana-
lisador multigás. Recomenda-se uma ventilação pulmonar protetora com VC baixo, de 6 a 7 mL.kg-1, PEEP
para o pulmão dependente, manobras de recrutamento frequentes e administração limitada de fluidos2.
Após o início da VMP, dependendo da patologia do pulmão e da intensidade da vasoconstrição pulmo-
nar hipóxica, a PaO2 pode continuar a diminuir por até 45 minutos. O monitoramento frequente dos gases
sanguíneos arteriais e a utilização de um oxímetro de pulso continuam durante todo o período operatório.
É também essencial trabalhar estreitamente com o cirurgião no caso de necessidade de reinsuflação do
pulmão. Se ocorrer hipoxemia durante a VMP, a posição do TDL deve ser verificada novamente por meio
de um broncoscópio de fibra óptica. Se o pulmão dependente não estiver gravemente acometido, uma
No caso muito raro, em que a PaO2 permanece baixa apesar dessas manobras, é possível instituir a
ventilação bipulmonar intermitente com a cooperação do cirurgião. Além disso, dependendo do estágio
da dissecção cirúrgica, se estiver sendo realizada uma pneumonectomia, a ligação da artéria pulmonar
elimina o shunt.
Durante a VMP, a pressão de pico das vias aéreas; o VC real aplicado (medido por um espirômetro); o
formato do capnograma e, se disponível, o circuito pressão-volume devem ser verificados continuamente.
Um aumento súbito da pressão de pico das vias aéreas pode ser causado pelo deslocamento do tubo por
causa da manipulação cirúrgica, o que prejudica a ventilação. Além disso, a capacidade de auscultar com
um estetoscópio sobre o pulmão dependente é extremamente importante.
Se surgirem dúvidas sobre a estabilidade do paciente ou se o paciente ficar hipotenso, cianótico ou
taquicárdico, deve-se reiniciar a ventilação bipulmonar até que o problema seja resolvido. Por causa da
manipulação pericárdica (principalmente, durante a toracostomia esquerda) e a compressão sobre os
grandes vasos, disritmias cardíacas e hipotensão não são raras. Medicamentos cardiotônicos devem ser
preparados e disponibilizados para uso durante qualquer procedimento cirúrgico torácico. A maioria dos
procedimentos cirúrgicos torácicos representa somente indicações relativas para VMP, e os benefícios da
VMP devem sempre ser ponderados com base nos riscos para o paciente.
Técnica anestésica
As cirurgias toracoscópicas devem respeitar a monitorização convencional, o acesso venoso central e a
monitorização invasiva da pressão arterial, que devem ser instalados conforme a necessidade do paciente
ou o porte cirúrgico. Procedimentos diagnósticos podem ser realizados com o paciente acordado através
de bloqueio dos nervos intercostais. Essa técnica causa mínima alteração na PaCO2 e no ritmo cardíaco
quando o paciente respira espontaneamente. O oxigênio deve ser ofertado pela máscara facial.
Procedimentos terapêuticos devem ser realizados com anestesia geral, associada ou não a bloqueios
locais ou regionais. Podem ser feitos com ventilação em ambos os pulmões ou com isolamento pulmonar,
conforme a necessidade da cirurgia48. É importante que o anestesiologista esteja atento para o risco de
lesões acidentais de grandes estruturas vasculares (artéria aorta, veia cava, e artéria e veias pulmonares),
com risco de choque hemorrágico e toracotomia de emergência.
b) Lobectomia
A lobectomia pode ser realizada por toracotomia ou toracoscopia. É o padrão ouro para o tratamento
de câncer de pulmão, porque apresenta menor incidência de recidiva quando comparada com ressecções
menores49. Dependendo da extensão da lesão, pode ser convertida em pneumectomia ou bilobectomia.
Técnica anestésica
Adequada analgesia pode ser obtida por bloqueio peridural ou paravertebral. A realização de correta
analgesia permite melhor controle respiratório do paciente e menor risco de complicações pulmonares.
É recomendada a utilização de ropivacaína por causa do menor bloqueio motor e, com isso, menor dis-
função da musculatura respiratória acessória. Pacientes submetidos a toracotomias abertas ou cirurgias
videoassistidas de maior porte devem ter acesso arterial para controle hemodinâmico fino e fácil coleta
de sangue arterial para gasometrias seriadas. Deve se obter acesso venoso periférico calibroso para rá-
pida infusão de fluidos ou sangue. Durante a cirurgia, é importante manter o paciente normotérmico e
com valores aceitáveis de PaCO2, SpO2, principalmente na ventilação monopulmonar. Pacientes estáveis e
com boa função pulmonar predita no pós-operatório podem ser extubados na sala de cirurgia, desde que
estejam aquecidos, acordados e com adequada analgesia.
Existem, ainda, as lobectomias em Sleeve ou em manga, nas quais há comprometimento brônquico,
principalmente por tumores carcinoides seguidas por acometimentos endobrônquicos, como metástases
ou tumores da árvore respiratória. Trata-se de uma ressecção segmentar de um brônquio pulmonar com
seu respectivo parênquima e, em seguida, anastomose dos cotos brônquicos (Figura 41.17). Para esse tipo
de cirurgia, é necessária ventilação endobrônquica ou tubo de dupla luz com isolamento contralateral50.
Figura 41.17 – Lobectomia em manga (Sleeve) com ressecção brônquica segmentar e anastomose entre os
cotos brônquicos
Técnica anestésica
A pneumectomia é associada a maior taxa de complicações pós-cirúrgica e, para isso, um bom controle
pré-operatório e peroperatório ajuda a diminuir essa taxa. Ansiólise antes da entrada na sala de cirur-
gia aumenta o conforto do paciente e diminui a descarga simpática pelo estresse. É necessária obtenção
de acesso periférico calibroso, acesso venoso central e punção de artéria radial para medida invasiva da
pressão arterial e coleta seriada de amostras de sangue para gasometria. Habitualmente, as ressecções
pulmonares são feitas por toracotomia com incisão posterolateral e, por isso, adequada analgesia é impor-
tante. As técnicas mais utilizadas são a peridural contínua ou o bloqueio paravertebral.
O espaço deixado pela extração pulmonar pode represar ar e, assim, alterar a anatomia do mediasti-
no, desviando a traqueia e os vasos da base, levando a alterações respiratórias e pressóricas. Ainda não
existe consenso entre os cirurgiões a respeito do que fazer com o espaço pós-pneumectomia, alguns co-
locam drenos em selo d’água ou cateteres para drenagem temporária ou para adicionar ou remover ar
para correto “balanço mediastinal” e outros preferem não drenar. Ao término da cirurgia, é obrigatória a
realização de raios x de tórax para verificar as alterações do mediastino52.
A ressecção pulmonar leva à perda aguda de cerca de 50% do leito vascular pulmonar. O que gera maior
resistência ao ventrículo direito. Esse efeito pode precipitar arritmias, como fibrilações atriais, e até mes-
mo insuficiência ventricular direita aguda.
A cirurgia pode ser realizada com tubos de duplo lúmen, bloqueadores brônquicos e até mesmo tubos
traqueais simples, conforme a exigência cirúrgica e o material disponível.
Um dos desafios para o anestesiologista nas cirurgias de ressecção pulmonar é a administração restritiva de
fluidos que permita redução de edema pulmonar ao mesmo tempo que possibilite adequada função renal53.
Para isso, se sugere um protocolo de hidratação para as cirurgias de ressecção pulmonar (Quadro 41.1).
Quadro 41.1 – Controle de fluidos para ressecções pulmonares
• O balanço hídrico total positivo nas primeiras 24 horas não deve exceder 20 mL.kg-1.
• O volume de cristaloide, em média, no adulto não deve exceder 3 L nas primeiras 24 horas.
• Não é necessário manter um débito urinário maior que 0,5 mL.kg-1.h-1.
• Se houver necessidade de aumentar a perfusão tissular, deve-se optar pelo uso de fármacos vasoativos no
lugar de sobrecarga hídrica.
Diversos estudos apontaram para pior resultado em pacientes que receberam hidratação superior a 3
L por dia por causa de maior edema pulmonar.
Técnicas de ventilação também são importantes nessa população. Diversos autores demonstraram que
volumes correntes menores que 6 mL.Kg-1 são adequados para correta troca gasosa e diminuem o número
de citocinas inflamatórias. Durante a ventilação monopulmonar, um volume de 5 mL.kg-1 de peso corporal
ideal com limite de pressão de pico < 35 cmH2O é adequado para o paciente.
Pneumectomia extrapleural
Opção para paciente com mesotelioma pleural maligno. Deve ser realizada radioterapia no pós-opera-
tório. Consiste numa ressecção pulmonar extensa, incluindo a retirada dos gânglios linfáticos, pericárdio,
diafragma, pleural e gradil costal. É importante que o anestesiologista esteja atendo para o potencial ris-
co de perda sanguínea em razão de grandes ressecções e acometimentos dos diversos vasos intercostais.
d) Cirurgia na traqueia
As principais causas de cirurgia sobre as traqueias são tumores, traumas e causas iatrogênicas (hipe-
rinsuflação do cuff, lesões durante a laringoscopia)54. A maioria das cirurgias é feita com ressecção seg-
Ponto 41 - Anestesia para Cirurgia Torácica | 901
mentar e anastomose primária. Há também a opção de realizar tal procedimento por meio de ressecções
segmentares e anastomoses com próteses (Figura 41.18).
Figura 41.18 – (A) Traqueia normal. (B) Ressecção segmentar da traqueia com anastomose primária. (C) Res-
secção segmentar da traqueia e anastomose com material protético
Técnica anestésica
Cirurgias de traqueia são desafiadoras e exigem muito cuidado e atenção da equipe médica. É impor-
tante boa comunicação entre os profissionais, a fim de minimizar os riscos. A intubação traqueal deve ser
bem estudada e individualizada para cada paciente e realizada somente após adequada pré-oxigenação.
Diferentes graus de obstrução e tipos de patologia requerem cuidados especiais. Muitos desses casos po-
dem necessitar de intubação acordada para evitar colapso das vias aéreas. Em todos os casos, a broncos-
copia rígida deve estar disponível desse houver falha de intubação ou ventilação, já que o broncoscópio
rígido pode passar a obstrução e fornecer um canal de ventilação pulmonar55.
A monitorização deve constar do padrão, associada a uma medida invasiva da pressão arterial que
permita também coletas seriadas de amostras de sangue para a análise de gases. Existe uma série de
métodos de ventilação nessas cirurgias que permite adequada oxigenação e eliminação de CO2, confor-
me o tipo e a localização da lesão. Pode-se utilizar a intubação orotraqueal padrão. O cirurgião pode
receber um tubo estéril e utilizá-lo para ventilação pulmonar numa incisão traqueal ou bronquial reali-
zadas distal à estenose; ventilação a jato de alta frequência abaixo da lesão55; e até mesmo a utilização
de circulação extracorpórea.
Durante a cirurgia, o cirurgião pode necessitar de um circuito ventilatório estéril para manusear a
ventilação abaixo da estenose. Já que, durante o período de ressecção e sutura traqueal, a ventilação é
ofertada pela traqueia aberta. Isso é feito para a sutura da parede posterior traqueal; durante a sutura
anterior, o tubo é introduzido distal à lesão, o que permite a ventilação pulmonar ou monopulmonar e a
sutura da parede anterior sem fuga aérea pela incisão (Figura 41.19).
Figura 41.19 – Controle da via aérea em cirurgias de traqueia. (A) Traqueia com lesão. (B) Intubação inicial pro-
ximal à lesão. (C) Intubação traqueal distal à lesão pela incisão cirúrgica. (D) Sutura da parede posterior da
traqueia. (E) Remoção do tubo traqueal distal e avanço do tubo traqueal proximal a uma posição distal à linha
de sutura anterior
Ao término da cirurgia, o paciente deve manter a cabeça em flexão para evitar sua extensão e conse-
quente tensão da sutura traqueal. Para isso, alguns cirurgiões realizam a sutura da pele do mento à pele
do manúbrio external. Essa manobra limita a extensão, porém, já foi associada a tetraplegia por flexão
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Anestesia e Sistema
Cardiovascular
Maria José Carvalho Carmona
Professora livre-docente associada da disciplina de
anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP);
Diretora da Divisão de Anestesia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
INTRODUÇÃO
Além dos efeitos cardiovasculares da maioria dos fármacos anestésicos, as alterações relacionadas à
idade ou à presença de cardiopatias impõem cuidados relacionados à proteção orgânica perioperatória.
A anestesia para o cardiopata submetido a cirurgia não cardíaca ou para a cirurgia cardíaca permanece
como os procedimentos mais desafiadores dentro da anestesiologia. O domínio de uma técnica adequada,
bem como o conhecimento abrangente de todo o conjunto anestésico-cirúrgico, desencadeia um melhor
manejo perioperatório de um paciente potencialmente crítico.
Objetiva-se aqui uma revisão atualizada e sucinta dos principais tópicos relacionados à anestesia e ao
sistema cardiovascular, além das orientações dos principais guidelines associados à prática diária.
Uma adequada avaliação pré-operatória se faz necessária, pois por meio desta visa-se a reduzir a mor-
bimortalidade no período perioperatório, minimizar gastos com testes e exames pré-operatórios e avaliar
quem realmente precisa destes testes adicionais para estratificação.
Fármacos Vasoativos
Os fármacos vasoativos devem ser utilizados como suporte hemodinâmico na presença de disfunção
ventricular com sinais clínicos e laboratoriais de hipoperfusão. O mecanismo de ação desses fármacos
ocorre por meio da ativação de receptores localizados nos tecidos, havendo vários subtipos. A maioria
desses agentes consiste em catecolaminas, e seus efeitos dependem da interação com receptores alfa e
beta-adrenérgico. De forma resumida, os receptores assumem as seguintes funções:
Alfa 1 receptor – aumenta a contratilidade e diminui a frequência cardíaca
Alfa 1 e alfa 2 receptores – promovem aumento nas resistências sistêmica e pulmonar;
Beta 1 receptor – promove aumento da contratilidade (inotropismo), a frequência cardíaca (cronotro-
pismo) e a condução (dromotropismo);
Reposição Volêmica
A reposição volêmica intraoperatória deve incluir: reposição da perda hídrica no jejum avaliada em
2 mL.kg-1.h-1, perdas insensíveis com a respiração e vasodilatação cutânea estimadas em 4-6 mL.kg-1.h-1 e
a perda cirúrgica que varia de acordo com o seu porte. Em procedimentos cirúrgicos de pequeno porte,
considera-se perda de 4 a 6 ml.kg-1.h-1; de médio porte, perda de 6 a 10 mL.kg-1.h-1; e de grande porte,
perda de 10 a 15 mL.kg-1.h-1. O volume urinário deve ser considerado na reposição volêmica perioperató-
ria. A estimativa adequada do volume de perda hídrica é essencial na prevenção de hipovolemia intra e
pós-operatória. A hipovolemia impõe maior estresse reduzindo o suprimento de oxigênio renal11. O uso de
terapia guiada por metas, baseada em dados da monitorização, para orientar tanto a reposição volêmica
quanto o uso de fármacos vasoativos deve contribuir para minimizar a ocorrência tanto de má perfusão
tecidual quanto de hipervolemia e contribuir para melhor desfecho pós-operatório.
Gênero Feminino 1
Arteriopatia extracardíaca Qualquer uma das seguintes alterações: claudicação, oclusão carotídea 2
ou estenose > 50%, intervenção prévia ou planejada na aorta abdomi-
nal, artérias periféricas ou carótidas
Estado crítico pré-operatório Qualquer um dos seguintes: taquicardia ventricular, fibrilação ventri- 3
cular ou morte súbita abortada, massagem cardíaca pré-operatória,
ventilação mecânica antes da indução anestésica, suporte inotrópico
pré-operatório, balão intra-aórtico ou insuficiência renal aguda pré-
-operatória (anúria ou oligúria < 10 mL/h).
Fatores cardíacos
DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; IAM: infarto agudo do miocárdio;
RM: revascularização do miocárdio; CIV: comunicação interventricular.
Embora tenha sido desenvolvido para atualizar e recalibrar o modelo anterior, poucas publicações es-
tão disponíveis avaliando o EuroSCORE II na população brasileira52,53, tendo sido observado baixa calibra-
ção52 por alguns estudos. Considera-se que o EuroSCORE inicial permanece adequado para avaliação do
risco em cirurgia cardíaca no Brasil. Sugere-se aplicá-lo durante a avaliação pré-operatória e, conforme o
risco cirúrgico do paciente, orientar medidas perioperatórias (técnica anestésica, monitorização, suporte
hemodinâmico etc.) que possam contribuir para a redução da morbimortalidade cirúrgica.
Tipos de Oxigenadores
Oxigenador de Bolhas
O sangue venoso entra numa câmara de mistura, para onde gases fluem, através de uma tela, cau-
sando a formação de pequenas bolhas. O sangue e as bolhas se coalescem, tempo suficiente neste ins-
tante é dado para garantir que trocas gasosas ocorram previamente à retirada da espuma formada, que
ocorrerá num segundo compartimento. Uma das maiores vantagens do oxigenador de bolhas é sua baixa
queda de pressão, o que possibilita que seja locado contra o fluxo da bomba, onde também pode atuar
como um reservatório para o sistema. A drenagem venosa é realizada passivamente pela diferença de
pressão do átrio direito para o reservatório do oxigenador, onde deve ser colocado em nível mais baixo
que a mesa cirúrgica.
A espuma formada é depurada por um silicone antiespuma A, que consiste em um polímero líquido de
dimetilpolisiloxane (96%) e sílica particulada (4%). Bolhas também são retiradas mecanicamente na rede
de malha, por onde o sangue e as bolhas passam. Ao utilizar um oxigenador de bolhas, deve-se manter
um volume de sangue adequado no reservatório. Além de auxiliar na depuração de bolhas, este volume
sanguíneo atua como uma câmara de complascência para o sistema, permitindo que o perfusionista possa
adicionar volume, avisar ao cirurgião se houver diminuição no retorno venoso e/ou temporariamente di-
minuir a taxa de fluxo na bomba.
Oxigenador de membrana
Os oxigenadores de membrana mais usados atualmente são os de microporos. Estes permitem, pelo
menos no início da CEC, uma interface direta gás-sangue. Após algum tempo, a cobertura proteica da
membrana e da interface de gás surge desaparecendo o contato direto entre gases e sangue. Tipicamente,
a tensão superficial do sangue impossibilita que grandes quantidades de fluido transpassem os microporos
na CEC. Os microporos, por sua vez, propiciam condutos na membrana de polipropileno que dão capaci-
dade de difusão suficiente para as trocas de O2 e CO2. Entretanto, após muitas horas de uso, a capacidade
funcional da membrana diminui devido à evaporação e subsequente condensação de plasma que escapa
através dos microporos.
Ao contrário dos oxigenadores de bolhas, o controle da ventilação e oxigenação é relativamente inde-
pendente nos oxigenadores de membrana. Ao aumentar o fluxo de gás, a ventilação (eliminação de CO2)
muda, através da redução da PCO2 e provavelmente por diminuir as camadas limitantes para a transfe-
rência de CO2. O fluxo de gás é ajustado por um controlador contra o fluxo do oxigenador, podendo haver
alguma pressurização do gás. O controle da oxigenação é feito pelo aumento ou redução na fração de O2
no gás fornecido ao oxigenador. Devido ao fato de o oxigenador de membranas separar as fases gasosa e
sanguínea e de não introduzir bolhas de gás no sangue, a adição de N2 ao fluxo gasoso não aumenta o risco
de embolização aérea no paciente, ao contrário dos oxigenadores de bolhas.
Figura 42.2 – Os efeitos combinados da adequada insuflação e desinsuflação do BIA resultam em melhora da
oxigenação miocárdica, aumento do débito cardíaco, aumento da perfusão sistêmica e, o mais importante,
redução do trabalho ventricular esquerdo
Insuficiência aórtica
A insuficiência da valva aórtica pode ser resultado da dilatação da raiz da aorta ou de doenças dos fo-
lhetos propriamente ditos. A dilatação da aorta ocorre nos pacientes com aneurismas ou com dissecção, e o
tratamento cirúrgico da insuficiência valvar está intimamente ligado ao tratamento da doença da aorta. Ate-
rosclerose, doença reumática, valva aórtica bivalvulada, endocardite e traumas são algumas das causas de
insuficiência aórtica, por resultarem em mobilidade anormal dos folhetos e perda da coaptação entre eles.
Na insuficiência aórtica, parte do volume sistólico, ejetado pelo ventrículo esquerdo na sístole ventricu-
lar, retorna para o ventrículo esquerdo durante a diástole, causando sobrecarga de volume e de pressão ao
VE. Na doença crônica, conforme a cavidade vai aumentando pelo aumento do volume diastólico, também
há aumento da espessura não proporcional do miocárdio, levando a uma hipertrofia excêntrica. A pressão
diastólica final em geral não cresce devido ao aumento da complacência do ventrículo e, diferentemente da
estenose aórtica, os pacientes só apresentam sintomas quando os mecanismos de compensação se esgotam
e a contratilidade miocárdica diminui. Idealmente, a valva deve ser tratada cirurgicamente antes que ocor-
ram alterações funcionais irreversíveis do ventrículo. O prognóstico dos pacientes é melhor quando a fração
de ejeção é maior que 50% e o diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo é menor que 55 mm.
Na insuficiência aórtica aguda, como pode ocorrer nas dissecções de aorta ascendente, o ventrículo
não tem tempo de compensar o aumento de volume e de pressão, podendo entrar em choque cardiogê-
nico, se a insuficiência não for tratada.
Segundo o último consenso do American College of Cardiology e da American Heart Association, de 2014,
o tratamento cirúrgico da insuficiência da valva aórtica está indicado nos casos de pacientes sintomáticos
com insuficiência importante da valva aórtica, independentemente da função ventricular, nos pacientes
assintomáticos com fração de ejeção menor que 50% no repouso em que a causa da disfunção seja doença
valvar e nos pacientes com insuficiência aórtica importante que sejam submetidos a outra cirurgia cardía-
ca, entre outras indicações. Para obter todos os detalhes sobre as indicações, acesse o consenso completo.
Os pacientes com insuficiência da valva aórtica por dilatação devida à doença da aorta também rece-
bem tratamento cirúrgico de acordo com as indicações da doença da aorta. Muitas vezes a valva nativa
pode ser preservada pelo remodelamento da aorta ou através de plastia da valva nativa.
O principal objetivo hemodinâmico é não aumentar a tensão ao ventrículo esquerdo. O aumento da
resistência vascular sistêmica piora a regurgitação e diminui o volume efetivo que vai para a circulação
periférica. Vasodilatação discreta e taquicardia modesta ajudam o paciente a manter um débito cardíaco
adequado. A bradicardia deve ser evitada, por causa da distensão ventricular, do aumento da pressão do
átrio esquerdo e consequente edema pulmonar.
Estenose mitral
A estenose mitral causa obstrução do fluxo do átrio esquerdo (AE) para o ventrículo esquerdo (VE),
resultando em um gradiente pressórico através da valva mitral durante adiástole. Conforme a doença pro-
Insuficiência mitral
Na insuficiência mitral a valva é incompetente durante a sístole ventricular, permitindo que parte do
volume sistólico retorne para o átrio esquerdo.
As causas da insuficiência mitral podem ser divididas em três grupos:
1. Dilatação de anel: em geral secundária a doenças que cursam com cardiomiopatias dilatadas.
2. Prolapso: ocorre pela doença primária da valva, como na doença fibroelástica, principalmente do
folheto posterior.
3. Restritiva: pode ocorrer na doença reumática e nos pacientes isquêmicos.
Na doença crônica, o coração se adapta à sobrecarga de volume com dilatação do átrio e hipertrofia
do ventrículo esquerdo e, mais tardiamente, dilatação do ventrículo esquerdo por aumento crônico da
volemia. Os sintomas são mínimos até o desenvolvimento da disfunção ventricular ou do aparecimento de
fibrilação atrial, comuns na história natural da doença.
Já na doença aguda, o quadro é mais dramático. A insuficiência mitral aguda pode ser causada por
infarto de músculo papilar ou por ruptura de cordoalha, que levam a uma insuficiência mitral aguda, au-
mentando agudamente o volume e a pressão do átrio esquerdo, o que pode ocasionar edema agudo de
pulmão e choque cardiogênico. Nos casos de doença isquêmica, o paciente em geral apresenta queda da
contratilidade ventricular e necessitará de suporte farmacológico e mecânico, como a instalação de balão
intra-aórtico para manejo do choque até que o tratamento cirúrgico seja instituído.
42.2.5. Aneurismectomia113-115
O aneurisma do ventrículo esquerdo ocorre quando uma porção do ventrículo esquerdo (VE) se torna
fina e dilatada. A principal causa é o infarto transmural seguido de necrose muscular e formação de ci-
catriz. A principal consequência do aneurisma é a acinesia ou discinesia de um segmento ventricular du-
rante a contração. O aneurisma também é causa de geração de focos arritmogênicos ou de formação de
trombos seguidos de embolia arterial. O aneurisma se forma nos primeiros dias após o processo isquêmico
e a maioria se torna aparente no primeiro ano após o diagnóstico do infarto.
As principais manifestações clínicas e a indicação cirúrgica do aneurisma estão bem definidas. Em ge-
ral, a presença de angina, insuficiência cardíaca, taquiarritmias ventriculares e embolia periférica são as
principais causas de indicação cirúrgica.
No cuidado perioperatório do paciente com aneurisma ventricular e candidato a cirurgia é importante
a adequada avaliação funcional, da presença de arritmias ou de trombos intracavitários.
Fluxo Sanguíneo
Classificação Fisiológica Comentários
Pulmonar
Shunts Esquerda-Direita Aumentado Ventrículos com sobrecarga de volume
CIA, CIV, DSAV, PCA, Desenvolvimento ICC
Dupla Via de saída do VD
Shunts Diminuído Ventrículos com sobrecarga de pressão
Direita-Esquerda Cianose
Tetralogia de Fallot Hipoxemia
Atresia pulmonar + CIV
Síndrome de Eisenmenger
Lesões Obstrutivas Variável Disfunção ventricular
Interrupção de arco aórtico Ventrículos com sobrecarga de pressão
Estenose aórtica crítica Lesões dependentes do canal arterial (Figura
Estenose pulmonar crítica 42.3 A)
Síndrome da hipoplasia do VE
Coartação da aorta
Estenose mitral
Lesões Regurgitantes Ventrículo com sobrecarga de volume
Anomalia de Ebstein Distúrbios de condução - arritmias
Lesões Mistas Geralmente depende Geralmente cianóticos
Transposição de grandes vasos Qp/Qs Variável sobrecarga de pressão e/ou volume,
Atresia tricúspide depende Qp/Qs
Retorno venoso anômalo
Ventrículo único
CIA = comunicação interatrial; CIV = comunicação interventricular; DSAV = defeito de septo atrioventricular; PCA = persistên-
cia do canal arterial; ICC = insuficiência cardíaca congestiva; VE = ventrículo esquerdo; Qp/Qs = razão fluxo pulmonar e fluxo
sistêmico; VD = ventrículo direito.
Figura 42.3 – Ilustração de coração normal (A), de uma comunicação interventricular (CIV) com shunt es-
querda-direita (B) e uma CIV com estenose da via de saída do ventrículo direito gerando um shunt direita-
-esquerda. Ao = aorta; PA = artéria pulmonar; RA = átrio direito; RV = ventrículo direito; LA = átrio esquerdo;
LV = ventrículo esquerdo; Q = fluxo; VSD = comunicação interventricular. Fonte da figura: Ilustração Ruy
Alberto Gatto
Figura 42.5 – Ilustração de um shunt cirúrgico sistêmico pulmonar – operação de Blalock-Taussing clás-
sica. Note a anastomose da artéria subclávia diretamente na artéria pulmonar. Na operação de Blalock-
-Taussing modificada, o shunt da circulação sistêmica pulmonar é realizado através de um tubo sintético
de Gorotex®. Legendas: RDAP = artéria pulmonar direita; REAP = artéria pulmonar esquerda; Ao = aorta;
AP = artéria pulmonar. Fonte da ilustração: Ruy Alberto Gatto
Lesões Regurgitantes
As lesões regurgitantes valvares são doenças raras quando primariamente congênitas. O único defei-
to congênito regurgitante é a Anomalia de Ebstein. Entretanto, outras doenças congênitas cursam com
insuficiência valvar como o defeito de septo atrioventricular, truncus arterioso, Tetralogia de Fallot com
ausência da valva pulmonar.
A anomalia de Ebstein é uma malformação da valva tricúspide que se encontra posicionada mais infe-
rior causando uma malformação do ventrículo direito (atrialização do VD).
Os pontos-chave para o manejo anestésico do paciente para correção da anomalia de Ebstein são122:
• Anomalia de Ebstein
• Pacientes cursam com diversas arritmias por malformação das vias de condução intracardía-
cas – o preparo de antiarrítmicos e possibilidade de cardioversão elétrica no perioperatório
são fundamentais;
• Pacientes com disfunção grave do ventrículo direito necessitarão de pressões de enchimentos
altas e de drogas inotrópicas para manter o débito direito.
Lesões mistas
As lesões mistas constituem o maior grupo das cardiopatias congênitas cianóticas. Nas patologias classi-
ficadas como mistas, há uma grande mistura do sangue da circulação pulmonar e sistêmica e as saturações
das circulações se aproximam uma da outra. A razão do fluxo pulmonar em relação ao fluxo sistêmico (Qp/
Qs) depende do tamanho do shunt, resistência das circulações e obstrução ao fluxo sanguíneo. As circula-
ções tendem a ser paralelas em vez de serem em série120.
Um exemplo de patologia com circulação em paralelo é a transposição dos grandes vasos (TGA), pois a
artéria está conectada ao ventrículo esquerdo e manda o sangue oxigenado novamente para o pulmão e
a aorta está conectada ao ventrículo direito e manda o sangue não oxigenado para a circulação sistêmica.
Estas circulações somente se comunicam uma com a outra através da comunicação interatrial e do canal
arterial, por isso os pacientes dependem que estes shunts permaneçam abertos até a correção da pato-
logia, ou seja, até a realização da Operação de Janete.
Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 937
Os pontos-chave do manejo anestésico de cada patologia com lesões mistas são os seguintes:
• Transposição de grandes vasos124
Antes da correção:
• A mistura do sangue das circulações deve ser garantida;
• O canal arterial deve ficar patente estar necessitando de prostaglandina (PGE-1) por via venosa;
• Deve haver uma comunicação interaterial, se ela for restritiva o RN deve ser submetido a atrios-
septomia por balão na hemodinâmica;
• Avaliação da circulação coronariana;
• Avaliação da massa do ventrículo esquerdo para prever se ele irá suportar a cirurgia definitiva
ou se deve se proceder à cirurgia paliativa (por exemplo, bandagem da artéria pulmonar) para
preparar este ventrículo.
Após a correção:
• Manejo da coagulopatia e sangramento excessivo devido à desproporção do tamanho do pacien-
te e do circuito de CEC, devido ao tempo cirúrgico, pela complexidade da cirurgia e diversas
linhas de sutura em locais de alta pressão;
• Avaliação da contratilidade regional para avaliação do reimplante de coronárias;
• Tratamento das arritmias.
Figura 42.6 – Ilustração da Operação de Glenn. VCS = veia cava superior; RDAP = ramo direito da artéria
pulmonar; REAP = ramo esquerdo da artéria pulmonar; AD = átrio direito. Ilustração: Ruy Alberto Gatto
Monitorização hemodinâmica
Todo paciente pediátrico submetido a uma cirurgia cardíaca deve ser monitorizado com:
• Cardioscopia;
• Oximetria de pulso pré-ductal (membro superior) e pós-ductal (membro inferior);
• Pressão arterial não invasiva;
• Pressão arterial invasiva (geralmente após a indução da anestesia);
• Pressão venosa central (geralmente após a indução da anestesia);
• Temperatura nasofaríngea e retal;
• Índice Biespectral (BIS®);
• Oximetria cerebral (NIRS®);
• Capnografia e analisador de gases;
• Parâmetros ventilatórios;
• Sondagem vesical;
• Pressão de átrio esquerdo direto – acesso cirúrgico (se necessário);
• Pressão artéria pulmonar direto – acesso cirúrgico (se necessário);
• Monitor de bloqueio neuromuscular (se possível).
Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 939
Além destes monitores, está indicado em toda cirurgia cardíaca congênita, especialmente as com co-
ração aberto e as baseadas em cateter (por exemplo, fechamento percutâneo de CIA), o uso do ecotran-
sesofágico (ETE) 126.
O ETE durante a cirurgia cardíaca é utilizado com monitor hemodinâmico uma vez que mede o débito
cardíaco, as resistências vasculares, os gradientes de pressão, estima pressão sistólica artéria pulmonar,
avalia a volemia, estima a pressão de átrio esquerdo, avalia a contratilidade regional, além de ser o único
monitor que pode avaliar em tempo real no intraoperatório a função sistólica e diastólica dos dois ventrí-
culos auxiliando no manejo anestésico e hemodinâmico.
Exemplo 1: paciente com hipotensão após a indução da anestesia, qual o diagnóstico? Hipovolemia?
Disfunção ventricular? Vasodilatação? Tamponamento (choque obstrutivo)? Em poucos minutos o ETE pode
diferenciar claramente estes 4 estados hemodinâmicos.
O ETE também é utilizado como diagnóstico intraoperatório120.
A avaliação antes da CEC tem com objetivos:
• confirmar o diagnóstico pré-operatório;
• adicionar novos achados;
• auxiliar no planejamento cirúrgico.
A avaliação após a CEC tem como objetivos120:
• auxiliar na retirada de ar das câmeras cardíacas;
• avaliar o resultado cirúrgico imediato;
• mostrar defeitos residuais;
• avaliar alteração de contratilidade regional ou global;
• auxiliar no uso de medicações vasoativas.
Exemplo 2: na avaliação pós-CEC de paciente submetido a correção da transposição de grandes vasos
(cirurgia de Jatene), aparece no ETE acinesia da parede anterolateral do ventrículo esquerdo. Decido re-
tornar a CEC para revisão do reimplante da coronária esquerda.
Suporte hemodinâmico
Frequentemente após a correção das cardiopatias congênitas complexas, é necessário o suporte hemo-
dinâmico através de medicações vasoativas. Os fármacos mais frequentemente utilizados e suas diluições
para os pacientes pediátricos estão listados na Tabela 42.4.
Além do suporte farmacológico, algum paciente tem indicação de suporte hemodinâmico mecânico pós-
-operatório. Podem ser instaladas assistências ventriculares esquerda e/ou direita e até mesmo a oxigena-
ção por membrana extracorpórea (ECMO) quando há instabilidade hemodinâmica refratária e hipoxemia127.
Tabela 42.4 – Fármacos inotrópicos, vasodilatadores e vasopressores utilizados na anestesia cardíaca pediátrica128.
• Cateterismo cardíaco
O cateterismo cardíaco é realizado de maneira semelhante a uma angiografia. É usado para estabelecer
diagnósticos (doenças coronarianas, valvares), medir pressões nas diversas câmaras do coração e estabe-
lecer gradientes de pressão através de válvulas.
Em adultos, estes procedimentos normalmente são realizados com anestesia local, havendo necessida-
de de que o paciente coopere com o hemodinamicista, sendo geralmente bem tolerados. Alguns pacientes
muito ansiosos ou agitados requerem algum tipo de sedação.
Em crianças, o cateterismo cardíaco para diagnosticar, avaliar e, inclusive, tratar as cardiopatias congê-
nitas. É feito sob sedação ou anestesia geral, garantindo imobilização, estabilidade hemodinâmica, respi-
ração espontânea e regressão anestésica rápida. A imobilização é essencial para medidas hemodinâmicas
adequadas e angiogramas, evitar perfurações e também diminuir a exposição à radiação.
Um cateterismo típico inclui medidas de pressão intracardíacas e intravasculares, oximetrias, detalhes
sobre localização e direção dos shunts. Detalhes anatômicos durante o cateterismo são identificados pela
injeção de contraste radiopaco na câmara ou vaso proximal à obstrução ou no lado da pressão mais alta
do shunt.
Os procedimentos de cateterismo intervencionista apresentaram um avanço significativo no tratamento
de muitos defeitos cardíacos congênitos. Transcateter device para fechamento de defeitos de septo ventri-
cular, duto arterioso patente, oclusão com umbrella, dilatação com balão, valvotomia e atriosseptectomia
com balão são procedimentos intervencionistas que podem estar associados com risco de sangramento.
Existem procedimentos em que são necessárias oximetrias em ar ambiente e depois com FiO2 100%
para cálculo de resistência pulmonar. O uso de ventilação espontânea geralmente é indicado pelo impacto
da ventilação com pressão positiva (VPPI) na função cardíaca em crianças com lesões que predispõem a
• Implante de desfibrilador
Uma opção terapêutica para pacientes com arritmia ventricular nos quais não foi encontrado um trata-
mento antiarrítmico eficiente e apresentam um alto risco de morte súbita é o implante de desfibrilador.
Quando o distúrbio de ritmo é detectado, o aparelho inicialmente tenta restaurar o ritmo aumentando a
frequência cardíaca. Se o aumento da frequência cardíaca for insuficiente para inibir a arritmia, o desfi-
brilador libera um choque DC para promover a cardioversão. Embora o choque seja desagradável, neste
momento, o paciente está semiconsciente e nem percebe o choque.
Anestesia geral com monitorização completa é usada para o implante ou revisão do desfibrilador.
As técnicas e agentes anestésicos usados para anestesia variam, mas, em geral, são combinações de
hipnóticos, opioides e relaxantes musculares de modo a obter estabilidade hemodinâmica e testar o limiar
de desfibrilação durante o implante. Anestesia intravenosa com propofol e também inalatória com isoflu-
rano ou sevoflurano são técnicas aceitáveis que não alteram o limiar de desfibrilação159.
Analgésicos Opioides:
Proteção contra lesão de isquemia-reperfusão por agonistas de receptores opioides tem sido demons-
trada experimentalmente em diversos modelos animais. A contribuição dos opioides endógenos para
adaptação orgânica à hipóxia foi inicialmente relatada por Mayfield e col., que observaram que D-Pen-
2-D-Pen5-Encefalina, um agonista dos receptores sigma, aumentava a tolerância e o tempo de vida em
camundongos submetidos a hipóxia grave194.
Foi também observado que o agonista dos receptores sigma D-Ala2-D-Leu5-Encefalina, o gatilho para
hibernação em animais de grande porte, induzia efeitos protetores em múltiplas preparações de órgãos,
inclusive em corações preparados para transplante195. Em 1996, Schultz e col. demonstraram que morfina
administrada na dose 300 µg.kg-1 trinta minutos antes da oclusão da artéria interventricular anterior cau-
sava diminuição da zona de infarto de 54% para 12% da área sob risco em ratos196. Esta redução da área
de infarto induzida pela morfina foi também observada em modelos de coração isolado, coração in situ e
cardiomiócitos197. Foi também observada melhora da contratilidade ventricular após episódios de isquemia
com morfina e fentanil198.
O envolvimento dos receptores opioides no pré-condicionamento isquêmico, principalmente os recep-
tores sigma, foi demonstrado em várias espécies animais e em seres humanos199. Em 1995, Schultz e col.
demonstraram que a naloxona bloqueava os efeitos cardioprotetores dos opioides em ratos submetidos
ao pré-condicionamento isquêmico, contudo sem efeito em animais não submetidos ao pré-condiciona-
mento200. Além de participarem no desencadeamento da cascata de eventos do pré-condicionamento
isquêmico, os opioides parecem também mediar a sua fase de memória em algumas espécies animais. A
cardioproteção induzida pelos opioides parece ser modulada pela ativação de receptores cardíacos, inde-
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INTRODUÇÃO
A neuroanestesia engloba um conjunto de procedimentos anestésicos, que apresentam uma complexi-
dade variável de acordo com o quadro neurológico apresentado pelo paciente.
O anestesiologista que se dedica à anestesia para procedimentos neurocirúrgicos deve apresentar
conhecimento a respeito da anatomia e fisiologia do sistema nervoso central (SNC), dos mecanismos fi-
siopatológicos de doenças neurológicas e neurocirúrgicas, da repercussão dos fármacos anestésicos e da
monitorização do SNC.
Edema Cerebral
O edema cerebral é um dos fatores determinantes no aumento da pressão intracraniana. Podemos clas-
sificar o edema cerebral em citotóxico e vasogênico.
O edema citotóxico ocorre em razão do edema das células neuronais e/ou gliais secundário a insultos
metabólicos, resultando na deficiência das células nervosas em transportar ativamente o Na+, com conse-
quente aumento do volume delas. Frequentemente, ocorrem por causa de isquemia ou trauma cerebrais21.
A entrada de líquido semelhante ao plasma dentro do interstício cerebral determinado pela ruptura da
barreira hematoencefálica resulta no edema vasogênico. Ocorre acúmulo de água intersticial secundária
ao aumento no equivalente osmótico no espaço extravascular. As lesões inflamatórias, os tumores cere-
brais e a hipertensão são as causas mais frequentes.
Anestésicos Venosos
Barbitúricos
O tiopental diminui o FSC e a CMRO2 de forma paralela ao ponto de isoeletricidade do eletroencefalo-
grama (EEG). As mudanças no FSC parecem ser secundárias àquelas observadas na CMRO2 (acoplamento
fluxo-metabolismo). O componente da CMRO2 afetado está relacionado com a função elétrica cerebral22.
Existe mínimo efeito no componente associado com a homeostase celular neuronal. No ponto no qual o
EEG torna-se isoelétrico, após a administração de tiopental, a CMRO2 diminui aproximadamente 50% sem
que ocorra nenhuma evidência de dano metabólico cerebral. Se o tiopental ou outros barbitúricos são
utilizados para a proteção cerebral, o objetivo é estabelecer a máxima supressão metabólica cerebral
evidenciada pela manifestação no EEG do burst suppression23. A diminuição da pressão arterial média,
em razão de doses elevadas de tiopental para a obtenção do burst suppression, pode requerer o uso de
fármacos vasopressores para a manutenção da PPC. Mesmo em doses elevadas, o tiopental não parece
abolir a autorregulação do FSC e a reatividade ao CO2. Os barbitúricos diminuem a PIC como consequência
da redução do FSC e do volume sanguíneo cerebral (VSC). Clinicamente, os barbitúricos podem ser usados
para esse fim quando outros métodos para controle da PIC não forem efetivos.
Etomidato
O etomidato, de forma semelhante aos barbitúricos, reduz o FSC e a CMRO2 e promove burst suppres-
sion ao EEG sem evidência de dano metabólico cerebral24. Uma desvantagem é a presença de mioclonias
desencadeadas pelo etomidato, as quais podem ser confundidas com convulsões em pacientes neurocirúr-
gicos. O uso prolongado de etomidato pode acarretar a supressão da resposta adrenocortical ao estresse
Anestésicos Inalatórios
Os anestésicos inalatórios halogenados utilizados na prática clínica (isoflurano, desflurano e sevoflurano)
apresentam diferenças entre si quanto às repercussões nas variáveis que estabelecem a homeostase cerebral.
Isoflurano
Entre os anestésicos inalatórios, o isoflurano é o único com a capacidade de promover um EEG isoelé-
trico em concentrações clínicas relevantes por ser tolerado hemodinamicamente. Isso ocorre com con-
centrações alveolares de 2 CAM. Ele apresenta efeito vasodilatador cerebral, mas promove importante
diminuição na CMRO2. A autorregulação da vasculatura cerebral é prejudicada de modo dose-dependente,
podendo ser restaurada pelo estabelecimento da hipocapnia. A reatividade ao CO2 é preservada. A PIC é
elevada pela sua administração como resposta à vasodilatação cerebrovascular, mas o simultâneo estabe-
lecimento da hipocapnia previne essa elevação30.
Bloqueadores Neuromusculares
Os fármacos bloqueadores neuromusculares não atravessam a barreira hematoencefálica. Os efei-
tos cerebrais observados com o uso desses fármacos são secundários aos efeitos sistêmicos e a suas
ações metabólicas.
Bloqueadores Musculares Não Despolarizantes
Os fármacos de ação intermediária do tipo benzilisoquinolínicos, como o atracúrio, promovem a libera-
ção da histamina quando administrados em bolus. O análogo do atracúrio, o cis-atracúrio, não está asso-
ciado à liberação de histamina nem à formação de metabólitos neurotóxicos. A laudanosina é um produto
da metabolização do atracúrio associado ao desenvolvimento de convulsões em estudos experimentais
em ratos. Os fármacos esteroides, como o rocurônio e o vecurônio, promovem estabilidade hemodinâmi-
ca com mínima ou nenhuma liberação de histamina. O vecurônio associado aos opioides pode promover
bradicardia. Ambos os fármacos apresentam um reversor específico, com maior afinidade pelo rocurônio,
o sugamadex. Este promove a reversão total do bloqueio neuromuscular de forma rápida e segura sem
efeitos na hemodinâmica cerebral. O pancurônio é um fármaco esteroide de longa ação que promove ta-
quicardia e hipertensão. Desse modo, eleva o FSC e a PIC. Esses efeitos são atenuados quando se utiliza
o pancurônio associado com elevadas doses de opioides. O autor desaconselha o uso desse fármaco em
procedimentos neurocirúrgicos por causa de seus efeitos adversos, e a elevada prevalência de bloqueio
neuromuscular residual também promove alterações na hemodinâmica cerebral por provocar hipertensão
e taquicardia.
Bloqueadores Musculares Despolarizantes
A succinilcolina é único fármaco representante desse grupo. Eleva o FSC e a PIC secundariamente à fas-
ciculação muscular, a qual aumenta a aferência cerebral. Ainda assim, é o fármaco de escolha nas situa-
ções em que a indução em sequência rápida é mandatória34. Atenção deve ser dada ao fato de esse fárma-
Posicionamento
Os procedimentos neurocirúrgicos necessitam de posicionamentos adequados para que o acesso ao
sítio cirúrgico seja facilitado e menos tecido cerebral livre de doença seja manipulado. Esse cuidado ao
posicionar o paciente promove adequado relaxamento cerebral e diminui as complicações e sequelas no
período perioperatório.
Antes de iniciar os procedimentos anestésicos, é importante que o anestesiologista examine o pacien-
te, verificando o nível de consciência (escala de coma de Glasgow) e o sítio no qual a cirurgia vai ser rea-
lizada (posição), e planeje como serão os acessos vasculares e a intubação traqueal. Importante também
é examinar cuidadosamente os exames de imagem (tomografia computadorizada e ressonância magnética
do encéfalo) para identificar a presença de lesões intracranianas com efeito de massa, edema cerebral e
desvios da linha média cerebral e planejar sua estratégia anestésica.
O anestesiologista deve estar atento e participar ativamente do posicionamento do paciente. A fixação e a
permeabilidade dos acessos vasculares e do tubo endotraqueal devem ser conferidas após o posicionamento,
e caso ocorra algum problema, é mandatório que seja corrigido antes do início do procedimento cirúrgico.
Pacientes que se apresentam com hipertensão intracraniana podem ter seu quadro agravado pelo
posicionamento para a cirurgia. A isquemia cerebral e os processos de herniação são as complicações
mais prevalentes.
O fator relacionado com o posicionamento cirúrgico, determinante na melhor adequação da compla-
cência craniana durante o transoperatório, é a manutenção adequada do retorno venoso craniano. Fle-
xões e/ou rotações excessivas da região cervical podem diminuir o retorno venoso e causar aumento do
conteúdo sanguíneo cerebral, levando à hipertensão intracraniana e condições cirúrgicas inadequadas.
As cirurgias sobre a fossa posterior merecem especial atenção, principalmente se forem realizadas com
o paciente na posição sentada. Nessa situação, a embolia venosa aérea é a complicação mais prevalente,
ocorrendo em 39% dos pacientes. O estudo ecocardiográfico para detecção de forame oval patente prévio
à cirurgia é mandatório, uma vez que a possibilidade de embolia paradoxal existe37.
Complicações
Embolia Venosa Aérea
A embolia venosa aérea (EVA) ocorre por meio de entrada de ar no sistema venoso cerebral, princi-
palmente nos seios venosos cerebrais, em particular no seio venoso transverso, relacionada com o posi-
cionamento do paciente38. Considerada uma complicação grave e potencialmente fatal, sua incidência é
elevada nas cirurgias da fossa posterior com o paciente sentado.
A monitorização transoperatória com ecocardiograma transesofágico é o melhor método para o diag-
nóstico, e na sua impossibilidade, pode-se utilizar o Doppler transtorácico precordial para a identificação
sonora da embolia aérea. A embolia aérea é detectável em 40% dos pacientes com o Doppler precordial e
em 76% com o ecocardiograma transesofágico por causa de sua maior sensibilidade.
A repercussão da EVA está relacionada com o volume de ar e a velocidade com que é embolizado. O
diagnóstico dever ser rápido, e as medidas terapêuticas devem ser instituídas para minimizar as repercus-
sões hemodinâmicas, ventilatórias e cerebrais.
A prevenção desse evento pode ser realizada por meio da irrigação contínua do campo cirúrgico com
solução fisiológica, pelo cirurgião.
A equipe cirúrgica deve ser notificada imediatamente sobre a EVA, assim como deve ser realizada a
compressão das veias jugulares internas para diminuir a embolia e o paciente deve ser retirado da posição
sentada e colocado em decúbito lateral esquerdo para facilitar a aspiração das bolhas de ar do átrio direi-
to pelo cateter venoso central. A fração inspirada de O2 deve ser elevada para 1, e o uso de vasopressores
e inotrópicos deve ser instituída conforme o quadro hemodinâmico apresentado pelo paciente.
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Hipotermia e Hipotensão
Arterial Induzida
João Henrique Silva
Instrutor Corresponsável pelo CET do SANE;
Membro da Equipe de Transplantes Cardíacos do Instituto de Cardiologia de Porto Alegre, RS;
Membro da Comissão de Qualidade e Segurança da SBA.
INTRODUÇÃO
A American Heart Association, em seu guideline de manejo perioperatório para cirurgia não cardíaca,
considera a manutenção da normotermia essencial para evitar isquemia miocárdia1. Ainda assim, mais de
20% dos pacientes desenvolvem hipotermia não intencional, ou seja, temperatura menor que 36º centí-
grados no perioperatório. Esse fato é tão relevante que tornou o controle da temperatura em anestesia
um sinalizador de qualidade no processo de atendimento dos pacientes. Sendo critério utilizado, inclusive,
pelas organizações de acreditação hospitalar e, em outros países, como forma de aumentar a remunera-
ção da instituição que tem bons indicadores de normotermia (pagamento por performance).
O controle da pressão arterial é uma das principais funções do anestesiologista. Em determinadas cir-
cunstâncias a manipulação de seus valores para além do limite da normalidade pode ser benéfica para o
paciente, como a hipertensão durante uma endarterectomia de artéria carótida ou a hipotensão no mo-
mento de pinçamento aórtico.
44.1. HIPOTERMIA
A hipotermia em anestesia decorre da interferência no controle da termorregulação por alteração no
limiar do termostato hipotalâmico e inibição da ativação dos mecanismos produtores de calor2. Associados
a isso, as salas de cirurgia frias, o preparo da pele, a exposição de cavidades, o tempo cirúrgico prolonga-
do e a infusão de fluidos com baixa temperatura levarão à hipotermia caso não haja atitudes para evitá-la.
Os estudos atuais revelam que, mesmo leve, a hipotermia tem grande repercussão sobre o desfecho do
procedimento, já que triplica a morbidade miocárdia3 e a infecção de ferida operatória4; causa coagulo-
patia, o que aumenta a necessidade de transfusão sanguínea5,6; prolonga a recuperação e aumenta os dias
de hospitalização. Sendo assim, o controle da temperatura e manobras para evitar e tratar a hipotermia
devem ser rotina, mesmo em cirurgias de curta duração.
A evaporação dos gases respiratórios leva a pequena perda de calor, consequentemente, o aquecimen-
to e a umidificação da via aérea têm pouco benefício12. Já a administração de fluidos frios, em grande
quantidade, leva à hipotermia, por isso, se enfatiza a necessidade de administrá-los aquecidos.
Monitorização da Temperatura
A monitorização da temperatura corporal deve ser realizada em anestesia geral com duração maior que
30 minutos e nas anestesias regionais quando é esperada uma redução maior do que 10C. O emprego de
esforços para mantê-la acima de 360C deve ser exaustivo.
A temperatura do corpo não é homogênea, com diferença de 2 a 40C entre a parte central e a periferia,
como demonstrado na Figura 44.2.
Figura 44.2 – Redistribuição da temperatura corporal durante as fases da anestesia (Luginbuehl I, Bissonnett
B, Davis PJ. Smith’s anesthesia for infants and children, 2011;157-178)
Durante a anestesia geral, a diminuição da temperatura ocorre com um padrão característico. Na in-
dução, há uma diminuição inicial rápida da temperatura central, seguida por uma redução lenta e linear.
Finalmente, a temperatura central se estabiliza. A Figura 44.3 mostra esse padrão.
Essa queda inicial da temperatura ocorre em função de a temperatura não ser igualmente distribuída
pelo corpo. A temperatura central representa somente cerca de 50% da massa corpórea (tronco, cabeça
e pescoço). O restante é tipicamente 2ºC a 4ºC mais frio que o central. Esse gradiente centro-periferia é
mantido através de um tônus vasoconstritor. Quando se inicia a anestesia, ocorre uma vasodilatação, que
transfere o calor do centro para a periferia, fenômeno chamado redistribuição.
A magnitude da fase inicial de redistribuição depende do gradiente inicial de temperatura central
em relação à periférica na indução, da temperatura ambiente e do estado do sistema termorregulador
do paciente.
A temperatura é mantida centralmente na fase platô às custas da vasoconstrição periférica, e o calor
produzido pelo metabolismo se restringe à parte central13-14. A temperatura periférica continua diminuin-
do, embora, na monitorização central, permaneça constante15.
Na anestesia neuroaxial, há uma dupla interferência na termorregulação: primeiro, ocorre o bloqueio
aferente dos receptores térmicos da pele, que é interpretado centralmente como se estivessem normais,
986 | Bases do Ensino da Anestesiologia
o que altera os limiares para vasoconstrição e shivering; depois, o bloqueio eferente, que impede a va-
soconstrição e tremores na região bloqueada. Há ainda a diminuição da sensação de frio e a cultura de
negligenciar a monitorização da temperatura em anestesia regional16.
Figura 44.3 – Fases da hipotermia durante a anestesia: fase 1 - rápida diminuição da temperatura; resultado
da redistribuição centro-periferia; fase 2 - redução lenta e linear; resultado da perda maior que a produção de
calor; fase 3 - estabilização e platô, em que a temperatura permanece inalterada
Cardiovascular
• Inicial: taquicardia; hipertensão; aumento do DC; vasoconstrição (liberação de catecolaminas)
• Tardio: bradicardia; diminuição do DC; hipotensão
Respiratório
• Inicial: aumento da frequência respiratória
• Tardio: diminuição da FR e do volume corrente, da vasoconstrição hipóxica, da responsividade à hipóxia e
hipercapnia e da atividade mucociliar
Renal
• Inicial: diurese por aumento do volume central
• Tardio: oligúria e azotemia
Hematológico
• Inicial: hemoconcentração; diminuição da disponibilidade de O2 (desvio da curva para a esquerda)
• Tardio: CIVD; trombocitopenia
Metabólico
• Inicial: hiponatremia; hipercalemia; hiperglicemia
• Tardio: acidose metabólica
Neurológico
• Diminuição do FSC 6% a 7% para cada 1ºC de queda na temperatura
• 34ºC: amnésia
• 30ºC: obnubilação
• 26ºC: perda de reflexo pupilar e de tendões profundos
• 18ºC: perda de função cerebral (EEG isoelétrico)
Gastrointestinal
• Inicial: diminuição da motilidade intestinal; diminuição do clearance hepático
• Tardio: ulceração do estômago, íleo e cólon; pancreatite hemorrágica
Contraindicações
Pacientes com redução da reserva funcional, tanto por aumento da demanda quanto por redução da
oferta de O2, possuem risco proibitivo para a hipotensão. Assim, idade avançada; doença cerebrovascular;
insuficiência renal; doença hepática; doença arterial periférica; doença pulmonar grave; estenose aórti-
ca; anemia grave; desidratação e gestação são condições que contraindicam a técnica.
Controle do paciente
Após a correta seleção do paciente, diversos cuidados devem ser tomados. Com relação à monitoriza-
ção, idealmente, deve-se utilizar uma linha arterial para controle preciso da PAM; medidas seriadas de
lactato para a avaliação da perfusão tecidual; cuidadosa monitorização de eventuais desníveis do seg-
mento ST; monitorização da temperatura central, pois a vasodilatação promoverá aumento da perda de
calor; monitorização do débito cardíaco em cirurgia de maior porte para aumentar a segurança da técni-
ca; manutenção da capnografia dentro da normalidade para evitar hipofluxo cerebral e monitorização da
profundidade anestésica para assegurar a atividade cerebral dentro do limite recomendado.
Técnicas
Para reduzir a PA, existem artifícios farmacológicos e não farmacológicos21. As principais técnicas não
farmacológicas são a modificação da posição corporal (por exemplo, elevação dos membros inferiores em
cirurgia de varizes, posição sentada em cirurgia em ombro) e a alteração da ventilação para a diminuição
do retorno venoso e, consequentemente, da pressão arterial. As principais técnicas farmacológicas envol-
vem o uso de anestesia regional associada à geral (espinhal ou peridural, que levam a uma simpatectomia
farmacológica); o aumento das doses de anestésicos, como agentes inalatórios, hipnóticos e opioides; o
uso de vasodilatadores, como alfa e betabloqueadores, bloqueadores ganglionares e bloqueadores de ca-
nal de cálcio.
Apesar de cada vez menos utilizada, Choie e col.22 demonstraram em uma revisão sistemática recente
que a hipotensão controlada reduz o sangramento e o tempo cirúrgico, melhora as condições operatórias
e não aumenta a lesão em órgãos-alvo. Portanto, desde que bem indicada e com monitorização adequada,
é uma técnica segura eficaz.
Em cirurgia ortopédica23, a hipotensão controlada diminui a quantidade de sangue na interface cimen-
to-sangue durante a artroplastia total de quadril, melhorando a qualidade da fixação da prótese. Alguns
trabalhos mostram redução de 50% nas perdas sanguíneas e 36% na necessidade de transfusão. Em pros-
tatectomias24, a hipotensão induzida por técnica combinada peridural/geral diminuiu significativamente o
sangramento e a necessidade de transfusão. Com relação aos efeitos hepáticos, uma revisão sistemática
de 2008 não evidenciou mudanças significativas nos marcadores hepáticos e nas enzimas, que se mostra-
ram normais no 7º e 14º dias pós-operatórios. Com relação a efeitos renais25, de 22 trabalhos analisados,
três apontaram diminuição do fluxo urinário, que retornou ao normal no final da cirurgia, sem elevação
da creatinina.
Complicações
As complicações da hipotensão controlada devem-se à hipoperfusão de órgãos-alvo, que pode levar à
insuficiência renal, à neuropatia óptica isquêmica26, à acidose láctica, ao aumento de proteínas de fase
aguda, ao infarto do miocárdio27, à isquemia cerebral ou disfunção cognitiva, bem como à lentificação do
fluxo sanguíneo, predispondo o tromboembolismo. Há, ainda, os efeitos dos fármacos, como hipertensão
de robote e hipotensão de difícil reversão.