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ME3

PONTO 41

Anestesia para
Cirurgia Torácica
José Mariano Soares de Moraes
Responsável pelo CET da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), MG;
Chefe do Serviço de Anestesiologia do Hospital Monte Sinai, Juiz de Fora, MG;
Professor adjunto de anestesiologia da Faculdade de Medicina da UFJF, MG.

Fernando de Paiva Araújo


Anestesiologista do Hospital Monte Sinai, Juiz de Fora, MG;
Professor associado da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, Suprema.
Anestesia para Cirurgia Torácica
41.1. Preparo do paciente: gasometria, espirometria, relação V/Q
41.2. Posicionamento: alterações hemodinâmicas e ventilatórias
41.3. Fisiologia do tórax aberto
41.4. Anestesia monopulmonar
41.5. Anestesia para procedimentos cirúrgicos sobre os pulmões, os brônquios, a traqueia e toracoscopia
41.6. Complicações pós-operatórias: prevenção e tratamento
41.7. Anestesia para mediastinoscopia

41.1. PREPARO DO PACIENTE: GASOMETRIA, ESPIROMETRIA E RELAÇÃO V/Q


O adequado preparo pré-operatório do paciente portador de afecções das vias aéreas é fator
decisivo na morbimortalidade1. As complicações pós-cirúrgicas das vias aéreas são de alto risco,
aumentam o tempo de internação em unidades de terapia intensiva, a mortalidade e os custos do
procedimento. Complicações respiratórias estão associadas a maior mortalidade que complicações
cardíacas2. Ainda no âmbito da cirurgia torácica, a grande maioria dos pacientes se apresenta com al-
gum grau de disfunção pulmonar e o tratamento muitas vezes resulta em piora da função respiratória
(por exemplo, ressecções pulmonares em câncer de pulmão). Isso torna o preparo e a estratificação
pré-operatórios de suma importância, a ponto que permita o adequado tratamento cirúrgico com o
mínimo de perda das funções respiratórias1.
A avaliação pré-operatória permite identificar potenciais riscos; estabelecer a relação médico-
-paciente; informar os procedimentos a serem realizados e obter o termo de consentimento livre
e esclarecido.
Neste capítulo, visamos à avaliação pré-anestésica dos pacientes a serem submetidos a cirurgias torá-
cicas. Além da avaliação global do paciente, são incluídos outros órgãos e sistemas e particularidades do
paciente. A avaliação desse grupo deve ser feita com o apoio dos seguintes testes:
1. Radiografia de tórax.
2. Gasometria arterial.
3. Provas de função pulmonar.
4. Tomografia computadorizada de tórax.
A cirurgia do tórax ascendeu nas últimas duas décadas, e uma série de novos procedimentos foi
incorporada. Isso levou a anestesiologia a aprimorar novas técnicas anestésicas e de manejo da ven-
tilação monopulmonar1.
Graças aos avanços com as segmentectomias, lobectomias e ressecções minimamente invasivas, é pos-
sível melhorar a qualidade de vida no pós-operatório, ter facilidade de controle cirúrgico e aumento do
número de intervenções em pacientes de maior risco antes considerados inoperáveis.
Antes da cirurgia, pode ser necessário otimizar o paciente para que ele chegue com as melhores con-
dições de saúde possível, isso é um processo multidisciplinar. É importante:
1. Corrigir a anemia.
2. Cessar o tabagismo.
3. Controlar as comorbidades.
4. Realizar fisioterapia respiratória.
Didaticamente, a avaliação da função respiratória é dividida em três partes que se relacionam entre si.
1ª - Mecânica respiratória.
2ª - Troca gasosa.
3ª - Interação cardiopulmonar.

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Mecânica Respiratória
A mecânica respiratória envolve o movimento responsável pela ventilação que leva o O2 para os alvéo-
los. Pode ser avaliada de forma indireta pela capacidade de executar atividade física e indiretamente,
através de provas de função pulmonar e gasometria arterial.

Provas de função pulmonar


Os principais testes de função pulmonar são: espirometria; teste de capacidade cardiopulmonar; rela-
ção ventilação-perfusão (relação V/Q); capacidade de difusão do monóxido de carbono, sendo a espiro-
metria o mais comumente utilizado na pratica clinica2,3.

Espirometria
A espirometria é um exame de fácil execução que pode ser realizado à beira do leito. A avaliação
do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e a verificação da capacidade vital forçada
(CVF) são os testes propostos para predizer o risco de complicações pulmonares pós-operatórias. Pa-
cientes com valores abaixo do normal antes da cirurgia estão sob risco de complicações pós-operató-
rias. Principalmente aqueles que serão submetidos a cirurgias com ressecção de tecido pulmonar. Para
melhor quantificar esse risco, deve ser feita uma estimativa de quanto parênquima vai permanecer após
a cirurgia. Para isso, se utiliza o cálculo do volume expiratório forçado no primeiro segundo predito no
pós-operatório (ppoVEF1) 4. Esse cálculo é realizado pelo valor de VEF1 pré-operatório multiplicado pela
razão entre o número de segmentos pulmonares pós-operatório sobre o número de segmentos pulmo-
nares pré-operatório (Figura 41.1).
ppoVEF1 = VEF1 pré x nº segmentos pós/nº segmentos pré.

Figura 41.1 - Número de segmentos pulmonares por lobos do pulmão direito (22) e esquerdo (20). Total 42 segmentos

Por exemplo, um paciente com VEF1 pré-operatório de 96% que fará ressecção dos lobos pulmonares
médio e inferior do pulmão direito. Qual será seu ppoVEF1?
ppoVEF1 = 96% x 42-16/42
ppoVEF1 = 96% x 26/42
ppoVEF1 = 96% x 0,619
ppoVEF1 = 59,4%

Esse cálculo é guia para o manejo pós-operatório e possui associação com risco. Pacientes com ppoVEF1
maior que 40% pode ser extubado em sala desde que esteja estável, aquecido, alerta e confortável. Se o
ppoVEF1 der entre 30% e 40%, pode-se considerar a extubação com base na tolerância ao exercício, rela-
ção ventilação-perfusão e doenças associadas. Se o ppoVEF1 for menor que 30%, prosseguir com desmame
ventilatório lentamente, considerando a analgesia adequada para o melhor controle respiratório5.

Testes de função do parênquima pulmonar


O marco da função pulmonar é a troca de gases realizada no pulmão, no entanto, para que isso ocorra
adequadamente, é importante que o ar chegue aos alvéolos através da adequada ventilação.
A capacidade de difusão pulmonar é a habilidade que a membrana alveolar capilar possui de permitir a
transferência de CO2 e O2 através dela própria6. O teste mais utilizado para avaliar a função parenquimal pul-
monar é a capacidade de difusão pulmonar para o monóxido de carbono (CO), este que possui uma afinidade
pela hemoglobina 400 vezes maior que o O2. O teste de capacidade de difusão pulmonar para o monóxido
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de carbono (CO) possui melhor resultado quanto maior for a taxa de extração do monóxido de carbono pelo
pulmão. Doenças como fibrose cística, DPOC e ressecções pulmonares diminuem essa transferência7.
Gasometria arterial
Teste rápido, simples e de fácil execução. É realizado através da coleta de 2 mL de sangue arterial em
seringa heparinizada, que pode ser obtido através da punção da artéria radial ou femoral. Seus resul-
tados podem indicar trocas anormais de gases na presença de hipoxemia ou hipercarbia. Fornece como
resultado o pH, a pressão parcial de oxigênio (PaO2) e do dióxido de carbono (PaCO2). Além disso, alguns
aparelhos podem calcular a hematimetria, o excesso de base, o bicarbonato, alguns eletrólitos e o lactato.
E pacientes com a PaCO2 maior que 45 mmHg e saturação de oxigênio arterial (SpO2) menor que 90% em
ar ambiente possuem maior risco de complicações perioperatórias6.

Testes de reserva cardiopulmonar


1- Teste de esforço cardiopulmonar
São métodos de avaliação não invasivos que aferem a resposta do coração, dos pulmões, dos músculos
esqueléticos e do aparelho circulatório ao incremento da atividade física. Fornecem valores sobre a pro-
dução de dióxido de carbono e consumo de oxigênio; dados do eletrocardiograma conforme aumento da
performance cardíaca; sinais diretos e indiretos de isquemia miocárdica; estima o equivalente metabólico
etc. Esse teste é contraindicado em pacientes com doenças cardíacas significativas3,8.
2- Outros testes de exercício
Teste da caminhada em seis minutos: o teste consiste numa caminha de seis minutos em terreno plano
no ritmo do paciente. Durante todo o teste, é aferida a oximetria, e se o paciente percorrer uma distan-
cia maior que 600 metros, o teste indica boa reserva cardiopulmonar desde que não exista queda da SpO2
maior que 4% da linha de base2,3.
3- Relação ventilação-perfusão (V/Q)
Teste também utilizado para avaliar a função pulmonar antes da cirurgia quando os resultados de ou-
tros testes são inconclusivos ou para orientar tomadas de decisão. Esse teste fornece dados adicionais so-
bre a extensão e o tipo de doença pulmonar e pode estimar a função pulmonar pós-operatória. São testes
sensíveis na aferição de doenças que interferem na difusão pulmonar7.

41.2.POSICIONAMENTO: ALTERAÇÕES HEMODINÂMICAS E VENTILATÓRIAS


41.3 FISIOLOGIA DO TÓRAX ABERTO
Fisiologia da Posição de Decúbito Lateral
A ventilação e o fluxo sanguíneo na posição lateral são discutidos no que diz respeito à posição de de-
cúbito lateral, em seis circunstâncias encontradas na cirurgia torácica.
1. Posição lateral, acordado, respirando espontaneamente, tórax fechado
Na posição de decúbito lateral, a distribuição do fluxo sanguíneo e da ventilação é semelhante à
da posição vertical, mas mediante uma rotação de 90° (Figura 41.2). O fluxo sanguíneo e a ventilação
que chegam ao pulmão dependente são consideravelmente superiores aos que chegam ao pulmão não
dependente. Uma boa relação de ventilação/perfusão (V/Q) no pulmão dependente produz oxigena-
ção adequada no paciente acordado que respira espontaneamente. Há dois conceitos importantes
nessa situação. Primeiro, como a perfusão depende da gravidade, o gradiente da pressão hidrostá-
tica vertical é menor na posição lateral do que na vertical; portanto, a zona 1 é geralmente menos
estendida. Segundo, com relação à ventilação, o hemidiafragma dependente é empurrado mais para
dentro do tórax, pelo conteúdo abdominal, em comparação com o hemidiafragma do pulmão não de-
pendente. Durante a ventilação espontânea, o diafragma com a capacidade preservada de contrair
gera uma distribuição adequada de volume corrente (VC) para o pulmão dependente. Como a maior
parte da perfusão é direcionada ao pulmão dependente, a relação V/Q, nesta posição, mantém-se
semelhante à da posição vertical.

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Figura 41.2 - Representação esquemática dos efeitos da gravidade sobre a distribuição do fluxo sanguíneo
pulmonar na posição de decúbito lateral. Os gradientes verticais na posição de decúbito lateral são seme-
lhantes aos da posição vertical e criam as zonas 1, 2 e 3, à esquerda. Consequentemente, o fluxo sanguíneo
pulmonar aumenta com a dependência do pulmão e é maior no pulmão dependente e menor no pulmão não
dependente. Pa, pressão arterial pulmonar; PA, pressão alveolar; Pv, pressão venosa pulmonar (Benumof JL.
Physiology of the open-chest and one lung ventilation. Thoracic Anesthesia, New York: Churchill Livingsto-
ne,1983, p. 288)
2. Posição lateral, acordado, respirando espontaneamente, tórax aberto
A ventilação controlada com pressão positiva é a maneira mais comum de fornecer ventilação ade-
quada e assegurar a troca gasosa na situação de tórax aberto. Frequentemente, realiza-se a toracoscopia
com bloqueios intercostais, com o paciente respirando espontaneamente, para que o exame pulmonar
possa ser feito adequadamente. O toracoscópio proporciona uma vedação adequada da incisão no torax,
para impedir uma situação de tórax aberto. Duas complicações podem surgir na respiração espontânea do
paciente com tórax aberto. A primeira é o deslocamento do mediastino, que geralmente ocorre durante
a inspiração (Figura 41.3). A pressão negativa no hemitórax intacto, comparada com a pressão negativa
do hemitórax aberto, pode fazer com que o mediastino se desloque verticalmente para baixo, exercendo
pressão sobre o hemitórax dependente. O deslocamento do mediastino pode criar mudanças na circulação
e nos reflexos, que podem gerar um cenário clínico semelhante ao de choque e desconforto respiratório.
Às vezes, de acordo com a gravidade do desconforto, o paciente precisa ser imediatamente submetido a
intubação traqueal, dando início à ventilação com pressão positiva, devendo o anestesista estar preparado
para fazer a intubação nessa posição sem comprometer o campo cirúrgico.

Figura 41.3 - Representação esquemática do deslocamento do mediastino no paciente que respira espon-
taneamente, com tórax aberto, na posição de decúbito lateral. Durante a inspiração, a pressão negativa no
hemitórax intacto faz com que o mediastino se desloque para baixo. Durante a expiração, a pressão positiva
relativa no hemitórax intacto faz com que o mediastino se desloque para cima (Tarhan S, Moffitt EA. Principles
of thoracic anesthesia. Surg Clin North Am, 1973;53:813)

O segundo fenômeno é a respiração paradoxal (Figura 41.4). Durante a inspiração, a pressão relativa-
mente negativa no hemitórax intacto, em comparação com a pressão atmosférica no hemitórax aberto,
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pode provocar o movimento de ar proveniente do pulmão não dependente para o pulmão dependente. O
oposto ocorre durante a expiração. Essa inversão no movimento gasoso de um dos pulmões para o outro
representa desperdício de ventilação e pode comprometer a adequação da troca gasosa. A respiração
paradoxal aumenta com uma toracostomia grande ou com o aumento da resistência das vias aéreas no
pulmão dependente. A ventilação na compressão positiva ou a vedação adequada do tórax aberto elimina
a respiração paradoxal.

Figura 41.4 - Representação esquemática da respiração paradoxal no paciente que respira espontaneamente,
com tórax aberto, na posição de decúbito lateral. Durante a inspiração, o movimento gasoso proveniente do
pulmão exposto em direção ao pulmão intacto e o movimento de ar proveniente do ambiente em direção ao
hemitórax aberto causam o colapso do pulmão exposto. Durante a expiração, ocorre o inverso, e o pulmão
exposto se expande (Tarhan S, Moffitt EA. Principles of thoracic anesthesia. Surg Clin North Am, 1973;53:813)

3. Posição lateral, anestesiado, respirando espontaneamente, tórax fechado


A indução de anestesia geral não causa mudanças significativas na distribuição do fluxo sanguíneo, mas
tem impacto importante sobre a distribuição da ventilação. A maior parte do VC entra no pulmão não de-
pendente, o que provoca uma diferença significativa na relação V/Q. A indução de anestesia geral provoca
a redução do volume de ambos os pulmões após a redução da capacidade residual funcional (CRF). Qual-
quer redução de volume no pulmão dependente tem maior magnitude do que no pulmão não dependente,
por várias razões. Em primeiro lugar, o deslocamento do diafragma dependente em direção cefálica pelo
conteúdo abdominal é mais pronunciado e aumenta quando relaxado. Em segundo lugar, as estruturas do
mediastino, que comprimem o pulmão dependente, ou o mau posicionamento do lado dependente sobre a
mesa cirúrgica impedem que o pulmão se expanda adequadamente. Esses fatores movem os pulmões para
um volume inferior na curva volume-pressão em forma de S (Figura 41.5). O pulmão não dependente se
move para uma posição mais íngreme na curva de complacência e recebe a maior parte do VC, enquanto
o pulmão dependente fica na parte plana (não complacente) da curva.

Figura 41.5 - O lado esquerdo do diagrama mostra a distribuição da ventilação no paciente acordado (tórax fe-
chado), na posição de decúbito lateral, e o lado direito mostra a distribuição da ventilação no paciente anestesia-
do (tórax fechado), na posição de decúbito lateral. A indução de anestesia provocou perda de volume pulmonar
em ambos os pulmões; o pulmão não dependente (acima) passa da parte plana, não complacente, para a parte
complacente e íngreme da curva pressão-volume, e o pulmão dependente (abaixo) passa da parte complacente
e íngreme para a parte plana, não complacente, da curva pressão-volume. Assim, o paciente anestesiado, na po-

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sição de decúbito lateral, obtém o máximo de ventilação corrente no pulmão não dependente (onde a perfusão é
mínima) e menos ventilação corrente no pulmão dependente (onde a perfusão é máxima). V, volume; P, pressão
(Benumof JL. Anesthesia for Thoracic Surgery, Philadelphia: WB Saunders, 1987, p. 112)
4. Posição lateral, anestesiado, respirando espontaneamente, tórax aberto
A abertura do tórax tem pouco impacto na distribuição da perfusão. No entanto, a parte superior do
pulmão já não está mais restrita pela parede torácica e pode expandir-se livremente, o que aumenta ain-
da mais a diferença na relação V/Q, já que o pulmão não dependente é preferencialmente ventilado, por
causa do aumento da complacência.
5. Posição lateral, anestesiado, paralisado, tórax aberto
Durante a paralisia e a ventilação com pressão positiva, o deslocamento do diafragma é máximo sobre
o pulmão não dependente, no qual há o mínimo de resistência ao movimento do diafragma provocado
pelo conteúdo abdominal (Figura 41.6). Isso compromete ainda mais a ventilação direcionada ao pulmão
dependente e aumenta a diferença na relação V/Q.

Figura 41.6 - Esse diagrama, de um paciente na posição de decúbito lateral, compara a condição anestesiada,
com tórax fechado, com a condição anestesiada e paralisada, com tórax aberto. A abertura do tórax aumen-
ta a complacência do pulmão não dependente e reforça ou mantém a parte maior da ventilação corrente que
chega ao pulmão não dependente. A paralisia também reforça ou mantém a parte maior da ventilação corren-
te, que segue para o pulmão não dependente, pois a pressão do conteúdo abdominal (PAB) que comprime o
diafragma superior é mínima, sendo, portanto, mais fácil para a ventilação com pressão positiva deslocar esse
domo menos resistente do diafragma. V, volume; P, pressão (Benumof JL. Anesthesia for Thoracic Surgery,
Philadelphia: WB Saunders, 1987, p. 112)

41.4. ANESTESIA MONOPULMONAR


Durante a ventilação bipulmonar, na posição lateral, considera-se que o fluxo sanguíneo médio que
segue para o pulmão não dependente seja 40% do débito cardíaco, enquanto 60% do débito cardíaco se-
gue para o pulmão dependente (Figura 41.7). Normalmente, a mistura venosa (shunt), na posição lateral,
equivale a 10% do débito cardíaco e é igualmente dividida em 5% para cada pulmão. Logo, a porcentagem
média de débito cardíaco que participa da troca gasosa é de 35% no pulmão não dependente e de 55% no
pulmão dependente.

Figura 41.7 - Representação esquemática da ventilação bipulmonar em comparação com a ventilação mo-
nopulmonar (VMP). Valores típicos do fluxo sanguíneo fracionário que chega aos pulmões não dependente
e dependente, bem como PaO2 e Vs/Qt para as duas condições, conforme mostrado. Considera-se que Vs/
Qt durante a ventilação bipulmonar se distribua igualmente entre os dois pulmões (5% para cada pulmão). A

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diferença essencial entre a ventilação bipulmonar e a VMP é que, durante a VMP, o pulmão não ventilado apre-
senta certo fluxo sanguíneo e, portanto, um shunt obrigatório, que não está presente na ventilação bipulmonar.
Considerou-se que os 35% do total de fluxo de perfusão do pulmão não dependente, que não era um fluxo de
shunt, pudessem reduzir o fluxo sanguíneo em 50% por vasoconstrição pulmonar hipóxica. Considera-se que
o aumento em Vs/Qt da ventilação bipulmonar para a VMP se deva exclusivamente ao aumento do fluxo san-
guíneo que passa pelo pulmão não ventilado e não dependente durante a VMP (Benumof JL. Anesthesia for
Thoracic Surgery, Philadelphia: WB Saunders, 1987, p. 112)

A VMP cria um shunt transpulmonar obrigatório da direita para a esquerda, através do pulmão não ven-
tilado e não dependente, pois a relação V/Q daquele pulmão é zero. Teoricamente, devem-se adicionar
mais 35% ao shunt total durante a VMP. No entanto, considerando uma vasoconstrição pulmonar hipóxica
(VPH) ativa, o fluxo sanguíneo para o pulmão hipóxico não dependente diminuirá em 50% e, portanto,
será de (35/2) = 17,5%. A este, devem-se adicionar 5%, que é o shunt obrigatório que passa pelo pulmão
não dependente. O shunt que passa pelo pulmão não dependente é, portanto, 22,5%. Junto com o shunt
de 5% no pulmão dependente, o shunt total durante a VMP é de 22,5% + 5% = 27,5%. Isso gera um PaO2 de
aproximadamente 150 mmHg (FIO2 = 1,0)9.
Como 72,5% da perfusão é direcionada para o pulmão dependente durante a VMP, a ventilação ade-
quada desse pulmão é importante para que se obtenha uma troca gasosa adequada. O pulmão depen-
dente já não está mais na parte íngreme (complacente) da curva volume-pressão, por causa da redução
do volume pulmonar e da CRF. Há vários motivos para essa redução da CRF, entre eles anestesia geral;
paralisia; pressão exercida por conteúdo abdominal; compressão pelo peso das estruturas do mediastino
e posicionamento inadequado sobre a mesa cirúrgica. Outras considerações que afetam a ventilação ideal
do pulmão dependente incluem atelectasia de absorção; acúmulo de secreções e a formação de transu-
dato de fluidos no pulmão dependente. Todos esses fatores criam uma baixa relação V/Q e um grande
gradiente P (A-a) O2.
Ventilação monopulmonar
Tabela 41.1 - Indicações para a ventilação monopulmonar

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41.4.1. Tubos Endobrônquicos e Bloqueio Brônquico
Os tubos endobrônquicos de duplo lúmen são, atualmente, o método mais utilizado para fazer a se-
paração pulmonar e a VMP. Existem vários tipos diferentes de TDL, mas o modelo de todos eles é essen-
cialmente semelhante, pelo fato de dois tubos endotraqueais serem “ligados” entre si. Um dos lumens é
suficientemente longo para alcançar um brônquio fonte, e o segundo lúmen termina com uma abertura
na traqueia distal. A separação pulmonar é obtida por insuflação de dois cuffs: um cuff traqueal proximal
e um cuff brônquico distal localizado no brônquio fonte. O cuff endobrônquico de um tubo direito possui
orifício projetado para permitir a ventilação do lobo superior direito, pois o brônquio fonte direito é muito
curto para acomodar a ponta do lúmen direito e um cuff brônquico direito.
Tubo de Robertshaw
O tubo de Carlens (que tinha um gancho carinal) foi o primeiro TDL clinicamente disponível e era utili-
zado por pneumologistas para o teste de espirometria (Figura 41.8A). Subsequentemente, o TDL do tipo
Robertshaw (que não possui o gancho carinal) foi desenvolvido para facilitar a cirurgia torácica (Figura
41.8B). Esse TDL está disponível nas formas para uso do lado esquerdo e direito. A ausência do gancho
carinal facilita a inserção. Esse modelo de tubo tem a vantagem de ter lumens de diâmetro grande, em
forma de D, o que facilita a passagem de um cateter de sucção, oferece baixa resistência ao fluxo gasoso
e tem uma curvatura fixa que facilita o posicionamento adequado e reduz a possibilidade de dobra. Os
tubos de Robertshaw originais, feitos de borracha, na cor vermelha, eram oferecidos em três tamanhos:
pequeno, médio e grande. Os tubos de borracha vermelhos são raramente utilizados hoje em dia e fo-
ram substituídos por TDLs transparentes e descartáveis, do tipo Robertshaw, feitos de cloreto de polivinil
(PVC). Estes estão disponíveis nas versões para os lados direito e esquerdo e em 35 French (Fr), 37 Fr,
39 Fr e 41 Fr. Há um TDL esquerdo, do tipo 32 Fr, para adultos pequenos, e o 28 Fr, para uso em casos
pediátricos. Entre as vantagens dos tubos descartáveis estão a relativa facilidade de inserção e de posi-
cionamento correto; a facilidade de reconhecimento da cor azul do cuff endobrônquico quando se utiliza
broncoscopia por fibra ótica; a confirmação da posição por radiografia do tórax utilizando as linhas ra-
diopacas da parede do tubo e a observação contínua da troca gasosa corrente e da umidade respiratória
através do plástico transparente. O tubo endobrônquico direito foi projetado para minimizar a oclusão da
abertura do brônquio do lobo superior direito. O cuff endobrônquico direito tem o formato arredondado
e permite que o orifício de ventilação do lobo superior direito passe por cima da abertura do brônquio do
lobo superior direito. O tubo é também adequado para uso em ventilação de longo prazo em unidades de
tratamento intensivo, por ter um cuff de alto volume e baixa pressão. Esses tubos de PVC descartáveis são
geralmente considerados os tubos de escolha para obter a separação pulmonar da ventilação para VMP10.

Figura 41.8 - (A) Intubação endobrônquica do brônquio fonte esquerdo utilizando um tubo de Carlens. Observe
o “gancho” carinal utilizado para o posicionamento correto. (B) Tubo de duplo lúmen, esquerdo, do tipo Ro-
bertshaw, feito de cloreto de polivinil (A: Hillard EK, Thompson PW. Instruments used in thoracic anaesthesia.
Thoracic Anaesthesia. Editado por Mushin WW. Oxford, Blackwell Scientific, 1963, p. 315. B: Courtesy of Nel-
lcor Puritan Bennett, Inc., Pleasanton, California)

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Recentemente, um novo TDL esquerdo, feito de borracha de silicone Silbronco (Silbronco DLT, Fuji Sys-
tems, Tóquio, Japão), foi introduzido na prática clínica. Ele tem um lúmen reforçado com fio em forma
de D para manter a ponta a um ângulo de 45°. A parede reforçada tende a impedir a obstrução ou dobra
do lúmen brônquico e, ao mesmo tempo, mantém a flexibilidade. Ele é especialmente útil se o brônquio
fonte esquerdo estiver a um ângulo de 90° em relação à traqueia, praticamente impossibilitando posi-
cionar um TDL de PVC. Esse cenário clínico pode ser observado em pacientes que já se submeteram a
uma lobectomia superior esquerda e em que a expansão do lobo inferior esquerdo desloca para cima o
brônquio principal esquerdo11.
Como o brônquio fonte esquerdo é consideravelmente mais longo que o brônquio direito, há uma es-
treita margem de segurança no brônquio fonte direito, com possível aumento de risco de obstrução do
lobo superior sempre que for utilizado um TDL direito. O TDL esquerdo é preferível para procedimentos
do lado direito e esquerdo. Um TDL esquerdo foi escolhido para 1.166 dos 1.170 pacientes incluídos em um
relatório, tendo sido utilizado com sucesso em mais de 98% desses pacientes12. Os autores recomendam
escolher o TDL de maior tamanho que se encaixe com segurança no brônquio. Assim, oferece-se menos
resistência à ventilação, sendo menos provável haver deslocamento.
Alguns autores sugerem utilizar a altura do paciente como base para a escolha do TDL. No entanto, a
correlação entre o tamanho das vias aéreas e a altura é extremamente ruim12. As dimensões da traqueia e
dos brônquios podem ser medidas diretamente em radiografia do tórax ou exame do tórax por tomografia
computadorizada. É possível medir o diâmetro do brônquio esquerdo em radiografia do tórax em quase
75% dos pacientes12. Em pacientes nos quais o brônquio fonte esquerdo não pode ser medido diretamen-
te, o diâmetro do brônquio esquerdo pode ser estimado com precisão com base na medida da largura da
traqueia. A largura do brônquio esquerdo é diretamente proporcional à largura da traqueia. A largura do
brônquio esquerdo é estimada pela multiplicação da largura da traqueia por 0,6813.
Normalmente, a maioria das mulheres precisa de um TDL 37 Fr, e a maioria dos homens pode ser
adequadamente tratada com um TDL 39 Fr. Antigamente, a prática mais comum era utilizar um TDL do
maior tamanho possível para evitar a migração distal do tubo, de modo que fosse possível minimizar
a pressão no cuff brônquico por causa da menor necessidade de ar para vedação. A prática comum de
broncoscopia por fibra óptica reduziu o risco de não detecção do posicionamento ou a migração distal
da extremidade brônquica. Um estudo recente demonstrou que a utilização rotineira de um TDL 35 Fr
em adultos, independentemente da altura, não está associada ao aumento de hipoxemia nem de outros
resultados clínicos adversos14.
A profundidade necessária para a inserção do TDL está correlacionada com a altura do paciente. Para
qualquer adulto com altura de 170 cm a 180 cm, a profundidade média do TDL esquerdo é de 29 cm. Para
cada 10 cm de aumento ou redução da altura, deve-se avançar ou retirar o TDL em 1 cm13,15. Outra manei-
ra simples de calcular é dividir a altura do paciente em centímetro por 10 e somar mais 12. O valor encon-
trado é a profundidade estimada de inserção do tubo duplo lúmen (por exemplo, 170cm/10 +12 = 29 cm).

Colocação de tubos de duplo lúmen


Esta seção se concentra na inserção de TDLs descartáveis, do tipo Robertshaw, por serem os mais
comumente utilizados. Antes da inserção, o TDL deve ser preparado e verificado. O cuff traqueal (alto
volume, baixa pressão) pode acomodar até 20 mL de ar, e o cuff brônquico pode ser verificado com uma
seringa de 3 mL. O tubo deve ser revestido livremente com lubrificante hidrossolúvel. O estilete deve
ser retirado, lubrificado e delicadamente colocado de volta no lúmen brônquico, sem alterar a curvatura
pré-formada do tubo. A lâmina Macintosh é preferida para intubação da traqueia, pois proporciona maior
área para passar o tubo. A inserção do tubo é feita com a curvatura côncava distal voltada para a posição
anterior. Depois que a ponta do tubo passar pelas cordas vocais, remove-se o estilete e gira-se o tubo em
90°. Gira-se o tubo esquerdo 90° para a esquerda; gira-se o tubo direito para a direita. O avanço do tubo
cessará quando for constatada resistência moderada à passagem, o que indica que a ponta do tubo se
assentou firmemente no brônquio fonte. É importante remover o estilete antes de girar e avançar o tubo,
para evitar laceração da traqueia ou dos brônquios16. A rotação e o avanço do tubo devem ser realizados
delicadamente e mediante laringoscopia direta e contínua, para evitar que as estruturas hipofaríngeas
interfiram no posicionamento correto. Uma vez que o tubo esteja na posição adequada, deve-se realizar
uma série de etapas para verificar sua localização.
886 | Bases do Ensino da Anestesiologia
Em primeiro lugar, deve-se inflar o cuff traqueal e estabelecer ventilação igual para ambos os pulmões.
Se o som respiratório não for igual, significa que o tubo está provavelmente muito abaixo e que a abertura
do lúmen traqueal está em um brônquio fonte ou na carina. A retirada do tubo em aproximadamente 2 cm
a 3 cm geralmente iguala o som respiratório. A segunda etapa é grampear o lado direito (no caso do tubo
esquerdo) e remover a tampa direita do conector. Em seguida, deve-se inflar lentamente o cuff brônquico
para impedir o vazamento de ar do lúmen brônquico em torno do cuff brônquico até o lúmen traqueal.
Assim, pode-se assegurar que não será aplicada pressão excessiva ao brônquio, além de ajudar a evitar
laceração17. A insuflação do cuff brônquico raramente necessita de mais de 2 mL de ar. A terceira etapa é
remover o grampo e verificar se ambos os pulmões estão ventilados com ambos os cuffs inflados. Assim,
assegura-se que o cuff brônquico não esteja obstruindo o hemitórax contralateral, seja total ou parcial-
mente. A etapa final consiste em grampear cada lado seletivamente e observar a ausência de movimento
e sons respiratórios no lado ipsilateral (grampeado); o lado ventilado deve apresentar sons respiratórios
nítidos, movimento torácico aparentemente complacente, umidade do gás respiratório a cada ventilação
corrente e ausência de vazamento gasoso. Se a pressão de pico da via aérea durante a ventilação bipul-
monar for de 20 cm H2O, ela não deve exceder 40 cm H2O para o mesmo VC durante a VMP15.

Figura 41.9 - Vista broncoscópica por fibra óptica da carina principal. (A) Carina brônquica esquerda. (B) Brôn-
quio direito. (C) Observe o orifício no lobo superior direito (seta)

Outros métodos que têm sido utilizados para garantir a colocação correta do TDL incluem fluoroscopia,
radiografia do tórax, capnografia seletiva e utilização de vedação imersa. A determinação da presença de
vazamento gasoso ao aplicar pressão positiva em um dos lúmens do TDL é facilmente obtida na sala de ci-
rurgia. Se o cuff brônquico não estiver inflado e for aplicada pressão positiva no lúmen brônquico do TDL,
haverá vazamento gasoso pelo cuff brônquico, que retornará pelo lúmen traqueal. Se o lúmen traqueal
for conectado a um sistema de vedação imersa, será possível ver a formação de bolhas de gás na água.
O cuff brônquico pode então ser gradualmente inflado até que não sejam observadas bolhas de gás e que
seja obtida a pressão de vedação desejada para o cuff. Esse teste é de extrema importância quando há
necessidade de separação absoluta dos pulmões, como durante uma lavagem broncopulmonar.
O avanço mais importante para verificar a posição adequada do TDL é a introdução do broncoscópio
flexível pediátrico por fibra óptica (Figura 41.9). Smith e cols. mostraram que, quando se acreditava que
oTDL descartável estivesse na posição correta por auscultação e exame físico, a broncoscopia subsequente
com fibra óptica mostrou que 48% dos tubos estavam, na verdade, mal posicionados18. No entanto, esse
mau posicionamento geralmente não tem significância clínica.
Ao utilizar um TDL esquerdo, o broncoscópio é geralmente, em primeiro lugar, introduzido através do
lúmen traqueal. A carina é visualizada, mas não deve ser observada nenhuma herniação do cuff brôn-
quico. A superfície superior do cuff endobrônquico azul deve ficar logo abaixo da carina traqueal. O cuff
brônquico do TDL descartável é facilmente visualizado por causa de sua cor azul. O broncoscópio deve,
então, passar pelo lúmen brônquico, e o orifício brônquico do lobo superior esquerdo deve ser identifica-
do. Ao utilizar um TDL direito, a carina deve ser visualizada através do lúmen traqueal. Vale ressaltar, no
entanto, que o orifício do brônquio do lobo superior direito deve ser identificado quando o broncoscópio
passar pela ranhura de ventilação do lobo superior direito do TDL . Os broncoscópios pediátricos de fibra
óptica estão disponíveis em vários tamanhos: 5,6 mm, 4,9 mm e 3,6 mm de diâmetro externo. O broncos-

Ponto 41 - Anestesia para Cirurgia Torácica | 887


cópio com 4,9 mm de diâmetro pode passar em TDLs do tipo 37 Fr e maiores. O broncoscópio de 3,6 mm
de diâmetro pode passar facilmente por todos os tamanhos de TDL. De modo geral, recomenda-se utilizar
o maior tamanho que puder passar pelo lúmen do TDL, pois ele proporciona melhor visualização e facilita
a identificação da anatomia dos brônquios.

Figura 41.10 - Mau posicionamento do membro brônquico esquerdo do tubo de duplo lúmen (TDL). (A) O mem-
bro penetrou bastante o brônquio esquerdo, pois o cuff não está evidente. (B) O TDL foi retirado, e o balão
pode agora ser visto, o que indica posicionamento correto do TDL (seta)

Problemas de mau posicionamento do tubo de duplo lúmen


A utilização de TDLs está associada a vários possíveis problemas, sendo o mais importante o mau po-
sicionamento. Há várias possibilidades de mau posicionamento do tubo. O TDL pode ser acidentalmen-
te direcionado para o lado oposto do brônquio fonte desejado. Nesse caso, o pulmão oposto ao lado do
grampo de conexão é colapsado. Geralmente, ocorrem separação incorreta, aumento da pressão das vias
aéreas e instabilidade do TDL. Além disso, por causa da morfologia das curvaturas do TDL, podem ocor-
rer lacerações da traqueia ou dos brônquios. Se um TDL esquerdo for inserido no brônquio fonte direito,
ele obstruirá a ventilação para o lobo superior direito. Portanto, é essencial reconhecer e corrigir o mau
posicionamento tão logo seja possível19.
Em segundo lugar, o TDL pode ser inserido muito abaixo, seja no brônquio fonte direito ou esquerdo
(Figura 41.10). Nesse caso, os sons respiratórios diminuem bastante ou simplesmente não são audíveis no
lado contralateral. Essa situação se corrige quando o tubo é retirado e a abertura do lúmen traqueal fica
acima da carina.
Em terceiro lugar, o TDL pode não ser inserido o suficiente, deixando a abertura do lúmen brônquico
acima da carina. Nessa posição, é possível ouvir sons respiratórios satisfatórios bilateralmente ao ventilar
pelo lúmen brônquico, mas nenhum som respiratório será audível ao ventilar pelo lúmen traqueal, pois o
cuff brônquico inflado obstrui o fluxo gasoso proveniente do lúmen traqueal. O cuff deve ser desinflado e
o TDL, girado e avançado até o brônquio fonte desejado.
Em quarto lugar, um TDL direito pode ocluir o orifício do lobo superior direito. A distância média da
carina até o orifício do lobo superior direito é 2,3 ± 0,7 cm, em homens, e 2,1 ± 0,7 cm, em mulheres20.
No caso de TDLs direitos, a ranhura ventilatória no lado do cateter brônquico deve se sobrepor ao orifí-
cio do lobo superior direito para permitir a ventilação desse lobo. No entanto, a margem de segurança é
extremamente pequena e varia de 1 mm a 8 mm20. É, portanto, difícil garantir uma ventilação adequada
para o lobo superior direito e evitar o deslocamento do TDL durante a manipulação cirúrgica. Quando for
necessário fazer uma entubação endobrônquica direita, um TDL descartável direito talvez seja a melhor
opção, por causa do formato arredondado e inclinado do cuff brônquico, que permite que a ranhura de
ventilação deslize por cima do orifício do lobo superior direito e aumente a margem de segurança.
Em quinto lugar, o orifício do lobo superior esquerdo pode ser obstruído por um TDL esquerdo. Tradi-
cionalmente, acreditava-se que a elevação do brônquio do lobo superior esquerdo estivesse a uma distân-
cia segura da carina e que ele não seria obstruído por um TDL esquerdo. No entanto, a distância média
entre o orifício do lobo superior esquerdo e a carina é de 5,4 ± 0,7 cm, em homens, e de 5,0 ± 0,7 cm,
em mulheres16.
888 | Bases do Ensino da Anestesiologia
A distância média entre as aberturas dos lumens direito e esquerdo nos tubos descartáveis esquerdos é
de 6,9 cm20. Portanto, é possível haver obstrução do brônquio do lobo superior esquerdo enquanto o lúmen
traqueal ainda estiver acima da carina. Há também uma variação de 20% na localização do cuff endobrôn-
quico azul nos tubos descartáveis, pois esse cuff é acoplado ao tubo no final do processo de fabricação.
A herniação do cuff brônquico pode ocorrer e obstruir o lúmen brônquico se forem utilizados volumes
excessivos para inflar o cuff. Sabe-se também que o cuff brônquico se torna protruso sobre a carina tra-
queal e, no caso de um TDL esquerdo, obstrui a ventilação para o brônquio fonte direito.
Outra complicação rara que ocorre com os TDLs é a ruptura traqueal. Há registros de que o excesso
de insuflação do cuff brônquico, o posicionamento inadequado e traumas associados ao deslocamento in-
traoperatório que provocaram a ruptura brônquica estejam associados ao tubo de Robertshaw e ao TDL
descartável21. Portanto, a pressão no cuff brônquico deve ser avaliada e reduzida ao se constatar que o
cuff está superinflado. Se não for necessária a separação absoluta dos pulmões, o cuff brônquico deve
ser desinflado e, em seguida, inflado novamente, devagar, para evitar pressão excessiva sobre as paredes
brônquicas. O cuff brônquico também deve ser desinflado durante o reposicionamento do paciente a não
ser que a separação dos pulmões seja absolutamente necessária nesse momento.
Em um ensaio prospectivo recente, 60 pacientes foram aleatoriamente atribuídos a dois grupos. A VMP
foi obtida com um bloqueador endobrônquico (grupo do bloqueador) ou um TDL (grupo do duplo lúmen).
A presença de rouquidão e inflamação da garganta no pós-operatório foi avaliada 24,48 e 72 horas após
a cirurgia. A rouquidão pós-operatória ocorreu de forma significativamente mais frequente no grupo do
duplo lúmen do que no grupo do bloqueador: 44% e 17%, respectivamente. Achados semelhantes foram
observados para lesões das cordas vocais (44% e 17%). A incidência de lesões brônquicas foi comparável
entre os grupos17.

Separação pulmonar no paciente com traqueostomia


Ocasionalmente, um paciente com traqueostomia permanente é programado para uma cirurgia do pulmão
que requer isolamento. Exemplos de tais pacientes incluem aqueles que se submeteram a ressecção de um
tumor no assoalho da boca ou na base da língua, seguida de cirurgia reconstrutiva extensiva com criação de
um estoma traqueal permanente. O acompanhamento de rotina pode revelar uma lesão pulmonar que exija
um procedimento diagnóstico. Os tubos endobrônquicos de duplo lúmen convencionais são projetados para ser
inseridos pela boca, e não por um estoma traqueal. Os TDLs convencionais são geralmente muito rígidos para
fazer a curva necessária para a inserção através de um estoma traqueal e são difíceis de posicionar22. Um blo-
queador brônquico inserido separadamente pode permitir a separação adequada dos pulmões23.
Saito e cols. descreveram um tubo endobrônquico de duplo lúmen, em espiral, reforçado por fios, fei-
to de silicone (Koken Medical, Tóquio, Japão) que foi projetado para a colocação por traqueostomia24. A
seção média do tubo consiste em dois cateteres de silicone de parede fina, com diâmetro interno de 5
mm, colados e reforçados com um fio de aço inoxidável em espiral, e cobertos com um revestimento de
silicone, com dois balões piloto. A seção distal, que contém o lúmen brônquico e o cuff brônquico, é fei-
ta de silicone reforçado por fio, para evitar excesso de flexibilidade. As dimensões são baseadas no TDL
Mallinckrodt (Hazelwood, MD). O cuff brônquico fica localizado a 1,2 cm da ponta, e a distância entre o
orifício da ponta e o orifício traqueal é de 4,9 cm. Em um ensaio clínico realizado em pacientes com esto-
mas traqueais permanentes, os tubos funcionaram bem em atingir a separação dos pulmões, sem nenhum
sinal de dobra ou de movimento, e proporcionaram facilidade na passagem de um cateter de sucção24.

Separação dos pulmões no paciente com via aérea difícil


Uma via aérea pode ser inicialmente reconhecida como difícil quando a laringoscopia convencional
revelar uma vista da laringe de grau III ou IV. Quando a separação dos pulmões é necessária e o paciente
tem uma via aérea nitidamente reconhecida como difícil, pode-se planejar a intubação, com o paciente
acordado, usando um broncoscópio flexível de fibra óptica, para a colocação de um tubo de duplo lúmen,
Univent ou um tubo de lúmen único. O tubo de lúmen único pode então ser trocado por um tubo de duplo
lúmen ou um tubo Univent usando um trocador de tubos. Além disso, dependendo da extensão esperada
e da duração do procedimento cirúrgico e do grau de desvio de fluidos, uma via aérea que não tenha sido
inicialmente classificada como difícil pode se tornar difícil após edema facial, secreções e trauma laríngeo
provocado pela intubação inicial25,26.
Ponto 41 - Anestesia para Cirurgia Torácica | 889
Uma abordagem lógica em relação à separação dos pulmões é mostrada na Figura 41.11. Quando a se-
paração dos pulmões é necessária e o paciente tem uma via aérea reconhecidamente difícil, pode-se ten-
tar a intubação do paciente acordado utilizando um broncoscópio flexível de fibra óptica com a utilização
de um TDL, Univent ou tubo de lúmen único. A mesma abordagem pode ser utilizada para o paciente com
uma via aérea não reconhecida como difícil em que a intubação não foi possível por laringoscopia conven-
cional. Ao utilizar um TDL sobre um broncoscópio de fibra óptica, o anestesista deve ter em mente que
este é um tubo volumoso, com diâmetro externo grande, e, por causa do comprimento do TDL, somente
uma parte limitada do broncoscópio de fibra óptica fica disponível para manipulação. Além disso, a incom-
patibilidade entre a flexibilidade do broncoscópio de fibra óptica e a rigidez do TDL dificultam avançá-lo
sobre o broncoscópio de fibra óptica. O tubo Univent tem o mesmo diâmetro externo grande e apresenta,
muitas vezes, dificuldade em passar entre as cordas vocais, sobretudo em um paciente acordado.
Sucesso na colocação do tubo de lúmen único
Se a impossibilidade de obter a separação dos pulmões puder causar uma situação potencialmente
fatal, há duas possibilidades de fornecer a VMP quando um tubo de lúmen único já estiver colocado. Pri-
meiro, dependendo da indicação para o isolamento dos pulmões, pode-se usar um trocador de tubos para
trocar por um TDL ou um tubo Univent. A segunda possibilidade é direcionar um bloqueador brônquico
através do tubo de lúmen único até o brônquio fonte selecionado. Esses dois métodos, no entanto, ofe-
recem proteção limitada ou uma vedação inadequada em casos tais como lavagem pulmonar, abscesso
pulmonar ou hemoptise, em que o TDL seria o tubo de escolha.
Utilização de um trocador de tubos
Existem vários trocadores de tubos no mercado (Cook Critical Care; Bloomington, IN; Sheridan Catheter
Corporation; Argyle, NY). Nesses trocadores de tubos, a profundidade é indicada em centímetros; eles são
oferecidos com vários diâmetros externos e podem ser facilmente adaptados para insuflação com oxigênio ou
ventilação a jato. O tamanho do trocador de tubos e o tamanho do tubo a ser inserido devem ser testados an-
tes da utilização no paciente. O trocador de tubos 11 Fr passa por um TDL 35 Fr a 41 Fr, enquanto o trocador
de tubos 14 Fr não passa por tubos 35 Fr. Para evitar a laceração dos pulmões, o trocador de tubos jamais deve
ser inserido mediante resistência. Como a primeira geração de trocadores de tubos era muito rígida, havia o
risco de laceração traqueal ou brônquica16. Recentemente, um novo trocador de tubos, com uma ponta macia
e flexível, foi lançado pela Cook Critical Care, sendo sua utilização mais segura, com menos probabilidade de
causar laceração nas vias aéreas. Finalmente, ao passar qualquer tubo sobre uma guia de vias aéreas, deve-se
usar um laringoscópio para facilitar a passagem do tubo sobre a guia da via aérea e pelos tecidos supraglóticos.

Figura 41.11 - Separação dos pulmões em paciente com via aérea difícil. VAML via aérea com máscara laríngea
(adaptado de Cohen E, Benumof JL. Lung separation in the patient with a difficult airway. Curr Opin in Anesthesiol,
1999;12: 29)

890 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Utilização de Bloqueadores Brônquicos Modernos
Bloqueador brônquico (BB)
A separação dos pulmões pode ser obtida com um bloqueador brônquico reutilizável. Sir Ivan Magill
descreveu um bloqueador endobrônquico que é colocado com o auxílio de um broncoscópio e direcionado
até o pulmão não ventilado. A insuflação do cuff na extremidade distal do bloqueador serve para bloquear
a ventilação até aquele pulmão. O lúmen do bloqueador permite a sucção da via aérea na posição distal
à ponta do cateter. Dependendo das circunstâncias clínicas, é possível insuflar oxigênio através do lúmen
do cateter. Em seguida, coloca-se um tubo endotraqueal convencional na traqueia. Essa técnica pode ser
útil para obter ventilação seletiva em crianças com menos de 12 anos. No entanto, como o balão do blo-
queador exige alta pressão de distensão, ele facilmente escorrega para fora do brônquio e para dentro da
traqueia, obstruindo a ventilação e perdendo a vedação entre os dois pulmões. Esse deslocamento pode
ser provocado por mudanças de posição ou manipulação cirúrgica. A perda da separação dos pulmões
pode ser uma situação potencialmente fatal, se realizada para impedir o derramamento de pus, sangue ou
fluido provocado por lavagem broncopulmonar. Por esse motivo, os bloqueadores brônquicos raramente
são utilizados na prática atual.

Figura 41.12 - (A) O tubo Univent também permite a separação dos pulmões, utilizando um tubo endotraqueal
de lúmen único. (B) Bloqueador brônquico Univent posicionado no brônquio fonte esquerdo

Pode-se usar um bloqueador brônquico inserido independentemente, com um tubo de lúmen único,
para obter o isolamento dos pulmões, evitando, assim, a utilização de um TDL em pacientes com via
aérea difícil. O uso de um bloqueador brônquico também elimina a possível necessidade de trocar o TDL
por um tubo de lúmen único (TLU) quando do término do procedimento. Os bloqueadores são discutidos
mais adiante, na ordem cronológica em que foram desenvolvidos e introduzidos na prática. Antigamen-
te, os cateteres para embolectomia vascular Fogarty eram utilizados para a separação dos pulmões,
mas não há nenhuma indicação para uso deles na prática atual de anestesia torácica. O balão Fogarty
é de alta pressão e baixo volume, e não há nenhum lúmen que permita a saída de gás do pulmão para
facilitar a desinflação.

Tubo Univent
O Univent (Fuji Systems Corp., Tóquio, Japão) é um tubo endotraqueal de lúmen único, com um blo-
queador endobrônquico móvel (Figura 41.12). No tubo Univent, o bloqueador brônquico fica alojado em
um pequeno canal furado na parede do tubo. O bloqueador contém um balão de alto volume e baixa
pressão e é angulado para permitir direcionamento externo para dentro do brônquio desejado, mediante
visão direta por broncoscópio de fibra óptica (FB). Após a intubação da traqueia, o bloqueador móvel é
manipulado até o brônquio fonte desejado com o auxílio de um broncoscópio de fibra óptica.
O tubo Univent pode ser ideal para casos em que a troca de tubos (por exemplo, de um tubo de lú-
men único por um de duplo lúmen) seja difícil (por exemplo, mediastinoscopia seguida de toracostomia)
ou em casos de transplante bilateral de pulmão. O tubo Univent tem uma vantagem comum a todos os
bloqueadores brônquicos: ele é um tubo de lúmen único e não há necessidade de trocá-lo no final do pro-
cedimento se for necessário suporte ventilatório pós-operatório. Esse fator é particularmente importante
em casos de intubação difícil, cirurgia prolongada com edema das vias aéreas, como ocorre na cirurgia
de aneurisma aórtico torácico ou em procedimentos neurocirúrgicos extensivos na coluna vertebral, com
substituição maciça de fluidos, e alteração da anatomia da via aérea. É também possível fazer a sucção

Ponto 41 - Anestesia para Cirurgia Torácica | 891


através do lúmen do bloqueador ou aplicar pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) para melhorar
a oxigenação em casos de hipoxemia.
As desvantagens dos tubos Univent são que o posicionamento correto do bloqueador pode ser difícil de
obter ou manter e que o diâmetro externo é relativamente grande. Muitos anestesistas preferem evitar a
ventilação pós-operatória com um tubo de diâmetro tão grande assim e, nesse caso, optam por um tubo
convencional ao término da cirurgia. O bloqueador pode se deslocar durante a manipulação cirúrgica, e,
às vezes, é difícil obter uma vedação brônquica e separação pulmonar satisfatórias. O bloqueador brôn-
quico é relativamente rígido e, às vezes, não pode ser facilmente direcionado para dentro do brônquio
fonte. Isso acontece principalmente no lado esquerdo. O diâmetro externo volumoso também pode difi-
cultar a passagem do tubo entre as cordas vocais.

Figura 41.13 - O bloqueador endobrônquico Arndt é um bloqueador guiado por fio que permite colocação direta
com o uso de um broncoscópio de fibra óptica. O broncoscópio de fibra óptica é inserido através da alça na ex-
tremidade do bloqueador, que, então, desliza sobre o broncoscópio até o brônquio escolhido. (A) O broncoscó-
pio de fibra óptica é inserido pela alça e guiado até o brônquio fonte esquerdo. (B) Alça na ponta do bloqueador
com cuff de alto volume e baixa pressão. (C) O broncoscópio se retrai, deixando o bloqueador no lugar

O bloqueador brônquico do tubo Univent de primeira geração era difícil de direcionar até o brônquio
fonte desejado. O bloqueador girava sobre seu longo eixo, o que dificultava controlá-lo. A segunda gera-
ção, o Torque Control Blocker Univent, foi lançada mais recentemente. Ela consiste em um tubo endotra-
queal de silicone, com alto coeficiente de atrito. O Torque Control Blocker proporciona melhor controle,
o que facilita o direcionamento do bloqueador dentro do brônquio fonte desejado.
Bloqueador endobrônquico Arndt
Na tentativa de resolver os possíveis problemas descritos anteriormente, um bloqueador brônquico
guiado por laço foi lançado (Cook Critical Care) (Figura 41.13). Ele consiste em um cateter guiado por
fio, com um laço. Um fibroscópio passa pelo laço do bloqueador brônquico e, em seguida, é direcionado
até o brônquio desejado. O bloqueador então desliza distalmente sobre o fibroscópio até o brônquio
desejado. A visualização broncoscópica confirma a colocação do bloqueador e a oclusão brônquica. Esse
cateter com ponta em balão tem um lúmen oco de 1,6 mm, que permite sucção para facilitar o colapso
do pulmão e insuflação de oxigênio até o pulmão não dependente. O balão é oferecido nos formatos es-
férico ou elíptico. O conjunto contém um adaptador com várias portas, que permite ventilação ininter-
rupta durante o posicionamento do bloqueador. O fio pode então ser removido. Pode-se usar um lúmen
de 1,6 mm como porta de sucção ou para insuflação de oxigênio. Na primeira geração desse dispositivo,
não era possível reinserir o fio uma vez que ele tivesse sido retirado, perdendo-se a capacidade de redi-
recionar o bloqueador brônquico, se necessário. O reforço externo do fio agora permite a reintrodução
através do lúmen. Finalmente, o diâmetro externo exige um tubo de lúmen único, de tamanho maior
(pelo menos, 8 mm) para que possa acomodar o bloqueador brônquico. O bloqueador Arndt é oferecido
nos tamanhos pediátricos 7 Fr e 5 Fr.
Uma desvantagem do bloqueador Arndt é que ele é avançado às cegas sobre a FB até o brônquio fonte
desejado. Em algumas ocasiões, a ponta do bloqueador pode ficar presa na carina principal ou no olho de
Murphy do tubo de lúmen único.

892 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Figura 41.14 - O bloqueador endobrônquico Cohen Flexitip. (A) permite a flexão da ponta do bloqueador brôn-
quico e a passagem até o lúmen brônquico desejado (B)

O bloqueador brônquico Cohen Flexitip (Cook Critical Care) foi projetado para ser utilizado como blo-
queador brônquico independente. Ele é inserido através de um tubo endotraqueal de lúmen único com o
auxílio de um broncoscópio de fibra óptica de pequeno diâmetro (4 mm)27 (Figura 41.14). O bloqueador
tem uma roda giratória que deflete a ponta macia em mais de 90° e a direciona facilmente ao brônquio
desejado. O cuff do bloqueador é um balão de alto volume e baixa pressão insuflado através de um lú-
men de 0,4 mm, dentro da parede do bloqueador. Ele tem o formato de pera, que proporciona vedação
adequada do brônquio. Geralmente, são necessários entre 6 mL e 8 mL de ar para vedar o brônquio com
o cuff. O cuff tem uma cor azul distinta que é facilmente reconhecível pelo broncoscópio de fibra ópti-
ca. É melhor inflar o cuff sob “visão direta” e através de um broncoscópio de fibra óptica. O tamanho do
bloqueador é 9 Fr. Ele tem um lúmen principal central (1,6 mm) que permite sucção limitada das secre-
ções e insuflação de oxigênio para o pulmão colapsado no caso de hipoxemia. Esse bloqueador e a FB não
precisam passar pelo tubo endotraqueal ao mesmo tempo, para a colocação; pode-se passar o bloquea-
dor antes da FB até além da ponta do tubo endotraqueal. Portanto, ele pode ser utilizado com um tubo
endotraqueal de 7 mm.

Unibloqueador
Recentemente, a Fuji Systems introduziu um novo bloqueador angulado 9 Fr, com ponta em balão, com
um adaptador de várias portas que, em essência, tem o mesmo modelo do bloqueador de tubos Univent,
mas que pode ser utilizado como bloqueador independente através de um tubo endotraqueal convencio-
nal, com conector especial.
Um estudo randomizado prospectivo comparou a eficácia do isolamento pulmonar entre três disposi-
tivos: o TDL Broncho-Cath esquerdo; o bloqueador com controle de torque Univent e o Arndt guiado por
fio. Não houve nenhuma diferença estatística no mau posicionamento dos tubos entre os três grupos: foi
necessário mais tempo para posicionar o bloqueador Arndt (3 minutos) em comparação com o TDL es-
querdo (2 minutos) e o Univent (2 minutos). Excluindo-se o tempo necessário para a colocação do tubo, no
grupo do Arndt, também foi necessário mais tempo para o pulmão colapsar (26 minutos), em comparação
com o grupo do TDL (17 minutos) e o grupo do Univent (19 minutos). Além disso, ao contrário dos outros
dois grupos, a maioria dos pacientes do Arndt necessitou de sucção para obter o colapso do pulmão. Uma
vez obtido o isolamento do pulmão, a exposição cirúrgica total foi avaliada como excelente para os três
grupos. Um minuto a mais para posicionar o bloqueador brônquico ou 6 minutos a mais para colapsar o
pulmão com um bloqueador brônquico são insignificantes quando se considera a duração do procedimen-
to torácico. O benefício de risco e a segurança de cada paciente devem ser levados em consideração ao
escolher os métodos de isolamento pulmonar28,29.

Conclusão do procedimento cirúrgico


De acordo com a extensão e a duração do procedimento cirúrgico e o grau de desvio dos fluidos, uma
via aérea que não tenha sido inicialmente classificada como difícil pode se tornar difícil após um edema
facial, secreções e traumas laríngeos causados pela intubação original. Nesses casos, ao planejar a sepa-
ração dos pulmões, devem-se levar em conta o período pós-operatório e a colocação do tubo adequado.
Muitos procedimentos que não são considerados indicações absolutas para a separação pulmonar são
demorados e complexos. A ressecção complexa dos pulmões, com ou sem ressecção da parede torácica;
Ponto 41 - Anestesia para Cirurgia Torácica | 893
esofagogastrectomia toracoabdominal; ressecção de aneurisma aórtico torácico, com ou sem parada cir-
culatória total, ou uma ressecção tumoral vertebral podem provocar edema facial, secreção e hemoptise,
o que exige suporte ventilatório pós-operatório. Outras indicações para suporte ventilatório pós-opera-
tório são: pequena reserva respiratória; perda inesperada de sangue ou desvio de fluidos; hipotermia e
reversão inadequada do bloqueio neuromuscular residual.
Se um tubo Univent tiver sido utilizado para proporcionar a VMP, o bloqueador poderá ser completa-
mente retraído e o tubo Univent poderá ser utilizado como um tubo de lúmen único. Se tiver sido utilizado
um bloqueador brônquico independente, o bloqueador será removido, deixando no lugar o tubo de lúmen
único. O problema surge quando é inserido um TDL para a separação dos pulmões. Em um paciente com
via aérea difícil e subsequente edema facial, o TDL pode ser deixado no lugar após a cirurgia.
Ao optar por deixar o TDL no lugar, é importante ter em mente que a equipe da unidade de tratamen-
to intensivo é geralmente menos experiente na manipulação desse tipo de tubo, que pode facilmente ser
deslocado. Além disso, é mais difícil fazer a sucção através dos lúmens, sendo necessário um cateter de
sucção mais longo e mais estreito para alcançar a ponta do lúmen endobrônquico. Outra possibilidade é
retirar o TDL para colocar a marca de 19 cm a 20 cm nos dentes, de modo que o lúmen endobrônquico
fique acima da carina e ambos os pulmões possam ser ventilados através do lúmen brônquico. A extubação
traqueal do TDL deve ser considerada após diurese e terapia com esteroides para possibilitar a redução
do edema facial e das vias aéreas.

Figura 41.15 - Conclusão do procedimento cirúrgico. Veja a discussão no texto. TLU, tubo de lúmen único; TDL,
tubo de duplo lúmen; UTI, unidade de tratamento intensivo
Se for necessário trocar o TDL por um tubo de lúmen único, deve-se utilizar um trocador de tubos para
manter o acesso à via aérea, como discutido anteriormente. O trocador de tubos pode ser inserido pelo
membro brônquico do TDL. Como opção, a troca do tubo também pode ser feita sob visão direta usando
um laringoscópio Bullard ou Wu. Com esses laringoscópios, pode-se colocar o trocador de tubos, sob visão
direta, através das cordas vocais, ao longo do tubo existente para possibilitar a passagem de um tubo de
lúmen único (Figura 41.15).
Em resumo, o anestesiologista precisa dominar diversos métodos de separação dos pulmões e familia-
rizar-se com os dispositivos disponíveis para proporcionar a VMP. Além disso, deve-se sempre planejar an-
tecipadamente o período pós-operatório ao escolher o método de separação dos pulmões. Por fim, nesses
casos, é de suma importância manter um diálogo franco com a equipe cirúrgica.

41.4.2. Controle da Ventilação Monopulmonar


Esta seção discute o controle da VMP em um paciente paralisado, na posição de decúbito lateral, com
o tórax aberto. Nela são analisados a fração inspirada de oxigênio (FiO2), o VC e a frequência respiratória,
894 | Bases do Ensino da Anestesiologia
o pulmão dependente, a PEEP e a CPAP do pulmão não dependente, sendo apresentada uma abordagem
em relação ao controle da VMP.

Fração inspirada de oxigênio (FiO2)


Durante a VMP, normalmente, utiliza-se uma FiO2 de 1. Essa alta concentração de oxigênio serve para
proteger contra hipoxemia durante o procedimento. Pacientes que tenham recebido bleomicina correm o
risco de toxicidade por oxigênio, e a FiO2 deve ser reduzida o tanto quanto possível, sem causar hipoxemia.

Volume corrente e frequência respiratória


Recomenda-se que, durante a VMP, o pulmão dependente seja ventilado com um VC de 10 a 12 mL.kg-1.
Os volumes correntes que variam entre 8 e 15 mL/kg não produziram nenhum efeito significativo sobre o
shunt transpulmonar ou PaO230. Um VC < 8 mL.kg-1 pode provocar a diminuição da CRF ou promover a for-
mação de atelectasia no pulmão dependente. Um VC > 15 mL.kg-1 pode recrutar os alvéolos atelectásicos
no pulmão dependente. Aumenta-se, assim, a resistência vascular pulmonar do pulmão dependente (seme-
lhante à aplicação de PEEP) e desvia-se o fluxo sanguíneo para o pulmão não dependente. Durante a VMP, a
prática comum tem sido manter o mesmo volume corrente utilizado durante a ventilação bipulmonar.
Recentemente, tem-se dado mais atenção à proteção do pulmão ventilado. Dados obtidos em estudos
realizados em unidades de tratamento intensivo recomendam o uso de um volume corrente (VC) baixo
para evitar lesão pulmonar aguda (LPA). Esse conceito estimulou um debate sobre o VC ideal que deveria
ser utilizado durante a VMP. Um editorial recente de comparação dos prós e contras argumenta que um VC
(grande), de 12 mL.kg-1, durante a VMP pode causar superdistensão e estiramento do parênquima pulmo-
nar e, por conseguinte, aumentar o risco de LPA31. No entanto, um VC (pequeno), de 6 mL.kg-1, pode levar
à atelectasia no pulmão dependente. Além disso, um VC pequeno com PEEP pode causar hiperinsuflação
dinâmica secundária ao aumento da frequência respiratória necessária para manter a PaCO231.
A prática de ventilação mecânica mudou nas últimas décadas, e os volumes correntes diminuíram signi-
ficativamente, sobretudo em pacientes com LPA. Os pulmões dos pacientes sem LPA ainda são ventilados
com volumes correntes grandes e, talvez, grandes demais. Estudos sobre lesões pulmonares associadas à
ventilação em indivíduos sem LPA demonstraram resultados inconsistentes. No entanto, estudos clínicos
retrospectivos sugerem que a utilização de um VC grande favorece o desenvolvimento de lesões pulmo-
nares nesses pacientes32.
Em um estudo multicêntrico prospectivo da Rede ARDS, os resultados confirmaram, sem ambiguidade,
que a ventilação mecânica com um VC menor (6 mL.kg-1), em vez do VC tradicional (12 mL.kg-1), aumentou
significativamente o número de dias livres de ventilação e reduziu a mortalidade intra-hospitalar33.
Não há evidências de que esses achados em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agu-
do sejam aplicáveis a pacientes submetidos a um procedimento torácico que necessitem de um período
relativamente curto de ventilação controlada34.
Em um estudo, pacientes submetidos à toracostomia eletiva ou laparotomia foram aleatoriamente de-
signados a receber ventilação mecânica com VC de 12 ou 15 mL.kg-1, respectivamente, e sem PEEP, ou VC
de 6 mL.kg-1 com PEEP de 10 cm H2O. Nesse estudo, nem o tempo nem as concentrações de mediadores
inflamatórios pulmonares ou sistêmicos (citocinas) diferiram entre as duas condições de ventilação no pe-
ríodo de três horas34.
Há dados que indicam efeitos prejudiciais de um VC grande em pacientes que foram ventilados por
apenas algumas horas. Em um estudo com pacientes submetidos à pneumonectomia, 18% desenvolveram
insuficiência respiratória pós-operatória. Esses pacientes haviam sido ventilados com um VC intraope-
ratório maior do que o daqueles que não foram submetidos (mediana, 8,3 x 6,7 mL.kg-1 do peso corporal
previsto) 35. No entanto, os autores recomendam utilizar ventilação pulmonar protetora com VC baixo, de
6 a 7 mL.kg-1, PEEP para o pulmão dependente, manobras de recrutamento frequentes e administração
limitada de fluidos durante a VMP.
Em pacientes submetidos a anestesia geral, as manobras de recrutamento pulmonar provaram ser fáceis
de realizar e eficazes para reverter o colapso alveolar, a hipoxemia e a redução da complacência. Demons-
trou-se o efeito benéfico da estratégia de recrutamento alveolar na oxigenação arterial e na complacência
respiratória em pacientes anestesiados submetidos a cirurgia não torácica na posição supina36-38.
Ponto 41 - Anestesia para Cirurgia Torácica | 895
Em um estudo com um número pequeno de pacientes submetidos a lobectomia, constatou-se que o
recrutamento alveolar no pulmão dependente aumenta os valores de PaO2 durante a VMP37.
A ventilação com pressão controlada (VPC) foi também comparada com a ventilação com volume con-
trolado (VVC) durante a VMP. Os autores sugerem que a VPC possa ser preferida para o controle da VMP,
pois a pressão de pico mais baixa das vias aéreas foi associada a maior perfusão do pulmão dependente e
menor shunt transpulmonar39.
Um estudo recente investigou se a VPC melhora a oxigenação arterial em comparação com a VVC du-
rante a VMP. Cinquenta e oito pacientes com boa função pulmonar pré-operatória, com cirurgia torácica
marcada, foram randomizados em dois grupos. Os do grupo A se submeteram à VMP, inicialmente com VVC
durante 30 minutos, seguidos de VPC por um período semelhante. Os do grupo B se submeteram à VMP
inicialmente com VPC por 30 minutos, seguidos de VVC por um período semelhante. As pressões das vias
aéreas e os gases do sangue arterial foram obtidos durante a VMP ao final de cada período ventilatório.
Os autores não constataram nenhuma diferença na oxigenação arterial durante a VMP entre a VVC (PaO2,
206,1 ± 62,4 mmHg) e a VPC (PaO2, 202,1 ± 56,4 mmHg; p = 0,534)40.
A frequência respiratória deve ser ajustada para manter uma PaO2 de 35 ± 3 mmHg. A eliminação
de CO2 geralmente não é um problema durante a VMP se o TDL for posicionado corretamente. O shunt
durante a VMP tem pouca influência sobre os valores de PaCO2, pois a diferença de PCO2 arterioveno-
so é normalmente de apenas 6 mm Hg. Além disso, CO2 é 20 vezes mais difusível do que o O2 e será
eliminado mais rapidamente. É também importante não hiperventilar os pulmões do paciente, pois
a hipocapnia aumenta a resistência vascular no pulmão dependente, inibe a VPH do pulmão não de-
pendente, aumenta o shunt e diminui a PaO2. Acredita-se que a hipocarbia iniba a VPH secundária a
um efeito vasodilatador. Como a hipocarbia só pode ser obtida por hiperventilação do pulmão depen-
dente, ela aumenta a pressão intra-alveolar média e, por conseguinte, aumenta a resistência vascular
daquele pulmão 41.
Pressão positiva expiratória final para o pulmão dependente
O efeito benéfico da PEEP seletiva de 10 cm H2O (PEEP10) para o pulmão dependente é causado pelo
aumento do volume pulmonar na expiração final (CRF), que melhora a relação V/Q no pulmão dependente.
O aumento de CRF impede o fechamento das vias aéreas e dos alvéolos na expiração final. No entanto,
a PEEP pode levar ao aumento do volume pulmonar, que pode causar compressão dos pequenos vasos
interalveolares e aumentar a resistência vascular pulmonar. Se esse aumento de resistência for limitado
ao pulmão dependente, o fluxo sanguíneo só poderá ser desviado para o pulmão não dependente (não
ventilado), o que aumenta a fração do shunt e diminui ainda mais PaO2.
A possibilidade de que a aplicação da PEEP possa melhorar a PaO2 em um pulmão dependente não
saudável (baixo volume pulmonar e baixa relação V/Q) com baixa PaO2 (< 80 mm Hg) durante a VMP foi
estudada por Cohen e cols. Eles constataram que a aplicação de PEEP10 durante a VMP em pacientes com
baixa PaO2 pode aumentar CRF até os valores normais, o que resulta na redução da resistência vascular
pulmonar e na melhora da relação V/Q e PaO242. Presumivelmente, pacientes com PaO2 mais alta tinham
o pulmão dependente com a CRF adequada, e a aplicação da PEEP teve o efeito negativo de redistribuir
o fluxo sanguíneo para longe do pulmão dependente ventilado (Figura 41.16).
Pressão positiva contínua das vias aéreas para o pulmão não dependente
A manobra mais eficaz para aumentar a PaO2 durante a VMP é a aplicação da CPAP ao pulmão não
dependente36,43. Uma CPAP mais baixa (5 a 10 cmH2O) mantém a patência dos alvéolos do pulmão não de-
pendente, o que permite certa absorção de oxigênio nos alvéolos distendidos. A CPAP deve ser aplicada
depois da administração de um VC inspiratório no pulmão não dependente para mantê-lo ligeiramente
expandido. A CPAP aplicada por insuflação de oxigênio sob pressão positiva mantém esse pulmão “quie-
to” e o impede de colapsar completamente. A insuflação de oxigênio sem a manutenção de uma pressão
positiva não melhorou a PaO236. A reinsuflação intermitente do pulmão (não dependente) colapsado com
oxigênio também resultou em uma melhora significativa de PaO244.
Infelizmente, a maioria dos procedimentos torácicos se inicia de forma toracoscópica, e a aplicação
da CPAP no pulmão não dependente geralmente não é aceitável para a maioria dos cirurgiões. Durante a
TVA, o pulmão deve estar bem colapsado para que o cirurgião possa ter a visão ideal do campo cirúrgico

896 | Bases do Ensino da Anestesiologia


e palpar a lesão no parênquima pulmonar. Além disso, é difícil colocar o grampeador em um pulmão que
não esteja completamente colapsado, e há aumento na incidência de vazamento de ar pós-operatório.

Figura 41.16 - Efeito de uma pressão positiva expiratória final de 10 cm H2O (PEEP) sobre a capacidade resi-
dual funcional (CRF). Postula-se que, em pacientes com PaO2 < 80 mmHg e compressão expiratória final nula
(ZEEP) a CRF seja baixa. A PEEP10 aumenta a CRF e, assim, aumenta a PaO2. VMP, ventilação monopulmonar;
PEEP10, pressão positiva expiratória final [10 cm H2O]; VR, volume residual

Os efeitos benéficos da CPAP 10 cm H2O (CPAP10) não são atribuíveis exclusivamente ao efeito da pres-
são positiva em desviar o fluxo sanguíneo para longe do pulmão colapsado, pois, em cães, a hiperinsufla-
ção de nitrogênio no pulmão não dependente, abaixo de 10 cm H2O, não conseguiu melhorar a PaO2.
A aplicação de uma CPAP alta (15 cmH2O) não é benéfica. A essa pressão, o pulmão fica superdisten-
dido, o que interfere na exposição cirúrgica. Além disso, uma CPAP alta assim pode ter consequências
hemodinâmicas, ao passo que a CPAP10 não mostrou ter nenhum efeito hemodinâmico significativo42.
A CPAP pode ser aplicada no pulmão não dependente por meio de vários sistemas simples, tendo to-
dos eles essencialmente as mesmas características: uma fonte de oxigênio; tubulação para conectar a
fonte de oxigênio ao pulmão não ventilado; uma válvula de alívio de pressão e um medidor de pressão. O
cateter que se liga ao pulmão não dependente é geralmente insuflado com 5 L.min-1 de oxigênio, usando
um circuito (pediátrico) modificado com T de Ayres, e a válvula no membro expiratório é ajustada até a
pressão desejada que será lida no medidor acoplado. Em vez de um medidor depressão ou manômetro
inserido no circuito, pode-se utilizar uma válvula de purga ponderada, tal como uma válvula de PEEP de
esferas ou acionada por mola.
A ventilação de alta frequência com oxigênio para o pulmão não dependente e a ventilação convencio-
nal para o pulmão dependente também têm sido utilizadas para melhorar a PaO2 durante a VMP.
Abordagem clínica em relação ao controle da ventilação monopulmonar
Uma vez que o paciente esteja na posição lateral, deve-se verificar novamente a posição do TDL. A
ventilação bipulmonar deve ser mantida pelo máximo de tempo possível quando for necessário instituir a
VMP. Recomenda-se geralmente utilizar uma FiO2 de 1 (Tabela 41.2). Deve-se ventilar o pulmão utilizan-
do um VC que gere um patamar de pressão das vias aéreas < 25 cmH2O, a uma frequência ajustada, para
manter a PaCO2 a 35 ± 3 mmHg. Geralmente, o monitoramento é feito com um capnômetro ou outro ana-
lisador multigás. Recomenda-se uma ventilação pulmonar protetora com VC baixo, de 6 a 7 mL.kg-1, PEEP
para o pulmão dependente, manobras de recrutamento frequentes e administração limitada de fluidos2.
Após o início da VMP, dependendo da patologia do pulmão e da intensidade da vasoconstrição pulmo-
nar hipóxica, a PaO2 pode continuar a diminuir por até 45 minutos. O monitoramento frequente dos gases
sanguíneos arteriais e a utilização de um oxímetro de pulso continuam durante todo o período operatório.
É também essencial trabalhar estreitamente com o cirurgião no caso de necessidade de reinsuflação do
pulmão. Se ocorrer hipoxemia durante a VMP, a posição do TDL deve ser verificada novamente por meio
de um broncoscópio de fibra óptica. Se o pulmão dependente não estiver gravemente acometido, uma

Ponto 41 - Anestesia para Cirurgia Torácica | 897


PaO2 satisfatória na ventilação bipulmonar provavelmente não diminuirá ao ponto de atingir um nível pe-
rigosamente hipóxico na VMP. Se for realizada uma toracostomia esquerda com um TDL direito, deve-se
garantir ventilação para o lobo superior direito. Uma vez que a posição do tubo tenha sido confirmada
como correta, deve-se aplicar a CPAP10 no pulmão não dependente depois de um VC que expanda o pul-
mão. Na maioria dos casos, a PaO2 aumenta até um nível seguro. Durante a toracoscopia, a aplicação da
CPAP geralmente não é possível, pois atrapalha o cirurgião. Isso acontece especialmente durante proce-
dimentos de cirurgia toracoscópica videoassistida (CTVA). Nesse caso, pode-se tentar uma PEEP para o
pulmão ventilado.
Tabela 41.2 – Abordagem clínica em relação ao controle da ventilação monopulmonar (VMP)

No caso muito raro, em que a PaO2 permanece baixa apesar dessas manobras, é possível instituir a
ventilação bipulmonar intermitente com a cooperação do cirurgião. Além disso, dependendo do estágio
da dissecção cirúrgica, se estiver sendo realizada uma pneumonectomia, a ligação da artéria pulmonar
elimina o shunt.
Durante a VMP, a pressão de pico das vias aéreas; o VC real aplicado (medido por um espirômetro); o
formato do capnograma e, se disponível, o circuito pressão-volume devem ser verificados continuamente.
Um aumento súbito da pressão de pico das vias aéreas pode ser causado pelo deslocamento do tubo por
causa da manipulação cirúrgica, o que prejudica a ventilação. Além disso, a capacidade de auscultar com
um estetoscópio sobre o pulmão dependente é extremamente importante.
Se surgirem dúvidas sobre a estabilidade do paciente ou se o paciente ficar hipotenso, cianótico ou
taquicárdico, deve-se reiniciar a ventilação bipulmonar até que o problema seja resolvido. Por causa da
manipulação pericárdica (principalmente, durante a toracostomia esquerda) e a compressão sobre os
grandes vasos, disritmias cardíacas e hipotensão não são raras. Medicamentos cardiotônicos devem ser
preparados e disponibilizados para uso durante qualquer procedimento cirúrgico torácico. A maioria dos
procedimentos cirúrgicos torácicos representa somente indicações relativas para VMP, e os benefícios da
VMP devem sempre ser ponderados com base nos riscos para o paciente.

41.5. ANESTESIA PARA PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS SOBRE OS PULMÕES, OS


BRÔNQUIOS E A TRAQUEIA E TORACOSCOPIA
O manejo anestésico dos pacientes submetidos a cirurgia torácica é um grande desafio para a equipe
de saúde. Depende da boa relação e comunicação entre os profissionais envolvidos com o procedimento
(cirurgiões e anestesiologistas). As técnicas cirúrgicas se desenvolveram a partir da ventilação intratra-
queal e com a utilização de dispositivos que passaram a permitir a ventilação monopulmonar.
898 | Bases do Ensino da Anestesiologia
É importante lembrar que todo paciente submetido a cirurgia torácica deve ter controle rigoroso sobre
o manejo de fluidos; a analgesia pós-operatória e o controle do broncoespasmo, da temperatura corporal
e das doenças associadas.
O desenvolvimento da cirurgia videoassistida amentou o número de procedimentos diagnóstico e tera-
pêuticos no tórax. É possível a realização de toracoscopias; mediatinoscopias e pleuroscopias, associadas
ou não a drenagem pleural, drenagem de empiemas, pleurodese, lobectomias e segmentectomias pulmo-
nares, bulectomia e decortificação pulmonar entre outros.
A- Cirurgias Pulmonares
Existe uma ampla gama de cirurgias pulmonares, e elas podem exigir diferentes posicionamentos, con-
forme o acesso cirúrgico, e isso implica diretamente o tipo de anestesia e analgesia. A Tabela 41.3 informa
essas características.
Tabela 41.3 – Incisões cirúrgicas para cirurgias do tórax e suas vantagens e desvantagens

Tipo de incisão Vantagens Desvantagens


Toracotomia posterolateral Excelente exposição do hemitórax a ser Dor pós-operatória, com ou sem
operado disfunção respiratória
Toracotomia lateral com Menor dor pós-operatória Maior incidência de seroma nas feridas
preservação muscular
Toracotomia anterolateral Melhor acesso para laparotomia, Acesso limitado ao tórax posterior
reanimação cardíaca ou toracotomia
contralateral, especialmente em trauma
Toracotomia axilar Menor dor pós-operatória, acesso Exposição limitada
adequado para ressecção da primeira
costela, para simpatectomia,
bulectomias apicais
Esternotomia Menor dor pós-operatória Menor exposição de lobo inferior
Acesso bilateral esquerdo e estruturas torácicas
posteriores
Toracotomia transesternal Melhor exposição para transplante Dor pós-operatória e disfunção da caixa
bilateral pulmonar bilateral torácica
Toracostomia videoassistida Menor dor pós-operatória Dificuldade técnica com tumores
ou cirurgia robótica Menor disfunção respiratória centrais e adesões a caixa torácica
Adaptado de Miller’s Anesthesia, 8ª edição, p. 1980.

a) Cirurgia toracoscópica minimamente invasiva


Técnicas minimamente invasivas estão em uso há cerca de 25 anos. São os procedimentos de primeira
linha em biopsias pulmonares – pleurectomias; simpatectomias e uma série de procedimentos diagnósticos
e terapêuticos. Podem ser utilizadas, ainda, para ressecções de segmentos pulmonares e lobectomias, já
que podem oferecer resultados superiores quando comparado com técnicas abertas em pacientes com
baixa reserva pulmonar45. As toracoscopias minimamente invasivas possuem as seguintes vantagens: redu-
zem o tempo de internação hospitalar; diminuem o sangramento; causam menos dor pós-operatória; pos-
suem menor disfunção respiratória e menor resposta inflamatória46. Esses procedimentos habitualmente
são realizados em decúbito lateral, com o pulmão a ser operado para cima. São feitos em média três a
cinco portais de até 5 cm cada um. Uma grande vantagem é que não há afastamento das costelas, o que
diminui a lesão dos músculos intercostais e, assim, preserva a função respiratória acessória e causa menor
dor pós-operatória.
Na última década, vêm ganhado espaço as cirurgias robóticas, que permitem melhor percepção do mo-
vimento respiratório pelo cirurgião, por causa da imagem tridimensional, em comparação com a imagem
bidimensional das cirurgias videoassistidas comuns. Existem algumas considerações especiais ao manejo
anestésico em cirurgias robóticas: 1) há um potencial risco de prolongamento da cirurgia, com perigo de

Ponto 41 - Anestesia para Cirurgia Torácica | 899


lesões de nervos periféricos pelo posicionamento; 2) a insuflação intratorácica de CO2 pode levar a altera-
ções do retorno venoso e débito cardíaco; 3) dificuldade de acesso ao paciente quando o robô está insta-
lado no paciente e impossibilidade de mover a mesa cirúrgica; 4) deve se ter um protocolo para a retirada
do robô em menos de 60 segundos, em caso de emergências como paradas cárdicas47.

Técnica anestésica
As cirurgias toracoscópicas devem respeitar a monitorização convencional, o acesso venoso central e a
monitorização invasiva da pressão arterial, que devem ser instalados conforme a necessidade do paciente
ou o porte cirúrgico. Procedimentos diagnósticos podem ser realizados com o paciente acordado através
de bloqueio dos nervos intercostais. Essa técnica causa mínima alteração na PaCO2 e no ritmo cardíaco
quando o paciente respira espontaneamente. O oxigênio deve ser ofertado pela máscara facial.
Procedimentos terapêuticos devem ser realizados com anestesia geral, associada ou não a bloqueios
locais ou regionais. Podem ser feitos com ventilação em ambos os pulmões ou com isolamento pulmonar,
conforme a necessidade da cirurgia48. É importante que o anestesiologista esteja atento para o risco de
lesões acidentais de grandes estruturas vasculares (artéria aorta, veia cava, e artéria e veias pulmonares),
com risco de choque hemorrágico e toracotomia de emergência.
b) Lobectomia
A lobectomia pode ser realizada por toracotomia ou toracoscopia. É o padrão ouro para o tratamento
de câncer de pulmão, porque apresenta menor incidência de recidiva quando comparada com ressecções
menores49. Dependendo da extensão da lesão, pode ser convertida em pneumectomia ou bilobectomia.

Técnica anestésica
Adequada analgesia pode ser obtida por bloqueio peridural ou paravertebral. A realização de correta
analgesia permite melhor controle respiratório do paciente e menor risco de complicações pulmonares.
É recomendada a utilização de ropivacaína por causa do menor bloqueio motor e, com isso, menor dis-
função da musculatura respiratória acessória. Pacientes submetidos a toracotomias abertas ou cirurgias
videoassistidas de maior porte devem ter acesso arterial para controle hemodinâmico fino e fácil coleta
de sangue arterial para gasometrias seriadas. Deve se obter acesso venoso periférico calibroso para rá-
pida infusão de fluidos ou sangue. Durante a cirurgia, é importante manter o paciente normotérmico e
com valores aceitáveis de PaCO2, SpO2, principalmente na ventilação monopulmonar. Pacientes estáveis e
com boa função pulmonar predita no pós-operatório podem ser extubados na sala de cirurgia, desde que
estejam aquecidos, acordados e com adequada analgesia.
Existem, ainda, as lobectomias em Sleeve ou em manga, nas quais há comprometimento brônquico,
principalmente por tumores carcinoides seguidas por acometimentos endobrônquicos, como metástases
ou tumores da árvore respiratória. Trata-se de uma ressecção segmentar de um brônquio pulmonar com
seu respectivo parênquima e, em seguida, anastomose dos cotos brônquicos (Figura 41.17). Para esse tipo
de cirurgia, é necessária ventilação endobrônquica ou tubo de dupla luz com isolamento contralateral50.

Figura 41.17 – Lobectomia em manga (Sleeve) com ressecção brônquica segmentar e anastomose entre os
cotos brônquicos

900 | Bases do Ensino da Anestesiologia


c) Pneumectomias
A pneumectomia é o último recurso em ressecções pulmonares. Deve ser realizada quando as técnicas
mais conservadoras não são capazes de eliminar a doença. É associada a maior mortalidade, 5% a 13% nos
primeiros 30 dias após a cirurgia e risco de complicações cardíacas, principalmente, o aumento agudo da
resistência vascular pulmonar51.

Técnica anestésica
A pneumectomia é associada a maior taxa de complicações pós-cirúrgica e, para isso, um bom controle
pré-operatório e peroperatório ajuda a diminuir essa taxa. Ansiólise antes da entrada na sala de cirur-
gia aumenta o conforto do paciente e diminui a descarga simpática pelo estresse. É necessária obtenção
de acesso periférico calibroso, acesso venoso central e punção de artéria radial para medida invasiva da
pressão arterial e coleta seriada de amostras de sangue para gasometria. Habitualmente, as ressecções
pulmonares são feitas por toracotomia com incisão posterolateral e, por isso, adequada analgesia é impor-
tante. As técnicas mais utilizadas são a peridural contínua ou o bloqueio paravertebral.
O espaço deixado pela extração pulmonar pode represar ar e, assim, alterar a anatomia do mediasti-
no, desviando a traqueia e os vasos da base, levando a alterações respiratórias e pressóricas. Ainda não
existe consenso entre os cirurgiões a respeito do que fazer com o espaço pós-pneumectomia, alguns co-
locam drenos em selo d’água ou cateteres para drenagem temporária ou para adicionar ou remover ar
para correto “balanço mediastinal” e outros preferem não drenar. Ao término da cirurgia, é obrigatória a
realização de raios x de tórax para verificar as alterações do mediastino52.
A ressecção pulmonar leva à perda aguda de cerca de 50% do leito vascular pulmonar. O que gera maior
resistência ao ventrículo direito. Esse efeito pode precipitar arritmias, como fibrilações atriais, e até mes-
mo insuficiência ventricular direita aguda.
A cirurgia pode ser realizada com tubos de duplo lúmen, bloqueadores brônquicos e até mesmo tubos
traqueais simples, conforme a exigência cirúrgica e o material disponível.
Um dos desafios para o anestesiologista nas cirurgias de ressecção pulmonar é a administração restritiva de
fluidos que permita redução de edema pulmonar ao mesmo tempo que possibilite adequada função renal53.
Para isso, se sugere um protocolo de hidratação para as cirurgias de ressecção pulmonar (Quadro 41.1).
Quadro 41.1 – Controle de fluidos para ressecções pulmonares

• O balanço hídrico total positivo nas primeiras 24 horas não deve exceder 20 mL.kg-1.
• O volume de cristaloide, em média, no adulto não deve exceder 3 L nas primeiras 24 horas.
• Não é necessário manter um débito urinário maior que 0,5 mL.kg-1.h-1.
• Se houver necessidade de aumentar a perfusão tissular, deve-se optar pelo uso de fármacos vasoativos no
lugar de sobrecarga hídrica.

Diversos estudos apontaram para pior resultado em pacientes que receberam hidratação superior a 3
L por dia por causa de maior edema pulmonar.
Técnicas de ventilação também são importantes nessa população. Diversos autores demonstraram que
volumes correntes menores que 6 mL.Kg-1 são adequados para correta troca gasosa e diminuem o número
de citocinas inflamatórias. Durante a ventilação monopulmonar, um volume de 5 mL.kg-1 de peso corporal
ideal com limite de pressão de pico < 35 cmH2O é adequado para o paciente.

Pneumectomia extrapleural
Opção para paciente com mesotelioma pleural maligno. Deve ser realizada radioterapia no pós-opera-
tório. Consiste numa ressecção pulmonar extensa, incluindo a retirada dos gânglios linfáticos, pericárdio,
diafragma, pleural e gradil costal. É importante que o anestesiologista esteja atendo para o potencial ris-
co de perda sanguínea em razão de grandes ressecções e acometimentos dos diversos vasos intercostais.
d) Cirurgia na traqueia
As principais causas de cirurgia sobre as traqueias são tumores, traumas e causas iatrogênicas (hipe-
rinsuflação do cuff, lesões durante a laringoscopia)54. A maioria das cirurgias é feita com ressecção seg-
Ponto 41 - Anestesia para Cirurgia Torácica | 901
mentar e anastomose primária. Há também a opção de realizar tal procedimento por meio de ressecções
segmentares e anastomoses com próteses (Figura 41.18).

Figura 41.18 – (A) Traqueia normal. (B) Ressecção segmentar da traqueia com anastomose primária. (C) Res-
secção segmentar da traqueia e anastomose com material protético

Técnica anestésica
Cirurgias de traqueia são desafiadoras e exigem muito cuidado e atenção da equipe médica. É impor-
tante boa comunicação entre os profissionais, a fim de minimizar os riscos. A intubação traqueal deve ser
bem estudada e individualizada para cada paciente e realizada somente após adequada pré-oxigenação.
Diferentes graus de obstrução e tipos de patologia requerem cuidados especiais. Muitos desses casos po-
dem necessitar de intubação acordada para evitar colapso das vias aéreas. Em todos os casos, a broncos-
copia rígida deve estar disponível desse houver falha de intubação ou ventilação, já que o broncoscópio
rígido pode passar a obstrução e fornecer um canal de ventilação pulmonar55.
A monitorização deve constar do padrão, associada a uma medida invasiva da pressão arterial que
permita também coletas seriadas de amostras de sangue para a análise de gases. Existe uma série de
métodos de ventilação nessas cirurgias que permite adequada oxigenação e eliminação de CO2, confor-
me o tipo e a localização da lesão. Pode-se utilizar a intubação orotraqueal padrão. O cirurgião pode
receber um tubo estéril e utilizá-lo para ventilação pulmonar numa incisão traqueal ou bronquial reali-
zadas distal à estenose; ventilação a jato de alta frequência abaixo da lesão55; e até mesmo a utilização
de circulação extracorpórea.
Durante a cirurgia, o cirurgião pode necessitar de um circuito ventilatório estéril para manusear a
ventilação abaixo da estenose. Já que, durante o período de ressecção e sutura traqueal, a ventilação é
ofertada pela traqueia aberta. Isso é feito para a sutura da parede posterior traqueal; durante a sutura
anterior, o tubo é introduzido distal à lesão, o que permite a ventilação pulmonar ou monopulmonar e a
sutura da parede anterior sem fuga aérea pela incisão (Figura 41.19).

Figura 41.19 – Controle da via aérea em cirurgias de traqueia. (A) Traqueia com lesão. (B) Intubação inicial pro-
ximal à lesão. (C) Intubação traqueal distal à lesão pela incisão cirúrgica. (D) Sutura da parede posterior da
traqueia. (E) Remoção do tubo traqueal distal e avanço do tubo traqueal proximal a uma posição distal à linha
de sutura anterior

Ao término da cirurgia, o paciente deve manter a cabeça em flexão para evitar sua extensão e conse-
quente tensão da sutura traqueal. Para isso, alguns cirurgiões realizam a sutura da pele do mento à pele
do manúbrio external. Essa manobra limita a extensão, porém, já foi associada a tetraplegia por flexão

902 | Bases do Ensino da Anestesiologia


acentuada. Se o paciente necessitar de reintubação no pós-operatório, esta deve ser realizada sob bron-
cofibroscopia flexível e, se possível, o balote deve ser insuflado distal à anatomose54.

41.6. COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS: PREVENÇÃO E TRATAMENTO


Uma série de complicações potencialmente graves podem ocorrer no pós-operatório de cirurgias do
tórax. Preveni-las diminui a morbimortalidade dos pacientes. Podem ocorrer: pneumotórax; hemotórax;
arritmias cardíacas; principalmente fibrilação atrial pelo aumento agudo da resistência vascular pulmonar
por ressecções parenquimatosas; deiscência de suturas bronquiais; torção do lobo remanescente; falha de
analgesia; falência respiratória e herniação cardíaca.
A falência respiratória é considerada a causa mais comum de morbidade e mortalidade em cirurgias de
grande porte. Chega a ocorrer em até 18% das vezes. Pode ser caracterizada pela manutenção da venti-
lação mecânica por mais de 24 horas após a cirurgia ou pela necessidade de reintubação por dificuldade
respiratória. Laboratorialmente é considerada quando há hipoxemia aguda (SpO2 < 60 mmHg) ou hipercap-
nia (PaCO2 > 45 mmHg). Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de falência respiratória são
idade, extensão da ressecção pulmonar e doença arterial coronariana. Além disso, falha no isolamento
pulmonar durante a cirurgia pode contribuir para a contaminação do pulmão contralateral em caso de
drenagens de abscessos e a intubação prolongada aumenta o risco de pneumonia nosocomial e, conse-
quentemente, insuficiência respiratória56.
O uso de adequada analgesia no pós-operatório, principalmente com a manutenção do cateter
peridural, diminui o risco de complicações pulmonares57. Devem-se prevenir atelectasia e infecções
secundárias. A fisioterapia é de grande importância: realizar deambulação precoce e exercícios de
espirometria vão melhorar o desempenho pulmonar e reduzir as complicações respiratória e a per-
manência hospitalar.
Outra complicação rara, porém fatal, se não for rapidamente identificada e tratada é a herniação car-
díaca. Geralmente, ocorre após pneumectomias em que o pericárdio não foi corretamente fechado ou por
ruptura da sutura. É associada à obstrução do retorno venoso ao coração por torção dos grandes vasos;
aumento da pressão venosa central; taquicardia e hipotensão arterial grave. O tratamento é realizado
com cirurgia de emergência após excluir os diagnósticos diferenciais: tromboembolismo pulmonar; pneu-
motórax hipertensivo (considerar falha nos drenos); tamponamento cardíaca e hemotórax importante. A
cirurgia visa recolocar o coração em posição anatômica e corrigir o pericárdio58,59.

41.7. ANESTESIA PARA MEDIASTINOSCOPIA


A mediatinoscopia é o procedimento diagnóstico que possibilita o estudo anatômico de massas me-
diastinais e estadiamento de carcinomas pulmonares por avaliação dos linfonodos, além de permitir
coleta de material para estudo anatomopatológico60. Comumente é realizada através de uma pequena
incisão cervical transversa (3 cm) imediatamente acima da fúrcula esternal. Outra via de acesso é a
paraesternal ou mediastinoscopia anterior, feita através de pequena incisão entre a segunda e terceira
cartilagens intercostais.
Apesar de rara, a complicação mais temida da mediastinoscopia é o sangramento, que pode ser maci-
ço por lesões dos grandes vasos do coração. Geralmente, é necessária toracotomia de emergência para
controle do sangramento, e o anestesiologista deve estar preparado para manter o controle hemodinâ-
mico e ventilatório desse paciente. Também são complicações do procedimento: obstrução de via aérea;
quilotórax por lesão do ducto torácico; pneumotórax; lesão do nervo laríngeo recorrente e consequente
rouquidão; lesão do nervo frênico; compressão do tronco braquiocefálico; lesão esofágica e embolismo
aéreo. A morbidade desse procedimento é de 2% a 8%61.
Manejo Anestésico
A avaliação pré-anestésica deve conter raios x e tomografia computadorizada de tórax para avaliação
e localização de possíveis massas mediastinais. Na maioria dos pacientes, a anestesia geral com tubo
simples é realizada. Em casos de grave comprometimento da via aérea, como obstruções, que ofereçam
risco durante a indução da anestesia, pode-se realizar a mediatinoscopia cervical com anestesia local61.
No entanto, qualquer movimento inesperado ou tosse pode gerar complicações cirúrgicas.

Ponto 41 - Anestesia para Cirurgia Torácica | 903


Durante a cirurgia, é recomendado que o oxímetro de pulso, ou a medida invasiva da pressão arterial
(artéria radial), esteja do lado direito do paciente para identificar compressões inadvertidas do tronco
braquiocefálico pelo mediastinoscópio. Se isso ocorrer, haverá queda da pressão de pulso no oxímetro ou
na artéria radial. O tronco braquiocefálico (artéria inominada) fornece sangue para o membro superior
direito e o cérebro, pois se divide em artéria carótida comum e artéria subclávia direita. E caso o pacien-
te tenha alguma alteração anatômica do polígono de Willis ou da placa de ateroma na carótida esquerda,
pode ocorrer prejuízo na perfusão cerebral com risco de isquemia. Deve-se realizar também a medida
não invasiva da pressão arterial no membro superior esquerdo para verificar o correto valor, caso exista
compressão do tronco braquiocefálico.
O risco maior durante a mediastinoscopia é o sangramento. Caso exista lesão de grandes vasos, pode
ser necessária a esternotomia ou toracotomia de emergência. O anestesiologista deve estar preparado
para a intubação monopulmonar ou colocação de bloqueador brônquico para facilitar o acesso cirúrgico.
Um cateter venoso de grosso calibre deve ser prontamente inserido nos membros inferiores. Porque, se
ocorrer lesão da veia cava superior, os fármacos e fluidos infundidos nos membros superiores não vão al-
cançar o coração.
O pneumotórax é uma complicação rara e geralmente é percebida quando ocorre alteração dos parâ-
metros ventilatórios, hipotensão e queda da SpO2. Seu tratamento consiste em drenagem pleural.

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Ponto 41 - Anestesia para Cirurgia Torácica | 905


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906 | Bases do Ensino da Anestesiologia


ME3
PONTO 42

Anestesia e Sistema
Cardiovascular
Maria José Carvalho Carmona
Professora livre-docente associada da disciplina de
anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP);
Diretora da Divisão de Anestesia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Chiara Scaglioni Tessmer Gatto


Médica assistente do Serviço de Anestesiologia do Instituto do
Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Anestesia e Sistema Cardiovascular
42.1. Anestesia no cardiopata para cirurgia não cardíaca
42.2. Anestesia para cirurgia cardíaca
42.3. Anestesia para cardioversão elétrica
42.4. Anestesia no laboratório de hemodinâmica
42.5. Anestesia para cirurgia vascular
42.6. Proteção miocárdica

INTRODUÇÃO
Além dos efeitos cardiovasculares da maioria dos fármacos anestésicos, as alterações relacionadas à
idade ou à presença de cardiopatias impõem cuidados relacionados à proteção orgânica perioperatória.
A anestesia para o cardiopata submetido a cirurgia não cardíaca ou para a cirurgia cardíaca permanece
como os procedimentos mais desafiadores dentro da anestesiologia. O domínio de uma técnica adequada,
bem como o conhecimento abrangente de todo o conjunto anestésico-cirúrgico, desencadeia um melhor
manejo perioperatório de um paciente potencialmente crítico.
Objetiva-se aqui uma revisão atualizada e sucinta dos principais tópicos relacionados à anestesia e ao
sistema cardiovascular, além das orientações dos principais guidelines associados à prática diária.
Uma adequada avaliação pré-operatória se faz necessária, pois por meio desta visa-se a reduzir a mor-
bimortalidade no período perioperatório, minimizar gastos com testes e exames pré-operatórios e avaliar
quem realmente precisa destes testes adicionais para estratificação.

ANESTESIA NO PACIENTE CARDIOPATA


Monitorização Intraoperatória
Pela complexidade do procedimento e/ou do paciente, se faz necessária uma monitorização completa
e invasiva. Tão importante quanto saber indicar uma adequada monitorização é, no entanto, saber inter-
pretá-la. Viés ou “bias” são caracteres frequentes na monitorização invasiva de pacientes graves, sobretu-
do quando se trata dos cateteres de artéria pulmonar1. A seguir serão listados os principais instrumentos
usados neste contexto com suas possíveis interpretações, além dos mais atuais biomarcadores que são
utilizados também como instrumentos de monitorização.
ECG – a eletrocardiografia contínua nos fornece informações quanto ao ritmo, presença de isquemia
e sobre possíveis alterações hidroeletrolíticas. A isquemia limitada ao miocárdio, secundária à coronario-
patia, requer análise das ondas do ECG, sendo a derivação V5 bastante sensível para esse fim. Se forem
utilizadas três derivações simultâneas (D2, V4, V5), a sensibilidade do método pode ser de até 96%.
Pressão Arterial Invasiva – sua indicação baseia-se no fato de que alterações bruscas da pressão arte-
rial ocorrem durante a manipulação cirúrgica devido à perda volêmica e também devido à necessidade de
coleta de gasometrias seriadas. O transdutor de pressão arterial deve ser colocado na altura adequada em
relação à posição do paciente (linha axilar média no paciente em decúbito dorsal horizontal).
Variação da pressão arterial sistólica sob ventilação controlada – esta variação se deve à diferença
existente entre a pressão arterial máxima e a pressão arterial mínima registradas durante um ciclo respi-
ratório sob ventilação controlada. Um breve período de 10 segundos de apneia durante a fase expiratória,
sem desconexão do ventilador, permite observar a variação da pressão arterial sistólica e definir o nível
de referência da pressão arterial. A partir desse nível, é possível individualizar um componente de varia-
ção negativa (D Down), variação expressa em mmHg que existe entre a PAS mínima e o nível de pressão
arterial de referência obtido durante a apneia. Esse sistema de monitorização entre os habituais permite
o cálculo automático da variação da pressão sistólica. O congelamento da imagem permite visualizar e
quantificar a variação da pressão sistólica. Esta variação por meio de seu componente inferior constitui
um método que se correlaciona com a magnitude da hipovolemia. Quando há uma perda volêmica de
aproximadamente de 1000 ml, 80% dos pacientes mostram variação de pressão sistólica superior a 12

908 | Bases do Ensino da Anestesiologia


mmHg, um provável valor-limite para indicar pacientes que são responsivos a volume. Esse método não se
aplica para pacientes com diminuição da complacência pulmonar e com complacência torácica elevada
(edema pulmonar e tórax aberto, respectivamente)2.
Temperatura – os dispositivos eletroeletrônicos são os mais indicados para a sua avaliação. A tem-
peratura esofágica é a mais comumente monitorizada durante a cirurgia cardíaca em adultos. Neste, o
sensor térmico deve atingir o mediastino inferior, entre o coração e a aorta descendente. Neste local,
é captada a temperatura do sangue no nível central quando o tórax não está aberto. Atualmente, se
tem utilizado na prática clínica a monitorização do gradiente de temperatura. Esse método baseia-se
no fato de que a vasoconstrição cutânea é um sinal precoce de hipoperfusão. A medida do gradiente
de temperatura consiste na aferição da temperatura em dois pontos distintos: um periférico (por exem-
plo,dedos dos pés) e um central (por exemplo, esofagiano). Visto que a vasoconstrição da pele reduz o
metabolismo periférico, a diferença entre as temperaturas central e da pele pode aumentar. Um gra-
diente de temperatura central para periférica tem sido usado para diagnosticar e tratar pacientes com
anormalidades do fluxo sanguíneo global. Valores maiores que 7ºC podem ser indicativos de hipoperfu-
são. Esse método tem valor limitado em pacientes portadores de doença arterial periférica, estado de
hipotermia e choque com vasodilatação3-6.
Monitorização com uso de cateter venoso central – além da monitorização da PVC, a canulação ve-
nosa central pode estar indicada em diversas outras circunstâncias, como para a administração de fluidos
e fármacos vasoativos. Numerosas vias e técnicas são descritas para canulação venosa central. Os acessos
mais frequentes são a veia jugular interna (preferencialmente a direita), veia subclávia, veia femoral. Em
pacientes com função cardíaca normal, a pressão venosa central reflete o equilíbrio entre o volume san-
guíneo, a capacitância venosa e a função cardíaca direita e, indiretamente, a função ventricular esquerda.
Em pacientes com cardiopatia ou disfunção ventricular esquerda, a avaliação da PVC deixa de ser uma boa
variável para avaliação da volemia e da função ventricular. Impõe-se muitas vezes, então, a monitorização
com cateter de artéria pulmonar – CAP (cateter de Swan Ganz).
A monitorização com o CAP, embora considerada um método seguro quando utilizado em pacientes graves,
devido à baixa incidência de complicações, deve ser evitada em pacientes estáveis com baixo risco de mortali-
dade, nos quais a terapia empírica não implique maiores riscos. Neste caso, os riscos do método podem superar
os eventuais benefícios. Uma metanálise investigou os resultados de 21 estudos com o uso do CAP e metas te-
rapêuticas normais e supranormais. Não foi demonstrado efeito na sobrevida, com a abordagem de otimização
hemodinâmica para valores normais ou supranormais, nos grupos com pacientes cirúrgicos de baixo risco7-10.
Diurese – a diurese é determinada pela taxa de filtração glomerular e pela taxa de reabsorção tubular.
Normalmente, 98% a 99% do líquido filtrado são reabsorvidos antes que se forme a urina final. O débito
urinário mínimo compatível com a taxa de filtração glomerular normal é determinado pela eficiência do
mecanismo de concentração e da carga osmolar presente para excreção. A manutenção de um débito
urinário acima de 0,5mL.kg-1.h-1 é prática comum, no entanto não existe evidência científica que supor-
te esse objetivo. A insuficiência renal aguda após circulação extracorpórea (CEC) ocorre entre 1% a 15%
e está associada com mortalidade de 19%. A incidência de IRA após revascularização do miocárdio com
CEC que necessita de diálise é menor que 2%, com mortalidade entre 23% e 88%. A ocorrência de disfun-
ção renal subclínica foi descrita e a preocupação existe em relação a possível capacidade do rim afetado
subclinicamente ser submetido a nova lesão. A lesão renal pela CEC é multifatorial, ocorre lesão por is-
quemia-reperfusão, presença de fluxo não pulsátil, micro e macroembolização renal, lesão por liberação
traumática de hemoglobina e mioglobina na presença de isquemia muscular e rabdomiólise. A CEC impõe
uma redução de 25% a 75% do fluxo sanguíneo renal e aumento da resistência vascular sistêmica.
A cirurgia de aorta é marcada por instabilidade hemodinâmica resultando em hipotensão e hipoper-
fusão renal decorrente da manipulação aórtica. A redução do fluxo sanguíneo renal após o pinçamento
perdura por 48 horas, sendo a redução de 39% menor da observada no pinçamento infrarrenal. A reperfu-
são após a liberação da pinça potencializa a lesão isquêmica renal. Quanto mais alto o pinçamento, mais
vísceras estarão submetidas à lesão isquêmica e mais intensa é a resposta inflamatória com liberação de
citocinas, potenciais causadoras de vasoconstrição e trombose da microvasculatura renal11.
Ecocardiografia Transesofágica: Múltiplos estudos têm demonstrado a efetividade da ecocardiogra-
fia transesofágica (ETE) nas cirurgias cardíacas. A ETE demonstra novas informações de 13% a 45% dos
Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 909
casos monitorizados, e modifica o tratamento proposto de 10% a 52% dos casos, particularmente para
guiar a reposição volêmica e no ajuste de fármacos vasoativos, bem como influencia efetivamente na
decisão cirúrgica12,13.
Conforme o consenso de 2011 da American Society of Anesthesiologists e da Society of Cardiovascular
Anesthesiologists, o uso intraoperatório da ETE tem indicação em todos os pacientes submetidos à cirur-
gia com o coração aberto. Isso inclui toda cirurgia cardíaca valvar, toda cirurgia de aorta torácica e as
cirurgias baseadas em cateter com o implante percutâneo da valva aórtica14.
A ETE intraoperatória tem como objetivo14:
• confirmar e refinar o diagnóstico pré-operatório;
• detectar novas patologias não diagnósticas nos exames pré-operatórios;
• guiar o manejo hemodinâmico e anestésico;
• avaliar o resultado final da cirurgia;
• guiar canulações e acompanhar a administração da cardioplegia na cirurgia minimamente invasiva
e/ou robótica;
• Avaliação da reação cardíaca antes da abertura da pinça da aorta.
A ETE possui contraindicações que devem ser respeitadas para que não ocorram efeitos adversos inde-
sejados pelo seu uso.
As contraindicações da ETE são as seguintes15:
• Absolutas:
• perfuração de vísceras;
• estenose de esôfago;
• tumor de esôfago;
• perfuração e/ou laceração de esôfago;
• divertículo de esôfago;
• sangramento ativo de trato gastrointestinal alto.
• Relativas:
• história de radiação do pescoço e/ou mediastino;
• história de cirurgia gastrointestinal;
• sangramento recente de trato gastrointestinal alto;
• esôfago de Barrett;
• história de disfagia;
• restrição da movimentação do pescoço;
• hérnia de hiato sintomática;
• varizes de esôfago;
• coagulopatia e/ou plaquetopenia;
• esofagite ativa;
• úlcera péptica ativa.
Durante o intraoperatório de uma cirurgia cardíaca, deve ser realizado um estudo ecocardiográfico
global antes da instalação da circulação extracorpórea (CEC) e após a CEC. Este exame compreende a
avaliação de, no mínimo, 20 cortes16 ecocardiográficos.
Saturação venosa mista de oxigênio e saturação venosa central de oxigênio – acredita-se que uma
SvcO2 > 70% ou SvO2 > 65% possa ser usada para guiar a reanimação de várias formas de choque. A satu-
ração venosa de oxigênio não deve ser usada como meta terapêutica em pacientes críticos fora da fase
aguda ou de reanimação hemodinâmica.
A hipóxia tecidual é mais bem definida como a presença de um desequilíbrio entre a demanda e a sua
oferta real. A saturação venosa de oxigênio representa equilíbrio entre a demanda (VO2) e a oferta de

910 | Bases do Ensino da Anestesiologia


oxigênio (DO2) no leito drenado. A saturação venosa mista de oxigênio (SvO2) representa esse desequilí-
brio em toda a circulação sistêmica. Tem sido demonstrado que a saturação venosa central de oxigênio
(SvcO2), obtida através de um acesso venoso central, é um bom substituto para a SvO2, revelando boa
correlação linear com ela e variando igualmente nos distúrbios de DO2.
À medida que a DO2 diminui, os tecidos mantêm o consumo de oxigênio para alcançar a sua demanda
por meio de uma maior extração de oxigênio (O2ER). Tanto um aumento na extração calculada quanto
uma diminuição na saturação venosa de oxigênio são os reflexos disso. Assim, uma diminuição da SvO2 é
um sinal precoce de desequilíbrio da oxigenação tecidual17,18.
Lactato sérico – este deve ser obtido no vaso arterial ou venoso misto porque avalia melhor a mistura
das regiões em sofrimento hipóxico. A acidose metabólica frequentemente surge em um paciente com
hipóxia tecidual e, em geral, a causa é a acidose láctica. Em condições de hipóxia tecidual, o piruvato
como produto final da glicólise anaeróbica não é utilizado no ciclo de Krebs e transforma-se em lactato
citosólico, que acaba por circular no plasma. O aumento do lactato plasmático por sua vez está associado
a elevada taxa de mortalidade, e com valor prognóstico equivalente ou superior a outras variáveis de oxi-
genação tecidual ou de disfunção orgânica. Em pacientes cirúrgicos estáveis ou instáveis hemodinamica-
mente, o lactato sérico avalia adequadamente o prognóstico destes pacientes, tanto quanto a incidência
de complicações ou mortalidade. Uma diminuição do lactato sérico de 5% ou uma depuração de 10% em 4
a 6 horas sugere que a evolução clínica é favorável19.

Indução e Manutenção Anestésica no Cardiopata


Não há consenso na literatura sobre os fármacos ideais para indução anestésica do paciente cardiopata,
porém é aceito de bom senso que os fármacos anestésicos usados sejam “cardioestáveis” e com menor
repercussão hemodinâmica possível.
Existe associação entre parada cardíaca e uso de altas doses de sufentanil em “bolus”, sobretudo em
pacientes betabloqueados e em pacientes candidatos a transplante cardíaco. A explicação deste fato se
deve à redução importante da frequência cardíaca e consequente queda do débito cardíaco com limitação
do fluxo de perfusão coronariano. Não estando definido, no entanto, na literatura, que o uso de sufentanil
seja uma contraindicação no contexto da anestesia para cirurgia cardíaca.
Entre os hipnóticos, destaca-se na indução o Etomidato por conta de suas propriedades farmacodinâ-
micas como indução rápida e estável. O Midazolan também pode ser usado tanto como indutor principal
ou como coadjuvante. O seu uso, no entanto, está mais associado com hipotensão quando associado com
opioides do que o uso do Etomidato isoladamente.
A cetamina não constitui fármaco de primeira escolha na indução do paciente cardiopata devido aos
seus efeitos taquicardizantes e aumento do consumo miocárdico de oxigênio. Esta droga por sua vez ganha
espaço na indução das cardiopatias congênitas cianóticas e em situações de choque com comprometimen-
to importante do débito cardíaco, como no tamponamento cardíaco agudo.
Não há contraindicações absolutas para a maioria dos relaxantes musculares. Evita-se usar relaxantes
musculares cuja principal metabolização seja renal em pacientes portadores de insuficiência renal, como
o pancurônio. Há na literatura associação de parada cardiorrespiratória entre o uso de altas doses de
opioides e o uso do vecurônio.

Fármacos Vasoativos
Os fármacos vasoativos devem ser utilizados como suporte hemodinâmico na presença de disfunção
ventricular com sinais clínicos e laboratoriais de hipoperfusão. O mecanismo de ação desses fármacos
ocorre por meio da ativação de receptores localizados nos tecidos, havendo vários subtipos. A maioria
desses agentes consiste em catecolaminas, e seus efeitos dependem da interação com receptores alfa e
beta-adrenérgico. De forma resumida, os receptores assumem as seguintes funções:
Alfa 1 receptor – aumenta a contratilidade e diminui a frequência cardíaca
Alfa 1 e alfa 2 receptores – promovem aumento nas resistências sistêmica e pulmonar;
Beta 1 receptor – promove aumento da contratilidade (inotropismo), a frequência cardíaca (cronotro-
pismo) e a condução (dromotropismo);

Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 911


Beta 2 receptores – promovem vasodilatação periférica e broncodilatação.
Vamos citar os principais fármacos vasoativos e vasodilatadores usados no contexto da cirurgia cardíaca.
Dobutamina – é uma amina simpaticomimética sintética que exerce potente efeito inotrópico estimulan-
do os receptores beta 1 e alfa 1 adrenérgicos do miocárdio. Em doses convencionais (5 a 20 µg.kg.-1min-1), a
dobutamina é menos taquicardizante que fármacos como a dopamina ou o isoproterenol.
Este fármaco aumenta o débito cardíaco e reduz a pressão capilar pulmonar e resistência vascular pe-
riférica. O efeito hemodinâmico benéfico da dobutamina e a falta de indução da liberação endógena de
norepinefrina minimizam seus efeitos sobre a demanda de oxigênio miocárdico e produzem um balanço
mais favorável entre a oferta e o consumo de oxigênio do que a norepinefrina e a dopamina. O efeito ino-
trópico positivo da dobutamina é ainda balanceado pelo aumento do fluxo sanguíneo coronariano.
Entre as suas indicações estão a sua utilização no tratamento de pacientes com congestão pulmo-
nar e baixo débito cardíaco, e em pacientes hipotensos com congestão pulmonar e disfunção ven-
tricular esquerda que não toleram vasodilatadores. O uso de dobutamina e a infusão de moderada
quantidade de volume são o tratamento de escolha para pacientes com infarto do ventrículo direito
com repercussão hemodinâmica.
Norepinefrina – é uma catecolamina endógena. Este fármaco é um potente agonista alfarreceptor com
efeitos mínimos sobre os receptores beta. Ela também é capaz de aumentar a contratilidade miocárdica
devido a um efeito beta 1 agonista, enquanto o seu potente efeito alfa-adrenérgico leva a uma vasocons-
trição arterial e venosa.
O efeito inotrópico positivo e vasopressor desta droga tem sido usado no tratamento do choque refra-
tário. Contudo, o aumento da resistência vascular induzida pela norepinefrina pode contrabalançar seu
efeito inotrópico, pois, ao aumentar a pressão arterial à custa do aumento da resistência vascular sistê-
mica, ela pode não melhorar ou até diminuir o débito cardíaco.
Em função do aumento da demanda de oxigênio miocárdico, a norepinefrina pode exacerbar a isquemia
miocárdica, especialmente se a vasoconstrição coronária for induzida pela estimulação de alfarreceptores
coronários e por conta disto deve ser usada com cautela em pacientes com isquemia miocárdica ou infarto.
A norepinefrina pode ainda induzir arritmias, especialmente em pacientes depletados de volume e em
pacientes com reserva miocárdica limitada. Está contraindicada quando a hipotensão é devida a hipovo-
lemia, exceto como medida provisória para manter a pressão de perfusão coronária e cerebral até que a
reposição de volume possa ser alcançada.
Esta droga deve ser infundida em acesso venoso central em infusões que podem variar de doses míni-
mas até doses mais altas que 2 µg.kg.-1min-1 em bomba de infusão para um melhor controle das doses e do
volume infundido. O uso da norepinefrina deve ser visto como um suporte hemodinâmico e sua adminis-
tração deve ser reduzida ou descontinuada assim que possível. A sua retirada deve ser gradual para evitar
abrupta e grave hipotensão.
Dopamina – também indicada para tratamento da hipotensão na ausência de hipovolemia. Baixas doses
(1 a 2 mcg.kg-1.min-1) estimulam os receptores dopaminérgicos a produzir vasodilatação cerebral, renal e
mesentérica, mas o tônus venoso é aumentado em decorrência da estimulação alfa-adrenérgica. Nas do-
ses de 3 a 10 µg.kg.-1min-1, a dopamina estimula receptores beta 1 e alfa-adrenérgicos. A estimulação beta
1 adrenérgica aumenta o débito cardíaco, que parcialmente antagoniza a vasoconstrição alfa-adrenérgica
mediada. Com doses acima de 10 µg.kg.-1min-1, os efeitos alfadrenérgicos da dopamina predominam, o que
resulta em vasoconstrição renal, mesentérica, arterial periférica e venosa com aumento expressivo da
resistência vascular sistêmica, resistência vascular pulmonar e consequente aumento da pré-carga. Doses
acima de 20 µg.kg.-1min-1 produzem efeitos hemodinâmicos similares aos da norepinefrina.
A dopamina aumenta o trabalho miocárdico sem aumentar compensatoriamente o fluxo coronariano. A
desproporção entre oferta e consumo de oxigênio pode resultar em isquemia miocárdica.
Está indicada para tratar hipotensão associada a vasoplegia ou em caso de hipotensão com bradicardia
sintomática ou depois do retorno da circulação espontânea. Deve ser modificada por norepinefrina se do-
ses maiores que 20 µg.kg.-1min-1 forem necessárias para manter pressão arterial.
Nitroprussiato de sódio – é um potente vasodilatador com ação na musculatura lisa tanto arterial
quanto venosa. Seus efeitos são quase que imediatos e cessam alguns minutos após a interrupção da
912 | Bases do Ensino da Anestesiologia
infusão. Ele é metabolizado pelas hemácias para ácido hidrociânico, o qual é convertido para tiocia-
nato pelo fígado e excretado pelos rins. Disfunção hepática ou renal pode alterar o “clearence” da
droga e de seus metabólitos potencialmente tóxicos, cianeto e tiocianato. É incomum intoxicação
por tiocianato devido ao Nitroprussiato, exceto quando são dadas grandes doses (maiores do que 3
mcg.kg-1.min-1), utilizadas infusões prolongadas (por mais de 2 a 3 dias) ou pacientes com insuficiên-
cia renal. Sinais de toxicidade incluem borramento de visão, alterações do estado mental, náuseas,
hiper-reflexia, convulsões.
O Nitroprussiato é usado no tratamento de emergências hipertensivas em insuficiência cardíaca con-
gestiva, e em quadros de congestão pulmonar. Ele diminui a pressão arterial por redução na resistência
vascular sistêmica e por aumento da capacitância venosa, reduzindo desta forma a pré-carga.
A preparação deste fármaco é feita comumente pela diluição de 50 mg ou 100 mg desta droga em 250
mL de solução fisiológica a 0,9% ou glicosada a 5%. A solução deve ser protegida da exposição à luz e por
isso deverá estar envolta em algum material opaco e deverá também ser administrada em bomba de in-
fusão para controle da dose e acidentes que podem causar grave hipotensão.
O tratamento pode começar com doses mínimas, ajustando-se a dose até obter o efeito clínico dese-
jado. A monitorização hemodinâmica é necessária para encontrar a dose adequada para o tratamento.
Nitroglicerina – relaxa a musculatura lisa vascular através da ligação a receptores específicos e levando
à formação de pontes de dissulfetos. Ela é eficaz no alívio da angina do peito. O alívio geralmente ocorre
dentro de 1 a 2 minutos, podendo levar até 10 minutos.
Nos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, a nitroglicerina reduz as pressões de enchimen-
to e a resistência vascular sistêmica. O declínio no volume ventricular e na tensão sistólica da parede
diminuem as necessidades miocárdicas de oxigênio e, geralmente, a isquemia miocárdica. O efeito é um
aumento do débito cardíaco.
O seu uso intravenoso em infusão contínua (200 a 400 µg) com taxa de infusão varia de 10 a 20 µg.min-1.
A infusão pode ser aumentada até alcançar o efeito clínico ou hemodinâmico desejado. A hipovolemia di-
minui os efeitos benéficos da nitroglicerina e aumenta o risco de hipotensão.
A cefaleia é consequência comum da terapia com nitroglicerina, porém outros efeitos colaterais podem
ocorrer como náuseas, tonturas, síncope principalmente quando associada à hipotensão.
A hipotensão pode ser um efeito colateral grave, pois causa hipoperfusão, particularmente no pacien-
te com obstruções arteriais e coronariopatas. A nitroglicerina também pode causar metemoglobinemia e
alteração na relação ventilação perfusão, podendo causar hipoxemia.
Isoproterenol – é uma amina simpaticomimética sintética com atividade receptora exclusiva be-
ta-adrenérgica. Suas potentes propriedades inotrópicas e cronotrópicas frequentemente resultam em
aumento do débito cardíaco a despeito da redução da pressão arterial média devido à vasodilatação
periférica. Este fármaco aumenta acentuadamente o consumo de oxigênio e pode induzir ou exacerbar
a isquemia miocárdica.
Atualmente, sua maior indicação é para pacientes com bradicardia em corações transplantados desner-
vados. Marca-passos promovem melhor controle que o isoproterenol, sem aumentar o consumo miocárdico
de oxigênio e o risco de taquiarritmias.
Milrinone – é um inibidor da fosfodiesterase III. Promove aumento do índice cardíaco e significativa re-
duções das pressões de enchimento ventriculares, da pressão e da resistência arterial sistêmica. Melhora
o relaxamento diastólico e diminui a tensão da parede ventricular esquerda, determinando aumento da
contração ventricular e da perfusão coronariana. Possui imediato início de ação, com duração de 3 a 6
horas. Liga-se a proteínas plasmáticas e apresenta excreção renal sob forma de droga não metabolizada.
A dose de ataque deve ser de 50 µg.kg-1 seguida de infusão contínua de 0,37 a 0,75 µg.kg.-1min-1.
Levosimendan – está recomendado em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva crônica agudi-
zada e grave disfunção ventricular. Trata-se de um agente sensibilizador do cálcio utilizado para tratamen-
to da ICC. Tem efeito inotrópico positivo baseado na ligação do fármaco à troponina cardíaca C mediada
pelo cálcio. Atua também abrindo os canais de potássio dependentes de ATP na musculatura lisa dos va-
sos, induzindo assim vasodilatação e reduzindo as pressões de enchimento. Aumenta o volume sistólico, a
frequência cardíaca e reduz a pressão de oclusão da artéria pulmonar.
Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 913
Anticoagulacão e Uso de Antifibrinolíticos
Estratégias farmacológicas, além de técnicas alternativas para reduzir sangramento e a necessidade de
transfusão de hemoderivados no período perioperatório da cirurgia cardíaca, têm sido bastante estudadas
na última década. Transfusão alogênica imputa, além do custo, riscos potenciais a curto e a longo prazo,
como reações de hipersensibilidade, reações anafiláticas, lesão pulmonar aguda, entre outras20.
Fármacos usados para reduzir sangramento relacionado com Circulação Extracorpórea (CEC) com-
plementam outras estratégias de conservação de sangue e são bem indicadas pré-empetivamente para
pacientes com maior chance de sangramento. Os benefícios destes fármacos hemostáticas, incluindo di-
minuição da exposição a hemoderivados e menor frequência de reoperação por sangramento, necessitam
ser contrabalanceados com os seus potenciais efeitos adversos, como oclusão dos enxertos venosos e con-
sequentes eventos isquêmicos21-24.
Os agentes antifibrinolíticos em uso corrente incluem a aprotinina (já retirada do mercado) e os análo-
gos sintéticos da lisina: ácido aminocaproico (EACA) e o ácido tranexâmico. Estes fármacos são indicados
em situações que hiperfibrinólise pode ser detectada ou suspeitada. Estão indicados na cirurgia cardíaca
em cirurgias com CEC, caso não haja contraindicação.
4.1. Ácido epsilon-aminocaproico: Trata-se de um inibidor competitivo do ativador do plasminogênio
e inibe a plasmina em menor extensão (em altas doses). Variados regimes de doses têm sido propostos em
pacientes submetidos à cirurgia. Em geral, a recomendação da dose é de 150 mg.kg-1 em “bolus” antes da
cirurgia, seguida pela infusão de 15 mg.kg-1 durante a operação25. O EACA é eliminado pelos rins por excre-
ção renal e apenas 35% é submetido a metabolismo hepático; A meia-vida de eliminação é de 1-2 horas26.
4.2. Ácido tranexâmico: Este antifibrinolítico também análogo da lisina é dez vezes mais potente que
o EACA e possui uma maior meia-vida e também tem mostrado redução de sangramento de 30-40% após
CEC27,28. Em uma recente metanálise de 12 trabalhos em pacientes submetidos a cirurgia com CEC, o tra-
tamento com o ácido tranexâmico foi associado com redução de perda sanguínea perioperatória e neces-
sidade de transfusão alogênica29.

Reposição Volêmica
A reposição volêmica intraoperatória deve incluir: reposição da perda hídrica no jejum avaliada em
2 mL.kg-1.h-1, perdas insensíveis com a respiração e vasodilatação cutânea estimadas em 4-6 mL.kg-1.h-1 e
a perda cirúrgica que varia de acordo com o seu porte. Em procedimentos cirúrgicos de pequeno porte,
considera-se perda de 4 a 6 ml.kg-1.h-1; de médio porte, perda de 6 a 10 mL.kg-1.h-1; e de grande porte,
perda de 10 a 15 mL.kg-1.h-1. O volume urinário deve ser considerado na reposição volêmica perioperató-
ria. A estimativa adequada do volume de perda hídrica é essencial na prevenção de hipovolemia intra e
pós-operatória. A hipovolemia impõe maior estresse reduzindo o suprimento de oxigênio renal11. O uso de
terapia guiada por metas, baseada em dados da monitorização, para orientar tanto a reposição volêmica
quanto o uso de fármacos vasoativos deve contribuir para minimizar a ocorrência tanto de má perfusão
tecidual quanto de hipervolemia e contribuir para melhor desfecho pós-operatório.

42.1. ANESTESIA NO CARDIOPATA PARA CIRURGIA NÃO CARDÍACA


A avaliação pré-operatória constitui uma importante ferramenta no planejamento anestésico de todos
os pacientes, sobretudo os mais enfermos. Quais exames exigir, necessidade ou não de monitorização in-
vasiva, quais pacientes necessitam de avaliação adicional de outro especialista e até mesmo o momento
mais adequado para suspensão da cirurgia são os questionamentos mais comuns.
Estratificação de risco do paciente: Ao se deparar com um paciente cardiopata ou sob suspeita, que
será submetido a cirurgia não cardíaca, um questionamento deve ser pertinente: quais pacientes mais
provavelmente se beneficiarão de avaliação cardiológica e como estratificá-los? A ausência de estudos
adequadamente controlados ou randomizados para definir uma estratégia otimizada de avaliação pré-ope-
ratória nos leva a seguir algoritmos baseados em estudos observacionais e em opinião de especialistas30.
Desde a publicação dos guidelines de 1996 da American Heart Association, vários estudos têm sugerido
que este algoritmo atende a uma adequada avaliação do paciente portador de coronariopatia, além de
ser eficaz e custo-efetivo31-34.

914 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Por meio destes guidelines, pode-se estratificar os pacientes quanto ao risco de complicações e/ou
eventos cardiovasculares.
O algoritmo baseia-se em marcadores clínicos, na capacidade funcional do paciente e no risco inerente
ao procedimento cirúrgico.
Marcadores clínicos: Os marcadores clínicos foram subdivididos em marcadores maiores, intermediá-
rios e menores; pacientes que detêm marcadores clínicos maiores têm aumentado o risco cardiovascular
perioperatório em cinco vezes por causa da exacerbação nervosa simpática e da hipercoagulabilidade
durante a cirurgia35.
Os marcadores clínicos maiores incluem síndrome coronariana recente (infarto do miocárdio ou angina
instável), descompensação da insuficiência cardíaca, evidência de isquemia em testes não invasivos, ar-
ritmias significantes (bloqueio atrioventricular de alto grau, arritmias sintomáticas na presença de doença
cardiovascular subjacente, ou arritmias supraventriculares com resposta ventricular elevada).
Somente cirurgias de emergência devem ser consideradas nestes pacientes. As cirurgias eletivas de-
vem ser postergadas sempre que possível até que o paciente seja adequadamente investigado e tratado36.
Os preditores intermediários como infarto do miocárdio prévio (> semanas e < 3 meses) sem sequela,
angina estável (classe I – II) com tratamento clínico otimizado, ou evento isquêmico perioperatório prévio
documentado, são preditores independentes para complicações cardíacas perioperatórias.
O diabetes mellitus está incluso nesta categoria, pois esta comorbidade está associada com isque-
mia silente, e representa um fator de risco independentemente para mortalidade perioperatória37, tanto
quanto baixa fração de ejeção (<35%) e insuficiência cardíaca compensada38. Creatinina sérica maior que
2 mg/dl também se enquadra nos preditores intermediários.
Preditores menores de risco incluem idade avançada, anormalidades no eletrocardiograma, ritmo ou-
tro que não o sinusal (salvo as condições citadas anteriormente), baixa capacidade funcional, história de
acidente vascular cerebral prévio e hipertensão arterial mal controlada.
História de infarto do miocárdio ou presença de ondas Q no ECG são listadas como preditores interme-
diários. Infarto agudo do miocárdio (definido como isquemia pelo menos < 1 semana) ou infarto recente
(isquemia mais de 7 dias, porém menos que 1 mês) com evidência de isquemia importante por sintomas
ou por estudos não invasivos são considerados preditores maiores39.
Se um teste recente de “estresse não indica risco miocárdico residual, a probabilidade de reinfarto
após cirurgia não cardíaca é baixa. Embora não existam trabalhos clínicos adequadamente conduzidos que
provem estas recomendações, parece razoável esperar 4 a 6 semanas após o infarto para a realização de
cirurgia eletiva40.
Capacidade funcional: A capacidade funcional pode ser expressa em equivalentes metabólicos (MET)
e é usada para estimar o gasto de energia em variadas atividades definidas por uma escala de Duke Acti-
vity Status Index41. Um MET representa o consumo de oxigênio de um adulto em repouso (3,5 mL.kg-1.min-1)
A isquemia induzida por um baixo nível de exercício (<5 MET ou uma frequência < 100bpm/min) iden-
tifica um grupo de pacientes de risco, enquanto a capacidade do paciente de realizar mais que 7 MET (ou
uma frequência > 130 bpm/min) sem isquemia identifica um grupo de baixo risco42. Pacientes vasculares
que são capazes de exercitar-se 85% de sua frequência cardíaca máxima possuem um baixo risco de even-
tos cardíacos perioperatórios43. A inabilidade de o paciente em subir dois lances de escadas está associada
com valor preditivo positivo de 89% para complicações cardiopulmonares44.
Pacientes com boa capacidade funcional e sem sintomas podem ser considerados livres de doença co-
ronariana severa45.
Fatores de risco associados com a cirurgia: O risco cardíaco cirúrgico associado a cirurgia não
cardíaca é relatado por dois importantes fatores: o tipo de cirurgia e o grau de stress hemodinâmico
associado com o procedimento. Alto risco cirúrgico inclui cirurgias de maior porte e/ou de emergência,
particularmente em idosos, cirurgias vasculares de maior porte sobretudo sobre a aorta, procedimentos
que envolvam grandes perdas de fluidos e/ou perdas sanguíneas. Os procedimentos de risco intermediá-
rio incluem cirurgias intraperitoneais e intratorácicas, endarterectomia de carótidas, cirurgias ortopé-
dicas e prostáticas. Entre os de baixo risco estão as endoscopias, cirurgias de mama, catarata e outros
procedimentos superficiais46.
Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 915
Guidelines
Desde 2002, o ACC/AHA, baseado na estratificação de risco, publica o algoritmo de recomendações
para condutas do paciente cardiopata que será submetido a cirurgia não cardíaca.
Em 2006, o mesmo ACC/AHA publicou algumas modificações do guideline anterior. A recomendação
para paciente de alto risco que vai para cirurgia eletiva sem a devida investigação prévia passa a ser
primeiro estratificação do risco com teste não invasivo antes mesmo do cateterismo. Se após o teste
não invasivo houver alta probabilidade de isquemia é que, a luz de outros critérios clínicos, indica-se o
teste invasivo47.
Segundo o ACC/AHA, o ecocardiograma com dobutamina deve ter preferência por causa de sua alta es-
pecificidade48, além de poder avaliar as funções valvulares e ventriculares, bem como a pressão pulmonar.
Concluindo, o sucesso do procedimento cirúrgico depende da avaliação completa das condições pré-
-operatórias do paciente, ao conhecimento sobre a doença de base, extensão do ato cirúrgico e de um
bom manejo anestésico. O objetivo principal é, além de manter analgesia, hipnose, otimizar o paciente
em suas condições hemodinâmicas, ventilatórias e metabólicas.

42.2. ANESTESIA PARA CIRURGIA CARDÍACA


A anestesia para cirurgia cardíaca demanda múltiplas habilidades do anestesiologistas, dentre elas:
• conhecimentos profundos sobre as principais patologias cardiovasculares e as respostas cardiovas-
culares às técnicas cirúrgicas;
• entendimento do funcionamento da circulação extracorpórea e das respostas orgânicas relaciona-
das aos métodos de suporte circulatório mecânico;
• Expertise em monitorização hemodinâmica invasiva e ecocardiografia transesofágica, com capaci-
dade de monitorizar e realizar ajuste hemodinâmico seguindo terapia guiada por metas;
• expertise teórica e prática no manuseio de fármacos anestésicos e vasoativos;
• Conhecimento sobre as coagulopatias relacionadas à cirurgia e circulação extracorpórea e uso de
hemocomponentes e fármacos que interferem na coagulação;
• Trabalhar em equipe visando o melhor resultado cirúrgico.
A avaliação pré-operatória em cirurgia cardíaca deve ser cuidadosa e diversos escores de avaliação de
risco já foram ou estão em utilização em diversas instituições do mundo. Outros encontram-se em estu-
do para aplicação em populações específicas. O EuroSCORE (European System for Cardiac Operative Risk
Evaluation) é um modelo de predição de mortalidade em cirurgia cardíaca amplamente estudado e valida-
do em diversos centros, inclusive no Brasil. Publicado por Nashef e col.49, em 1999, o EuroSCORE possui 17
fatores de risco e foi desenvolvido com dados de 19.030 pacientes de 128 centros da Europa (Tabela 42.1).
Conforme a pontuação obtida, os pacientes podem ser classificados como de baixo risco (EuroSCORE 0 a
2), risco intermediário (3 a 5) e alto risco (≥ 6).
Com o passar dos anos, o EuroSCORE necessitou ser ajustado para a correta estimativa de risco das
cirurgias cardíacas realizadas atualmente. Melhoras no screening pré-operatório, nas técnicas cirúrgicas
e nos cuidados pós-operatórios reduziram a morbidade e mortalidade das cirurgias cardíacas e, assim, o
modelo inicial parece superestimar a mortalidade em alguns centros50.
O novo modelo, denominado de EuroSCORE II, utiliza um modelo logístico e foi desenvolvido a partir
de dados de 22.381 pacientes operados de cirurgia cardíaca entre maio e julho de 2010, em 154 centros
de 43 países (incluindo 4 centros brasileiros)51. O cálculo da estimativa de risco está disponível online em
www.euroscore.org e por aplicativos de tablets e smartphones (sistemas iOS e Android).
Novos fatores de risco foram incluídos como mobilidade reduzida (por causa neurológica ou musculoes-
quelética), diabetes insulinodependente, classificação da New York Heart Association, angina classe IV
pela Canadian Cardiovascular Society, tipo da intervenção (1, 2 ou 3 intervenções associadas), avaliação
da função renal pelo clearance de creatinina, reclassificação da hipertensão pulmonar em dois níveis, re-
classificação do fator urgência (eletiva, urgência, emergência e salvamento) e exclusão de outros fatores
como disfunção neurológica, angina instável e CIV pós-infarto.

916 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Tabela 42.1 – Fatores de risco, definições dos fatores de risco e pontuações no EuroSCORE aditivo
Definições Pontos

Fatores relacionados ao paciente

Idade Para cada 5 anos ou fração > 60 anos 1

Gênero Feminino 1

DPOC Uso prolongado de broncodilatadores ou esteroides 1

Arteriopatia extracardíaca Qualquer uma das seguintes alterações: claudicação, oclusão carotídea 2
ou estenose > 50%, intervenção prévia ou planejada na aorta abdomi-
nal, artérias periféricas ou carótidas

Disfunção neurológica Doença que afeta a deambulação ou as atividades diárias 2

Cirurgia cardíaca prévia Requerendo a abertura do pericárdio 3

Creatinina sérica > 2,3 mg/dL no pré-operatório 2

Endocardite ativa na vigência de uso de antibióticos no dia da cirurgia 3

Endocardite ativa na vigência de uso de antibióticos no dia da cirurgia 3

Estado crítico pré-operatório Qualquer um dos seguintes: taquicardia ventricular, fibrilação ventri- 3
cular ou morte súbita abortada, massagem cardíaca pré-operatória,
ventilação mecânica antes da indução anestésica, suporte inotrópico
pré-operatório, balão intra-aórtico ou insuficiência renal aguda pré-
-operatória (anúria ou oligúria < 10 mL/h).

Fatores cardíacos

Angina instável Angina ao repouso necessitando de nitratos IV até a chegada à sala 2


cirúrgica

Disfunção do ventrículo Moderada ou FEVE 30% a 50% 1


esquerdo (VE) Grave ou FEVE < 30% 3

IAM recente < 90 dias 2

Hipertensão pulmonar Pressão sistólica da AP > 60 mmHg 2

Fatores relacionados com a cirurgia

Emergência Realizada antes da escala do próximo dia 2

Outras cirurgias além da RM Outra cirurgia cardíaca ou em adição à RM 2

Cirurgia na aorta torácica Para doença na aorta ascendente, arco ou descendente 3

CIV pós infarto 4

DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; IAM: infarto agudo do miocárdio;
RM: revascularização do miocárdio; CIV: comunicação interventricular.

Embora tenha sido desenvolvido para atualizar e recalibrar o modelo anterior, poucas publicações es-
tão disponíveis avaliando o EuroSCORE II na população brasileira52,53, tendo sido observado baixa calibra-
ção52 por alguns estudos. Considera-se que o EuroSCORE inicial permanece adequado para avaliação do
risco em cirurgia cardíaca no Brasil. Sugere-se aplicá-lo durante a avaliação pré-operatória e, conforme o
risco cirúrgico do paciente, orientar medidas perioperatórias (técnica anestésica, monitorização, suporte
hemodinâmico etc.) que possam contribuir para a redução da morbimortalidade cirúrgica.

Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 917


42.2.1. Circulação Extracorpórea54-61
É técnica em que o coração e os pulmões são excluídos temporariamente da circulação sanguínea. A
oxigenação do sangue processa-se por dispositivo extracorpóreo (oxigenador de bolhas ou membrana) e a
circulação sanguínea é realizada através de bomba de rolete ou centrífuga.
Os componentes fundamentais de um circuito de circulação extracorpórea são:
1. Série de bombas.
2. Reservatório.
3. Dispositivo de oxigenação.
4. Trocador de calor.
O circuito primário provê sangue oxigenado ao perfusor aórtico e incorpora a uma bomba de rolete ou
uma bomba centrífuga. O ramo venoso do circuito drena sangue por gravidade a partir de cânula atrial ou
de 2 cânulas alojadas nas veias cavas.
Na linha arterial, antes de perfundir o paciente, o sangue é filtrado e tem sua temperatura regulada
pela passagem no trocador de calor.

Tipos de Oxigenadores
Oxigenador de Bolhas
O sangue venoso entra numa câmara de mistura, para onde gases fluem, através de uma tela, cau-
sando a formação de pequenas bolhas. O sangue e as bolhas se coalescem, tempo suficiente neste ins-
tante é dado para garantir que trocas gasosas ocorram previamente à retirada da espuma formada, que
ocorrerá num segundo compartimento. Uma das maiores vantagens do oxigenador de bolhas é sua baixa
queda de pressão, o que possibilita que seja locado contra o fluxo da bomba, onde também pode atuar
como um reservatório para o sistema. A drenagem venosa é realizada passivamente pela diferença de
pressão do átrio direito para o reservatório do oxigenador, onde deve ser colocado em nível mais baixo
que a mesa cirúrgica.
A espuma formada é depurada por um silicone antiespuma A, que consiste em um polímero líquido de
dimetilpolisiloxane (96%) e sílica particulada (4%). Bolhas também são retiradas mecanicamente na rede
de malha, por onde o sangue e as bolhas passam. Ao utilizar um oxigenador de bolhas, deve-se manter
um volume de sangue adequado no reservatório. Além de auxiliar na depuração de bolhas, este volume
sanguíneo atua como uma câmara de complascência para o sistema, permitindo que o perfusionista possa
adicionar volume, avisar ao cirurgião se houver diminuição no retorno venoso e/ou temporariamente di-
minuir a taxa de fluxo na bomba.

Oxigenador de membrana
Os oxigenadores de membrana mais usados atualmente são os de microporos. Estes permitem, pelo
menos no início da CEC, uma interface direta gás-sangue. Após algum tempo, a cobertura proteica da
membrana e da interface de gás surge desaparecendo o contato direto entre gases e sangue. Tipicamente,
a tensão superficial do sangue impossibilita que grandes quantidades de fluido transpassem os microporos
na CEC. Os microporos, por sua vez, propiciam condutos na membrana de polipropileno que dão capaci-
dade de difusão suficiente para as trocas de O2 e CO2. Entretanto, após muitas horas de uso, a capacidade
funcional da membrana diminui devido à evaporação e subsequente condensação de plasma que escapa
através dos microporos.
Ao contrário dos oxigenadores de bolhas, o controle da ventilação e oxigenação é relativamente inde-
pendente nos oxigenadores de membrana. Ao aumentar o fluxo de gás, a ventilação (eliminação de CO2)
muda, através da redução da PCO2 e provavelmente por diminuir as camadas limitantes para a transfe-
rência de CO2. O fluxo de gás é ajustado por um controlador contra o fluxo do oxigenador, podendo haver
alguma pressurização do gás. O controle da oxigenação é feito pelo aumento ou redução na fração de O2
no gás fornecido ao oxigenador. Devido ao fato de o oxigenador de membranas separar as fases gasosa e
sanguínea e de não introduzir bolhas de gás no sangue, a adição de N2 ao fluxo gasoso não aumenta o risco
de embolização aérea no paciente, ao contrário dos oxigenadores de bolhas.

918 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Alterações Fisiológicas e Fisiopatológicas Durante a CEC
São alterações que ocorrem nos diversos sistemas orgânicos devido à exposição do sangue a circuitos
de tubos sintéticos, oxigenadores, bombas, hipotermia, hemodiluição e hipofluxo sistêmico. As principais
alterações fisiológicas são: hemodinâmica, metabolismo, gases sanguíneos, íons hidrogênio [H+}, hemato-
lógica, eletrolítica, hídrica, endócrina e fluxo sanguíneo cerebral. Estas alterações fisiológicas provocam
consequências adversas como: Síndrome de Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS) com vários aspectos
clínicos (síndrome vasoplégica, pulmão pós-CEC, coagulopatia, insuficiência renal, insuficiência hepática,
acidose metabólica, estado de choque, falência de ventrículo esquerdo); lesão cerebral, síndrome euti-
roidea e arritmias cardíacas.
Período pré-CEC  caracterizado por níveis variados de estímulos durante a preparação para a CEC.
1. Dados laboratoriais – gasometria arterial, coagulograma, hemoglobina e hematócrito devem ser
obtidos. Flebotomia e hemodiluição podem ser considerados em pacientes com hematócrito ≥ 40%,
propiciando sangue fresco total autólogo para transfusão, seguindo a CEC e heparinização.
2. Pulmões são desinsuflados durante a esternotomia; mudanças anatômicas na parede torácica pro-
duzem alterações no ECG, especialmente nas ondas T.
3. Dissecção de artéria torácica interna esquerda – pode produzir perda de sangue oculta no hemitó-
rax esquerdo.
4. Anticoagulação para a canulação:
a) heparina (5.000 UI.kg-1) ou (5 mg.kg-1) deve se administrada antes do início da CEC. A adminis-
tração é realizada pelo cirurgião no átrio direito ou através de um cateter central no caso de
emergência; sangue é aspirado antes e após a infusão.
b) O TCA, determinado 5 minutos após a heparinização, é usado para monitorizar a anticoagula-
ção. Valores de controle são 80 a 150 segundos, ao passo que a anticoagulação para prevenir
microtrombos na CEC deve ter Δt > 400 segundos (t > 35oC). Pacientes que receberão heparina,
por via venosa, no pré-operatório podem tornar-se relativamente resistentes. Se TCA maior
que 400 segundos não for atingido com a dose padrão, 100 a 200 UI.kg-1 são administrados. Se
isto falhar, antitrombina III (500 a 1000 UI) ou plasma fresco podem ser necessários para corri-
gir deficiência de antitrombina III.
5. Durante a canulação de aorta, evitar hipertensão e taquicardia, e estas devem ser tratadas ade-
quadamente com agentes venosos de curta duração para minimizar o risco de rotura ou dissecção.
6. A má colocação de um pinçamento aórtico ou de cânula aórtica podem aumentar bastante a pós-
-carga, causando descompensação miocárdica. Os sinais precoces são hipotensão, aumento da pres-
são arterial, alteração de segmento ST ou de onda T.
Início da CEC 
A heparinização adequada deve ser assegurada pelo TCA antes do início da CEC. A via da veia cava in-
ferior é desclampeada primeiro e drenagem venosa adequada é confirmada. A via da veia cava superior
é liberada a seguir. A velocidade da bomba é progressivamente elevada para 2 a 2,4 L.min-1.m2-1 ou 50
mL.min-1kg-1 para adultos. Os limites seguros da pressão arterial média devem ser em torno de 50 a 100
mmHg. Anestésicos e relaxantes musculares devem ser suplementados antes do início da CE. A anestesia é
mantida por agentes EV ou anestésicos inalatórios administrados por vaporizador, no fluxo de O2. A pressão
venosa central deve ser monitorada.
Como a pressão de perfusão cerebral é equivalente à pressão arterial média menos a pressão da veia
cava superior, obstrução da cânula situada nesta veia deve ser detectada para evitar lesão neurológica.
Após fibrilação ou parada cardíaca, os níveis de pressão arterial média devem ser monitorados.
Manutenção da CEC
1. Proteção do miocárdio – reduzir consumo de O2 através de hipotermia. Cardioplegia intermitente
resfriada é a técnica mais usada. Fibrilação por resfriamento e cardioplegia contínua com sangue
aquecido mantêm o fluxo coronário.
a) Soluções cardioplégicas administradas antes do clampeamento da aorta produzem parada eletro-
mecânica do coração. Todas as soluções contêm K+. Outros componentes são tampões, Ca2+, Mg2+,
Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 919
Nitroglicerina, manitol, lidocaína, sangue e substitutos metabólicos (glicose, insulina, glutamato);
algumas soluções são oxigenadas. O metabolismo anaeróbico continua durante a parada, sendo
os produtos resultantes retirados na reinfusão. Cardioplegia “fria” (4ºC a 6oC) é frequentemente
intermitente (20 a 30 minutos de intervalo), ao passo que a cardioplegia com sangue aquecido
é dada, continuamente, assim mantendo a parada e provendo suporte metabólico e depuração
de produtos metabólicos. As soluções devem ser injetadas anterogradamente pela raiz da aorta,
óstio coronário ou enxerto venoso, ou retrogradamente pelo seio coronário.
b) Resfriamento tópico é importante para técnicas de proteção.
2. Hipotermia – comumente empregada durante a CE e definida como resfriamento sanguíneo cen-
tral abaixo de 35oC. O consumo de O2 e fluxo mínimo são reduzidos. Podem ser empregados vários
níveis de hipotermia: leve, de 32ºC a 35ºC; moderada, de 28ºC a 32ºC; intensa, de 25ºC a 20ºC; e
profunda, de 19ºC a 14ºC. Os efeitos adversos da hipotermia são disfunções de membrana, enzimá-
ticas e autorregularão diminuídas, deslocamento para a esquerda da curva de dissociação da Hb e
potencialização de coagulopatia.
3. Monitorização hemodinâmica
a) Hipotensão durante o início da CEC é geralmente devida à hemodiluição e hipoviscosidade.
Outras importantes causas incluem: fluxo da bomba inadequado, vasodilatação, dissecção agu-
da de aorta e colocação incorreta da cânula aórtica. A pressão da artéria pulmonar e orifício
do ventrículo esquerdo devem ser verificados para garantir que a incompetência aórtica não
comprometa o fluxo da bomba. A administração de fenilefrina pode ser necessária para tra-
tar hipotensão transitória. Na presença de estenose carotídea, a pressão arterial média (PAM)
deve ser mantida maior que o normal (80 a 90 mmHg) e hipercarbia deve ser evitada.
b) Hipertensão (PAM > 90 mmHg) pode ser tratada com vasodilatadores ou anestésicos. Aumento
da pressão arterial pulmonar indica distensão do coração esquerdo, que pode ser causada pela
drenagem inadequada, regurgitação aórtica ou isolamento inadequado do retorno venoso. Dis-
tensão severa pode resultar em dano miocárdico irreversível.
4. Acidose metabólica e oligúria – sugerem perfusão sistêmica inadequada. Volume adicional (sangue
ou cristaloide dependendo do Ht) pode ser necessário para atingir fluxo aumentado. Deve-se esta-
belecer o débito urinário rigorosamente dentro dos 10 primeiros minutos de CEC.
a) Oligúria – (< 1 mL.kg.-1h-1) – Deve ser tratada com pressão de perfusão aumentada e/ou fluxo
alto, manitol (0,25 a 0,5 1 g.kg.-1). Pacientes que recebem terapia crônica com furosemida po-
dem precisar de sua dose habitual durante CEC, para manter a diurese.
b) Hemólise – Na CEC, é geralmente devida ao trauma mecânico das hemácias pela sucção da
bomba e os pigmentos resultantes podem levar à insuficiência renal aguda no pós-operatório.
Na hemoglobinúria, a diurese é mantida com manitol ou furosemida e, quando grave, a urina é
alcalinizada (0,5 a 1 mEq.kg-1 de bicarbonato).
c) Equilíbrio ácido-base – os distúrbios ácido-base devem ser tratados adequadamente. Durante
a hipotermia monitorizados pelo método “alpha-stat”, exceto durante a hipotermia profunda
(método pH-stat).
5. Manutenção da anticoagulação – heparinização adicional pode ser necessária para CEC prolonga-
da. O reforço de 100 UI.kg-1h-1 pode ser dado após 2 horas da dose inicial. Controlar e manter o TCA
> 400 segundos.
Pode ser causado por insuficiência ventricular direita e/ou esquerda. Se o retorno da CEC for necessário,
anticoagulação deve ser assegurada e uma dose plena de heparina é indicada se protamina tiver sido usada.
A seguir, devem ser avaliadas as causas corrigíveis de disfunção ventricular, otimizar parâmetros fisio-
lógicos e prover assistência farmacológica e mecânica mais intensa para subsequentes tentativas de des-
mame, ditadas pela situação clínica.
Frequentemente, inúmeras condutas devem ser adotadas de forma concomitante para que se consiga
a estabilização do paciente, com sucesso no desmame da circulação extracorpórea. Na Figura 42.1, está
demonstrado um algoritmo para os cuidados necessários para o desmame.
920 | Bases do Ensino da Anestesiologia
Figura 42.1 – Algoritmo de desmame da CEC: CEC – circulação extracorpórea; EAB – equilíbrio ácido-básico;
Hb – hemoglobina; FC – frequência cardíaca; SNS – sistema nervoso simpático; PAM – pressão arterial sistê-
mica média; PVC – pressão venosa central; PAPo – pressão de artéria pulmonar ocluída; ETE – ecocardiogra-
fia transesofágica, IC – índice cardíaco; PDE – fosfodiesterase; BIAo – balão intraaórtico; NO – óxido nítrico;
RVS – resistência vascular sistêmica; RVP – resistência vascular pulmonar, DAV – dispositivo de assistência
ventricular mecânica

Alguns pontos devem ser sistematicamente considerados à saída da CEC:


1. Avaliação visual da função cardíaca, antes da interrupção da CEC: boa contração e relaxamento
ventriculares pressupõem sucesso à saída da CEC.
2. Ajuste da pré-carga, evitando-se superdistensão do coração.
3. Em pacientes com má função ventricular, é desejável o início da infusão de inotrópicos e/ou
vasodilatadores (ou inodilatadores, como os inibidores da fosfodiesterase) antes do término da
circulação extracorpórea.
4. A resistência sistêmica também pode ser facilmente calculada enquanto ainda em bomba, através
da divisão da pressão pelo fluxo da bomba. Se possível, otimiza-se a pós-carga com utilização de
drogas vasodilatadoras. Em casos de SIRS (síndrome de resposta inflamatória sistêmica) associada
à CEC, com vasoplegia associada, pode-se fazer necessária a utilização de vasoconstritores como a
noradrenalina (a utilização de azul de metileno não está bem definida).
5. Tempo de CEC prolongado (superior a 150 minutos) relaciona-se muitas vezes à disfunção ventricu-
lar e dificuldade à saída de CEC.
6. Otimização da frequência cardíaca, se necessário com instalação de marca-passo.
7. Tratamento de arritmias, se necessário com cardioversão elétrica ou utilização de antiarrítmicos.
Arritmias crônicas (ex. fibrilação atrial crônica) frequentemente persistem após CEC e geralmente
não são tratadas.

Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 921


8. Avaliação do ECG para detecção de sinais de isquemia.
9. Sinais de isquemia coronariana e arritmias ventriculares no paciente com dificuldade à saída da CEC
podem indicar necessidade de retorno à CEC para reavaliação dos enxertos arteriais. Da mesma for-
ma, plastias valvares insatisfatórias podem ser responsáveis pela descompensação hemodinâmica à
saída da CEC, devendo ser considerado o retorno à CEC para reavaliação do procedimento. Graves
restrições diastólicas após correção de aneurismas ventriculares podem também ser responsáveis
pela dificuldade do desmame da circulação extracorpórea.
10. A otimização do transporte de oxigênio pode ser obtida através do tratamento da anemia.
11. A seleção de drogas inotrópicas e/ou vasodilatadoras deve ser feita conforme o efeito desejado.
Nesta fase, as drogas devem ser administradas utilizando-se bombas de infusão e evitando-se a uti-
lização de bolus. É desejável que fármacos inotrópicos e vasodilatadores estejam preparados antes
do término da CEC. Pacientes graves frequentemente necessitam associações de inotrópicos e/ou
vasodilatadores. Inibidores da fosfodiesterase apresentam efeitos inotrópicos e vasodilatadores e
podem ser utilizados isoladamente ou em associação a outros inotrópicos e vasodilatadores.
12. Pacientes com dificuldade à saída da CEC ou que necessitam voltar à CEC devem ter a monitoriza-
ção otimizada. Deve-se fazer a verificação do débito cardíaco tão logo quanto possível. Caso não es-
tejam portando um cateter de artéria pulmonar, é desejável que ele seja introduzido ou, enquanto
isso não é possível, deve-se contar com um cateter de átrio esquerdo que permitirá uma avaliação
adequada da pré-carga ventricular esquerda.
13. Considerar a monitorização com ecocardiografia transesofágica sempre que houver dificuldade à
saída de CEC. Esta monitorização poderá ser muito útil na determinação da causa da falência, como
a existência de insuficiência mitral residual, cavidades ventriculares pequenas, disfunção ventricu-
lar ou hipovolemia, dentre outras causas.
14. A falência ventricular direita deve ser sempre considerada em pacientes portadores de hiperten-
são pulmonar, no infarto de ventrículo direito ou na falência ventricular esquerda. Nos casos de
hipertensão pulmonar e disfunção de ventrículo direito sem falência ventricular esquerda, deve-
-se considerar a utilização de óxido nítrico (além do ajuste volêmico e utilização de inotrópicos
e vasodilatadores).
15. Verificação dos gases sanguíneos e eletrólitos. A acidose metabólica piora rapidamente em estados
de hipoperfusão tecidual e diminuem o desempenho ventricular e sua resposta aos inotrópicos. Da
mesma forma, a hipoxemia pode piorar o desempenho ventricular.
16. Quando não ocorre melhora com o tratamento instituído, considerar a necessidade de assistência cir-
culatória mecânica, inicialmente com balão intra-aórtico. Em pacientes com má função ventricular, a
utilização de balão intra-aórtico deve ser considerada desde antes da circulação extracorpórea.

42.2.2. Suporte Mecânico à Circulação62-72


A assistência circulatória mecânica é uma opção terapêutica em casos de choque cardiogênico refratá-
rio ao tratamento farmacológico. Os dispositivos utilizados com esse objetivo têm sido o balão intra-aórti-
co, as bombas centrífugas, os ventrículos artificiais pneumáticos ou eletromecânicos e o coração artificial
total, podendo ser instituída assistência ventricular direita, esquerda ou biventricular.
O balão intra-aórtico (BIA) vem sendo utilizado desde a década de 6062, como método de assistência
circulatória mecânica temporária em alguns casos de infarto agudo do miocárdio, no perioperatório de
cirurgia cardíaca, em angioplastia coronariana, em candidatos a transplante cardíaco, dentre outras indi-
cações menos frequentes. Este dispositivo de contrapulsação aórtica auxilia no suporte de pacientes com
insuficiência ventricular esquerda, sendo programado para insuflar e desinsuflar sincronicamente com o
ciclo cardíaco63.
A Contrapulsação Aórtica: O balão de contrapulsação aórtica comporta entre 30 e 50 mL de gás e é
estruturado sobre um cateter cujo lúmen central permite a medida contínua da pressão na raiz da aor-
ta. O conjunto cateter-balão é conectado a equipamento específico, o console de contrapulsação aórtica
(CPA). O gás utilizado é geralmente o hélio, cuja viscosidade permite rápida insuflação e desinsuflação do
balão, facilitando a contrapulsação mesmo em pacientes com taquicardia.

922 | Bases do Ensino da Anestesiologia


O BIA deve ser posicionado na aorta torácica descendente e sua extremidade localizada abaixo da arté-
ria subclávia esquerda, devendo o posicionamento correto ser verificado através da radiografia de tórax.
Uma vez conectado ao console, o equipamento deve ser ajustado de forma a iniciar a insuflação na cisura
dicrótica da curva de pressão arterial aórtica ou no final da onda T no ECG. Conectado ao console de CPA,
é programado para inflar e desinflar sincronicamente com o cicio mecânico cardíaco.
Ao ser insuflado no início da diástole, o BIA provoca um deslocamento de volume de sangue proximal e
distal ao balão na aorta O aumento diastólico na pressão da raiz da aorta, provocado pelo deslocamento
sanguíneo, leva ao aumento do fluxo sanguíneo coronário e da oferta sanguínea ao miocárdio. A desinsu-
flação do balão ocorre durante a fase isovolumétrica da contração ventricular esquerda. A diminuição da
pós-carga ventricular esquerda durante o período de sístole leva à diminuição do consumo de oxigênio
pelo miocárdio, favorecendo a relação entre a oferta e o consumo de oxigênio pelo miocárdio, com pe-
quena diminuição na perfusão sistêmica (Figura 42.2).

Figura 42.2 – Os efeitos combinados da adequada insuflação e desinsuflação do BIA resultam em melhora da
oxigenação miocárdica, aumento do débito cardíaco, aumento da perfusão sistêmica e, o mais importante,
redução do trabalho ventricular esquerdo

A insuflação e desinsuflação do BIA em relação ao ciclo cardíaco mecânico é chamado de sincronismo, e


é avaliado pela forma de onda da pressão arterial. A insuflação do balão ocorre no início da diástole, mar-
cada pela cisura dicrótica na curva arterial, cuja onda “V” profunda pode ser observada quando o balão é
insuflado. Neste momento, a pressão diastólica da aorta aumenta e se observa um segundo pico chamado
reforço diastólico. A desinsuflação ocorre ao final da diástole, imediatamente antes da próxima sístole, no
período de contração isovolumétrica do ventrículo esquerdo. O balão intra-aórtico pode ser sincronizado
ao ECG, mas o sincronismo preciso é avaliado observando-se o traçado arterial e o ponto de desinsuflação
é selecionado para se atingir a maior redução de pressão para o próximo ciclo cardíaco assistido.
Técnica de Inserção do Balão Intra-aórtico: O BiAo é mais comumente inserido por via percutânea,
através da artéria femoral comum. A avaliação dos pulsos femurais antes da inserção, bem como dos pul-
sos pediosos, facilita um rápido reconhecimento de isquemia distal após a inserção do balão. Após antis-
Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 923
sepsia local, a artéria femoral é acessada através da técnica de Seldinger. A punção da artéria femoral
comum deve ser feita acima da artéria femural profunda e abaixo do ligamento inguinal. Após a punção
da artéria femural comum e passagem de um fio guia metálico com extremidade em J flexível até a arté-
ria torácica descendente, procede-se à dilatação da via de introdução. O dilatador final e o revestimento
devem avançar sobre o guia metálico e após a retirada do dilatador o BiAo deve ser introduzido através
do revestimento e guiado pelo fio metálico, sendo este retirado em seguida e a extremidade do balão de-
vidamente fixada à coxa do paciente.
A extremidade radiopaca do BiAo deve ser posicionada distalmente à artéria subclávia esquerda. O ba-
lão é conectado ao equipamento de insuflação, que monitorizará concomitantemente o ECG e a pressão
aórtica. O ajuste do equipamento deve ser realizado com a sincronização de uma insuflação para cada
dois batimentos cardíacos. Após ajuste correto do momento de insuflação e desinsuflação, a sincronização
deve passar a 1:1, desde que o paciente não apresente taquicardia importante.
Após a inserção do BiAo, a anticoagulação deve ser realizada com heparina sódica (150 a 200 U.kg-1.dia-1),
havendo protocolos que preconizam a administração apenas de heparina de baixo peso molecular ou dex-
tran (20 mL.h-1).
Indicações do Balão Intra-aórtico: O BIA tem sua aplicabilidade quando se deseja otimizar a relação
entre consumo e oferta de oxigênio, especialmente quando as medidas de suporte como oxigênio, agentes
inotrópicos e vasodilatadores, diuréticos, reposição volêmica e outras formas de terapia medicamentosa
não conseguem promover urna melhora da instabilidade hemodinâmica e se mostram insuficientes para
manter o paciente durante a fase crítica do choque cardiogênico. O BIA pode estar indicado no infarto
agudo do miocárdio64,65, em angioplastias coronarianas de alto risco66,67, no choque cardiogênico, na difi-
culdade de saída de CEC, no suporte hemodinâmico de pacientes em fila de transplante cardíaco68, mio-
cárdio atordoadodo69,70, choque séptico com disfunção ventricular71, entre outras indicações.
Contraindicações do Uso de Balão Intra-aórtico: As contraindicações absolutas à terapia de CPA são
o dano cerebral irreversível, doença cardíaca terminal, dissecções aórticas ou aneurismas torácicos. Nos
pacientes com insuficiência aórtica e doença vascular periférica grave, a decisão em iniciar a CPA é rela-
tiva e geralmente baseada na relação risco-benefício.
Principais Complicações da Terapia de Contrapulsação Aórtica (CPA):
1. Complicações vasculares: a mais comum de todas é a isquemia de membro. Tem sido descrita em
14-45% dos pacientes submetidos ao tratamento72. Outras complicações vasculares ocorrem com
menor frequência. Uma delas é a dissecção aórtica, que pode resultar da ruptura da aorta devido
à inserção do balão. As dissecções podem ir de pequenos danos na íntima que não se manifestam
clinicamente até grandes rupturas que usualmente se apresentam com quadro súbito de hipotensão
e dor no dorso. Se ocorrer dissecção aórtica ou se há suspeita de ter entrado na subíntima, é ne-
cessário remover imediatamente o BIA e a intervenção cirúrgica deve ser avaliada. O tromboembo-
lismo e o sangramento também são outras complicações. Enquanto o tromboembolismo do membro
afetado possa necessitar de embolectomia, o uso de anticoagulantes pode ajudar a prevenir este
tipo de ocorrência. A maioria dos relatos de sangramento como complicação refere‑se usualmente
ao local de inserção e relacionados à terapia anticoagulante.
2. Complicações infecciosas: a infecção resultante apenas da terapia de CPA é uma complicação rara,
resultando em rubor, edema e prurido no local de inserção. Se isto acontecer, pode ser controlada
com a troca cuidadosa e estéril dos curativos fechados e tratamento de qualquer desconforto do
paciente. Se o local de inserção se tornar purulento e o paciente apre­sentar leucocitose ou febre,
deve‑se colher uma cultura do local para determinar o microrganismo envolvido. Se houver indica-
ção, a terapia antibiótica apropriada deve ser iniciada, com reavaliação dos riscos e benefícios de
se continuar a terapia de CPA, que pode ser realizada por outra via de inserção.

Desmame da Assistência Circulatória Mecânica e Retirada do Balão Intra-aórtico


Conforme a condição hemodinâmica melhore, o acréscimo do balão é serialmente decrescido. Se o
paciente tolerar o desmame dos fármacos inotrópicos e vasodilatadores e a sincronização do BiAo de uma
insuflação para cada três batimentos cardíacos, o dispositivo poderá ser retirado com segurança. Neste
caso, a insuflação do balão é descontinuada, assegurando sua completa desinsuflação, sendo então retira-

924 | Bases do Ensino da Anestesiologia


do através do revestimento do balão e este retirado em seguida. Recomenda-se pressão femoral distal ao
local da punção durante a retirada do balão e do revestimento do balão, evitando que eventuais peque-
nos coágulos que estejam envolvendo o balão sejam eliminados junto com o cateter-balão e não migrem
distalmente durante a retirada. Após a retirada do revestimento do balão, deve-se permitir a perda san-
guínea através do local de punção durante um ou dois batimentos cardíacos para evitar qualquer ocorrên-
cia trombótica do espaço vascular. A partir deste momento aplica-se pressão manual no local do enxerto
durante 30 minutos, assegurando-se da efetividade do procedimento. Um curativo bem compressivo deve
ser mantido por 8 horas.
Deve-se ter a certeza de que o membro está adequadamente perfundido durante e após a remoção do
BiAo. A retirada de um BiAo inserido através da técnica aberta requer exploração cirúrgica e reparação
da artéria femural. A remoção aberta é também recomendada em pacientes com obesidade mórbida e
em pacientes que desenvolvem isquemia distal após a inserção percutânea.

42.2.3. Revascularização do Miocárdio73-95


Atualmente, com o aumento da expectativa de vida e melhoria dos resultados cirúrgicos, a RM tem sido
indicada em pacientes cada vez mais idosos e com maior número de comorbidades como diabetes, insu-
ficiência renal e presença de revascularização prévia, que contribuem para o aumento do risco cirúrgico.
A monitorização do segmento ST é importante na cirurgia de RM devido ao risco de isquemia periope-
ratória. Uma alteração do segmento ST pode significar desde espasmo arterial por hipovolemia até a
oclusão de enxerto, técnica cirúrgica inadequada ou dissecção de coronária. O pronto reconhecimento de
isquemia miocárdica deve conduzir a medidas terapêuticas imediatas como o uso de nitroglicerina e/ou
betabloqueadores, ajuste volêmico e térmico, assistência circulatória mecânica com balão intra-aórtico
ou a indicação de realização ou revisão cirúrgica das anastomoses.
Se nos últimos anos observamos o aprimoramento da técnica cirúrgica, dos métodos de proteção mio-
cárdica e da circulação extracorpórea, em relação à anestesia o grande avanço ocorreu com o incremen-
to na técnica, no controle da homeostase e proteção dos órgãos. Inicialmente o entendimento sobre os
determinantes do fluxo sanguíneo coronariano e das relações entre consumo e oferta de oxigênio causou
um empenho direcionado para diminuição do consumo de oxigênio como abordagem primária para a pre-
venção e tratamento da isquemia coronariana, fazendo com que altas doses de opiáceos fossem utilizadas
para promover estabilidade hemodinâmica durante o ato anestésico cirúrgico. Entretanto, a consequência
desta abordagem anestésica visando à melhor proteção miocárdica, através da redução do consumo de
oxigênio, foi a necessidade de assistência ventilatória prolongada no período pós-operatório e suas conse-
quências como surgimento de pneumonia associada à ventilação mecânica.
Atualmente, o conhecimento de que diferentes técnicas anestésicas podem ser utilizadas em cirurgia
cardíaca, permitindo boa proteção miocárdica e permitindo despertar precoce no período pós-operató-
rio, substituiu a técnica antiga. A consolidação da técnica de fast-track, em que o paciente permanece
o menor tempo possível no hospital, sendo internado poucas horas antes da cirurgia e recebendo alta
hospitalar precoce, teve contribuição fundamental de técnicas anestésicas que permitem a extubação
traqueal precoce.
A indução anestésica deve ser realizada de forma lenta e cuidadosa, evitando-se instabilização hemo-
dinâmica, que propicia a ocorrência de isquemia coronariana e cerebral. A substituição do midazolam por
propofol ou etomidato, a substituição do fentanil por sufentanil em baixas doses, a não utilização de re-
laxantes musculares de eliminação renal em pacientes com comprometimento do clearence de creatinina
permitem a extubação precoce, em torno de 3-4 horas, garantindo a segurança do paciente no sentido de
evitar isquemia miocárdica, especialmente durante o período de despertar pós-operatório com adequada
analgesia, reduzindo tempo de permanência hospitalar e os custos relacionados.
A abordagem multiprofissional do programa fast-track em cirurgia cardíaca deve envolver o cardio-
logista, o cirurgião cardíaco, o anestesiologista, o intensivista, o fisioterapeuta, a enfermagem e o pró-
prio familiar do paciente, com o objetivo de permitir admissão no dia da cirurgia, técnica anestésica
compatível com a extubação precoce (até a 8a hora de pós-operatório), fisioterapia respiratória intensa
e deambulação precoce no período pós-operatório, permitindo menor tempo de permanência na UTI e
alta hospitalar precoce.
Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 925
A extubação traqueal pode ser realizada precocemente e com segurança em pacientes com risco pré-
-operatório mínimo ou baixo e eventualmente moderado, que não apresentaram complicações cirúrgicas,
com tempo de circulação extracorpórea inferior a 150 minutos. No período pós-operatório, o paciente
deve apresentar-se sem sinais de complicações neurológicas, sem sangramento que sugira necessidade de
reoperação, com completa reversão do bloqueio neuromuscular e com recuperação anestésica adequada
e normotérmico.
Foi demonstrado que a associação de bloqueio do neuroeixo com cirurgia cardíaca está relacionada com
a redução de complicações respiratórias pós-operatórias e de arritmias cardíacas. No entanto, o risco-bene-
fício relacionado à anticoagulação está para ser definido. O uso de anestesia peridural contínua associada à
anestesia geral em pacientes que serão submetidos a anticoagulação plena é controverso e, quando indica-
do, a colocação segura do cateter deve ser feita pelo menos 12 horas antes do início da cirurgia.
Cirurgia Minimamente Invasiva e Sem Circulação Extracorpórea
Considerando as consequências adversas às cirurgias de RM com CEC, atribuídas ao circuito da CEC,
parada cardíaca hipotérmica, canulação aórtica e clampeamento aórtico têm levado à contínua procura
de tratamentos alternativos. A angioplastia coronária, a cirurgia minimamente invasiva e a cirurgia de RM
sem CEC têm sido realizadas em número crescente de pacientes.
Na última metanálise feita com o objetivo de comparar as cirurgias de RM com e sem CEC foi observada
ausência de diferenças em relação à mortalidade em 30 dias, infarto do miocárdio, disfunção renal, colo-
cação de balão intra-aórtico, infecção de ferida operatória, reoperação. No entanto, a cirurgia de RM sem
CEC foi associada a menor incidência de fibrilação atrial, transfusão sanguínea, necessidade de inotrópi-
cos, infecção respiratória, tempo de ventilação mecânica, tempo de internação em UTI e de permanência
hospitalar. Os custos hospitalares em um ano foram maiores nas cirurgias com CEC.
A utilização de robótica está mudando a técnica cirúrgica, permitindo maior precisão. A cirurgia ocorre
sem a abertura do tórax e o sucesso depende em grande parte da experiência da equipe. Com utilização
de supercomputadores, cirurgiões cardíacos realizam procedimentos sentados num console na sala de ci-
rurgia. O cirurgião manipula instrumentos cirúrgicos por um sistema em imagem 3-D do coração. O siste-
ma traduz o movimento das mãos do cirurgião em movimentos precisos por um braço de robô com mais
exatidão do que a conseguida com mãos ou olhos humanos.
A anestesiologia está evoluindo à altura destas inovações da técnica cirúrgica, garantindo adequado con-
trole perioperatório do paciente submetido à cirurgia de revascularização miocárdica e diminuição da mor-
bimortalidade precoce e tardia relacionada a este procedimento cirúrgico e alta incidência na atualidade.

42.2.4. CIRURGIAS VALVARES96-112


No Brasil, a doença valvar representa uma significativa parcela das internações por doença cardiovas-
cular. Diferentemente de países mais desenvolvidos, a febre reumática (FR) é a principal etiologia das val-
vopatias no território brasileiro, responsável por até 70% dos casos. Essa informação deve ser valorizada
ao aplicarmos dados de estudos internacionais nessa população, tendo em vista que os doentes reumáti-
cos apresentam média etária menor, assim como imunologia e evolução exclusivas dessa doença.
A valvopatia mitral reumática mais comum é a dupla disfunção não balanceada (insuficiência e este-
nose em diferentes estágios de evolução) manifestada entre a segunda e a quinta décadas de vida. Ca-
racteristicamente, a insuficiência mitral (IM) corresponde à lesão aguda, enquanto a estenose, às lesões
crônicas; entretanto, é possível que pacientes apresentem graus variados de estenose e insuficiência mi-
tral. O prolapso da valva mitral (PVM), no Brasil, é a segunda causa de IM, cuja evolução é dependente da
intensidade do prolapso e tem idade média de apresentação em torno de 50 anos.
A valvopatia aórtica tem apresentação bimodal; em indivíduos jovens destacam-se a etiologia reumá-
tica e a doença congênita da valva aórtica bivalvulada, enquanto nos idosos prevalece a doença aórtica
senil calcificada, que está associada aos fatores de risco tradicionais para aterosclerose (dislipidemia, ta-
bagismo e hipertensão arterial).
Estenose aórtica
A valva aórtica é composta por três folhetos semilunares inseridos na raiz da aorta, formando o seio
de Valsalva. O diâmetro normal do anel aórtico varia de 1,9 a 2,3 cm, com uma área de 2 a 4 cm2. Os fo-
926 | Bases do Ensino da Anestesiologia
lhetos da valva aórtica correspondem à emergência da coronária respectiva, sendo denominados folhetos
coronariano esquerdo, coronariano direito e não coronariano.
As principais doenças que acometem a valva aórtica nos adultos são as congênitas, sendo as mais co-
muns a valva aórtica bivalvulada, a doença reumática e a aterosclerose.
A calcificação da valva aórtica pela aterosclerose tem muitos aspectos similares aos da doença corona-
riana. O espessamento e a calcificação dos folhetos causam diminuição da mobilidade da valva e obstrução
do fluxo sanguíneo. Os fatores de risco são: idade, sexo masculino, tabagismo, hiperlipidemia e hipertensão.
Os principais sintomas de paciente com estenose aórtica são angina (35%), síncope (15%) e dispneia
(50%). Esses sintomas são associados a mau prognóstico, com sobrevida de 5, 3 e 2 anos, respectivamen-
te, caso a valva aórtica estenótica não seja trocada. A progressão da estenose da valva aórtica resulta
em obstrução do fluxo sanguíneo do ventrículo esquerdo (VE) em direção à aorta. Com a progressão da
doença, há aumento da pressão intraventricular, a fim de preservar o volume sistólico. Os pacientes já
podem apresentar insuficiência cardíaca congestiva (ICC) diastólica nessa fase da doença, pela redução
da complacência ventricular. Nessa fase, a manutenção do ritmo sinusal e da contração atrial é crítica
para manter o paciente compensado, pois a contração atrial contribui com até 30% a 40% do volume
diastólico final do VE. O aumento da tensão na parede do ventrículo resulta em uma hipertrofia concên-
trica para preservar a fração de ejeção, que se mantém normal até que os mecanismos compensatórios
entrem em falência, resultando em dilatação do ventrículo esquerdo e queda do volume sistólico com
queda da pressão de perfusão das artérias coronárias e outros órgãos nobres, resultando nos sintomas
de angina e síncope. Em geral, esses sintomas ocorrem quando a valva apresenta uma área menor que
0,8 a 1,0 cm2.
Está indicado o tratamento cirúrgico convencional de troca da valva aórtica, segundo o último consen-
so do American College of Cardiology e da American Heart Association de 2014, nos pacientes de risco
baixo ou intermediário que atinjam os critérios de estenose da valva aórtica com restrição da abertura da
valva por calcificação ou por doença congênita, que atinjam gradientes médios ≥ 40 mmHg ou velocidade
do fluxo sanguíneo no orifício estenótico ≥ 4,0 m/s. Nos pacientes com alto risco cirúrgico pode estar indi-
cado apenas o tratamento clínico ou implante de valva aórtica transcateter. Para obter todos os detalhes
sobre as indicações, aconselha-se acessar o consenso completo.
O conhecimento dos mecanismos compensatórios das doenças é fundamental para que o anestesista
antecipe e corrija o problema para que o paciente não entre no círculo vicioso baixo débito-isquemia-dis-
função orgânica. Por isso, a monitorização da pressão arterial invasiva é fundamental antes da indução da
anestesia, quando ocorrem mudanças dramáticas nos sistemas de compensação, principalmente quando
regulados pelo sistema nervoso simpático.
A hipotensão deve ser prevenida ou tratada imediatamente, para que não ocorra hiperfusão coronaria-
na, que pode resultar em isquemia miocárdica e fibrilação ventricular.
A bradicardia é uma causa frequente de descompensação e hipotensão, que deve ser tratada imedia-
tamente em pacientes com estenose aórtica. A diminuição da frequência cardíaca e o aumento do tem-
po diastólico não resultam em aumento do volume sistólico, que é fixo nesses pacientes com hipertrofia
concêntrica e estenose. A taquicardia também deve ser evitada, pois reduz o tempo diastólico e, conse-
quentemente, o tempo de perfusão coronariana, e aumenta o consumo do miocárdio, que já é limítrofe.
A manutenção do ritmo sinusal e da frequência cardíaca normal é fundamental para a manutenção do
débito cardíaco e da normotensão.
Também a resistência vascular sistêmica deve ser mantida para que não ocorra queda na pressão de
perfusão coronariana. Como a maioria dos anestésicos causa vasodilatação, muitas vezes vasoconstritores
são administrados para manter a resistência na faixa da normalidade.
A contratilidade miocárdica pode ser reduzida pelos efeitos dos anestésicos, mesmo com a utilização
de medicações cardioestáveis como os opioides e o etomidato ou midazolam, porém, somente pela sim-
patólise o ventrículo pode entrar em falência. Por isso, a monitorização da contratilidade miocárdica por
meio do ecotransesofágico é fundamental para a decisão de início dos inotrópicos, pois, se o paciente
estiver hipotenso, com queda de resistência e for iniciada dobutamina, por exemplo, a hipotensão só irá
piorar. A dobutamina aumentará a frequência e diminuirá a resistência, todavia, se a hipotensão for por
disfunção ventricular, a dobutamina ou outro inotrópico estão totalmente indicados.

Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 927


As metas hemodinâmicas pré-CEC no paciente com estenose aórtica estão resumidas na Tabela 42.2.
Tabela 42.2 – Metas hemodinâmicas pré-CEC durante anestesia para cirurgia valvar18
Pré-carga Pós-carga Meta-hemodinâmica Prevenir
Estenose Aumentada Aumentada Ritmo sinusal Hipotensão
aórtica (mantém gradiente Queda da RVS*
de perfusão Taquicardia (isquemia)
coronariana) Bradicardia (DC**)
Insuficiência Aumentada Diminuída Aumentar fluxo aórtico Bradicardia
aórtica anterógrado
Estenose mitral Normal ou Normal Controlar a resposta Taquicardia
aumentada ventricular Vasoconstrição pulmonar
Insuficiência Aumentada Diminuída Taquicardia Diminuição da contratilidade
mitral Vasodilatação miocárdica
*RVS = resistência vascular sistêmica
** DC = débito cardíaco

Insuficiência aórtica
A insuficiência da valva aórtica pode ser resultado da dilatação da raiz da aorta ou de doenças dos fo-
lhetos propriamente ditos. A dilatação da aorta ocorre nos pacientes com aneurismas ou com dissecção, e o
tratamento cirúrgico da insuficiência valvar está intimamente ligado ao tratamento da doença da aorta. Ate-
rosclerose, doença reumática, valva aórtica bivalvulada, endocardite e traumas são algumas das causas de
insuficiência aórtica, por resultarem em mobilidade anormal dos folhetos e perda da coaptação entre eles.
Na insuficiência aórtica, parte do volume sistólico, ejetado pelo ventrículo esquerdo na sístole ventricu-
lar, retorna para o ventrículo esquerdo durante a diástole, causando sobrecarga de volume e de pressão ao
VE. Na doença crônica, conforme a cavidade vai aumentando pelo aumento do volume diastólico, também
há aumento da espessura não proporcional do miocárdio, levando a uma hipertrofia excêntrica. A pressão
diastólica final em geral não cresce devido ao aumento da complacência do ventrículo e, diferentemente da
estenose aórtica, os pacientes só apresentam sintomas quando os mecanismos de compensação se esgotam
e a contratilidade miocárdica diminui. Idealmente, a valva deve ser tratada cirurgicamente antes que ocor-
ram alterações funcionais irreversíveis do ventrículo. O prognóstico dos pacientes é melhor quando a fração
de ejeção é maior que 50% e o diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo é menor que 55 mm.
Na insuficiência aórtica aguda, como pode ocorrer nas dissecções de aorta ascendente, o ventrículo
não tem tempo de compensar o aumento de volume e de pressão, podendo entrar em choque cardiogê-
nico, se a insuficiência não for tratada.
Segundo o último consenso do American College of Cardiology e da American Heart Association, de 2014,
o tratamento cirúrgico da insuficiência da valva aórtica está indicado nos casos de pacientes sintomáticos
com insuficiência importante da valva aórtica, independentemente da função ventricular, nos pacientes
assintomáticos com fração de ejeção menor que 50% no repouso em que a causa da disfunção seja doença
valvar e nos pacientes com insuficiência aórtica importante que sejam submetidos a outra cirurgia cardía-
ca, entre outras indicações. Para obter todos os detalhes sobre as indicações, acesse o consenso completo.
Os pacientes com insuficiência da valva aórtica por dilatação devida à doença da aorta também rece-
bem tratamento cirúrgico de acordo com as indicações da doença da aorta. Muitas vezes a valva nativa
pode ser preservada pelo remodelamento da aorta ou através de plastia da valva nativa.
O principal objetivo hemodinâmico é não aumentar a tensão ao ventrículo esquerdo. O aumento da
resistência vascular sistêmica piora a regurgitação e diminui o volume efetivo que vai para a circulação
periférica. Vasodilatação discreta e taquicardia modesta ajudam o paciente a manter um débito cardíaco
adequado. A bradicardia deve ser evitada, por causa da distensão ventricular, do aumento da pressão do
átrio esquerdo e consequente edema pulmonar.
Estenose mitral
A estenose mitral causa obstrução do fluxo do átrio esquerdo (AE) para o ventrículo esquerdo (VE),
resultando em um gradiente pressórico através da valva mitral durante adiástole. Conforme a doença pro-

928 | Bases do Ensino da Anestesiologia


gride, a obstrução do fluxo impede o enchimento diastólico do VE, o que pode acarretar diminuição do
volume sistólico do VE e baixo débito cardíaco (DC). Também há dilatação e aumento da pressão do AE e
diminuição da velocidade sanguínea no AE, propiciando o aparecimento de fibrilação atrial e a formação
de trombos atriais. A perda da contratilidade sincronizada do átrio é causa frequente de descompensação,
pois a contração do AE tem grande participação na diástole ventricular nos pacientes com estenose mitral
e a taquicardia gerada pela fibrilação atrial piora o tempo de enchimento diastólico do VE, comprometen-
do ainda mais o volume sistólico. Por isso, a manutenção do ritmo sinusal e da frequência cardíaca normal
é primordial para a manutenção da homeostase do paciente.
Esse aumento de pressão do AE é transmitido para a circulação pulmonar, levando a congestão pul-
monar, aumento do esforço respiratório, sobrecarga de pressão ao ventrículo direito (VD) e hipertrofia
compensatória do VD.
A progressão da gravidade da hipertensão pulmonar é variável, mas uma vez desenvolvida, aumenta o
risco cirúrgico de 3% para 8% a 12%16. Com a progressão da disfunção ventricular direita, há dilatação das
cavidades direitas, dilatação no anel tricúspide, aparecimento de insuficiência tricúspide e sinais clínicos
de insuficiência cardíaca direita, como estase jugular, hepatomegalia e edema de membros inferiores.
A contratilidade do ventrículo esquerdo em geral é mantida, porém sua função pode deteriorar por
uma combinação da diminuição progressiva do volume diastólico e do aumento da pós-carga.
Está indicado o tratamento cirúrgico da valva mitral segundo o último consenso do American College of
Cardiology e da American Heart Association de 2014, nos pacientes sintomáticos (classe funcional III/IV),
com estenose mitral importante (área valvar ≤ 1,5 cm2). Nos pacientes de alto risco cirúrgico e anatomia
favorável, pode estar indicada a valvuloplastia percutânea com balão. Para obter todos os detalhes sobre
as indicações, acesse o consenso completo4.
O principal objetivo hemodinâmico pré-CEC é evitar taquicardia e crise de hipertensão pulmonar, pre-
venindo a diminuição do volume diastólico final do ventrículo esquerdo e baixo débito sistêmico. A ma-
neira de atingir essa meta se inicia no pré-operatório, com o controle da frequência cardíaca do paciente
pela administração de betabloqueador. No intraoperatório, os anestésicos taquicardizantes devem ser
evitados, por exemplo, o pancurônio, pelo seu efeito parassimpatolítico. Nos pacientes com hipertensão
pulmonar, todos os fatores que pioram a resistência pulmonar devem ser evitados, como dor, hipoxemia,
hipercarbia, acidose e pressões de pico de vias aéreas altas; por isso, a intubação e a ventilação devem
ser cuidadosamente manipuladas. Inotrópicos e vasodilatadores pulmonares e até mesmo a instalação de
circulação extracorpórea de emergência podem ser necessários caso ocorra crise de hipertensão pulmo-
nar ou choque cardiogênico de ventrículo direito.

Insuficiência mitral
Na insuficiência mitral a valva é incompetente durante a sístole ventricular, permitindo que parte do
volume sistólico retorne para o átrio esquerdo.
As causas da insuficiência mitral podem ser divididas em três grupos:
1. Dilatação de anel: em geral secundária a doenças que cursam com cardiomiopatias dilatadas.
2. Prolapso: ocorre pela doença primária da valva, como na doença fibroelástica, principalmente do
folheto posterior.
3. Restritiva: pode ocorrer na doença reumática e nos pacientes isquêmicos.
Na doença crônica, o coração se adapta à sobrecarga de volume com dilatação do átrio e hipertrofia
do ventrículo esquerdo e, mais tardiamente, dilatação do ventrículo esquerdo por aumento crônico da
volemia. Os sintomas são mínimos até o desenvolvimento da disfunção ventricular ou do aparecimento de
fibrilação atrial, comuns na história natural da doença.
Já na doença aguda, o quadro é mais dramático. A insuficiência mitral aguda pode ser causada por
infarto de músculo papilar ou por ruptura de cordoalha, que levam a uma insuficiência mitral aguda, au-
mentando agudamente o volume e a pressão do átrio esquerdo, o que pode ocasionar edema agudo de
pulmão e choque cardiogênico. Nos casos de doença isquêmica, o paciente em geral apresenta queda da
contratilidade ventricular e necessitará de suporte farmacológico e mecânico, como a instalação de balão
intra-aórtico para manejo do choque até que o tratamento cirúrgico seja instituído.

Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 929


Está indicado o tratamento cirúrgico da valva mitral, segundo o último consenso do American College
of Cardiology e da American Heart Association de 2014, para pacientes sintomáticos (classe funcional III/
IV), com insuficiência mitral importante e fração de ejeção do ventrículo esquerdo maior que 30%, nos pa-
cientes assintomáticos com fração de ejeção do ventrículo esquerdo 30-60% e/ou diâmetro sistólico final
do ventrículo esquerdo maior que 40 mm. Nos pacientes de alto risco cirúrgico e com anatomia favorável,
pode estar indicada a valvuloplastia transcateter. Para obter todos os detalhes sobre as indicações, acesse
o consenso completo.
Os pacientes com insuficiência mitral crônica se beneficiam de vasodilatação e discreta taquicardia;
por isso, anestésicos que promovam esse quadro hemodinâmico, como os anestésicos halogenados, estão
indicados. Já os pacientes com doença aguda que se encontram em choque cardiogênico geralmente não
toleram vasodilatação e anestésicos com mínimos efeitos hemodinâmicos estão indicados.

42.2.5. Aneurismectomia113-115
O aneurisma do ventrículo esquerdo ocorre quando uma porção do ventrículo esquerdo (VE) se torna
fina e dilatada. A principal causa é o infarto transmural seguido de necrose muscular e formação de ci-
catriz. A principal consequência do aneurisma é a acinesia ou discinesia de um segmento ventricular du-
rante a contração. O aneurisma também é causa de geração de focos arritmogênicos ou de formação de
trombos seguidos de embolia arterial. O aneurisma se forma nos primeiros dias após o processo isquêmico
e a maioria se torna aparente no primeiro ano após o diagnóstico do infarto.
As principais manifestações clínicas e a indicação cirúrgica do aneurisma estão bem definidas. Em ge-
ral, a presença de angina, insuficiência cardíaca, taquiarritmias ventriculares e embolia periférica são as
principais causas de indicação cirúrgica.
No cuidado perioperatório do paciente com aneurisma ventricular e candidato a cirurgia é importante
a adequada avaliação funcional, da presença de arritmias ou de trombos intracavitários.

42.2.6. Traumatismo Cardíaco116


As lesões do coração podem ser penetrantes, não penetrantes ou iatrogênicas e a abordagem anesté-
sica deve considerar as alterações funcionais e o risco imediato de morte. Menos de 50% dos pacientes
vítimas de trauma cardíaco grave chegam com vida ao hospital. Em quaisquer traumas sobre o precórdio,
a região cervical, a região axilar e o abdômen, deve-se considerar a suspeita de lesão cardíaca. O aumen-
to nos casos de contusão cardíaca (traumas cardíacos fechados) decorre do crescimento no número de
acidentes automobilísticos. Pode ocorrer desde contusão ventricular pequena com formação de hemato-
ma intramuscular, até casos de rupturas valvares e dos septos interatrial e interventricular, até a ruptura
completa da parede ventricular com óbito imediato.
Ao trauma pode-se suceder a formação de aneurisma ventricular, a insuficiência cardíaca pós-traumá-
tica, além de oclusão coronária secundária à contusão, com infarto agudo do miocárdio. O efeito hidráu-
lico pode ocorrer após um grande impacto traumático sobre o abdômen ou membros inferiores, podendo
causar até ruptura atrial direita. Adicionalmente, pode ocorrer compressão entre o esterno e a coluna
vertebral; lesões de aceleração ou desaceleração; concussão com ruptura retardada ou a penetração de
fragmentos do esterno ou da costela no coração.
Os traumas cardíacos iatrogênicos ocorrem principalmente durante procedimentos terapêuticos como
o implante de eletrodo de marca-passo, a angioplastia coronariana e a biópsia endocárdica, ou procedi-
mentos diagnósticos como a passagem de cateter de artéria pulmonar. Em procedimentos de implante de
marca-passo, o implante do eletrodo pode levar à perfuração da parede ventricular ou da valva tricúspide.
Além da alteração funcional, o trauma cardíaco pode se acompanhar de hipovolemia aguda e/ou tam-
ponamento cardíaco, que devem ser adequadamente tratados. Independentemente do tamanho, o trauma
cardíaco também pode levar à ocorrência de arritmias. O tamponamento cardíaco pode se acompanhar de
choque e a definição da necessidade de drenagem pericárdica ou de abordagem da causa do trauma deve
ser imediata. O tamponamento ocorre quando o sangramento não se faz para o meio externo ou para a ca-
vidade pleural e o sangue se acumula na cavidade pericárdica, ao qual se segue baixo débito cardíaco devido
aumento da pressão intrapericárdica que leva à diminuição do retorno venoso ao coração, que ocorre mais
predominantemente na fase de diástole ventricular, ou à própria restrição à diástole ventricular.

930 | Bases do Ensino da Anestesiologia


O volume necessário para a produção de tamponamento aguda após trauma ventricular pode ser infe-
rior a 100 mL, embora em casos crônicos possa haver acúmulo de grandes volumes no pericárdio. Os sinais
de restrição diastólica são o ingurgitamento jugular, o baixo débito cardíaco, o choque, o abafamento das
bulhas cardíacas, a hipotensão arterial sistêmica com aumento da pressão venosa central e da pressão
diastólica final de ventrículo esquerdo.
A abordagem anestésica de paciente com trauma cardíaco com ou sem tamponamento pericárdico
deve considerar a fisiopatologia do trauma e a possibilidade de que a técnica anestésica imponha piora do
retorno venoso e da função ventricular, com risco de parada cardiorrespiratória.

42.2.7. Cardiopatias Congênitas


Anestesia e oxigenação. Um dos maiores objetivos do anestesiologista é prevenir a hipóxia intraopera-
tória para garantir uma entrega adequada de oxigênio aos tecidos (DO2). As cardiopatias congênitas obri-
gam o anestesiologista a trabalhar em situações não fisiológicas extremas. Muitas cardiopatias, como no
ventrículo único não tratado, necessitam que a saturação arterial de oxigênio fique obrigatoriamente em
torno de 85%, pois apenas um único ventrículo precisa mandar débito cardíaco para a circulação sistêmi-
ca e pulmonar. Se o paciente saturar 100%, é sinal de que o fluxo está sendo desviado para o pulmão e a
circulação sistêmica apresentará hipotensão e baixo débito.
Trabalhar com crianças com cardiopatia congênita é um grande desafio e para atingir o sucesso é ne-
cessário saber trabalhar em equipe. Pediatras, anestesistas, cirurgiões, perfusionistas, hemodinamicistas,
intensivistas, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogas, biomédicos e demais profissionais devem trabalhar
todos com o mesmo objetivo, pois a orientação da equipe é essencial para atingir o melhor desfecho para
o nosso paciente.
Avaliação do risco cirúrgico das cardiopatias congênitas
Para se estimar o risco cirúrgico dessas crianças que serão submetidas ao tratamento cirúrgico da
cardiopatia congênita, foi elaborado um escore de risco, uma vez que a complexidade cirúrgica e anes-
tésica varia muito desde um fechamento de comunicação interatrial até cirurgias de extrema comple-
xidade que são realizadas em diversos tempos cirúrgicos com a correção da síndrome da hipoplasia do
ventrículo esquerdo.
A classificação de risco ajustado para cirurgia de cardiopatias congênitas (Risk Adjusted classification
for Congenital Heart Surgery; RACHS-1) foi publicada por Jenkins e col. em 2002117. O escore classifica os
procedimentos cirúrgicos em seis categorias de risco RACHS-1 (Tabela 42.3), que não incluiu transplante
cardíaco, persistência do canal arterial no prematuro e dispositivos de assistência ventricular.
O escore RACHS-1 permite comparar a mortalidade intra-hospitalar entre grupos de crianças sub-
metidas a cirurgia para correção de cardiopatias congênitas, sendo a categoria 1 o de menor risco
de morte e a categoria 6 de mais alto risco e as taxas de mortalidade esperadas estão descritas na
Tabela 42.3117,118.
A taxa de mortalidade na categoria 5 não foi estimada no estudo devido à pequena quantidade de
casos presentes. Três fatores clínicos adicionais complementam o modelo e, quando usados, aumentam o
seu poder discriminatório119: idade, prematuridade e anomalias estruturais congênitas não cardíaca.

Tabela 42.3 – Escore de gravidade Rachs -1117


Categoria
Cirurgia Mortalidade Estimada
de Risco

• Operação para comunicação interatrial (incluindo os tipos


ostium secundum, seio venoso e forame oval)
• Aortopexia
Risco 1 0,4% e 0,3%
• Operação para persistência de canal arterial (idade > 30 dias)
• Operação de coarctação de aorta (idade > 30 dias)
• Operação para drenagem anômala parcial de veias pulmonares

Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 931


Categoria
Cirurgia Mortalidade Estimada
de Risco

• Valvoplastia ou valvotomia aórtica (idade > 30 dias)


• Ressecção de estenose subaórtica
• Valvoplastia ou valvotomia pulmonar
• Infundibulecomia de ventrículo direito
• Ampliação do trato de saída pulmonar
• Correção de fístula coronária
• Operação de comunicação interatrial e interventricular
• Operação de comunicação interatrial tipo ostium primum
• Operação de comunicação interventricular
• Operação de comunicação interventricular e valvotomia ou
ressecção infundibular pulmonar
• Operação de comunicação interventricular e remoção de
Risco 2 bandagem de artéria pulmonar 3,8% e 3,3%
• Correção de defeito septal inespecífico
• Correção total de Tetralogia de Fallot
• Operação de drenagem anômala total de veias pulmonares
(idade > 30 dias)
• Operação de Glenn
• Operação de anel vascular
• Operação de janela aortopulmonar
• Operação de coarctação de aorta (idade > 30 dias)
• Operação de estenose de artéria pulmonar
• Transecção de artéria pulmonar
• Fechamento de átrio comum
• Correção de shunt entre ventrículo esquerdo e átrio direito

• Troca de valva aórtica


• Procedimento de Ross
• Ampliação da via de saída do ventrículo esquerdo com “patch”
• Ventriculomiotomia
• Aortoplastia
• Valvotomia ou valvoplastia mitral
• Troca de valva mitral
• Valvectomia tricúspide
• Valvotomia ou valvoplastia tricúspide
• Reposicionamento de valva tricúspide na anomalia de Ebstein
(idade > 30 dias)
• Correção de artéria coronária anômala sem túnel intrapulmonar
• Correção de artéria coronária anômala com túnel intrapulmonar
• Fechamento de valva semilunar aórtica ou pulmonar
• Conduto do ventrículo direito para artéria pulmonar
• Conduto do ventrículo esquerdo para artéria pulmonar
Risco 3 • Correção de dupla via de saída de ventrículo direito com ou 8,5% e 6,8%
sem correção de obstrução em ventrículo direito
• Procedimento de Fontan
• Correção de defeito do septo atrioventricular total ou
transicional com ou sem troca de valva atrioventricular
• Bandagem de artéria pulmonar
• Correção de Tetralogia de Fallot com atresia pulmonar
• Correção de cor triatum
• Anastomose sistêmico-pulmonar
• Operação de Jatene
• Operação de inversão atrial
• Reimplante de artéria pulmonar anômala
• Anuloplastia
• Operação de coarctação de aorta associada ao fechamento de
comunicação interventricular
• Excisão de tumor cardíaco

932 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Categoria
Cirurgia Mortalidade Estimada
de Risco

• Valvotomia ou valvoplastia aórtica (idade < 30 dias)


• Procedimento de Konno
• Operação de aumento de defeito do septo ventricular em
ventrículo único complexo
• Operação de drenagem anômala total de veias pulmonares
(idade < 30 dias)
• Septectomia atrial
• Operação de Rastelli
• Operação de inversão atrial com fechamento de defeito septal
ventricular
• Operação de inversão atrial com correção de estenose
subpulmonar
• Operação de Jatene com remoção de bandagem arterial
Risco 4 19,4% e 16,4%
pulmonar
• Operação de Jatene com fechamento de defeito do septo
interventricular
• Operação de Jatene com correção de estenose subpulmonar
• Correção de truncus arteriosus
• Correção de interrupção ou hipoplasia de arco aórtico sem
correção de defeito de septo interventricular
• Correção de interrupção ou hipoplasia de arco aórtico com
correção de defeito de septo interventricular
• Correção de arco transverso
• Unifocalização para Tetralogia de Fallot e atresia pulmonar
• Operação de inversão atrial associada a operação de Jatene
(“double switch”)
• Reposicionamento de valva tricúspide para anomalia de
Ebstein em recém-nascido (< 30 dias) Não definida (vide
Risco 5
texto)
• Operação de truncus arteriosus e interrupção de arco aórtico
• Estágio 1 da cirurgia de Norwood
• Estágio 1 de cirurgias para correção de condições não
Risco 6 47,7% e 41,5%
hipoplásicas da síndrome de coração esquerdo
• Operação de Damus-Kaye-Stansel

Fisiologia das cardiopatias congênitas


A cardiopatia congênita tem um amplo espectro de lesões. Para facilitar o manejo anestésico e hemo-
dinâmico, podemos classificar as cardiopatias em quatro categorias (Quadro 42.1)120:
• Lesões tipo shunts
• Lesões obstrutivas
• Lesões regurgitantes
• Lesões mistas
Estas lesões cursam com três estados fisiopatológicos:
• Sobrecarga de volume e/ou
• Sobrecarga de pressão e/ou
• Hipoxemia
Estas alterações extremas da fisiologia resultam em insuficiência cardíaca e/ou hipertensão pulmo-
nar. O foco do manejo perioperatório é mudar a história natural da doença e minimizar as consequên-
cias destas lesões.
Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 933
Quadro 42.1 – Classificação fisiológica das cardiopatias congênitas120

Fluxo Sanguíneo
Classificação Fisiológica Comentários
Pulmonar
Shunts Esquerda-Direita Aumentado Ventrículos com sobrecarga de volume
CIA, CIV, DSAV, PCA, Desenvolvimento ICC
Dupla Via de saída do VD
Shunts Diminuído Ventrículos com sobrecarga de pressão
Direita-Esquerda Cianose
Tetralogia de Fallot Hipoxemia
Atresia pulmonar + CIV
Síndrome de Eisenmenger
Lesões Obstrutivas Variável Disfunção ventricular
Interrupção de arco aórtico Ventrículos com sobrecarga de pressão
Estenose aórtica crítica Lesões dependentes do canal arterial (Figura
Estenose pulmonar crítica 42.3 A)
Síndrome da hipoplasia do VE
Coartação da aorta
Estenose mitral
Lesões Regurgitantes Ventrículo com sobrecarga de volume
Anomalia de Ebstein Distúrbios de condução - arritmias
Lesões Mistas Geralmente depende Geralmente cianóticos
Transposição de grandes vasos Qp/Qs Variável sobrecarga de pressão e/ou volume,
Atresia tricúspide depende Qp/Qs
Retorno venoso anômalo
Ventrículo único
CIA = comunicação interatrial; CIV = comunicação interventricular; DSAV = defeito de septo atrioventricular; PCA = persistên-
cia do canal arterial; ICC = insuficiência cardíaca congestiva; VE = ventrículo esquerdo; Qp/Qs = razão fluxo pulmonar e fluxo
sistêmico; VD = ventrículo direito.

Lesões do tipo shunt


Os shunts são conecções entre câmeras cardíacas ou conexões extracardíacas entre os grandes vasos
(aorta e pulmonar). A direção do fluxo sanguíneo através do shunt depende da resistência relativa entre
os lados do shunt, obstrução ao fluxo e o tamanho do orifício121.
Exemplo 1: paciente de 3 anos com comunicação interventricular sem hipertensão pulmonar, a direção
do shunt será da esquerda para direita, uma vez que a resistência vascular pulmonar é menor que a re-
sistência vascular sistêmica (Figura 42.3.B).
Exemplo 2: paciente de 3 anos com Tetralogia de Fallot com estenose pulmonar, a direção do shunt
será da direita para esquerda (Figura 42.3.C), pois a estenose pulmonar e a hipertrofia infundibular
obstruem parcialmente o fluxo pulmonar. Nos pacientes sem estenose pulmonar, a crise de cianose
é deflagrada por situações de estresse (dor, choro, irritabilidade, infeções e outras) que aumentam a
pressão da artéria pulmonar e desviam o fluxo através do shunt para esquerda causando hipoxemia
e cianose.
Os postos-chave do manejo anestésico de cada patologia com shunt esquerda-direita são os seguintes122:
• Persistência do canal arterial (PCA)
• Evitar bolhas nas linhas venosas devido ao risco de embolia aérea paradoxal (evitar todas as
cardiopatias com shunts e também nos outros pacientes, pois a persistência do forame oval pa-
tente é frequente na população em geral);
• Em geral são pacientes neonatos, prematuros e com baixo peso que necessitarão de cuidados
intensivos no intraoperatório.
• Comunicação interatrial (CIA)
• Evitar bolhas nas linhas venosas devido ao risco de embolia aérea paradoxal;
934 | Bases do Ensino da Anestesiologia

Utilizar anestésicos de curta duração para se realizar uma extubação precoce por se tratar de
cirurgia de baixo risco.
• Comunicação interventricular (CIV)
• Antes da circulação extracorpórea (CEC): manter tônus vascular pulmonar para evitar ede-
ma pulmonar;
• Pós-CEC: tratar possíveis arritmias, especialmente bloqueios atrioventricular com marca-passo
ou fármacos vasoativos cronotrópicos positivos;
• Utilizar anestésicos de curta duração para se realizar uma extubação precoce nas CIVs
não complicadas.

Figura 42.3 – Ilustração de coração normal (A), de uma comunicação interventricular (CIV) com shunt es-
querda-direita (B) e uma CIV com estenose da via de saída do ventrículo direito gerando um shunt direita-
-esquerda. Ao = aorta; PA = artéria pulmonar; RA = átrio direito; RV = ventrículo direito; LA = átrio esquerdo;
LV = ventrículo esquerdo; Q = fluxo; VSD = comunicação interventricular. Fonte da figura: Ilustração Ruy
Alberto Gatto

• Defeito de septo atrioventricular (DSAV)


• Pré-CEC: manter o tônus vascular pulmonar para evitar edema pulmonar;
• Pós-CEC: a hipertensão pulmonar (HP) importante é comum, podendo levar ao colapso circulatório;
• Tratamento da HP pós-CEC: hiperventilação, ventilação com fração inspirada de oxigênio a
100%, alcalose sistêmica, anestesia geral profunda com bloqueio neuromuscular no pós-ope-
ratório imediato, vasodilatadores pulmonares (por exemplo, óxido nítrico inalatório) e suporte
hemodinâmico com inotrópicos (por exemplo, milrinone, adrenalina);
• Ecotransesofágico (ETE) é imprescindível para avaliação da correção do defeito e da plastia das
valvas atrioventriculares.
• Os pontos-chave do manejo anestésico de cada patologia com shunt direita-esquerda são os se-
guintes123 (Figura 42.4):
• Tetralogia de Fallot
• Espasmo de infundíbulo e crise de cianose são deflagrados quando há aumento da resistência
vascular pulmonar e hiperdinamismo do ventrículo direito causando piora do fluxo pulmonar;
• Fatores que podem deflagrar a crise de cianose: estresse, dor, desidratação, medicações que
causem queda da resistência vascular sistêmica (por exemplo, não utilizar propofol para indu-
ção) ou aumento da contratilidade ventricular (evitar inotrópicos e cronotrópicos positivos);

Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 935


• Tratamento da crise de cianose: oxigênio 100%, vasoconstritor (fenilefrina ou noradrenalina),
fluidos endovenosos e, se necessário, doses tituladas de betabloqueador (por exemplo, meto-
prolol); caso a hipóxia persista, instalação da CEC pela equipe cirúrgica;
• Bebês com anatomia desfavorável podem necessitar de um shunt sistêmico-pulmonar, a opera-
ção de Blalock-Taussing (Figura 42.5), para manter a oxigenação antes da correção definitiva;
• Durante a realização do Blalock, pode ocorrer hipoxemia grave com necessidade de CEC e após
abertura do shunt pode ocorrer hipotensão sistêmica por desvio de parte do fluxo da aorta para
a artéria pulmonar;
• Encaminhar o bebê intubado para UTI pelo risco de edema pulmonar e hipoxemia pós-operatória.

*Na ausência de hipertensão pulmonar.


Figura 42.4 – Classificação dos shunts cardíacos de acordo com sua direção

Figura 42.5 – Ilustração de um shunt cirúrgico sistêmico pulmonar – operação de Blalock-Taussing clás-
sica. Note a anastomose da artéria subclávia diretamente na artéria pulmonar. Na operação de Blalock-
-Taussing modificada, o shunt da circulação sistêmica pulmonar é realizado através de um tubo sintético
de Gorotex®. Legendas: RDAP = artéria pulmonar direita; REAP = artéria pulmonar esquerda; Ao = aorta;
AP = artéria pulmonar. Fonte da ilustração: Ruy Alberto Gatto

936 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Lesões obstrutivas
As lesões obstrutivas variam sua gravidade de leves a severas. As lesões obstrutivas graves são típicas
do período neonatal e necessitam de intervenção precoce, pois levam rapidamente ao baixo débito sis-
têmico, sobrecarga de pressão ao ventrículo proximal à lesão e disfunção ventricular importante120. Estas
lesões dependem do fluxo do canal arterial para a perfusão após a obstrução (Quadro 42.2), por isso logo
após o nascimento do bebê é iniciada prostaglandina E1 endovenosa para impedir que o canal se feche.
Também pode-se levar o neonatal para sala de hemodinâmica para se realizar uma colocação de stent no
canal arterial, e em casos que o canal já fechou a cirurgia paliativa de Blalock-Taussing modificada é uma
opção para que se mantenha a perfusão distal enquanto não é realizada a cirurgia definitiva.
Quadro 42.2 – Lesões obstrutivas dependentes de PCA120

Fluxo do PCA Doenças Fisiopatologia


PCA mantém fluxo Coartação crítica de aorta Disfunção ventricular esquerda importante
sistêmico Interrupção de arco aórtico Isquemia coronariana
Síndrome da hipoplasia do Arritmias cardíacas (pela isquemia)
coração esquerdo Hipotensão sistêmica
Estenose aórtica crítica Baixo débito sistêmico com acidose lática
PCA mantém fluxo Atresia pulmonar Disfunção ventricular direita importante
pulmonar Estenose pulmonar crítica Baixo fluxo sanguíneo pulmonar (dependente do fluxo do
Atresia tricúspide com este- PCA - pressão sistêmica)
nose pulmonar Hipoxemia
Cianose
Disfunção ventricular esquerda pela perfusão coronariana
hipoxêmica

Lesões Regurgitantes
As lesões regurgitantes valvares são doenças raras quando primariamente congênitas. O único defei-
to congênito regurgitante é a Anomalia de Ebstein. Entretanto, outras doenças congênitas cursam com
insuficiência valvar como o defeito de septo atrioventricular, truncus arterioso, Tetralogia de Fallot com
ausência da valva pulmonar.
A anomalia de Ebstein é uma malformação da valva tricúspide que se encontra posicionada mais infe-
rior causando uma malformação do ventrículo direito (atrialização do VD).
Os pontos-chave para o manejo anestésico do paciente para correção da anomalia de Ebstein são122:
• Anomalia de Ebstein
• Pacientes cursam com diversas arritmias por malformação das vias de condução intracardía-
cas – o preparo de antiarrítmicos e possibilidade de cardioversão elétrica no perioperatório
são fundamentais;
• Pacientes com disfunção grave do ventrículo direito necessitarão de pressões de enchimentos
altas e de drogas inotrópicas para manter o débito direito.

Lesões mistas
As lesões mistas constituem o maior grupo das cardiopatias congênitas cianóticas. Nas patologias classi-
ficadas como mistas, há uma grande mistura do sangue da circulação pulmonar e sistêmica e as saturações
das circulações se aproximam uma da outra. A razão do fluxo pulmonar em relação ao fluxo sistêmico (Qp/
Qs) depende do tamanho do shunt, resistência das circulações e obstrução ao fluxo sanguíneo. As circula-
ções tendem a ser paralelas em vez de serem em série120.
Um exemplo de patologia com circulação em paralelo é a transposição dos grandes vasos (TGA), pois a
artéria está conectada ao ventrículo esquerdo e manda o sangue oxigenado novamente para o pulmão e
a aorta está conectada ao ventrículo direito e manda o sangue não oxigenado para a circulação sistêmica.
Estas circulações somente se comunicam uma com a outra através da comunicação interatrial e do canal
arterial, por isso os pacientes dependem que estes shunts permaneçam abertos até a correção da pato-
logia, ou seja, até a realização da Operação de Janete.
Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 937
Os pontos-chave do manejo anestésico de cada patologia com lesões mistas são os seguintes:
• Transposição de grandes vasos124
Antes da correção:
• A mistura do sangue das circulações deve ser garantida;
• O canal arterial deve ficar patente estar necessitando de prostaglandina (PGE-1) por via venosa;
• Deve haver uma comunicação interaterial, se ela for restritiva o RN deve ser submetido a atrios-
septomia por balão na hemodinâmica;
• Avaliação da circulação coronariana;
• Avaliação da massa do ventrículo esquerdo para prever se ele irá suportar a cirurgia definitiva
ou se deve se proceder à cirurgia paliativa (por exemplo, bandagem da artéria pulmonar) para
preparar este ventrículo.
Após a correção:
• Manejo da coagulopatia e sangramento excessivo devido à desproporção do tamanho do pacien-
te e do circuito de CEC, devido ao tempo cirúrgico, pela complexidade da cirurgia e diversas
linhas de sutura em locais de alta pressão;
• Avaliação da contratilidade regional para avaliação do reimplante de coronárias;
• Tratamento das arritmias.

Cirurgias paliativas de fisiologia de ventrículo único


As cirurgias paliativas são realizadas nas cardiopatias congênitas complexas em que não se encontram
todas as câmaras cardíacas, como na atresia tricúspide (ausência do VD e da valva tricúspide), atresia
pulmonar (ausência do VD e da valva pulmonar), síndrome da hipoplasia do coração esquerdo (atresia da
aorta e hipoplasia do VE) e no coração com ventrículo único (ausência de um dos ventrículos).
Estas cirurgias paliativas têm como objetivo criar condutos para que o retorno venoso chegue direta-
mente na artéria pulmonar (sem passar pelo VD) e deixar o ventrículo normal para mandar o débito car-
díaco para a circulação sistêmica.
As cirurgias paliativas de fisiologia de ventrículo único são realizadas em estágios conforme o cresci-
mento da criança.
As cirurgias paliativas são as seguintes125:
• Operação Blalock-Taussing modificada
• Realizada em recém-nascidos geralmente;
• Conexão da artéria subclávia direita com a artéria pulmonar direita através da anastomose de
tubo de Gorotex®;
• Depende de pressão e débito cardíaco do ventrículo único para perfundir as duas circulações;
pode necessitar de suporte hemodinâmico farmacológico no perioperatório.
• Operação de Glenn bidirecional ou anastomose cavopulmonar superior (Figura 42.6) 125
• Realizadas em pacientes entre 4 a 8 meses, geralmente;
• Na cirurgia de Glenn bidirecional se diverge o sangue de uma ou ambas as cavas superiores
(quando há persistência da veia cava esquerda) para as artérias pulmonares com preserva-
ção da continuidade entre as artérias pulmonares direita e esquerda. Com isso, aproxima-
damente 1/3 do retorno venoso sistêmico é drenado diretamente para o pulmão, sem passar
pelo coração;
• Pode ser realizada com ou sem CEC;
• O fluxo venoso através do shunt da veia cava superior é gravitacional e passivo;
• Todos os fatores que aumentam as pressões intratorácicas e a pressão da artéria pulmonar pio-
ram o fluxo no Glenn (shunt cavopulmonar);
• Quando há queda do fluxo na anastomose ocorre hipóxia e hipotensão sistêmica, pois não retor-
na sangue suficiente para o ventrículo sistêmico;

938 | Bases do Ensino da Anestesiologia


• Proclive, ajuste da volemia, suporte inotrópico, vasodilatadores pulmonares e ventilação mecâ-
nica com pressões baixas (ou ventilação espontânea quando possível) melhoram o fluxo sanguí-
neo na anastomose.

Figura 42.6 – Ilustração da Operação de Glenn. VCS = veia cava superior; RDAP = ramo direito da artéria
pulmonar; REAP = ramo esquerdo da artéria pulmonar; AD = átrio direito. Ilustração: Ruy Alberto Gatto

• Operação de Fontan ou cavopulmonar total125


• Pacientes são operados de 15 meses aos 3 anos (geralmente);
• A artéria pulmonar é desconectada do coração e o retorno venoso da veia cava inferior é to-
talmente desviado através de um conduto de Gorotex® diretamente para a artéria pulmonar;
• Após a confecção da circulação cavopulmonar total, o retorno venoso é independente do débito
cardíaco dos ventrículos e seu fluxo depende da diferença da pressão venosa para a pressão da
artéria pulmonar, quanto maior for a diferença maior o fluxo pulmonar;
• O manejo perioperatório tem como objetivo diminuir a resistência vascular pulmonar com a
realização de ventilação com baixas pressões, suporte inotrópico, ultrafiltração modificada
(MUF) na CEC e tratamento eficaz do sangramento e da coagulopatia para manutenção de
volemia adequada.

Monitorização hemodinâmica
Todo paciente pediátrico submetido a uma cirurgia cardíaca deve ser monitorizado com:
• Cardioscopia;
• Oximetria de pulso pré-ductal (membro superior) e pós-ductal (membro inferior);
• Pressão arterial não invasiva;
• Pressão arterial invasiva (geralmente após a indução da anestesia);
• Pressão venosa central (geralmente após a indução da anestesia);
• Temperatura nasofaríngea e retal;
• Índice Biespectral (BIS®);
• Oximetria cerebral (NIRS®);
• Capnografia e analisador de gases;
• Parâmetros ventilatórios;
• Sondagem vesical;
• Pressão de átrio esquerdo direto – acesso cirúrgico (se necessário);
• Pressão artéria pulmonar direto – acesso cirúrgico (se necessário);
• Monitor de bloqueio neuromuscular (se possível).
Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 939
Além destes monitores, está indicado em toda cirurgia cardíaca congênita, especialmente as com co-
ração aberto e as baseadas em cateter (por exemplo, fechamento percutâneo de CIA), o uso do ecotran-
sesofágico (ETE) 126.
O ETE durante a cirurgia cardíaca é utilizado com monitor hemodinâmico uma vez que mede o débito
cardíaco, as resistências vasculares, os gradientes de pressão, estima pressão sistólica artéria pulmonar,
avalia a volemia, estima a pressão de átrio esquerdo, avalia a contratilidade regional, além de ser o único
monitor que pode avaliar em tempo real no intraoperatório a função sistólica e diastólica dos dois ventrí-
culos auxiliando no manejo anestésico e hemodinâmico.
Exemplo 1: paciente com hipotensão após a indução da anestesia, qual o diagnóstico? Hipovolemia?
Disfunção ventricular? Vasodilatação? Tamponamento (choque obstrutivo)? Em poucos minutos o ETE pode
diferenciar claramente estes 4 estados hemodinâmicos.
O ETE também é utilizado como diagnóstico intraoperatório120.
A avaliação antes da CEC tem com objetivos:
• confirmar o diagnóstico pré-operatório;
• adicionar novos achados;
• auxiliar no planejamento cirúrgico.
A avaliação após a CEC tem como objetivos120:
• auxiliar na retirada de ar das câmeras cardíacas;
• avaliar o resultado cirúrgico imediato;
• mostrar defeitos residuais;
• avaliar alteração de contratilidade regional ou global;
• auxiliar no uso de medicações vasoativas.
Exemplo 2: na avaliação pós-CEC de paciente submetido a correção da transposição de grandes vasos
(cirurgia de Jatene), aparece no ETE acinesia da parede anterolateral do ventrículo esquerdo. Decido re-
tornar a CEC para revisão do reimplante da coronária esquerda.

Suporte hemodinâmico
Frequentemente após a correção das cardiopatias congênitas complexas, é necessário o suporte hemo-
dinâmico através de medicações vasoativas. Os fármacos mais frequentemente utilizados e suas diluições
para os pacientes pediátricos estão listados na Tabela 42.4.
Além do suporte farmacológico, algum paciente tem indicação de suporte hemodinâmico mecânico pós-
-operatório. Podem ser instaladas assistências ventriculares esquerda e/ou direita e até mesmo a oxigena-
ção por membrana extracorpórea (ECMO) quando há instabilidade hemodinâmica refratária e hipoxemia127.
Tabela 42.4 – Fármacos inotrópicos, vasodilatadores e vasopressores utilizados na anestesia cardíaca pediátrica128.

Diluição em Diluição em Diluição em


Fármaco
100mL de SF 50mL de SF 20mL de SF
Dobutamina 6Xpeso 6xpeso 6xpeso/5
(1mL=1µg.kg.-1min-1) (1ml=2µg.kg.-1min-1) (1mL=1µg.kg.-1min-1)
Dopamina 6xpeso 6xpeso 6xpeso/5
(1mL=1µg.kg.-1min-1) (1mL=2µg.kg.-1min-1) (1mL=1µg.kg.-1min-1
Adrenalina 0,6xpeso 0,6xpeso 0,6xpeso/5
(1mL=0,1µg.kg.-1min-1) (1mL=0,2µg.kg.-1min-1) (1mL=0,1µg.kg.-1min-1)
Noradrenalina 0,6xpeso 0,6xpeso 0,6xpeso/5
(1mL=0,1µg.kg.-1min-1) (1mL=0,2µg.kg.-1min-1 (1mL=0,1µg.kg.-1min-1)
Nitroprussiato de Sódio 3xpeso 3xpeso 3xpeso/5
(1mL=0,5µg.kg.-1min-1) (1ml=1µg.kg.-1min-1 (1ml=0,5µg.kg.-1min-1
Milrinone 0,35-0,75 x peso x 1440
(0,8mL /hora=0,35-0,75ug.kg.-1min-1)

940 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Diferenças entre a circulação extracorpórea do adulto e da criança
Existem muitas diferenças na CEC pediátrica comparada à CEC do adulto, especialmente devido à des-
proporção da superfície corpórea da criança comparada à superfície da CEC. As principais características
de cada uma estão resumidas na Tabela 42.5.
Tabela 42.5 – Diferenças da CEC do adulto e CEC pediátrica

Parâmetro Adulto Pediátrica


Temperatura Raramente abaixo de 25-30° 15-20° nas correções complexas
Parada circulatória sistêmica/total Rara Mais frequente
Hemodiluição 25-33% 150-300%
Composição prime Cristaloides (geralmente) Sangue e/ou albumina (geralmente)
Hipoglicemia Rara Comum – reserva baixa de glicogê-
nio hepático
Hiperglicemia Frequente Incomum

42.3. ANESTESIA PARA CARDIOVERSÃO ELÉTRICA


A cardioversão elétrica é procedimento de pequeno porte que requer sedação e analgesia. Habitual-
mente, é realizada em diferentes ambientes fora do centro cirúrgico, como enfermaria, unidades de
emergência ou de terapia intensiva. Consiste na tentativa de conversão, através de um ou mais choques
elétricos com corrente direta, de um ritmo cardíaco anormal para o ritmo sinusal.
A indicação mais comum de cardioversão é a fibrilação atrial. A cardioversão é feita de forma sincro-
nizada, isto é, o cardioversor “marca” a onda R do ECG e o choque é liberado quando o eletrocardiógrafo
reconhece a onda R.
Existem diferenças entre a cardioversão eletiva e aquela realizada em caráter de emergência. A cardio-
versão de emergência (também chamada desfibrilação se o ritmo é a fibrilação ventricular) é requerida
para arritmia que compromete o sistema cardiovascular levando à instabilidade hemodinâmica, como uma
fibrilação atrial com alta resposta ventricular. Nestas condições, se o paciente estiver inconsciente devido
ao baixo débito cardíaco, pode não haver necessidade de analgesia e sedação, evitando-se instabilidade
hemodinâmica adicional.
Para a cardioversão eletiva há necessidade de sedação e analgesia, pois o procedimento é doloroso129.
Esses pacientes podem ter cardiopatias preexistentes, mais ou menos importantes, incluindo infarto do
miocárdio, insuficiência cardíaca, angina e hipertensão, assim como outras doenças sistêmicas coexistentes.
Antes de iniciar qualquer sedação fora da sala de operação, é necessário verificar todo o material130,
fonte de oxigênio, vácuo, meios de proporcionar uma ventilação adequada; avaliação dos exames, jejum,
próteses dentárias, assim como a exérese de adesivos de nitroglicerina que pacientes com angina possam
estar usando, pois há risco de explosão com alguma fagulha elétrica.
O agente anestésico ideal deve ter meia-vida curta e não alterada significativamente por insufi-
ciência renal ou hepática. Deve promover rápida inconsciência com analgesia, recuperação rápida,
sem efeito cumulativo com doses repetidas, sem efeitos cardiovasculares de depressão de contrati-
lidade ou condução, sem causar vômito. Nenhum dos anestésicos disponíveis atualmente apresenta
todas estas qualidades. Todos os agentes intravenosos e sedativos já foram testados para realização
de cardioversão elétrica131.
Dentre os benzodiazepínicos, o diazepam é estável aos efeitos cardiovasculares com menor incidência
de extrassístoles ventriculares que o tiopental, contudo, um estudo mostra que um terço dos pacientes
não apresentou amnésia durante o procedimento132. Foi substituído pelo midazolam, que apresenta menor
duração de ação e baixa incidência de alergia. Entretanto, o midazolam, mesmo com o uso do flumazenil,
antagonista benzodiazepínico, pode apresentar sedação prolongada.
Dentre os barbitúricos, o tiopental foi usado com sucesso em cardioversão, mas apresenta grau consi-
derável de apneia133, além de promover o efeito cumulativo em doses repetidas.
Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 941
O etomidato promove boa estabilidade cardiovascular, com baixa incidência de alergia. Usado isolada-
mente134 ou associado ao fentanil, pode produzir dor à injeção e recuperação mais demorada que o propo-
fol. Adicionalmente, pode causar mioclonias, o que pode interferir na interpretação eletrocardiográfica135.
O propofol é a droga que mais se aproxima do agente ideal na anestesia para cardioversão elétri-
ca133-136. Pronto para usar, promove indução agradável, rápida perda de consciência e amnésia, pode ser
repetido várias vezes sem prolongar a regressão da anestesia. Embora seja depressor do miocárdio e
possa causar queda da pressão arterial, tal efeito pode ser atenuado ao se administrar em infusão lenta
em vez de bolus.
A pré-oxigenação é recomendada antes da cardioversão por aumentar a margem de segurança, caso
exista qualquer problema de ventilação. Em algumas situações, pode ser necessária a indução da aneste-
sia em paciente de estômago cheio e medidas adequadas devem ser tomadas para proteger as vias aéreas
contra regurgitação e aspiração de conteúdo gástrico.
Com qualquer agente anestésico escolhido, deve ser feita titulação cuidadosa da dose para evitar su-
perdosagem. Após o retorno do ritmo sinusal, deseja-se um despertar rápido e recuperação dos reflexos
normais de vias aéreas.
A cardioversão pode ser feita em uma emergência, inclusive em uma paciente grávida, desde que se
siga a prática anestésica regular137.

42.4. ANESTESIA NO LABORATÓRIO DE HEMODINÂMICA


O avanço nas técnicas de diagnóstico e terapêutica em cardiologia, associado à evolução dos equipa-
mentos de imagem e dos cateteres, tem levado ao aumento do número de procedimentos intervencio-
nistas e de diagnóstico em ambientes fora do centro cirúrgico. Frequentemente, tais procedimentos ne-
cessitam do acompanhamento de um anestesiologista, sendo cada vez maior o número de pacientes que
necessitam de sedação, anestesia local associada à sedação ou anestesia geral.
Muitas vezes a sedação leve é necessária tanto para diminuir o estresse do paciente de baixo risco
submetido a um cateterismo cardíaco, como para procedimentos complexos em cardiopatas graves. Adi-
cionalmente, pacientes pediátricos submetidos a procedimentos cardiológicos, mesmo os mais simples
precisam ficar imóveis para possibilitar a realização do exame e evitar erros diagnósticos.

• Cateterismo cardíaco
O cateterismo cardíaco é realizado de maneira semelhante a uma angiografia. É usado para estabelecer
diagnósticos (doenças coronarianas, valvares), medir pressões nas diversas câmaras do coração e estabe-
lecer gradientes de pressão através de válvulas.
Em adultos, estes procedimentos normalmente são realizados com anestesia local, havendo necessida-
de de que o paciente coopere com o hemodinamicista, sendo geralmente bem tolerados. Alguns pacientes
muito ansiosos ou agitados requerem algum tipo de sedação.
Em crianças, o cateterismo cardíaco para diagnosticar, avaliar e, inclusive, tratar as cardiopatias congê-
nitas. É feito sob sedação ou anestesia geral, garantindo imobilização, estabilidade hemodinâmica, respi-
ração espontânea e regressão anestésica rápida. A imobilização é essencial para medidas hemodinâmicas
adequadas e angiogramas, evitar perfurações e também diminuir a exposição à radiação.
Um cateterismo típico inclui medidas de pressão intracardíacas e intravasculares, oximetrias, detalhes
sobre localização e direção dos shunts. Detalhes anatômicos durante o cateterismo são identificados pela
injeção de contraste radiopaco na câmara ou vaso proximal à obstrução ou no lado da pressão mais alta
do shunt.
Os procedimentos de cateterismo intervencionista apresentaram um avanço significativo no tratamento
de muitos defeitos cardíacos congênitos. Transcateter device para fechamento de defeitos de septo ventri-
cular, duto arterioso patente, oclusão com umbrella, dilatação com balão, valvotomia e atriosseptectomia
com balão são procedimentos intervencionistas que podem estar associados com risco de sangramento.
Existem procedimentos em que são necessárias oximetrias em ar ambiente e depois com FiO2 100%
para cálculo de resistência pulmonar. O uso de ventilação espontânea geralmente é indicado pelo impacto
da ventilação com pressão positiva (VPPI) na função cardíaca em crianças com lesões que predispõem a

942 | Bases do Ensino da Anestesiologia


uma complacência diminuída de ventrículo direito, como no pós-operatório de operação de Fontan. Com
VPP na inspiração, o fluxo sanguíneo pulmonar desaparece em alguns pacientes. As vias aéreas necessitam
estar livres, podendo isso ser obtido com cânula de Guedel, máscara laríngea ou intubação endotraqueal.
Uma criança com síndrome de Down, por exemplo, apresenta dificuldade em manter uma via aérea livre
durante ventilação espontânea, o que pode resultar em hipercarbia e resistência vascular pulmonar ele-
vada. Hipercarbia ou hipoxemia alteram a pressão das artérias pulmonares.
Na maioria dos cateterismos, a sedação pode ser feita com midazolam, fentanil e cetamina, ou propofol
nas crianças maiores, dependendo da função ventricular e capacidade funcional. Após indução anestésica,
é feita uma anestesia local para a punção, diminuindo o consumo de anestésicos. Midazolam e cetamina por
via oral138 proporcionam sedação adequada com pouco comprometimento respiratório e hemodinâmico139.
Ambos dão amnésia, mas pode haver necessidade de complementação durante o procedimento.
Foi demonstrado que o propofol é um anestésico seguro em pacientes pediátricos, mas pouco foi publi-
cado sobre seu uso em crianças com cardiopatias congênitas140. O propofol diminui a pressão sanguínea, o
que poderia alterar a informação a ser obtida no cateterismo cardíaco. O principal efeito hemodinâmico do
propofol em crianças com cardiopatia é reduzir a resistência vascular sistêmica141, levando a um aumento
no desvio do sangue do lado direito para esquerdo em crianças com shunt intracardíaco, diminuindo a sa-
turação arterial em cardiopatias cianogênicas. O sevoflurano é bem indicado em anestesia geral para cate-
terismo, apresenta indução e regressão rápida e não tem efeitos inotrópicos negativos142. Se é necessária
uma indução inalatória com máscara, a preferência é pelo sevoflurano, seguido do halotano, o isoflurano e
enflurano, sendo que os 2 últimos irritam as vias aéreas levando a uma resposta hiperdinâmica143. Os agentes
anestésicos usados para sedação em criança, mantendo respiração espontânea, são144:
a) Midazolam – 0,1 mg.kg-1.h-1 (dose inicial 0,1 a 0,2 mg.kg-1)
b) Cetamina – 0,25 mg.kg-1.h-1 (dose inicial 0,25 a 0,5 mg.kg-1)
c) Fentanil – 1 mcg.kg-1.
d) Propofol – 0,4 mg.kg-1.h-1 (dose inicial 0,5 mg.kg-1)
e) Sevoflurano
Em cateterismos intervencionistas e pacientes de alto risco (neonatos, crianças hipoxêmicas, Tetra-
logia de Fallot com episódios de hipóxia, pacientes com arritmias crônicas, doença obstrutiva vascular
pulmonar severa), o anestesiologista é imprescindível145. Nestes casos, uma sedação pode evoluir para
anestesia geral, devido à instabilidade hemodinâmica ou obstrução de vias aéreas, sendo necessária in-
tubação de urgência. É recomendável, nestes casos, anestesia geral com intubação endotraqueal desde o
início do procedimento.
As complicações do cateterismo pediátrico são arritmias pelo manuseio dos cateteres e fios-guia nos
ventrículos e artéria pulmonar, punção miocárdica com tamponamento e depressão miocárdica pelo con-
traste. É importante ter todos os fármacos de ressuscitação prontamente disponíveis. Outros problemas
que podem ser encontrados são lesão de nervos periféricos pela posição com braços elevados por tempo
prolongado, movimentos frequentes da mesa e do tubo de imagem. Devido à movimentação frequente
da posição da mesa e do paciente, o anestesiologista deve estar permanentemente atento à possibilida-
de de desconexão de cateteres venosos, cânula traqueal e circuitos respiratórios, evitando complicações
durante o procedimento.
• Implante de marca-passo
O coração pode apresentar distúrbios elétricos ou mecânicos. As “falhas elétricas” referem-se a qual-
quer ritmo diferente do sinusal normal (arritmia), podendo causar disfunção mecânica por bradicardia,
taquicardia e contrações ventriculares e atriais não sincronizadas.
O tratamento inicial das arritmias geralmente é feito com drogas. O tratamento alternativo inclui abla-
ção de focos ectópicos cirurgicamente e/ou com cateter de radiofrequência. A terapia eletrônica inclui o
marca-passo e eletroversão que pode ser cardioversão (DC) com choques sincronizados na onda R ou des-
fibrilação com choques não sincronizados. Marca-passos cardíacos são aparelhos temporários ou perma-
nentes (implantados) que estimulam eletricamente o coração, mais comumente usados para tratamento
de bradiarritmias, devido à disfunção do nó sinusal, bloqueio cardíaco ou disfunção autonômica. A maioria
dos sistemas de marca-passo usa eletrodos endocárdicos que podem ser implantados usando-se anestesia

Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 943


local e sedação leve. Em crianças, é necessária a anestesia geral. Da mesma forma, se existe infecção na
loja do marca-passo, a anestesia local poderá não ser eficiente, sendo necessária anestesia geral.
Em muitos centros, é rotina o implante e a revisão do marca-passo serem feitos apenas com anestesia
local145,146. A anestesia para cirurgia cardíaca e a monitorização atual estenderam com segurança seus be-
nefícios para qualquer paciente com cardiopatia. Uma bem manuseada anestesia geral ou técnica local
com sedação associada certamente é menos estressante para os pacientes e proporciona melhores condi-
ções para o médico que vai realizar o implante.
Eletrocardiografia contínua, acesso venoso, PA não invasiva e oximetria devem ser monitorados. Se
houver taquiarritmias e instabilidade hemodinâmica, pode ser necessária a instalação de monitorização
invasiva da pressão arterial. Se o paciente apresenta bradicardia sintomática, deve haver um marca-passo
temporário disponível, assim como fármacos cronotrópicos, inotrópicos e antiarrítmicos.
Diversas técnicas e agentes anestésicos podem ser utilizados. Dentre as mais utilizadas, tem-se a téc-
nica balanceada com propofol, etomidato ou midazolam e um opioide. Os pacientes podem ser intubados,
se existem taquiarritmias que levem a instabilidade hemodinâmica. A quantidade de cada agente anesté-
sico varia com a necessidade individual de cada paciente e a natureza do procedimento147. Os pacientes
variam individualmente na sua resposta a doses de sedativos, devendo esta ser titulada. O anestesiolo-
gista deve estar preparado para manusear os efeitos depressores cardiorrespiratórios, aos quais estes pa-
cientes são geralmente mais sensíveis.
O propofol tem sido muito usado pela sua rápida recuperação148, mas pode causar depressão cardio-
vascular e qualquer sedação programada pode progredir para anestesia geral e, portanto, suporte respi-
ratório deve estar disponível.
• Estudo eletrofisiológico
Com o aumento do conhecimento da eletrofisiologia cardíaca e das vias de condução da síndrome de
Wolff-Parkinson-White (WPW) e pelo tratamento cirúrgico das arritmias, as técnicas de ablação por cate-
ter se desenvolveram para interromper as vias acessórias e focos anômalos.
As vias acessórias e os focos anômalos são localizados pelos procedimentos de mapeamento por cate-
ter, quando então é feita a ablação do trato de condução, ou foco, com corrente de radiofrequência. As
vias acessórias do lado esquerdo são alcançadas por via transeptal ou retrogradamente através da aorta.
Inicialmente foi usada ablação com corrente direta, mas seu uso foi limitado pelo número de complica-
ções, como vasoespasmo coronariano, perfuração miocárdica e uma pequena mas séria incidência de
morte súbita. Em contraste, 88% de sucesso foi descrito na ablação por cateter de radiofrequência, com
raros relatos de perfuração miocárdica149, o que torna a ablação por cateter de radiofrequência a estraté-
gia inicial de manuseio de pacientes com síndrome de WPW.
A ablação por cateter de radiofrequência não é um procedimento muito doloroso; e o maior estímulo
é a introdução dos cateteres percutâneos, o que pode ser aliviado com anestesia local. Os procedimentos
podem ser prolongados e a indução de arritmias pode ser desagradável. A sedação auxilia na execução do
procedimento. O anestésico ideal não deve alterar a propagação do impulso, a refratariedade e não pre-
venir a indução da disritmia. Além disso, deve também permitir um despertar rápido e tranquilo.
O tratamento das arritmias supraventriculares inclui: Síndrome de WPW, taquicardia supraventricular,
taquicardia de reentrância nodal atrioventricular, flutter atrial, fibrilação atrial. A taquicardia supraven-
tricular (TSV) é comum em pacientes com WPW. Estes pacientes frequentemente apresentam múltiplas
vias anômalas de condução que requerem mapeamento eletrofisiológico. Como a administração de fár-
macos antiarrítmicos pode interferir no mapeamento eletrofisiológico, estas devem ser suspensas antes
do procedimento. Então, taquiarritmias hemodinamicamente significantes que se desenvolvam antes do
exame devem ser tratadas com cardioversão.
O manuseio anestésico para o tratamento de taquicardia supraventricular pode causar impacto nos
estudos para diagnóstico e nos procedimentos de ablação porque muitos anestésicos têm propriedades
eletrofisiológicas que afetam a função do nó sinoatrial (NSA) e também das vias de condução acessórias
e atrioventriculares.
O efeito de várias medicações pré-anestésicas e relaxantes musculares na eletrofisiologia das vias acessórias
tem sido investigado incompletamente. Foi demonstrado que o droperidol pode deprimir a condução das vias

944 | Bases do Ensino da Anestesiologia


acessórias150, prevenindo uma resposta ventricular rápida durante TSV antidrômica. Opioides e barbitúricos não
apresentaram efeitos eletrofisiológicos nas vias acessórias e se mostraram seguros em pacientes com WPW150.
Midazolam e alfentanil151 em WPW não apresentam diferença na condução ou período refratário das
vias acessórias durante condução anterógrada e retrógrada, assim como o lorazepam e o sufentanil152.
O uso de fentanil na síndrome de WPW não apresentou efeito significativo nas vias acessórias, mas um
estudo prévio em cães mostra um prolongamento na condução do nodo AV e do período refratário efetivo
ventricular, o que pode tornar a indução da taquicardia de reentrância atrioventricular difícil e complicar
o mapeamento.
O propofol, atualmente, é o agente intravenoso mais utilizado devido suas propriedades farmacociné-
ticas que propiciam um rápido despertar sem efeitos cumulativos após administração prolongada, não
tendo apresentado efeitos clinicamente significantes nos estudos eletrofisiológicos e refratariedade do
sistema de condução AV153-156. Não apresenta efeito significante na atividade do nodo sinoatrial ou condu-
ção intra-atrial, induzindo diretamente bradiarritmias. Alguns autores mostraram que o propofol afeta o
NSA e a condução AV155-156.
Dos agentes voláteis, o enflurano aumenta a refratariedade das vias atrioventriculares e acessórias em
maior intensidade que o isoflurano e o halotano154. Estes agentes voláteis, usados durante procedimento
de ablação, podem confundir a interpretação dos estudos pós-ablação para determinar o sucesso do tra-
tamento157. O sevoflurano combinado com alfentanil e midazolam158 não apresentou efeito eletrofisiológico
no sistema de condução atrioventricular ou vias acessórias e nenhum efeito importante na atividade do
nodo sinoatrial ou condução intra-atrial. É o agente anestésico inalatório de escolha para uma anestesia
geral. A administração de fármacos anticolinérgicos é controversa. O uso do pancurônio ou galamina na
Síndrome de WPW é considerado seguro apesar de sua ação no encurtamento da condução152.
A ablação por cateter da taquicardia ventricular, em muitos casos, é especialmente complicada. A
maioria dos pacientes apresenta comprometimento grave da função cardíaca e muitos são coronariopatas.
O manuseio anestésico destes pacientes tem que levar em consideração a doença cardíaca preexistente
e as doenças associadas. Uma monitorização invasiva é necessária para evitar efeitos deletérios de uma
taquicardia ventricular sustentada ou fibrilação ventricular. Fármacos de suporte inotrópico devem estar
preparados e disponíveis para uso imediato.
As propriedades eletrofisiológicas dos diferentes agentes anestésicos têm sido investigadas na área
clínica e experimental. Um anestésico ideal para estudos eletrofisiológicos e ablação, especialmente das
taquicardias supraventriculares, deve apresentar:
a) efeitos mínimos na condução do sistema AV normal ou vias acessórias;
b) supressão adequada da resposta simpática.
Muitos resultados mostraram que uma combinação de narcóticos e benzodiazepínicos, e também o pro-
pofol, não tem efeitos na condução AV normal e vias acessórias, assim como suprimem adequadamente a
resposta a estímulos hemodinâmicos. Estes agentes em diferentes combinações e doses podem ser usados
para sedação, ou técnicas neurolépticas e também para anestesia geral. Os agentes voláteis são os menos
indicados para estes procedimentos.

• Implante de desfibrilador
Uma opção terapêutica para pacientes com arritmia ventricular nos quais não foi encontrado um trata-
mento antiarrítmico eficiente e apresentam um alto risco de morte súbita é o implante de desfibrilador.
Quando o distúrbio de ritmo é detectado, o aparelho inicialmente tenta restaurar o ritmo aumentando a
frequência cardíaca. Se o aumento da frequência cardíaca for insuficiente para inibir a arritmia, o desfi-
brilador libera um choque DC para promover a cardioversão. Embora o choque seja desagradável, neste
momento, o paciente está semiconsciente e nem percebe o choque.
Anestesia geral com monitorização completa é usada para o implante ou revisão do desfibrilador.
As técnicas e agentes anestésicos usados para anestesia variam, mas, em geral, são combinações de
hipnóticos, opioides e relaxantes musculares de modo a obter estabilidade hemodinâmica e testar o limiar
de desfibrilação durante o implante. Anestesia intravenosa com propofol e também inalatória com isoflu-
rano ou sevoflurano são técnicas aceitáveis que não alteram o limiar de desfibrilação159.

Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 945


42.5. ANESTESIA PARA CIRURGIA VASCULAR
Pacientes cuja avaliação pré-operatória é focada no tipo de cirurgia e com manejo adequado das co-
morbidades podem ter evoluções distintas e mudança no desfecho, como é o caso dos candidatos a cirur-
gia da aorta160. Muitas complicações perioperatórias podem ser evitadas com uma avaliação adequada no
pré-operatório, com identificação das particularidades e necessidades de cada paciente.
Pacientes candidatos a cirurgias da aorta, em geral, apresentam outras doenças vasculares associadas,
sendo a principal a coronariopatia. Esta é responsável por 50% dos óbitos no pós-operatório. Assim, todos
os pacientes candidatos a cirurgias da aorta devem ser submetidos à avaliação cardiológica, seja pelo clí-
nico geral, pelo anestesiologista especializado em avaliação pré-operatória ou pelo próprio cardiologista.
Nos casos com complicação cardíaca, a internação hospitalar se prolonga em média 11 dias, sendo o infar-
to agudo do miocárdio a principal causa de complicação cardíaca.
A avaliação pré-anestésica permite ao anestesiologista conhecer a situação clínica do paciente e pro-
piciar o melhor cuidado perioperatório.
Este capítulo trata apenas das particularidades dos casos de cirurgias de aorta, excluindo os escores de
avaliação de risco para pacientes cardiopatas que serão detalhados em outros capítulos.
Os pacientes candidatos a cirurgias de aorta devem se apresentar com pelo menos um eletrocardio-
grama pré-operatório. Caso apresente fatores de risco cardiológico ou histórico cardiológico positivo, os
pacientes devem ter um ecocardiograma transtorácico e um teste de estresse cardiológico161.
Como se trata de um procedimento de grande porte, a dosagem de creatinina e a estimativa de fil-
tração glomerular se fazem necessárias no período pré-operatório, uma vez que muitos insultos renais
estarão presentes durante a cirurgia, seja pelo uso do contraste ou pela isquemia-reperfusão gerada pelo
clampe aórtico161.
É importante que todos os pacientes candidatos à cirurgia de reparo de aneurisma de aorta abdominal
estejam tomando estatinas há pelo menos 1 mês e esta deve ser continuada no pós-operatório162-163.
Além disto, é recomendado o uso de betabloqueadores para pacientes de maior risco cardiovascular e
que, também, seja iniciada há pelo menos 1 mês antes do procedimento cirúrgico161. O uso pré-operató-
rio de betabloqueadores e clonidina deve ser mantido. Na remoção súbita destes medicamentos, há risco
potencial de rebote com aumento da pressão arterial e/ou frequência cardíaca.
Recentemente, o uso da aspirina foi questionado, principalmente com os resultados do 2014 Periope-
rative Ischemic Evaluation 2 (POISE-2). Na avaliação de 30 dias após a cirurgia, a aspirina não reduziu
mortalidade ou incidência de infartos164. Este estudo determinou algumas mudanças nas recomendações
para uso da aspirina no pré-operatório, sendo que a Sociedade Americana de Cardiologia determina que
a aspirina siga as recomendações165:
• Se cirurgia não emergencial e não cardíaca, sem stent coronário, pode ser razoável a continuação
da aspirina, se a probabilidade de evento cardiológico superar o risco de sangramento (Classe IIb,
Nível B)
• Se cirurgia não cardíaca e não carotídea, sem stent coronário prévio, início ou continuação da as-
pirina não é benéfico (Classe III, Nível B), a menos que o risco de evento isquêmico supere o risco
de sangramento (Classe III, Nível C)
Apesar de a AHA/ACC considerar a cirurgia convencional de aorta como de alto risco e a endovascular
como de moderado risco, alguns autores questionam esta diferenciação, uma vez que o paciente é igual-
mente grave, do ponto de vista de comorbidades, além de que a longo prazo não há grande diferença
entre essas técnicas com relação à mortalidade.
O principal escore de classificação de risco utilizado para avaliação de pacientes submetidos a corre-
ção de aneurisma é o BAR (British Aneurysm repair score), que pode ser acessado on-line (http://www.
britishaneurysmrepairscore.com).
O escore BAR (Quadro 42.3) leva em consideração não somente dados do aneurisma, mas também de
comorbidades apresentadas pelos pacientes. O escore da BAR contempla o tipo de reparo a ser realizado,
a idade do paciente, sexo, creatinina sérica, presença de doença cardíaca, alterações no ECG, cirurgia
vascular prévia, leucograma, sódio sério, diâmetro do aneurisma e o estado físico do ASA. Cruzando estes
946 | Bases do Ensino da Anestesiologia
dados, calcula-se a probabilidade de óbito para o paciente em forma de porcentagem166. Apesar de existi-
rem outros escores, como Medicare e Vascular Governance North West (VGNW), o BAR é o único calibrado
para os subgrupos de cirurgia convencional e endovascular167.
Quadro 42.3 – British Aneurysm Repair Score (BAR)
Fatores de Risco considerados no Escore BAR
Tipo de Cirurgia (Aberta/Endovascular)
Idade
Gênero
Creatinina
Doença Cardíaca (Isquemia Cardíaca Prévia ou Insuficiência Cardíaca)
Anormalidade no ECG
Stent ou Cirurgia Prévia na Aorta
Contagem de Leucócitos
Sódio Sérico
Diâmetro do Aneurisma
ASA

42.6. PROTEÇÃO MIOCÁRDICA


A proteção miocárdica durante anestesia objetiva diminuir o consumo miocárdico de oxigênio, ade-
quando-o à oferta tecidual momentânea e/ou tornar as células cardíacas mais resistentes a episódios
isquêmicos, atenuando a magnitude da lesão induzida por episódios de isquemia-reperfusão e suas con-
sequências deletérias imediatas e tardias, como infarto agudo do miocárdio (IAM), arritmias, disfunção
ventricular, choque cardiogênico e aumento da mortalidade perioperatória.
A extensão e a gravidade da lesão tecidual após oclusão coronariana não são determinadas no momento
do início da isquemia e pode ser modificada por métodos de proteção miocárdica. Grande número de estu-
dos experimentais tem investigado mecanismos de isquemia e modalidades de proteção miocárdica, embora
poucas intervenções terapêuticas tenham se mostrado efetivas clinicamente. Apesar do avanço no entendi-
mento dos determinantes do fluxo sanguíneo coronariano, das relações entre consumo e oferta de oxigênio
e dos mecanismos celulares desencadeados pela isquemia, a incidência de IAM perioperatório ainda é ele-
vada, sendo variável entre os estudos, descrevendo-se sua ocorrência entre 3% e 30% dos casos168.
Dentre as modalidades de proteção miocárdica utilizadas durante anestesia, a utilização de fármacos
e técnicas anestésicas que aumentem a tolerância a episódios isquêmicos e contribuam para preservar a
função miocárdica vem ganhando importância na prática clínica e pode influenciar na evolução pós-ope-
ratória. A isquemia miocárdica desencadeia uma série de eventos celulares que se iniciam de maneira
discreta e tornam-se progressivamente deletérios com o aumento do tempo de isquemia. Apesar de a re-
perfusão representar o final do processo isquêmico e ser essencial para a restauração das funções normais
e sobrevivência celular, esta pode paradoxalmente amplificar o dano secundário ao processo isquêmico.
Clinicamente, não é possível distinguir um processo do outro e sendo a isquemia frequentemente acompa-
nhada de reperfusão, as lesões celulares são chamadas indistintamente de lesões de isquemia-reperfusão.
Em situação de isquemia, a oferta de oxigênio regional está aquém das necessidades metabólicas, o que
resulta na depleção das reservas celulares de adenosina trifosfato (ATP). Nesta situação, ocorre redução da
eficiência das bombas de sódio (Na+) e potássio (K+) dependentes de ATP, com aumento dos níveis de sódio
intracelular. Hidrogênio iônico (H+) intracelular acumula-se como resultado da diminuição na eliminação de
resíduos metabólicos, da inibição da oxidação mitocondrial de NADH2 e da quebra do ATP. O acúmulo de H+
intracelular irá promover aumento na troca de H+ por Na+ como tentativa de manter o pH celular, elevando
os níveis intracelulares de Na+, causando aumento nos níveis intracelulares de cálcio (Ca2+) devido à troca
de Na+ por cálcio169,170, encontrando-se concentrações intracelulares de cálcio aumentadas durante episódios
de isquemia e nos momentos iniciais da reperfusão171. Níveis elevados de Ca2+ intracelular promovem ativa-

Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 947


ção das cinases proteicas, com degradação de proteínas e fosfolípides e diminuição da força máxima dos
miofilamentos cálcio-dependentes. A produção de radicais livres derivados dos neutrófilos e mitocôndrias
irá também contribui a para a degradação de proteínas e fosfolípides, que são os principais constituintes da
estrutura das células e enzimas, após o início do processo isquêmico172,173.
A lesão instalada após o início da isquemia parece ser amplificada quando os vasos coronarianos estão
danificados e as células endoteliais edemaciadas diminuem a eficácia das trocas gasosas. As células da
musculatura vascular lisa e endoteliais com função alterada perdem a capacidade de promover vasodila-
tação e adequar o fluxo sanguíneo regional às necessidades momentâneas. Os neutrófilos desempenham
papel central na propagação da lesão celular. Estas células são atraídas pelas células endoteliais disfuncio-
nais e migram para o espaço extravascular liberando radicais livres, citocinas e substâncias pró-inflamató-
rias, com piora da lesão endotelial, da musculatura lisa e dos miócitos174. Ocorre também a agregação de
neutrófilos e plaquetas com obstrução microvascular, contribuindo para o desacoplamento da relação de-
manda/oferta175. Uma das vias de ativação e sequestro de neutrófilos é a sua interação com moléculas de
adesão ICAM-1, L-selectina e CD11b/CD18, cuja expressão é induzida pela lesão de isquemia-reperfusão174.
Durante a reperfusão, H+ é rapidamente reduzido, alcançando níveis normais e o Na+ intracelular é
trocado pelo Ca2+ extracelular para equilibrar os potenciais eletroquímicos transmembrana, acentuando
a sobrecarga intracelular de cálcio. A sobrecarga intracelular de cálcio pode ativar enzimas proteolíticas
seletivas, as calpains, resultando em proteólise seletiva das miofibrilas e o tempo necessário para síntese
das proteínas danificadas explicaria o tempo necessário para recuperação da função miocárdica após o
episódio de isquemia e reperfusão176,177. Em associação com níveis elevados de cálcio intracelular, ocorre
aumento importante na produção de radicais livres de oxigênio devido à reperfusão com sangue oxige-
nado. Radicais livres como superóxido (O2-), hidroxila (OH-) e peróxido de hidrogênio (H2O2) são extrema-
mente reativos e vão lesar todos os componentes celulares de maneira indistinta, aumentando as lesões
celulares induzidas pela isquemia. As consequências clínicas podem ir desde disfunção miocárdica rever-
sível que persiste após a reperfusão, conhecida como myocardial stunning, até infarto do miocárdio178,179.
O desenvolvimento de microinfartos perioperatórios é reconhecido como um problema que pode
levar à síndrome de baixo débito cardíaco e ao óbito do paciente cirúrgico. O IAM perioperatório pode
ocorrer devido ao aumento do consumo de oxigênio desde a indução anestésica até o período de recu-
peração pós-operatória180.
O pré-condicionamento isquêmico é uma resposta adaptativa e protetora endógena contra a isquemia
miocárdica prolongada. Este conceito foi proposto a partir das observações iniciais de Murry e col., que ob-
servaram redução de até 75% na área de infarto após oclusão de 40 minutos da artéria circunflexa esquerda
em modelo animal, quando eram realizadas pequenas oclusões prévias de cinco minutos desta mesma arté-
ria181. Este fenômeno foi também observado em uma série de modelos, desde cardiomiócitos isolados até co-
rações in situ, em várias espécies animais182. Apesar de ser utilizado inicialmente com o intuito de diminuir a
incidência e extensão de infarto, se observou que esta modalidade de proteção miocárdica também poderia
diminuir a incidência de disfunção183. Diversos receptores de membrana parecem estar envolvidos no fenô-
meno do pré-condicionamento isquêmico incluindo os receptores -1, os receptores , receptores opioides e
de adenosina184. Nos anos 70, estudos mostraram fortes evidências de que os anestésicos inalatórios voláteis
protegem o miocárdio de lesões isquêmicas reversíveis e irreversíveis. Bland e Lowenstein demonstraram
que o halotano reduzia a elevação do segmento ST em modelo canino de oclusão de curta duração das ar-
térias coronárias185. Este mesmo grupo também observou redução do tamanho do infarto em cães quando
halotano era administrado antes da oclusão coronariana 186. Warltier e col. observaram que cães que eram
previamente tratados com halotano ou isoflurano a 2% recuperavam completamente a função contrátil do
miocárdio de 3 a 5 horas após a isquemia miocárdica, enquanto que havia recuperação de apenas 50% da
contratilidade após 5 horas no grupo-controle 187.
Os mesmos resultados foram observados em diversas espécies animais. Cardioproteção foi também ob-
servada em condições de parada cardíaca induzida por cardioplegia e durante a reperfusão em modelos ani-
mais em uso de anestésicos inalatórios188. Os mecanismos pelos quais estes fármacos promovem cardioprote-
ção não são inteiramente conhecidos e são assunto atual de intensa investigação, porém parecem mimetizar
a cardioproteção por pré-condicionamento isquêmico, sendo definida como pré-condicionamento induzido
por anestésicos. Os anestésicos halogenados reduzem a pressão arterial, causam depressão na contratilida-
de miocárdica, produzem vasodilatação coronariana, retardam a condução do estímulo elétrico e atenuam

948 | Bases do Ensino da Anestesiologia


a atividade do sistema nervoso simpático, o que contribui para diminuição do consumo miocárdico de oxi-
gênio. Contudo, outros mecanismos além da adequação da oferta e do consumo de oxigênio parecem estar
relacionados à cardioproteção conferida pelos anestésicos halogenados. A preservação dos fosfatos de alta
energia é uma das hipóteses sugeridas. Freedman e col. observaram maiores concentrações de creatina-fos-
fato e ATP em modelo de coração isolado tratado com enflurano antes de episódio de isquemia-reperfusão
quando comparado aos do grupo-controle189. Resultados similares foram observados com halotano e outros
anestésicos halogenados. Outro mecanismo sugerido para explicar a cardioproteção induzida pelos haloge-
nados é a modulação do influxo celular de cálcio. Alguns pesquisadores demonstraram experimentalmente
que o halotano, isoflurano e enflurano diminuíam o fluxo celular total de cálcio em ratos, porcos-da-guiné e
miócitos ventriculares caninos190. Eskinder e col. observaram que os anestésicos inalatórios produzem redu-
ção nos potenciais elétricos de pico induzidos pelo influxo de cálcio através dos canais de cálcio do tipo L e
T nas fibras de Purkinje em modelo com células caninas isoladas191. Os mesmos autores sugerem que estes
canais de cálcio localizados no retículo sarcoplasmático são o principal local de ação destes anestésicos na
modulação do influxo de cálcio. Outros mecanismos propostos para a diminuição do influxo celular de cálcio
induzido pelos anestésicos inalatórios são a inibição da bomba de sódio-cálcio e do aumento da expressão de
canais de cálcio na membrana induzidos pela isquemia-reperfusão. A abertura de canais de potássio ATP-de-
pendentes, reduzindo a duração do potencial de ação e atenuando a despolarização da membrana, pode-
ria resultar em menores níveis de cálcio intracelular durante o pré-condicionamento isquêmico, e o infarto
agudo do miocárdio parece estar envolvido com a cardioproteção induzida pelos anestésicos halogenados.
A inibição dos canais de potássio ATP-dependentes pela glibenclamida, bloqueador específico destes canais,
foi capaz de eliminar a conservação de ATP induzida por isoflurano em cães. Foi também observado que a
manutenção da função contrátil do miocárdio após isquemia em cães que inalavam isoflurano era inibida
parcialmente pela glibenclamida192.
Não existem definições sobre qual anestésico halogenado ou concentração inalada devem ser utilizados
para promoção de proteção miocárdica. Alguns autores têm sugerido que concentrações próximas a 1 CAM
dos diversos anestésicos halogenados produzem efeitos semelhantes quanto à intensidade da proteção
miocárdica produzida193. Contudo, alguns estudos têm relatado diferenças significativas na intensidade
de proteção miocárdica e mecanismos de ação dos diversos halogenados. Até o momento, os anestésicos
halogenados têm mostrado efeitos consistentes na proteção miocárdica em modelos animais de lesão de
isquemia-reperfusão, porém não existe consenso sobre que anestésico e que dose devem ser utilizados
em cirurgia cardíaca.

Analgésicos Opioides:
Proteção contra lesão de isquemia-reperfusão por agonistas de receptores opioides tem sido demons-
trada experimentalmente em diversos modelos animais. A contribuição dos opioides endógenos para
adaptação orgânica à hipóxia foi inicialmente relatada por Mayfield e col., que observaram que D-Pen-
2-D-Pen5-Encefalina, um agonista dos receptores sigma, aumentava a tolerância e o tempo de vida em
camundongos submetidos a hipóxia grave194.
Foi também observado que o agonista dos receptores sigma D-Ala2-D-Leu5-Encefalina, o gatilho para
hibernação em animais de grande porte, induzia efeitos protetores em múltiplas preparações de órgãos,
inclusive em corações preparados para transplante195. Em 1996, Schultz e col. demonstraram que morfina
administrada na dose 300 µg.kg-1 trinta minutos antes da oclusão da artéria interventricular anterior cau-
sava diminuição da zona de infarto de 54% para 12% da área sob risco em ratos196. Esta redução da área
de infarto induzida pela morfina foi também observada em modelos de coração isolado, coração in situ e
cardiomiócitos197. Foi também observada melhora da contratilidade ventricular após episódios de isquemia
com morfina e fentanil198.
O envolvimento dos receptores opioides no pré-condicionamento isquêmico, principalmente os recep-
tores sigma, foi demonstrado em várias espécies animais e em seres humanos199. Em 1995, Schultz e col.
demonstraram que a naloxona bloqueava os efeitos cardioprotetores dos opioides em ratos submetidos
ao pré-condicionamento isquêmico, contudo sem efeito em animais não submetidos ao pré-condiciona-
mento200. Além de participarem no desencadeamento da cascata de eventos do pré-condicionamento
isquêmico, os opioides parecem também mediar a sua fase de memória em algumas espécies animais. A
cardioproteção induzida pelos opioides parece ser modulada pela ativação de receptores cardíacos, inde-

Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 949


pendente da ação destes fármacos no sistema nervoso central. Chien e col. observaram que um antago-
nista de receptor opioide quaternário derivado da naloxona, que não cruza a barreira hematoencefálica,
foi capaz de bloquear completamente os efeitos protetores do pré-condicionamento isquêmico em cora-
ção isolado de coelho201. O mecanismo pelo qual os opioides conferem proteção miocárdica é assunto de
investigação. Tem sido proposto que a cardioproteção induzida por opioides processa-se pela ativação dos
canais de potássio dependentes de ATP, possivelmente na membrana mitocondrial202.
Contudo, as vias intracelulares que fazem a transdução dos efeitos da estimulação de receptores sigma
até os efetores finais responsáveis pela proteção miocárdica não são claras. Outras vias intracelulares de
cardioproteção induzida pelos analgésicos opioides parecem estar relacionadas à ativação de proteína G
inibitória e proteinocinase C198.
Outros Agentes Anestésicos
Alguns estudos sugerem que o propofol pode atenuar a disfunção miocárdica203. Devido à sua estrutura
química similar aos derivados fenólicos quelantes de radicais livre, como vitamina E, o propofol diminui a
concentração de radicais livres e seus efeitos deletérios. Outros autores descreveram que o propofol re-
duz o influxo celular de cálcio iônico e atenua a atividade neutrofílica, intervindo durante fases críticas da
reperfusão miocárdica204. Algum grau de proteção miocárdica parece ser conferido pelo propofol quando
este é administrado durante a fase de reperfusão em modelos experimentais de coração isolado de rato.
Contudo, o efeito protetor do propofol parece ser momentâneo, não sendo considerado um agente indutor
de pré-condicionamento ou proteção miocárdica. A administração de bloqueadores das vias de transdução
intracelular relacionadas ao pré-condicionamento isquêmico, como a glibenclamida, não inibe os efeitos
protetores momentâneos do propofol205.
De Hert e col. compararam a função miocárdica contrátil e os marcadores de lesão miocárdica
em pacientes submetidos à revascularização do miocárdio com CEC, anestesiados com propofol ou
sevoflurano. Estes autores observaram que o sevoflurano, mas não o propofol, foi capaz de preservar
a função miocárdica pós-operatória com evidências de redução de lesão celular miocárdica após a
cirurgia de revascularização206.
O gás xenônio, um fármaco anestésico inalatório, utilizado em caráter experimental, tem sido implica-
do na recuperação da disfunção miocárdica reversível em modelo animal de lesão de isquemia e reperfu-
são. Animais tratados com xenônio evoluíram com recuperação completa na fração de espessamento da
parede ventricular, um índice de contratilidade miocárdica, em até 12 horas após a intervenção cirúrgica,
sendo que no grupo-controle a fração de espessamento só retornou aos valores pré-isquêmicos após 48
horas. Ainda no grupo tratado com xenônio, foi também observada atenuação da liberação de catecola-
minas após a isquemia quando comparada ao grupo-controle, o que poderia contribuir para a redução do
consumo de oxigênio pós-isquemia207.
Contudo, não existem evidências de utilização clínica de xenônio para proteção miocárdica em seres humanos.
Apesar do papel bem estabelecido da cetamina como agente anestésico em cirurgia cardíaca congênita
e em pacientes evoluindo com choque circulatório, este fármaco parece bloquear o pré-condicionamento
isquêmico e intensificar a lesão miocárdica. A cetamina reduz a produção de 1, 4, 5 trifosfato inositol e
inibe os canais de potássio ATP-dependentes na membrana sarcoplasmática208. Os barbitúricos também
têm sido classificados como medicações que podem inibir a proteção miocárdica induzida pelo pré-condi-
cionamento isquêmico209.
Fármacos Adjuvantes
Diversas medicações têm sido investigadas para administração direta na solução cardioplégica ou para
administração sistêmica antes do início da CEC.
Dentre os fármacos que sabidamente atenuam o tamanho da lesão miocárdica no IAM, estão os an-
tagonistas beta-adrenérgicos, através de redução do consumo miocárdico de oxigênio, redução do tônus
simpático e estabilização de membranas celulares. A administração de antagonistas beta-adrenérgicos
nas primeiras horas após o infarto mostrou-se claramente benéfica na diminuição da mortalidade e de
complicações relacionadas ao IAM. As horas que antecedem a cirurgia, o ato anestésico-cirúrgico em si e
a CEC desencadeiam intensa estimulação adrenérgica210. Uma vez que a ocorrência de infarto miocárdico
em cirurgia cardíaca pode estar relacionada aos episódios de taquicardia e isquemia perioperatória, o

950 | Bases do Ensino da Anestesiologia


emprego dos antagonistas beta-adrenérgicos é particularmente interessante, podendo ser utilizados de
maneira profilática antes da intervenção ou de maneira curativa durante a cirurgia211.
A manutenção de antagonistas beta-adrenérgicos até o dia da cirurgia de revascularização miocárdica
era controversa e a pesquisa clínica trouxe argumentos favoráveis a esta prática a partir de 1979. Assim
como em cirurgia não cardíaca, a terapia com antagonistas beta-adrenérgicos deve ser mantida no pré-
-operatório até o dia da cirurgia. No estudo aleatorizado de Ponten e col., a interrupção do metoprolol
60 horas antes da intervenção foi acompanhada de IAM pré-operatórios e de episódios de taquicardia e
de isquemia perioperatória 212. Os estudos de du Cailar e col.213 e Rao e col. 214 mostraram que a utilização
pré-operatória do propranolol reduziu significativamente a elevação da fração MB da creatinofosfocinase.
A administração de 80 mg de sotalol por via oral a cada 12 horas, iniciando-se duas horas antes da cirurgia,
permitiu redução de 43% na incidência de disritmias supraventriculares pós-operatórias. No estudo de Po-
desser e col., a infusão contínua de nifedipina durante o período intraoperatório, associada a 12 µg.kg-1.h-1
de metoprolol, após o início da CEC e durante 24 horas, reduziu a incidência de episódios isquêmicos e de
taquicardias supraventriculares215.
Slogoff e Keats compararam, num estudo prospectivo não aleatorizado, a incidência de episódios isquê-
micos em pacientes submetidos à revascularização miocárdica. Indivíduos, cujo tratamento até o momen-
to da intervenção incluía antagonistas beta-adrenérgicos, apresentaram menos episódios de taquicardia
ou isquemia miocárdica que aqueles que receberam diltiazem ou nifedipina. Nestes, o número de episó-
dios isquêmicos foi semelhante ao de pacientes que não receberam nem antagonistas beta-adrenérgicos
nem inibidor de canal de cálcio216. A razão da diferença da eficácia entre antagonistas beta-adrenérgicos
e bloqueadores de canal de cálcio é desconhecida. Segundo Piriou e col., essas complicações poderiam
ter sido prevenidas pela continuidade do tratamento antagonista beta-adrenérgico211.
Embora a terapia com antagonistas beta-adrenérgicos tenha se mostrado eficaz na redução de even-
tos perioperatórios entre pacientes de alto risco submetidos à cirurgia não cardíaca e a cirurgia vascular,
nenhum estudo aleatório avaliou, ainda, se esta terapia é benéfica quando utilizada no pré-operatório de
cirurgia de revascularização miocárdica. Um ensaio terapêutico envolvendo 60 pacientes submetidos à
RM com CEC mostrou que o esmolol, um antagonista beta-adrenérgico de ação ultracurta, utilizado para
reduzir a contratilidade miocárdica durante perfusão coronária contínua normotérmica produz proteção
miocárdica de maneira comparável à cardioplegia sanguínea ou cristaloide217.
Em relação aos agonistas de receptores  2, o uso perioperatório de clonidina mostrou-se eficaz em
diminuir a morbimortalidade em pacientes submetidos à cirurgia não cardíaca218. Não existem evidên-
cias sobre ação cardioprotetora dos agonistas  2-adrenérgicos, havendo necessidade de estudos para
definição da indicação precisa destes fármacos em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Loick e
col. observaram que a clonidina foi menos efetiva que a anestesia peridural torácica alta em reduzir o
estresse perioperatório via simpatólise e a liberação de troponina em pacientes submetidos à revascu-
larização miocárdica219.
Estudos experimentais e pequenos estudos clínicos mostraram resultados encorajadores de melhora
do desempenho miocárdico em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com a infusão de solução glico-
se-insulina-potássio (GIK)220. O mecanismo pelo qual a solução GIK promove cardioproteção parece estar
relacionado à restauração da atividade dos canais de potássio ATP-dependentes pela insulina, uma vez
que a glicose diminui a atividade deste canal. Zhang e col. observaram que a infusão de insulina diminui
a apoptose induzida por episódio de isquemia e reperfusão221. Contudo, apesar dos efeitos benéficos ob-
servados experimentalmente e em pequenas séries, nenhum estudo conseguiu demonstrar benefício da
GIK em pacientes de alto risco submetidos à revascularização do miocárdio222. Por outro lado, o controle
rigoroso da glicemia perioperatória, tanto em diabéticos quanto em não diabéticos, pode ter papel fun-
damental na diminuição da morbimortalidade nesse período.
Anestesia Peridural Torácica
Anestesia peridural torácica com anestésicos locais tem sido utilizada como técnica capaz de promo-
ver analgesia perioperatória e redução do consumo miocárdico de oxigênio pelo bloqueio das raízes das
fibras simpáticas torácicas de T1 a T5, que provêm inervação simpática ao coração. A cardioproteção
conferida pela anestesia peridural torácica está relacionada à melhora do balanço de oxigênio miocárdico
induzida pelo bloqueio simpático, que causa redução do consumo de oxigênio pelo miocárdio secundário
Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 951
à bradicardia, redução do débito cardíaco, redução da resistência vascular sistêmica e melhora da per-
fusão regional com dilatação dos segmentos pós-estenóticos das artérias parcialmente obstruídas. Alguns
estudos demonstraram que a anestesia peridural torácica pode atenuar a resposta endócrino-metabólica
secundária à cirurgia, com redução da liberação e dos níveis séricos de catecolaminas, o que contribui
para a redução do consumo de oxigênio223. Esta melhora no balanço miocárdico de oxigênio é demonstra-
da clinicamente por melhora da angina em pacientes coronariopatas224. Devido à eficiência da analgesia
peridural torácica, é possível utilizar doses menores de opioides sistêmicos reduzindo assim o tempo de
intubação traqueal e as morbidades pulmonares no pós-operatório de cirurgia cardíaca225. Contudo, ape-
sar dos efeitos benéficos da anestesia peridural torácica sobre o balanço miocárdico de oxigênio, nenhum
mecanismo miocárdico direto de aumento da tolerância a episódios de isquemia e reperfusão foi descrito.
Numa metanálise recente com 15 estudos e 1.178 pacientes, a utilização de anestesia peridural torácica
em revascularização do miocárdio não se mostrou efetiva na redução da mortalidade (0,7% versus 0,3%
anestesia geral) ou a incidência de infarto do miocárdio (2,3% versus 3,4% anestesia geral). Por outro lado,
houve diminuição significativa da incidência de disritmias (OR 0,52), complicações pulmonares (OR 0,41) e
do tempo de intubação traqueal em 4,5 horas. Analgesia com opioides por via subaracnóidea não mostrou
nenhum efeito sobre a mortalidade, incidência de infarto, disritmias, mortalidade e tempo de intubação
traqueal quando comparado com anestesia geral226.

Proteção Miocárdica em cirurgia cardíaca


A técnica de proteção miocárdica mais utilizada durante a cirurgia de revascularização do miocárdio
é a infusão de solução cardioplégica hipotérmica, sanguínea ou cristaloide. Relatos iniciais do uso de car-
dioplegia datam da década de 50, descrevendo parada cardíaca eletroquímica em diástole induzida por
soluções de citrato de potássio, permitindo a realização de cirurgia cardíaca sobre o coração parado e
flácido227. Contudo, esta solução estava associada à alta incidência de necrose miocárdica. As soluções
cardioplégicas ricas em potássio foram abandonadas em meados dos anos 70, quando foi detectado que a
necrose miocárdica estava relacionada à sua alta concentração e hipertonicidade.
Até a década de 80, a utilização de soluções cardioplégicas cristaloides hipotérmicas foi a principal
técnica de proteção miocárdica em cirurgia cardíaca. A partir da década de 80, estudos demonstraram
que soluções de cardioplegia sanguíneas com potássio promoviam proteção miocárdica mais eficiente que
as soluções cristaloides, fato observado por redução na liberação de CK-MB e redução da incidência de
infarto perioperatório228. Desde então, a cardioplegia sanguínea têm sido a pedra angular da proteção
miocárdica e tem papel definido na cardioproteção intraoperatória. A técnica de administração de car-
dioplegia mais utilizada é a infusão anterógrada intermitente na aorta, proximalmente ao coração, após
o pinçamento aórtico ou diretamente nos óstios das artérias coronárias, especialmente quando existe
valvopatia aórtica associada. Recentemente, tem-se proposto a infusão de cardioplegia de maneira re-
trógrada pelo seio coronariano. Essa técnica tem como pressupostos a possibilidade de manutenção da
infusão sem interrupções e a distribuição de cardioplegia para regiões irrigadas por vasos coronarianos es-
tenóticos, melhorando a proteção das regiões subendocárdicas229. A temperatura ideal da solução cardio-
plégica é controversa. Soluções com temperaturas inferiores a 15oC parecem ser mais efetivas na redução
do consumo miocárdico de oxigênio, produção de lactato e marcadores de hipóxia celular que soluções
em temperatura ambiente. Contudo, soluções com temperatura em torno de 27ºC parecem estar relacio-
nadas à melhor recuperação da função ventricular esquerda no pós-operatório imediato, além de menor
incidência de arritmias, necessidade de desfibrilação e menor volume de sangramento230. Outro ponto de
controvérsia é o intervalo de tempo entre as infusões de cardioplegia, sendo 20 a 25 minutos o intervalo
médio utilizado pelos cirurgiões. Também não existe consenso sobre a dose ideal de cardioplegia assim
como a adição de substratos como l-arginina, antidisrítimicos ou antagonistas beta-adrenérgicos.
A hipotermia terapêutica tem sido outra estratégia para diminuir a lesão miocárdica secundária à isque-
mia durante cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea. O mecanismo pelo qual a hipotermia exerce
seu papel protetor no miocárdio não está completamente esclarecido. A explicação clássica é a redução
do consumo de oxigênio induzido pela diminuição da atividade metabólica celular e reações enzimáticas,
o que poderia limitar as zonas de isquemia nas regiões de miocárdio sob risco. Em humanos resfriados a
32ºC, o consumo de oxigênio corporal total é diminuído em 45%, não relacionado a alterações na saturação
arterial de oxigênio231. O aumento da afinidade do oxigênio à hemoglobina é compensado pelo aumento
952 | Bases do Ensino da Anestesiologia
da sua solubilidade no sangue, mantendo acoplada a oferta de oxigênio à demanda. À medida que a tem-
peratura diminui, o consumo miocárdico de oxigênio diminui, estando abaixo de 1% a 12ºC232. Este efeito
cardioprotetor é independente da bradicardia induzida pela hipotermia, pois persiste após normalização
da frequência cardíaca com o uso de marca-passo233. A diminuição da atividade metabólica, contudo, não
parece ser o único mecanismo relacionado à cardioproteção induzida pela hipotermia, sendo descritas re-
dução da peroxidação lipídica e da produção de radicais livres e redução dos níveis extracelulares de ácido
2,3-dihidrobenzóico, um indicador da produção de radicais livres. A hipotermia ajuda na preservação das
reservas celulares de ATP durante episódios de isquemia. Foi também evidenciado em modelos animais
de infarto agudo do miocárdio que os efeitos cardioprotetores da hipotermia incluíam diminuição do ta-
manho do infarto, preservação do fluxo microvascular e manutenção do débito cardíaco. A intensidade e a
duração da hipotermia são determinadas de acordo com o procedimento cirúrgico a ser realizado. Apesar
dos efeitos benéficos da hipotermia sobre a proteção orgânica, o aumento do tempo de duração da hipo-
termia parece exercer efeitos paradoxais, piorando a lesão miocárdica induzida pela isquemia-reperfusão.
Hipotermia profunda por períodos muito prolongados pode exacerbar a sobrecarga de cálcio intracelular
e induzir a formação de peróxidos e espécies reativas de oxigênio234. Outros efeitos colaterais indesejá-
veis da hipotermia em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca são os distúrbios eletrolíticos, aumento
da resistência vascular sistêmica, taquicardia, diminuição do metabolismo e da depuração de fármacos,
coagulopatia e imunossupressão235.
As modalidades de cardioproteção mais utilizadas em cirurgia cardíaca com CEC são a infusão de so-
luções de cardioplegia nas suas diversas modalidade e hipotermia regional e sistêmica, que conseguem
efetivamente reduzir o consumo de oxigênio miocárdico e preservar a função contrátil. Nos pacientes
submetidos à RM sem CEC, o pré-condicionamento isquêmico tem papel estabelecido, podendo ainda ser
utilizado em pacientes submetidos a cirurgias cardíacas com CEC. Algumas substâncias como antagonistas
beta-adrenérgicos, administrados sistêmica ou regionalmente, têm demonstrado capacidade de prote-
ção miocárdica às vezes comparável à proteção conferida pelas soluções cardioplégicas. As técnicas de
anestesia regional, tidas como protetoras, não têm papel confirmado na cardioproteção. Por outro lado,
os anestésicos inalatórios e opioides mostraram importante papel na cardioproteção. A associação das
técnicas de proteção miocárdica implementadas pela equipe de cirurgia e anestesia podem ter efeitos
sinérgicos, contribuindo para melhor preservação da função miocárdica e melhor evolução pós-operatória
em cirurgia cardíaca.

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Ponto 42 - Anestesia e Sistema Cardiovascular | 961


ME3
PONTO 43

Anestesia para Neurocirurgia


Daniel Volquind
Presidente da Comissão Examinadora do Título Superior em Anestesiologia da SBA;
Doutor em anestesiologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp/Botucatu;
Professor adjunto da Universidade de Caxias do Sul.
Anestesia para Neurocirurgia
43.1. Fisiologia intracraniana, edema cerebral e controle da pressão intracraniana
43.2. Farmacologia dos principais fármacos utilizados em anestesia sobre o SNC
43.3. Monitorização, posicionamento, técnicas anestésicas e complicações
43.4. Anestesia para procedimentos supratentoriais e infratentoriais
43.5. Anestesia para cirurgia estereotáxica
43.6. Anestesia para neurocirurgia pediátrica
43.7. Anestesia para procedimentos no laboratório de hemodinâmica
43.8. Anestesia para cirurgia da hipófise
43.9. Anestesia para procedimentos neurofuncionais
43.10. Proteção cerebral

INTRODUÇÃO
A neuroanestesia engloba um conjunto de procedimentos anestésicos, que apresentam uma complexi-
dade variável de acordo com o quadro neurológico apresentado pelo paciente.
O anestesiologista que se dedica à anestesia para procedimentos neurocirúrgicos deve apresentar
conhecimento a respeito da anatomia e fisiologia do sistema nervoso central (SNC), dos mecanismos fi-
siopatológicos de doenças neurológicas e neurocirúrgicas, da repercussão dos fármacos anestésicos e da
monitorização do SNC.

43.1. FISIOLOGIA INTRACRANIANA, EDEMA CEREBRAL E CONTROLE DA PRESSÃO


INTRACRANIANA
Fisiologia Intracraniana
O cérebro é um órgão continuamente ativo e apresenta a maior demanda metabólica por oxigênio (O2)
entre os órgãos do corpo humano. Nos adultos, pesa em média 1350g e utiliza 3,5ml de O2 para cada 100g
do seu peso, estando dependente de suprimento sanguíneo constante1,2.
Os processos celulares neuronais que requerem energia se dão pelo uso do triposfato de adenosina
(ATP) ou de reservas de energia derivadas do ATP3,4.
A energia utilizada pelos neurônios no SNC é originada pelo metabolismo da glucose e do oxigênio no
ciclo do ácido cítrico, sendo um processo exclusivamente aeróbico5. Essa energia é dispensada em qua-
tro processos neuronais principais: (1) estabelecimento de fluxos iônicos, por meio de canais iônicos da
membrana neuronal, os quais dependem das bombas de íons do citosol para organelas intracelulares; (2)
transporte de aminoácidos e outras moléculas, por meio da membrana neuronal; (3) síntese de proteínas,
lipídios e carboidratos para a manutenção da estrutura neuronal; e (4) transporte de substâncias entre as
células, por meio do transporte ativo com gasto de energia.
O estabelecimento da homeostase do SNC está relacionado com a manutenção da pressão de perfu-
são cerebral (PPC)6. A PPC é determinada pela pressão sanguínea dirigida para o cérebro e a resistência
contra essa pressão gerada no interior do crânio pela pressão intracraniana (PIC). Desse modo, podemos
representar a PPC em uma equação simples:
PPC = PAM – PIC
em que a PPC é a pressão de perfusão cerebral, a PAM é a pressão arterial média e a PIC é a
pressão intracraniana7,8.
O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) ocorre pelos sistemas arteriais carotídeos e vertebrobasilares e repre-
senta aproximadamente 15-20% do débito cardíaco9.
A taxa de fluxo sanguíneo cerebral é determinada pela taxa metabólica cerebral de consumo de oxigê-
nio (CRMO2)10. O consumo de oxigênio cerebral permanece constante na ordem de 50 ml.min-1 para cada

964 | Bases do Ensino da Anestesiologia


100 g de tecido cerebral em condições fisiológicas11. Essa medida global é determinada pelo fluxo em duas
regiões cerebrais muito diferentes: no córtex cerebral, no qual estão localizados os corpos celulares e as
sinapses e o fluxo sanguíneo é de 75 ml.100 g.min-1, e na substância branca, composta, principalmente,
por fibras e tratos nervosos e cujo fluxo sanguíneo é de 20 ml.100 g.min-1.
A autorregulação do FSC ocorre por mecanismos ainda não totalmente entendidos, mas provavelmente
estão relacionados com a combinação de efeitos que envolvem fatores metabólicos e miogênicos12. O FSC
permanece constante em níveis de pressão arterial média entre 65 e 150 mmHg.
A atividade miogênica da parede muscular dos vasos apresenta resposta ao aumento da pressão arte-
rial por estiramento da mesma. Estudos mostraram que, em vasos isolados, quando ocorre o estiramento
da parede, simulando uma elevação da pressão arterial, a musculatura lisa do vaso se contrai, promoven-
do a vasoconstrição, que reduz o fluxo por causa dos aumentos pressóricos, o que resulta em pequena
mudança no fluxo sanguíneo13.
Estados metabólicos que reduzem a pressão levam à redução do fluxo e ao acúmulo de metabólitos.
Esse acúmulo promove a diminuição local do pH, resultando em vasodilatação e, desse modo, no aumento
do fluxo sanguíneo.
A autorregulação do FSC pode ser prejudicada pela hipóxia, isquemia, hipercapnia, anemia, trauma e
por determinados fármacos anestésicos14,15. Outros fatores que interferem nessa autorregulação incluem
fatores neurogênicos adrenérgicos, colinérgicos e serotoninérgicos.
A hipotermia diminui o metabolismo neuronal e, desse modo, reduz o FSC16. A hipertermia apresenta
efeito oposto.
A pressão arterial parcial de O2 gera pequeno efeito na autorregulação do FSC. Mudanças importantes
ocorrem com PaO2 < 50 mmHg.
Importante lembrar que em pacientes cronicamente hipertensos ou que apresentem um tônus simpáti-
co elevado ocorre um desvio na curva de autorregulação para a direita. Desse modo, é necessário manter
a pressão arterial em níveis superiores nos pacientes normotensos para a adequação do FSC.

Controle da Pressão Intracraniana


O conteúdo intracraniano é representado pelo cérebro, pelas meninges que o revestem, pelo fluido
cerebroespinhal (liquor) e pelo sangue. O crânio apresenta uma estrutura óssea não expansível, a qual
possui importante repercussão no controle da PIC, uma vez que a expansão de qualquer dos componentes
intracranianos promoverá sua elevação17.
A capacidade do cérebro em ceder espaço, uma vez que o crânio possui estrutura óssea não com-
placente após 1 ano de idade, é chamada de complacência craniana, que é o contrário da elastância.
Para entendermos como ocorrem as alterações nessa complacência, é necessário conhecer os compar-
timentos intracranianos.
Podemos dividir didaticamente o espaço intracraniano em quarto compartimentos: celular; liquórico;
fluídico e sanguíneo. Cada um desses compartimentos pode influenciar individualmente o controle da PIC.
O compartimento celular é representado pelo próprio cérebro, e aumentos em seu volume, seja por
expansão tumoral, seja por edema, apresentam importantes repercussões na PIC. Esse compartimento,
quando nos referimos à intervenção para o controle da PIC, é um território de ação do cirurgião.
O liquor compõe outro importante compartimento intracraniano, o qual apresenta um sistema de au-
torregulação próprio18. O controle de sua produção nos plexos coroides dos ventrículos laterais e de sua
reabsorção nos corpos aracnoides dos seios venosos cerebrais é determinado por mecanismos regulatórios
que apresentam a capacidade de compensar variações da PIC19. No entanto, não existe manipulação far-
macológica do liquor, em tempo adequado, durante o transoperatório, para compensar aumentos da PIC,
e a única medida adequada para reduzir esse compartimento é a drenagem liquórica.
O líquido intersticial cerebral representa o compartimento fluido, que responde à terapêutica osmótica
e aos corticosteroides. Discutiremos adiante esse ponto ao nos referirmos ao edema cerebral.
O conteúdo sanguíneo forma um importante compartimento intracraniano relacionado com a com-
placência craniana. Seus componentes arteriais e venosos apresentam comportamentos que apresentam
respostas às condutas anestésicas.

Ponto 43 - Anestesia para Neurocirurgia | 965


O perfeito equilíbrio entre esses diferentes compartimentos é determinante para o controle da PIC.
Qualquer aumento em um compartimento deve ser compensado por uma diminuição equivalente em ou-
tro, para prevenir o aumento da PIC.
Mecanismos compensatórios promovem a manutenção da PIC e evolvem o deslocamento inicial do li-
quor do crânio para o compartimento espinhal, o aumento da absorção e a diminuição de sua produção e
a redução no volume sanguíneo venoso cerebral. Nas situações nas quais esses mecanismos são esgotados,
ocorre importante elevação na PIC, com efeitos nocivos ao SNC, principalmente nos casos de patologias
agudas que acometam algum dos compartimentos intracranianos20.

Edema Cerebral
O edema cerebral é um dos fatores determinantes no aumento da pressão intracraniana. Podemos clas-
sificar o edema cerebral em citotóxico e vasogênico.
O edema citotóxico ocorre em razão do edema das células neuronais e/ou gliais secundário a insultos
metabólicos, resultando na deficiência das células nervosas em transportar ativamente o Na+, com conse-
quente aumento do volume delas. Frequentemente, ocorrem por causa de isquemia ou trauma cerebrais21.
A entrada de líquido semelhante ao plasma dentro do interstício cerebral determinado pela ruptura da
barreira hematoencefálica resulta no edema vasogênico. Ocorre acúmulo de água intersticial secundária
ao aumento no equivalente osmótico no espaço extravascular. As lesões inflamatórias, os tumores cere-
brais e a hipertensão são as causas mais frequentes.

43.2. FARMACOLOGIA DOS PRINCIPAIS FÁRMACOS UTILIZADOS EM ANESTESIA


SOBRE O SNC
O manejo anestésico de pacientes neurocirúrgicos é fundamentado no conhecimento da influência dos
fármacos na fisiologia do SNC. A anestesia deve contemplar, além de hipnose, amnésia, analgesia, atenua-
ção da resposta ao trauma cirúrgico e proteção cerebral para o estabelecimento das melhores condições
possíveis na adequação do campo cirúrgico. Isso significa que a atenção do anestesiologista deve estar
voltada também para a melhora da complacência craniana.
A combinação de fármacos anestésicos deve atuar na preservação e melhora da hemodinâmica e no
metabolismo cerebral, além do adequado controle da PIC.

Anestésicos Venosos
Barbitúricos
O tiopental diminui o FSC e a CMRO2 de forma paralela ao ponto de isoeletricidade do eletroencefalo-
grama (EEG). As mudanças no FSC parecem ser secundárias àquelas observadas na CMRO2 (acoplamento
fluxo-metabolismo). O componente da CMRO2 afetado está relacionado com a função elétrica cerebral22.
Existe mínimo efeito no componente associado com a homeostase celular neuronal. No ponto no qual o
EEG torna-se isoelétrico, após a administração de tiopental, a CMRO2 diminui aproximadamente 50% sem
que ocorra nenhuma evidência de dano metabólico cerebral. Se o tiopental ou outros barbitúricos são
utilizados para a proteção cerebral, o objetivo é estabelecer a máxima supressão metabólica cerebral
evidenciada pela manifestação no EEG do burst suppression23. A diminuição da pressão arterial média,
em razão de doses elevadas de tiopental para a obtenção do burst suppression, pode requerer o uso de
fármacos vasopressores para a manutenção da PPC. Mesmo em doses elevadas, o tiopental não parece
abolir a autorregulação do FSC e a reatividade ao CO2. Os barbitúricos diminuem a PIC como consequência
da redução do FSC e do volume sanguíneo cerebral (VSC). Clinicamente, os barbitúricos podem ser usados
para esse fim quando outros métodos para controle da PIC não forem efetivos.
Etomidato
O etomidato, de forma semelhante aos barbitúricos, reduz o FSC e a CMRO2 e promove burst suppres-
sion ao EEG sem evidência de dano metabólico cerebral24. Uma desvantagem é a presença de mioclonias
desencadeadas pelo etomidato, as quais podem ser confundidas com convulsões em pacientes neurocirúr-
gicos. O uso prolongado de etomidato pode acarretar a supressão da resposta adrenocortical ao estresse

966 | Bases do Ensino da Anestesiologia


cirúrgico. O efeito desse fármaco na autorregulação do FSC ainda não foi avaliado, embora ocorra a ma-
nutenção da reatividade ao CO2. O etomidado promove diminuição da PIC sem reduzir a PPC. É um fárma-
co indicado para indução em pacientes hemodinamicamente instáveis e idosos que apresentam múltiplas
patologias sistêmicas25.
Propofol
O propofol promove redução dose-dependente no FSC e na CMRO2. Nos pacientes neurocirúrgicos, a
administração de propofol pode apresentar hipotensão arterial com repercussões na PPC, se a atenção
ao estado do volume intravascular não for adequada26. Pacientes hipovolêmicos devem ter sua volemia
corrigida antes da administração de propofol.
A autorregulação do FSC e a resposta vascular ao CO2 são preservadas, mas a monitorização do efeito
do propofol na PPC deve ser monitorizado por causa da diminuição na PIC promovida por sua administra-
ção. A vantagem apresentada pelo propofol sobre os outros fármacos hipnóticos descritos anteriormente,
é a propriedade farmacocinética de ser infundido por meio de infusão alvo-controlada. Essa técnica per-
mite a segurança e a previsibilidade no despertar após a cirurgia, o que, no paciente neurocirúrgico, é
um objetivo anestésico a ser estabelecido. Importante pontuar aqui o efeito de reduzir náuseas e vômitos
que o propofol apresenta quando infundido continuamente e seu efeito antioxidante, varredor de radicais
livres de O2, os quais resultam na melhora dos desfechos neurológicos.
Opioides
Os efeitos do opioides no FSC e na CMRO2 são difíceis de caracterizar de forma acurada, por causa dos
dados conflitantes na literatura. No entanto, parecem influenciar minimamente o FCS e a CMRO2 quando uti-
lizados em baixas doses, e doses progressivamente mais elevadas diminuem ambas as variáveis da fisiologia
cerebral. A autorregulação do FSC e a reatividade ao CO2 são mantidas pela administração dos opioides.
Esses fármacos não modificam a PIC ou podem diminuí-la levemente. Em outras condições, podem
elevar a PIC, como na utilização em bolus de sufentanil ou alfentanil, por meio da elevação da pressão
liquórica em pacientes com tumor supratentorial, em resposta à diminuição da PAM27.
Cetamina
A administração de cetamina promove o aumento no FSC e na CMRO2. Vários mecanismos estão en-
volvidos na elevação dessas variáveis: depressão ventilatória com branda hipercapnia em pacientes
ventilando espontaneamente; neuroexcitação com o concomitante aumento do metabolismo cerebral
e vasodilatação direta cerebral, como demonstrado durante a nornocapnia na ausência de alterações
metabólicas cerebrais28. A autorregulação do FSC e a reatividade ao CO2 são preservadas com a sua
utilização. A administração de cetamina gera elevação da PIC mesmo na ausência de hipertensão intra-
craniana e ante a normoventilação.
Benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos, em baixas ou altas doses, promovem a diminuição do FSC e da CMRO2. Esses fár-
macos preservam a autorregulação do FSC e a reatividade ao CO2. Podem não alterar ou diminuir a PIC. A
utilização do antagonista flumazenil promove a elevação do FSC e da PIC29.

Anestésicos Inalatórios
Os anestésicos inalatórios halogenados utilizados na prática clínica (isoflurano, desflurano e sevoflurano)
apresentam diferenças entre si quanto às repercussões nas variáveis que estabelecem a homeostase cerebral.
Isoflurano
Entre os anestésicos inalatórios, o isoflurano é o único com a capacidade de promover um EEG isoelé-
trico em concentrações clínicas relevantes por ser tolerado hemodinamicamente. Isso ocorre com con-
centrações alveolares de 2 CAM. Ele apresenta efeito vasodilatador cerebral, mas promove importante
diminuição na CMRO2. A autorregulação da vasculatura cerebral é prejudicada de modo dose-dependente,
podendo ser restaurada pelo estabelecimento da hipocapnia. A reatividade ao CO2 é preservada. A PIC é
elevada pela sua administração como resposta à vasodilatação cerebrovascular, mas o simultâneo estabe-
lecimento da hipocapnia previne essa elevação30.

Ponto 43 - Anestesia para Neurocirurgia | 967


Desflurano
Os efeitos observados com o desflurano no FSC e na CMRO2 são semelhantes aos do isoflurano. O uso do
desflurano está associado com uma diminuição dose-dependente na CMRO2 (embora de menor intensidade
que o isoflurano), mas se a pressão arterial for mantida, uma elevação do FSC pode ser observada. Pode
promover burst supression a concentração alveolar de 2 CAM, mas com efeito temporário. Em concentra-
ções acima de 1 CAM, prejudica a autorregulação da vasculatura cerebral. A reatividade ao CO2 é mantida
com concentrações alveolares entre 0,5 e 1,5 CAM. Promove elevação da PIC de forma semelhante à do
isoflurano, sendo minimizada com o estabelecimento da hipocapnia31.
Sevoflurano
O sevoflurano apresenta efeitos similares aos do isoflurano no FSC e na CMRO2. O aumento do FSC é
secundário à vasodilatação cerebral. A CMRO2 diminui e o burst suppression pode ser atingido com concen-
trações alveolares clinicamente relevantes de aproximadamente 2 CAM (similares às do isoflurano). Entre
os anestésicos inalatórios, o sevoflurano é o único com a propriedade de promover a indução anestésica
pela via inalatória, embora deva ser evitada em pacientes neurocirúrgicos por causa das repercussões no
FSC, VSC e PIC. Em baixas concentrações (1 CAM), a autorregulação da vasculatura cerebral e a reativida-
de ao CO2 são preservadas32. O efeito na PIC é semelhante ao do isoflurano. Uma mínima mudança na PIC
ocorre em pacientes que apresentam complacência craniana normal. Nos pacientes com complacência
craniana reduzida, atenção deve ser dada ao potencial aumentado do FSC, VSC e da PIC.
Óxido Nitroso
O óxido nitroso apresenta uso controverso em neuroanestesia. Embora alguns estudos demonstrem que
ele pode ser utilizado com segurança, outros demostraram que ocorrem elevações no FSC33. Em pacientes
que apresentam diminuição da complacência craniana, o óxido nitroso pode promover efeitos deletérios
que suplantam qualquer eventual benefício. Embora preserve a reatividade ao CO2, o óxido nitroso pro-
move o aumento da incidência de náuseas e vômitos, expande as áreas de pneumoencéfalo causadas pela
craniotomia e aumenta as consequências da embolia aérea observadas nas cirurgias de fossa posterior
com o paciente na posição sentada.

Bloqueadores Neuromusculares
Os fármacos bloqueadores neuromusculares não atravessam a barreira hematoencefálica. Os efei-
tos cerebrais observados com o uso desses fármacos são secundários aos efeitos sistêmicos e a suas
ações metabólicas.
Bloqueadores Musculares Não Despolarizantes
Os fármacos de ação intermediária do tipo benzilisoquinolínicos, como o atracúrio, promovem a libera-
ção da histamina quando administrados em bolus. O análogo do atracúrio, o cis-atracúrio, não está asso-
ciado à liberação de histamina nem à formação de metabólitos neurotóxicos. A laudanosina é um produto
da metabolização do atracúrio associado ao desenvolvimento de convulsões em estudos experimentais
em ratos. Os fármacos esteroides, como o rocurônio e o vecurônio, promovem estabilidade hemodinâmi-
ca com mínima ou nenhuma liberação de histamina. O vecurônio associado aos opioides pode promover
bradicardia. Ambos os fármacos apresentam um reversor específico, com maior afinidade pelo rocurônio,
o sugamadex. Este promove a reversão total do bloqueio neuromuscular de forma rápida e segura sem
efeitos na hemodinâmica cerebral. O pancurônio é um fármaco esteroide de longa ação que promove ta-
quicardia e hipertensão. Desse modo, eleva o FSC e a PIC. Esses efeitos são atenuados quando se utiliza
o pancurônio associado com elevadas doses de opioides. O autor desaconselha o uso desse fármaco em
procedimentos neurocirúrgicos por causa de seus efeitos adversos, e a elevada prevalência de bloqueio
neuromuscular residual também promove alterações na hemodinâmica cerebral por provocar hipertensão
e taquicardia.
Bloqueadores Musculares Despolarizantes
A succinilcolina é único fármaco representante desse grupo. Eleva o FSC e a PIC secundariamente à fas-
ciculação muscular, a qual aumenta a aferência cerebral. Ainda assim, é o fármaco de escolha nas situa-
ções em que a indução em sequência rápida é mandatória34. Atenção deve ser dada ao fato de esse fárma-

968 | Bases do Ensino da Anestesiologia


co promover intensa liberação de potássio em determinadas casos de patologias neurocirúrgicas: trauma
cranioencefálico; trauma raquimedular; acidentes cerebrovasculares e desordens neuromusculares.

43.3. MONITORIZAÇÃO, POSICIONAMENTO, TÉCNICAS ANESTÉSICAS E


COMPLICAÇÕES
Monitorização
A monitorização do paciente neurocirúrgico deve compreender os monitores preconizados para todas
as anestesias, conforme a legislação vigente (ECG, SpO2, ETCO2, pressão arterial não invasiva). Monitoriza-
ções específicas são estabelecidas conforme a necessidade de cada procedimento cirúrgico e compreen-
dem o controle da atividade elétrica cerebral por meio do EEG; do fluxo arterial com Doppler transcrania-
no; da oximetria cerebral; do metabolismo cerebral e dos potenciais evocados motores, somatossensitivos
e somatossensoriais. Estes serão discutidos adiante, neste capítulo.
A monitorização hemodinâmica invasiva da pressão arterial nas cirurgias intracranianas deve ser esta-
belecida com a cateterização da artéria radial. Além da monitorização das alterações pressóricas, essa
via permite a coleta de exames durante o transoperatório. A monitorização da pressão venosa central, a
saturação venosa mista de O2 e o débito cardíaco devem ser estabelecidos em conformidade com o quadro
clínico do paciente.
A monitorização da atividade elétrica cerebral é realizada por meio do eletroencefalograma (EEG).
O EEG registra a atividade elétrica das células piramidais do córtex cerebral gerada pelos potenciais ex-
citatórios pós-sinápticos. O registro padronizado dessa atividade engloba a utilização de 16 canais (oito
em cada hemisfério cerebral), por meio de eletrodos de superfície ou agulha. As ondas registradas são
classificadas de acordo com sua frequência: 1) onda beta (13-30 hertz) – alta frequência; baixa amplitu-
de; dominante durante o estado vigil; (2) onda alfa (9-12 hertz) – média frequência; alta amplitude vista
no córtex occipital com os olhos fechados quando acordado; (3) onda teta (4-8 hertz) – baixa frequência;
não predominante em qualquer situação; (4) onda delta (0-4 hertz) – muito baixa frequência; amplitude
varia de baixa à alta e reflete os estados de depressão do SNC gerados por coma, anestesia, hipoxemia ou
outras alterações metabólicas.
No intuito de simplificar essa monitorização no período transoperatório, foram desenvolvidos algorit-
mos que utilizam dois a quatro eletrodos e o processamento dos dados por softwares específicos. A análise
do índice bispectral é um desses algoritmos derivados do EEG.
O índice bispectral (BIS) é gerado com a utilização de quatro eletrodos dispostos nas regiões fronto-
temporal, sendo três canais para EEG e um canal para a eletromiografia. Depois de captados, esses dados
passam por filtros de interferência e são analisados por meio da derivada de Fourier, originando um índice
que varia de 0 a 100, no qual 0 é a supressão da atividade elétrica cerebral e 100, o estado de vigília. O
intervalo de valores entre 40 e 60 é considerado o nível de hipnose adequada para prevenir recordações
do intraoperatório. Essa monitorização apresenta limitações que diminuem sua sensibilidade e especifici-
dade para monitorizar a integridade neuronal, mas é uma ferramenta muito interessante na monitoriza-
ção do SNC35.
O Doppler transcraniano permite a medida da velocidade do fluxo sanguíneo nos vasos de maior calibre
do polígono de Willis de forma contínua e não invasiva36. No âmbito transoperatório, a medida da velo-
cidade de fluxo na artéria cerebral média é realizada sobre o arco zigomático na janela óssea temporal.
Essa monitorização permite aferir pequenas modificações no FSC de maneira quantitativa, bem como
detectar a ocorrência de embolia aérea ou particulada, além de determinar a autorregulação do FSC e a
reatividade ao CO2. A taxa de falha no sucesso da monitorização é de 5% a 20%, dependendo da população
de pacientes, da qualidade do registro obtido pelo aparelho e da experiência do anestesiologista.
A oximetria cerebral transcraniana mede a saturação regional de oxigênio cerebral por meio da me-
dida da luz infravermelha (700-1000 nm) refletida nos cromofobos do cérebro, cujos mais importantes
são a oxi-hemoglobina, a deoxi-hemoglobina e o citocromo A3. A saturação considerada adequada no
tecido cerebral sadio varia de 70-75%. As limitações desse método são a potencial contaminação com
sangue extracerebral; monitorização regional e a limitada sensibilidade quando se interpõe um hema-

Ponto 43 - Anestesia para Neurocirurgia | 969


toma extradural ou subdural entre o cérebro e o probe. Estudos evidenciaram que, quando utilizado em
humanos, há uma resposta rápida a episódios de desaturação cerebral durante eventos de hipoperfusão
ou hipóxia sistêmica.
A monitorização da estimativa global entre a demanda e o consumo de oxigênio ou a extração de oxi-
gênio cerebral pode ser estabelecida pela leitura da saturação de oxigênio no bulbo venoso jugular. A
instalação de um cateter venoso na veia jugular interna, à sintopia o bulbo da artéria carótida, permite
calcular a diferença arteriovenosa de oxigênio, refletindo o balanço entre a oferta e a demanda de oxigê-
nio cerebral. Considerando que a oxigenação arterial usualmente é 100% e que o hematócrito é constan-
te, a saturação de oxigênio venoso jugular (SVJO2) reflete esse balanço. Os valores da SVJO2 considerados
normais variam de 60% a 70%. Valores superiores a 90% indicam hiperemia cerebral relativa ou absoluta,
que pode ocorrer em situações de reduzida necessidade metabólica, como nos estados de coma ou morte
encefálica. Por outro lado, valores inferiores a 50% sinalizam a ocorrência de extração aumentada de oxi-
gênio cerebral, como na lesão isquêmica ou nos estados de alta demanda metabólica, a exemplo de febre
ou convulsões. As limitações dessa monitorização incluem a leitura de natureza global e, dessa forma,
limita a informação de eventos isquêmicos neuronais focais e a necessidade de ser invasiva.
A monitorização do metabolismo cerebral, por meio da microdiálise cerebral, permite determinar a
integridade celular no local da inserção do cateter no parênquima cerebral. A análise de pequenas amos-
tras do fluido intersticial cerebral permite avaliar o aumento na relação lactato/piruvato, a qual é sensível
para diagnosticar o início de um processo isquêmico. Níveis elevados de glicerol sugerem desequilíbrio no
fornecimento de energia (ATP) para manter a integridade celular e resultam no rompimento de membra-
nas neuronais. Aminoácidos excitatórios, como o glutamato, demonstram a exacerbação da injúria neuro-
nal. A sensibilidade e a especificidade desse método estão relacionadas com o local no qual será inserido
o cateter de microdiálise, que varia em relação a cada patologia apresentada pelo paciente.

Posicionamento
Os procedimentos neurocirúrgicos necessitam de posicionamentos adequados para que o acesso ao
sítio cirúrgico seja facilitado e menos tecido cerebral livre de doença seja manipulado. Esse cuidado ao
posicionar o paciente promove adequado relaxamento cerebral e diminui as complicações e sequelas no
período perioperatório.
Antes de iniciar os procedimentos anestésicos, é importante que o anestesiologista examine o pacien-
te, verificando o nível de consciência (escala de coma de Glasgow) e o sítio no qual a cirurgia vai ser rea-
lizada (posição), e planeje como serão os acessos vasculares e a intubação traqueal. Importante também
é examinar cuidadosamente os exames de imagem (tomografia computadorizada e ressonância magnética
do encéfalo) para identificar a presença de lesões intracranianas com efeito de massa, edema cerebral e
desvios da linha média cerebral e planejar sua estratégia anestésica.
O anestesiologista deve estar atento e participar ativamente do posicionamento do paciente. A fixação e a
permeabilidade dos acessos vasculares e do tubo endotraqueal devem ser conferidas após o posicionamento,
e caso ocorra algum problema, é mandatório que seja corrigido antes do início do procedimento cirúrgico.
Pacientes que se apresentam com hipertensão intracraniana podem ter seu quadro agravado pelo
posicionamento para a cirurgia. A isquemia cerebral e os processos de herniação são as complicações
mais prevalentes.
O fator relacionado com o posicionamento cirúrgico, determinante na melhor adequação da compla-
cência craniana durante o transoperatório, é a manutenção adequada do retorno venoso craniano. Fle-
xões e/ou rotações excessivas da região cervical podem diminuir o retorno venoso e causar aumento do
conteúdo sanguíneo cerebral, levando à hipertensão intracraniana e condições cirúrgicas inadequadas.
As cirurgias sobre a fossa posterior merecem especial atenção, principalmente se forem realizadas com
o paciente na posição sentada. Nessa situação, a embolia venosa aérea é a complicação mais prevalente,
ocorrendo em 39% dos pacientes. O estudo ecocardiográfico para detecção de forame oval patente prévio
à cirurgia é mandatório, uma vez que a possibilidade de embolia paradoxal existe37.

970 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Técnicas Anestésicas
As técnicas anestésicas serão discutidas no item 43.4. deste capítulo.

Complicações
Embolia Venosa Aérea
A embolia venosa aérea (EVA) ocorre por meio de entrada de ar no sistema venoso cerebral, princi-
palmente nos seios venosos cerebrais, em particular no seio venoso transverso, relacionada com o posi-
cionamento do paciente38. Considerada uma complicação grave e potencialmente fatal, sua incidência é
elevada nas cirurgias da fossa posterior com o paciente sentado.
A monitorização transoperatória com ecocardiograma transesofágico é o melhor método para o diag-
nóstico, e na sua impossibilidade, pode-se utilizar o Doppler transtorácico precordial para a identificação
sonora da embolia aérea. A embolia aérea é detectável em 40% dos pacientes com o Doppler precordial e
em 76% com o ecocardiograma transesofágico por causa de sua maior sensibilidade.
A repercussão da EVA está relacionada com o volume de ar e a velocidade com que é embolizado. O
diagnóstico dever ser rápido, e as medidas terapêuticas devem ser instituídas para minimizar as repercus-
sões hemodinâmicas, ventilatórias e cerebrais.
A prevenção desse evento pode ser realizada por meio da irrigação contínua do campo cirúrgico com
solução fisiológica, pelo cirurgião.
A equipe cirúrgica deve ser notificada imediatamente sobre a EVA, assim como deve ser realizada a
compressão das veias jugulares internas para diminuir a embolia e o paciente deve ser retirado da posição
sentada e colocado em decúbito lateral esquerdo para facilitar a aspiração das bolhas de ar do átrio direi-
to pelo cateter venoso central. A fração inspirada de O2 deve ser elevada para 1, e o uso de vasopressores
e inotrópicos deve ser instituída conforme o quadro hemodinâmico apresentado pelo paciente.

43.4. ANESTESIA PARA PROCEDIMENTOS SUPRATENTORIAIS E INFRATENTORIAIS


Os procedimentos supratentoriais e infratentorias, via de regra, englobam a excisão de tumores cere-
brais; a drenagem de hematomas subdurais agudos ou crônicos; a drenagem de hematomas extradurais e
as cirurgias vasculares intracranianas para clipagem de aneurisma e excisão de malformações arteriove-
nosas (MAV).
A anestesia para a realização desses procedimentos deve preservar a autorregulação do FSC, a PPC e
a reatividade vascular ao CO2. Promover a melhor complacência craniana e preservar o tecido cerebral
sadio deve ser um objetivo sempre presente no planejamento e na condução da anestesia.
Na avaliação pré-anestésica, além da revisão do prontuário, da revisão dos sistemas, do inventário
farmacológico e do exame físico geral, o exame neurológico deve ser realizado para a identificação de al-
terações pré-operatórias, principalmente o nível de consciência e déficits neurológicos focais39. A análise
dos exames de imagem (tomografia computadorizada e imagens de ressonância magnética do crânio) deve
ser criteriosamente estudada para identificar a lesão a ser operada, a localização e a repercussão dela na
fisiologia intracraniana, quanto a edema cerebral, hipertensão intracraniana etc.
A monitorização durante a anestesia para craniotomias supratentoriais inclui a monitorização com ECG,
SpO2, ETCO2, pressão arterial invasiva (PAM) e do débito urinário. A monitorização do EEG microprocessado
e dos potenciais evocados pode ser utilizada conforme indicação específica.
Na escolha da técnica anestésica, alguns fatores devem ser levados em consideração. O estado físico
e hemodinâmico do paciente deve ser considerado para que a indução da anestesia não acarrete efeitos
deletérios à hemodinâmica cerebral.
A indução, independentemente da técnica anestésica, deve ser realizada de forma a preservar os me-
canismos cerebrais de regulação da homeostase citados anteriormente. O manejo da via aérea deve ser
realizado em plano anestésico profundo para que elevações na PAM e PIC sejam evitadas.
A manutenção da anestesia pode ser feita por meio da anestesia com sevoflurano associada à infusão
de remifentanil ou com a infusão venosa alvo-controlada de propofol e remifentanil. A manutenção com
sevoflurano preserva a reatividade vascular ao CO2 até 1,3 CAM (2,5%) com mínima repercussão na PIC.

Ponto 43 - Anestesia para Neurocirurgia | 971


O posicionamento do paciente com a elevação da cabeça ou Trendelenburg reverso é usualmente ado-
tado durante o procedimento para promover a diminuição da PIC.
Nos procedimentos infratentoriais realizados com o paciente na posição sentada, a atenção deve ser
voltada para complicações como embolia venosa aérea, discutida anteriormente, deterioração hemodinâ-
mica e lesões de nervos periféricos.
A posição sentada favorece a diminuição do retorno venoso e a diminuição do débito cardíaco, com o
aumento da resistência vascular sistêmica. Medidas para evitar hipotensão incluem adequada hidratação,
utilização de dispositivos pneumáticos para melhorar o retorno venoso dos membros inferiores e o uso de
vasopressores para manter a PAM e a PPC.
As lesões de nervos periféricos devem ser prevenidas com a revisão do posicionamento e a proteção do
paciente nos pontos de apoio durante todo o transoperatório. Flexões e extensões articulares devem ser
rigorosamente evitadas para a prevenção dessas lesões.
A PaCO2 deve ser mantida entre 30-35 mmHg e a hiperventilação deve ser restrita aos casos de HIC severa.
A hiperventilação (PaCO2 < 30 mmHg) pode aumentar o volume dos hematomas, promover a ruptura de aneu-
rismas e o surgimento de novo hematoma subdural, com as modificações abruptas da complacência craniana.
A pressão arterial deve ser controlada de forma intensiva para manter a PPC adequada, sobretudo nos
casos de PIC elevada. O transdutor da pressão arterial deve ser zerado ao nível do meato acústico externo
para correspondência com a pressão arterial no sistema arterial cerebral.
O manejo correto de fluidos transoperatórios deve ser orientado para que o provimento da adequada
perfusão tecidual seja estabelecido e, ao mesmo tempo, evitados a elevação da PIC e o edema cerebral.
A estabilidade hemodinâmica e ventilatória, o adequado controle da dor e da PIC, no fim do procedimen-
to, são fatores a considerar antes de decidir, junto com o cirurgião, por extubar ou não o paciente. Vale
lembrar que o nível de consciência pré-operatório do paciente é determinante para tomar essa decisão40.

43.5. ANESTESIA PARA CIRURGIA ESTEREOTÁXICA


A cirurgia estereotáxica é um procedimento minimamente invasivo, que utiliza um sistema de coor-
denadas tridimensionais para localizar lesões cerebrais profundas ou em áreas cerebrais eloquentes, com
objetivo diagnóstico ou terapêutico. Por meio desse procedimento, ablações; biópsias; estimulações; im-
plantes e radiocirurgias podem ser efetuados com o paciente sob anestesia geral ou acordado.
Os procedimentos com paciente acordado estão estabelecidos há vários anos, quando se trata de ci-
rurgia para o tratamento de epilepsia; no entanto, tumores cerebrais que acometem regiões da fala, a
motricidade e áreas sensoriais necessitam ser ressecados, com monitorização da atividade cerebral, para
possibilitar maior margem de ressecção possível sem causar injúria neurológica41. Estabelecer uma técnica
anestésica que promova analgesia, estabilidade hemodinâmica, controle ventilatório e que mantenha o
paciente acordado e cooperativo para a realização de testes funcionais, mapeamento cerebral ou ressec-
ção de tumores cerebrais, em áreas eloquentes, representa um desafio para o anestesiologista42.
Diversas técnicas anestésicas foram propostas para a realização da craniotomia com paciente acorda-
do. A literatura não sugere uma técnica ideal, uma vez que as técnicas anestésicas variam conforme a
experiência e a preferência de cada anestesiologista.
O posicionamento do paciente durante a cirurgia e o acesso do anestesiologista à via aérea são des-
favoráveis e implicam um manejo mais difícil destas. Nesse ambiente, a máscara laríngea possibilita o
estabelecimento de uma via aérea pérvia, na maioria das vezes, sem a necessidade de modificação da
posição do paciente43.
A anestesia geral associada aos anestésicos locais infiltrados tem sido realizada por meio de fármacos
com perfil farmacocinético que permite uma titulação rápida da profundidade anestésica, por causa da
meia-vida relacionada ao contexto.

43.6. ANESTESIA PARA A NEUROCIRURGIA PEDIÁTRICA


O avanço das técnicas neurocirúrgicas tem melhorado o desfecho desses procedimentos em pacientes pe-
diátricos. Nesse quesito, a neuroanestesia tem sido um dos fatores que mais contribuíram para esse resultado.

972 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Os princípios anestésicos para a neurocirurgia pediátrica derivam da experiência com os adultos e de-
vem levar em consideração o estágio evolutivo da criança e sua patologia neurocirúrgica.
Na avaliação pré-anestésica, o anestesiologista deve pesquisar sobre a patologia cirúrgica, quanto a seu
início; evolução; manifestações clínicas; limitações impostas ao paciente e seu estado atual. A história de
prematuridade e a presença de outras patologias importantes – como doenças cardíacas congênitas, reflu-
xo gastrointestinal, história de infecções das vias aéreas e anormalidades craniofaciais – também devem
ser pesquisadas.
A história de patologias neurológicas – como lesões de nervos periféricos; malformações arterioveno-
sas cerebrais; doenças neuromusculares; lesões que comprometem o hipotálamo e convulsões – deve ser
revisada pelo anestesiologista na avaliação pré-anestésica, bem como os fármacos em uso pelo paciente.
A técnica anestésica indicada sempre é a anestesia geral com indução inalatória. O sevoflurano é o anesté-
sico de eleição por causa de suas características farmacocinéticas e farmacodinâmicas na fisiologia cerebral43.
O estabelecimento dos acessos vasculares deve ser planejado de acordo com o procedimento propos-
to; no entanto, a monitorização invasiva da pressão arterial é mandatória. A monitorização do paciente
segue os mesmos princípios da do adulto, e o manejo da via aérea deve levar em conta as características
anatomofuncionais relacionadas com a idade do paciente.
A manutenção da anestesia é inalatória e segue os mesmos princípios da neuroanestesia em pacientes
adultos quanto à concentração do anestésico e sua repercussão na hemodinâmica cerebral. O bloqueio
neuromuscular deve ser individualizado para cada paciente.
Aspectos relacionados com o posicionamento são importantes na prevenção de lesões secundárias e no
agravamento da patologia e devem ser considerados com a equipe neurocirúrgica para proteger o pacien-
te e facilitar a abordagem do cirurgião44.
O anestesiologista deve ter a preocupação adicional de prevenir a hipotermia nesse grupo de pacien-
tes, em razão de sua suscetibilidade e da não comprovação como efeito neuroprotetor para todos os pa-
cientes. O aquecimento ativo do paciente, o controle da temperatura da sala e o aquecimento das solu-
ções venosas são condutas protetoras nesse caso.
Os cuidados pós-operatórios devem ser planejados durante o preparo do paciente para a cirurgia. A
necessidade de assistência em centro de terapia intensiva pediátrica deve ser assegurada, e a interação
entre as equipes anestésica, cirúrgica e de pós-operatório é fundamental para a melhora dos desfechos
neurocirúrgicos pediátricos.

43.7. ANESTESIA PARA PROCEDIMENTOS NO LABORATÓRIO DE HEMODINÂMICA


As considerações anestésicas relacionadas com os procedimentos realizados no laboratório de hemodi-
nâmica se iniciam pelas características desses locais. Via de regra, esses laboratórios, quando planejados,
não contam com a possibilidade da presença de um anestesiologista e seus equipamentos para a realiza-
ção de procedimentos anestésicos.
Assim, o anestesiologista necessita concorrer, por espaço, com os equipamentos da sala, e inúmeros obs-
táculos se impõem à pratica anestésica. O acesso ao paciente torna-se limitado; o trânsito na sala é prejudi-
cado pela interposição de equipamentos; a disponibilidade de material é limitada; entre outros problemas.
No entanto, procedimentos de alta complexidade são realizados nesses ambientes, que o autor considera
hostis ao anestesiologista, como anestesia geral com monitorização complexa em pacientes graves.
No planejamento da anestesia, devem-se levar em consideração alguns aspectos importantes que
permitirão o sucesso do procedimento proposto: (1) manutenção da imobilidade do paciente durante o
procedimento, para facilitar a obtenção das imagens com resolução adequada; (2) promoção de rápida
recuperação anestésica ao término do procedimento para permitir a avaliação neurológica; (3) manejo
adequado da anticoagulação; (4) diagnóstico e tratamento de complicações que podem ocorrer de manei-
ra súbita; (5) transporte do paciente grave entre o laboratório de hemodinâmica e seu destino final; (6)
reconhecimento de que o uso de equipamentos de proteção radiológica são necessários e obrigatórios45.
No estabelecimento da técnica anestésica a ser escolhida para determinado paciente, é imperativo que
o anestesiologista converse com o neurointervencionista para conhecer o plano terapêutico e as necessi-
dades do paciente.

Ponto 43 - Anestesia para Neurocirurgia | 973


No preparo da anestesia, o estabelecimento de uma via venosa, com a extensão adequada ao manejo
seguro pelo anestesiologista, deve ser obtida, bem como a disponibilidade de todo o material para a ob-
tenção emergencial de uma via aérea segura.
A monitorização do paciente segue a rotina para anestesias no centro cirúrgico acrescida da monitori-
zação invasiva da pressão arterial e de um acesso venoso central, de acordo com as condições clínicas do
paciente e do procedimento que vai ser feito. Para a cateterização arterial, o autor recomenda a punção
da artéria radial, e não o uso da canulação da artéria femural, realizada pelo cirurgião para facilitar o
acesso e interferir minimamente com o procedimento. Monitorizações neurofisiológicas devem ser discu-
tidas conforme a necessidade de cada paciente.
A indução da anestesia geral e o manejo da via aérea devem levar em consideração os princípios dis-
cutidos anteriormente para procedimentos neurocirúrgicos convencionais. A escolha dos fármacos deve
interferir minimamente com a hemodinâmica e a homeostase cerebral. A manutenção pode ser feita com
anestésicos inalatórios ou venosos. O bloqueio neuromuscular deve ser individualizado para cada pacien-
te, mas a imobilidade, como já pontuado, deve ser um dos objetivos anestésicos.
A sedação, como técnica anestésica, pode ser realizada em alguns procedimentos, mas o entendimento
entre o neurointervencionista e o anestesiologista é necessário. A sedação consciente, via de regra, é a
mais indicada para que o exame neurológico possa ser realizado durante o procedimento e a monitoriza-
ção do SNC seja permitida quanto ao nível de consciência.
A seleção dos fármacos deve levar em consideração essas necessidades. A dexmedetomidina apresenta
características interessantes na promoção da sedação consciente com estabilidade ventilatória e hemodi-
nâmica. A associação de fármacos deve ser cuidadosamente avaliada, em razão dos efeitos agonistas na
depressão ventilatória e do nível de consciência, como no caso dos benzodiazepínicos e opioides.
O preparo para a ocorrência de complicações neurológicas graves deve estar no planejamento do anes-
tesiologista para qualquer procedimento neurointervencionista.

43.8. ANESTESIA PARA CIRURGIA DA HIPÓFISE


A patologia neurocirúrgica mais prevalente quando falamos na hipófise é o microadenoma. Esse tumor
apresenta características que fazem dele um capítulo especial dentro da neurocirurgia.
A sintopia anatômica hipofisária próxima ao quiasma óptico e a porção intracraniana das artérias caró-
tidas, do seio cavernoso e de nervos intracranianos, muitas vezes, tornam esse procedimento desafiador
para o neurocirurgião e para o anestesiologista.
A avaliação pré-anestésica necessita de atenção especial para os aspectos relacionados com a funcio-
nalidade ou não do tumor. Os pacientes devem ser acompanhados no período perioperatório por um en-
docrinologista para que quadros de pan-hipopituitarismo sejam manejados adequadamente.
Pacientes que apresentam quadros de acromegalia necessitam de avaliação cuidadosa quanto
ao manejo da via aérea. As proeminências ósseas faciais, a macroglossia e a limitação da extensão
cervical podem criar um ambiente de via aérea difícil, e a intubação com fibrobroncoscopia pode
ser necessária.
A monitorização perioperatória da glicemia; da densidade urinária; dos eletrólitos plasmáticos e uriná-
rios e da secreção de cortisol é mandatória nos cuidados intensivos perioperatórios.
A cirurgia sobre a hipófise, via de regra, é realizada pela via transesfenoidal com acesso nasal. Mesmo
assim, não deixa de exigir os cuidados anestésicos de uma cirurgia transcraniana.
A monitorização do paciente deve ser a mesma preconizada para as cirurgias transcranianas, com ECG,
SpO2, ETCO2, pressão arterial invasiva (PAM) e do débito urinário. A monitorização do EEG microprocessado
e dos potenciais evocados pode ser utilizada.
A indução e manutenção da anestesia devem seguir os princípios descritos para a cirurgia de tumores
supratentoriais. A estabilidade hemodinâmica, manutenção adequada da ventilação e adequação da com-
placência craniana são objetivos anestésicos a serem estabelecidos.
A monitorização das repercussões metabólicas, descritas anteriormente, devem receber a atenção do
anestesiologista nesse período.

974 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Ao término da cirurgia, a extubação deve ser realizada sem que ocorram manobras de Valsalva para
que não se eleve a PIC e o risco da ocorrência de fístula liquórica.
A ocorrência de diabetes insipidus é uma complicação relacionada com o metabolismo e a liberação do
hormônio antidiurético (HAD) que raramente ocorre no período transoperatório, mas pode se manifestar
durante as primeiras 12 horas de pós-operatório. A apresentação clínica é caracterizada pela presença de
poliúria com elevação da osmolaridade plasmática. A verificação da elevação da osmolaridade plasmática
e baixa da osmolaridade urinária (≥ 1002) sugere fortemente o diagnóstico. O tratamento dessa entidade
deve ser iniciado imediatamente com a reposição de fluidos: manutenção horária de fluidos mais dois ter-
ços da perda urinária na última hora. Via de regra, a solução glicofisiológica é utilizada para reposição, no
entanto, a monitorização da glicemia deve ser instituída em regime intensivo. Se a reposição horária de
fluidos exceder 350-400 ml, o acetato de desmopressina (DDAVP) pode ser utilizado.
No período pós-operatório, os cuidados intensivos relacionados com o metabolismo devem ser manti-
dos, e a queixa de distúrbios visuais e/ou rebaixamento do sensório sinalizam a ocorrência de complica-
ções relacionadas com a cirurgia, como edema cerebral e hematoma no sítio cirúrgico. Nessas situações,
a avaliação com tomografia de crânio é obrigatória.

43.9. ANESTESIA PARA PROCEDIMENTOS NEUROFUNCIONAIS


A monitorização neurofisiológica registra a atividade elétrica do sistema nervoso central e periférico,
espontânea ou estimulada, por meio de protocolos específicos, conforme o propósito da monitorização.
As indicações incluem a monitorização cortical e subcortical para a delimitação da aérea de ressecção
tumoral, mapeamento do córtex cerebral para cirurgia de epilepsia e monitorização da função medular
em cirurgias neuroxiais, entre outras46.
Os métodos utilizados para monitorização compreendem o uso de potenciais evocados motores, so-
matossensitivos e somatossensoriais, de acordo com a área funcional a ser monitorizada. O sucesso dessa
monitorização depende da integridade das vias neuronais envolvidas e dos diversos fatores que podem
levar a interferências que afetam o registro dos potencias monitorizados. Instabilidade hemodinâmica; hi-
potermia; hipoglicemia; hipoxemia tissular; distúrbios eletrolíticos e agentes anestésicos podem interferir
na monitorização tanto motora e sensitiva quanto sensorial ou impossibilitá-las.
O procedimento anestésico apresenta função primordial no estabelecimento das condições adequadas
e, por que não ideais, de monitorização neurofisiológica, uma vez que os fatores interferentes, citados
anteriormente, estão sob o controle do médico anestesiologista.
Os procedimentos cirúrgicos aos quais os pacientes são submetidos e necessitam da monitorização neu-
rofisiológica são realizados sob anestesia geral. Os agentes anestésicos empregados na obtenção do esta-
do de hipnose, amnésia, analgesia e atenuação da resposta inflamatória impactam com maior ou menor
intensidade na obtenção da monitorização intraoperatória das funções neurofisiológicas.
Desse modo, discutir as condições específicas relacionadas com a escolha dos fármacos anestésicos e
suas relações com a monitorização neurofisiológica se torna essencial quando há ela é necessária para
determinado procedimento cirúrgico específico.

Mecanismo de Ação dos Fármacos Anestésicos


Os fármacos anestésicos atuam por meio da modulação aferente e/ou eferente do sistema nervoso central,
periférico e autônomo. Os mecanismos de ação compartilham algumas características, como modificar fluxos
iônicos, relacionados com o cloro, para a obtenção do estado hipnótico, por meio da ação nos receptores GA-
BAA; bloquear a atividade colinérgica ao nível da placa motora nos receptores mACh, no caso dos bloqueadores
neuromusculares; e modificar o influxo de cálcio, por meio do bloqueio de receptores excitatórios NMDA.
A combinação dessas ações nesses receptores, ao estabelecer a anestesia geral, promove alterações no
registro da monitorização eletroencefalográfica e dos potenciais evocados.

Efeitos dos Anestésicos nos Potenciais Evocados


O entendimento dos efeitos dos fármacos anestésicos nos potenciais evocados necessita da explicação
dos mecanismos relacionados com a anestesia ao nível do sistema nervoso. Como já explicitado, os fár-

Ponto 43 - Anestesia para Neurocirurgia | 975


macos anestésicos interferem nos fluxos e canais iônicos, bem como no sistema colinérgico muscarínico,
quando da utilização de bloqueadores neuromusculares, o que leva ao estabelecimento de um mecanismo
primariamente ao nível das funções sinápticas que ao nível da condução neuronal.
A obtenção do estado hipnótico, com a supressão da consciência, durante a anestesia geral é mediada
pela ação dos fármacos hipnóticos em redes neurais que envolve neurônios talamocorticais, corticotalâmi-
cos e reticulotalâmicos47. Os anestésicos produzem inconsciência por meio dos efeitos nos receptores GA-
BA A e alfa2 – agonistas centrais com a contribuição dos receptores NMDA e nACh. O retorno à consciência
envolve os núcleos do sistema reticular ativador, ao nível do tronco cerebral, mediados pela função dos
receptores nACh. O tronco cerebral envia o estímulo “acordar” para o córtex cerebral.
Isso sugere que os efeitos farmacológicos nos níveis corticais e subcorticais conduzem a perda da fun-
ção dos centros de memória levando à amnésia. Desse modo, as informações sensoriais transmitidas ao
córtex são reduzidas pelos fármacos anestésicos.
As redes neurais envolvidas na inibição dos reflexos motores encontram-se ao nível da medula espinhal.
Essas vias são moduladas por meio do efeito sináptico dos anestésicos inalatórios halogenados.
A obtenção da anestesia geral promove a redução da amplitude e o aumento da latência dos potenciais
evocados motores, somatossensitivos e somatossensoriais de forma dose-dependente.

Fármacos Anestésicos Específicos


Os efeitos específicos de cada fármaco anestésico produzem alterações nas respostas dos potenciais
evocados monitorizados, de acordo com o alvo sináptico individual de cada fármaco. Para profundidades
iguais de anestesia, alguns fármacos produzem maior ou menor grau de depressão nos potenciais evocados
que outros. Essas diferenças são explicadas pelas ações em distintos receptores (GABA, NMDA etc.) e locais
de ação (pré ou pós-sinápticos), pela distribuição dos receptores e pela ação em subtipos de receptores.
O efeito mais proeminente nas respostas aos potenciais evocados é estabelecido pelos fármacos anes-
tésicos halogenados (isoflurano, sevoflurano e desflurano). Esses fármacos possuem atividade em recepto-
res GABA A, NMDA, nACh e nos canais de potássio, promovendo hipnose, antinocicepção, amnésia e algum
relaxamento muscular48. Esse último ocorre por meio da ação em receptores para glicina, promovendo
imobilidade ao nível da medula espinhal.
Os potenciais evocados somatossensoriais apresentam maior efeito na sua leitura quando monitori-
zados acima do tálamo por causa da consistência de sinapses localizadas a esse nível. Os anestésicos
inalatórios halogenados apresentam marcado efeito que bloqueia as vias talâmicas sensoriais49. Ao nível
cortical, concentrações de 0,5-1,0 CAM permitem a monitorização.
A monitorização estabelecida ao nível dos nervos periféricos, da medula espinhal ou do espaço peridu-
ral pode ser registrada com mínima interferência anestésica.
O registro dos potenciais evocados motores é mais desafiador durante a anestesia geral com anestési-
cos inalatórios halogenados. Por esse motivo, em muitos pacientes, esses anestésicos devem ser evitados.
Embora, atualmente, seja menos utilizado, o óxido nitroso, quando usado como coadjuvante dos anes-
tésicos inalatórios, promove seu efeito analgésico, por meio da ação nos receptores NMDA, com contri-
buição dos receptores μ-opioide, nACh e em canais de potássio. Sua ação sináptica promove modificações
mais profundas na monitorização dos potenciais evocados motores quando comparada com doses anesté-
sicas dos fármacos inalatórios halogenados50. A monitorização dos potenciais evocados motores ao nível
epidural, à semelhança dos fármacos halogenados, sofre mínimos efeitos.
Em razão do exposto em relação aos anestésicos inalatórios halogenados e ao óxido nitroso, a anestesia
geral baseada no uso de agentes venosos, como o hipnótico propofol e os analgésicos opioides, mostra-se
mais adequada quando a monitorização neurofuncional é necessária.
A técnica anestésica venosa total alvo-controlada para indução e manutenção da anestesia com pro-
pofol e remifentanil ou sufentanil é a mais utilizada durante a monitorização dos potenciais evocados51.
O propofol produz, de forma dose-dependente, depressão na amplitude dos potenciais somatossenso-
rias, auditivos e visuais, ao nível do córtex cerebral, que responde rapidamente com a redução da concen-
tração no sítio efetor ou a suspensão da infusão do hipnótico. O propofol, ao contrário da cetamina, não
promove aumento das respostas corticais à estimulação dos potenciais.

976 | Bases do Ensino da Anestesiologia


O uso da cetamina aumenta a amplitude dos potenciais evocados somatossensorias por causa de sua
ação excitatória no córtex cerebral. A utilização da cetamina contribui para melhorar a leitura dos poten-
ciais também por permitir a redução das doses dos fármacos hipnóticos, antinociceptivos e inalatórios.
No entanto, adverte-se quanto à possível ocorrência de sonhos desagradáveis e mesmo alucinações no
período pós-operatório.
Os fármacos opioides apresentam efeitos discretos nas respostas evocadas ao mesmo tempo em que
promovem antinocicepção. O efeito observado é descrito como aumento na latência e diminuição na am-
plitude, de forma dose-dependente, nos potenciais evocados motores e somatossensoriais.
A utilização de fármacos adjuvantes pode trazer benefícios quando o objetivo é a redução das doses
dos agentes que interferem na monitorização.
A dexmedetomidina, um alfa2 agonista seletivo, promove analgesia, sedação e estabilidade hemodi-
nâmica, possibilitando a redução tanto do propofol quanto do remifentanil ou sufentanil52. Dessa forma,
melhora os registros dos potenciais monitorizados. No entanto, cuidado deve ser tomado quanto à dose da
dexmedetomidina, pois doses elevadas interferem na leitura dos potenciais evocados motores.
Os benzodiapínicos também podem ser utilizados na indução anestésica ou como medicação pré-anes-
tésica, mas a mesma cautela deve ser tomada em relação às doses, uma vez que pode haver interferência
no registro dos potenciais evocados somatossensoriais.

Considerações Fisiológicas no Manejo Anestésico


As alterações promovidas durante a anestesia, na monitorização neurofuncional, não se restringem
somente à ação farmacológica. O anestesiologista deve manter atenção durante a cirurgia e a anestesia,
principalmente na esfera hemodinâmica, que traz repercussões à monitorização.
Hipotensão deliberada, hipóxia tissular, hipotermia, hipoglicemia e distúrbios eletrolíticos promovem
interferências na leitura dos potenciais somatossensoriais e motores53. O cuidado do anestesiologista deve
ser em evitar e corrigir tais alterações para que não ocorram estas interferências durante a monitorização
dos potencias evocados.
As alterações citadas promovem disfunções sinápticas responsáveis pela diminuição da amplitude e
pelo aumento da latência dos potenciais, muitas vezes impedindo a monitorização ou promovendo leituras
equivocadas de lesões neuronais inexistentes.
Os procedimentos cirúrgicos que exigem a concomitância da monitorização neurofuncional trazem a
necessidade da presença de um anestesiologista experiente e familiarizado com esse tipo de procedimen-
to. As mudanças decorrentes da cirurgia, da anestesia e da homeostase do paciente exigem a escolha de
técnicas anestésicas que interfiram o mínimo possível na monitorização e permitam as condições adequa-
das para a monitorização proposta.

43.10. PROTEÇÃO CEREBRAL


A proteção cerebral – assim definida como uma estratégia ou combinação de estratégias que antagoni-
zem, interrompam ou tornem mais lenta a sequência de injúrias bioquímicas e moleculares – pode evitar
a progressão da lesão isquêmica neuronal para um estado irreversível de morte celular54,55.
O uso de agentes anestésicos para promover neuroproteção foi descrito primeiramente com a adminis-
tração de barbitúricos, quando Smith e cols. demonstraram que havia proteção do tecido cerebral com
tiopental ao diminuírem o FSC, o metabolismo cerebral e a PIC em cães submetidos à oclusão temporária
das artérias carótida interna e cerebral média56.
Por muitos anos, a redução do fluxo sanguíneo cerebral e a diminuição do metabolismo cerebral – eviden-
ciado no EEG transoperatório pela supres- são da atividade elétrica cerebral – foram os pilares da neuropro-
teção intraoperatória. O crescente aumento do entendimento da fisiopatologia da lesão isquêmica neuronal,
dos mecanismos de morte neuronal e das vias bioquímicas envolvidas nesse contexto mostrou que a neuro-
proteção com fármacos anestésicos vai muito além da redução da atividade metabólica cerebral.
Uma cascata de eventos é iniciada após a injúria isquêmica, conduzindo à excitotoxicidade, ao es-
tresse oxidativo neuronal e à despolarização peri-infarto. No momento em que ocorre a privação de
oxigênio e glicose pela insuficiência do suprimento sanguíneo cerebral, o conteúdo de ATP diminui ra-

Ponto 43 - Anestesia para Neurocirurgia | 977


pidamente por causa da redução de sua produção. Como consequência, os processos dependentes de
energia do ATP, como o transporte ativo pela Na/K ATPase, diminuem. Os canais iônicos dependentes
de ATP para sua abertura, como os de K+ e os de cálcio ativados pelo K+, são interrompidos logo após o
insulto isquêmico, promovendo hiperpolarização neuronal e silêncio elétrico. A perda do transporte de
eletrólitos celulares por meio da Na/K ATPase leva ao acúmulo de K+ fora dos neurônios e à subsequente
lenta despolarização. Uma vez que o limiar dessa despolarização é alcançado, ocorre uma entrada de
Na+ e Ca++ na célula e completa perda de potencial de membrana57.
Essa despolarização é responsável pela liberação do excitotóxico glutamato dos terminais nervosos,
que vai ativar os receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) e os receptores -amino-3-hydroxy-5-methyl-
-4-isoxazolepropionic (AMPA), aumentando a entrada de Na+ e Ca++ e a extrusão de K+ dos neurônios, por
meio do acoplamento do receptor de glutamato com os canais catiônicos.
Durante o episódio isquêmico, a concentração de Ca++ citosólico aumenta marcadamente por causa da
ativação de ambos os receptores NMDA e dos canais de Ca++ dependente de voltagem, bem como pelo
bloqueio do transporte Na+/Ca++ para o extracelular, desencadeando um proeminente papel no desenvol-
vimento da injúria isquêmica e morte neuronal por necrose e/ou apoptose neuronal.
A morte neuronal por necrose mediada pela excitotoxicidade é caracterizada pelo rápido edema celu-
lar, condensação e picnose do núcleo, além de edema mitocondrial e do retículo endoplasmático. A morte
neuronal necrótica resulta em infiltração local do cérebro por células inflamatórias, as quais se dissemi-
nam para os neurônios adjacentes.
O atraso da morte neuronal, demonstrada na isquemia global e nas isquemias focais, é dependente
da gravidade do insulto, com neurônios morrendo rapidamente e outros sobrevivendo ao insulto inicial,
o que cria uma região de penumbra isquêmica que pode aumentar a extensão do infarto após a isque-
mia focal e é alvo de estudos de estratégias neuroprotetoras, por apresentar células neuronais passíveis
de serem reparadas.
O reparo celular por meio da remielinização e reorganização por vias compensatórias, como o aumen-
to da atividade de áreas cerebrais contralaterais ou adjacentes não injuriadas, pode atenuar os efeitos a
longo prazo da injúria isquêmica no desfecho do paciente.
O entendimento da cascata multidimensional de injúria oferece opções terapêuticas e intervenções
farmacológicas para reduzir a excitotoxicidade e a PIC58,59. Esse conceito consiste na combinação de fár-
macos ou um fármaco isolado que possa bloquear diferentes mecanismos fisiopatológicos relacionados
com a injúria isquêmica.
A manutenção da autorregulação do FSC e da PPC e o controle metabólico cerebral (normoglicemia,
normocapnia, hipotermia moderada e oxigenação adequada) são intervenções neuroprotetoras com ele-
vado nível de evidência.
O conceito de neuroproteção farmacológica inclui intervenções para aumentar o FSC nos territó-
rios isquêmicos; otimizar o metabolismo cerebral; controlar a PIC e inibir a ativação dos mecanismos
de excitotoxicidade. Diminuir a duração do evento isquêmico; bloquear o fluxo iônico mediado pela
liberação de glutamato; inibir a apoptose e os fenômenos inflamatórios secundários; eliminar os radi-
cais livres e promover o reparo e crescimento tecidual são estratégias desejadas para produzir neuro-
proteção. Quase todas as etapas fisiopatológicas que conduzem à morte neuronal representam alvos
para os agentes neuroprotetores.
Os anestésicos apresentam uma variedade de mecanismos de ação, tanto in vitro quanto in vivo, as-
sociada à neuroproteção. Esses mecanismos parecem atuar em cada etapa do processo fisiopatológico da
lesão neuronal e incluem a inibição de despolarizações espontâneas na área de penumbra isquêmica; a
redistribuição favorável do fluxo sanguíneo cerebral; o potencial antioxidante; o antagonismo do receptor
NMDA e a potencialização gabaérgica.
O tipo de injúria, o intervalo de tempo entre esta e a intervenção neuroprotetora e a intensidade do
insulto isquêmico determinam a efetividade de certa terapia neuroprotetora.
A dificuldade em estudar os efeitos dos anestésicos como neuroprotetores é que cada anestésico tem
seu efeito na vasculatura, no metabolismo e na eletrofisiologia cerebral (potenciais evocados), na tempe-
ratura e na pressão arterial.

978 | Bases do Ensino da Anestesiologia


A neuroproteção contra a injúria isquêmica, apesar dos vários bilhões de dólares investidos ao longo
de décadas em pesquisas, ainda apresenta pequeno progresso quanto a uma terapia farmacológica que
significativamente altere os desfechos após o evento agudo. No entanto, algumas observações de estudos
em laboratório demonstraram que o propofol (2-6-di-isopropilfenol) promove neuroproteção se o fármaco
estiver presente no momento do insulto isquêmico60.
Efeitos neuroprotetores do propofol têm sido evidenciados em modelos animais, enquanto os resulta-
dos em ensaios clínicos em humanos ainda não conseguiram evidências suficientes desse processo.
O propofol tem sido associado à redução da área de infarto isquêmico cerebral e da necrose
neuronal em modelos animais; no entanto, o efeito na apoptose neuronal após eventos isquêmicos
é desconhecida.
Os possíveis efeitos neuroprotetores do propofol têm sido testados em diversos modelos in vitro e in
vivo, no entanto, os resultados ainda são controversos. Desse modo, o entendimento dos mecanismos de
neuroproteção poderia identificar importantes alvos terapêuticos e, possivelmente, uma eventual trans-
lação desses resultados para uso em humanos.
Em um estudo, Adembri e col., utilizando modelos in vitro e in vivo de ratos, apresentaram um prová-
vel mecanismo de neuroproteção do propofol, administrando doses de 100 mg.Kg-1 após oclusão da artéria
cerebral média in vivo e de privação de oxigênio e glicose in vitro, por meio da prevenção do edema mi-
tocondrial, o que diminuiria a excitotoxicidade neuronal61.
Engelhard e cols. demonstraram que o propofol pode prover neuroproteção sustentada em mo-
delos de ratos Sprague-Dawley masculinos submetidos à isquemia por oclusão da artéria carótida ou
choque hemorrágico 62.
A utilização do propofol como agente neuroprotetor mostrou resultados promissores em um modelo in
vitro de cultura tecidual cerebral (hipocampo), quando em combinação com hipotermia (32°C) após injúria
cerebral traumática.
Em pacientes com elevação da PIC, apesar de o propofol ter mostrado diminuição da taxa metabólica
cerebral em 36%, da PIC em 30% e da PPC em menos de 10%, foram mantidas a autorregulação do FSC e a
reatividade a PaCO2. No entanto, os efeitos neuroprotetores atribuídos ao propofol não foram sustentados
em casos de isquemia moderada a grave por tempo prolongado63.
Os efeitos do propofol não levaram à perda da autorregulação do FSC nem à diminuição da resposta a
PaCO2, mesmo em doses que resultaram em silêncio elétrico no EEG (burst supression).
A avaliação quantitativa dos efeitos neuroprotetores do tiopental, propofol e halotano na isquemia ce-
rebral em roedores (Gerbil), estudada por Kobayashi e cols., não demonstrou superioridade do tiopental
em relação ao propofol, bem como não houve diferenças estatísticas em relação à duração das despolari-
zações isquêmicas. Nesse estudo, o propofol mostrou efeitos neuroprotetores quando promoveu a supres-
são elétrica do EEG ou BIS no intervalo entre 10-3064.
As evidências, até o presente momento, mostram resultados desapontadores quanto à atividade neu-
roprotetora de fármacos em seres humanos, embora existam indícios experimentais. Cabe à medicina
translacional elucidar quais desses resultados terão aplicabilidade futura na prática da neuroanestesia.

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Ponto 43 - Anestesia para Neurocirurgia | 981


ME3
PONTO 44

Hipotermia e Hipotensão
Arterial Induzida
João Henrique Silva
Instrutor Corresponsável pelo CET do SANE;
Membro da Equipe de Transplantes Cardíacos do Instituto de Cardiologia de Porto Alegre, RS;
Membro da Comissão de Qualidade e Segurança da SBA.

Paulo José Irigon Pereira


Instrutor do CET do SANE;
Membro da Equipe de Transplantes Cardíacos do Instituto de Cardiologia de Porto Alegre, RS;
MBA executivo em saúde pela Fundação Getúlio Vargas.
Hipotermia e Hipotensão Arterial Induzida
44.1. Hipotermia
44.2. Hipotensão arterial

INTRODUÇÃO
A American Heart Association, em seu guideline de manejo perioperatório para cirurgia não cardíaca,
considera a manutenção da normotermia essencial para evitar isquemia miocárdia1. Ainda assim, mais de
20% dos pacientes desenvolvem hipotermia não intencional, ou seja, temperatura menor que 36º centí-
grados no perioperatório. Esse fato é tão relevante que tornou o controle da temperatura em anestesia
um sinalizador de qualidade no processo de atendimento dos pacientes. Sendo critério utilizado, inclusive,
pelas organizações de acreditação hospitalar e, em outros países, como forma de aumentar a remunera-
ção da instituição que tem bons indicadores de normotermia (pagamento por performance).
O controle da pressão arterial é uma das principais funções do anestesiologista. Em determinadas cir-
cunstâncias a manipulação de seus valores para além do limite da normalidade pode ser benéfica para o
paciente, como a hipertensão durante uma endarterectomia de artéria carótida ou a hipotensão no mo-
mento de pinçamento aórtico.

44.1. HIPOTERMIA
A hipotermia em anestesia decorre da interferência no controle da termorregulação por alteração no
limiar do termostato hipotalâmico e inibição da ativação dos mecanismos produtores de calor2. Associados
a isso, as salas de cirurgia frias, o preparo da pele, a exposição de cavidades, o tempo cirúrgico prolonga-
do e a infusão de fluidos com baixa temperatura levarão à hipotermia caso não haja atitudes para evitá-la.
Os estudos atuais revelam que, mesmo leve, a hipotermia tem grande repercussão sobre o desfecho do
procedimento, já que triplica a morbidade miocárdia3 e a infecção de ferida operatória4; causa coagulo-
patia, o que aumenta a necessidade de transfusão sanguínea5,6; prolonga a recuperação e aumenta os dias
de hospitalização. Sendo assim, o controle da temperatura e manobras para evitar e tratar a hipotermia
devem ser rotina, mesmo em cirurgias de curta duração.

44.1.1. Fisiologia da Termorregulação. Alterações Fisiopatológicas da Hipotermia


Induzida e Acidental7
Os limiares normais para o início das respostas para evitar a hipotermia estão entre 36,5ºC - 37,5ºC. Além
das respostas autonômicas, as condutas comportamentais, como retirar ou colocar mais roupa diante da varia-
ção de temperatura ambiental, são importantes ferramentas de proteção. A idade, medicações e os anestési-
cos perturbam essas defesas. Estes, marcadamente, interferem no controle autonômico da termorregulação.
A regulação térmica em humanos é rigorosa. Variações de apenas 0,2 a 0,4ºC são permitidas antes
de entrarem em ação os mecanismos de defesa, tanto ao frio quanto ao calor8. Durante a anestesia, os
limiares para as respostas protetoras, como tremores e vasoconstrição na hipotermia, aumentam signifi-
cativamente, atingindo 2 a 3ºC. No caso de bloqueios de neuroeixo, há alterações dos controles central e
periférico de temperatura, deixando o paciente extremamente vulnerável à hipotermia.
A aferência ao frio é transmitida pelas fibras nervosas A delta, enquanto a aferência ao calor se dá
pelas fibras C não mielinizadas, que também conduzem sinais dolorosos. Essas informações térmicas as-
cendem pelo trato espinotalâmico anterior até o sistema nervoso central. E no hipotálamo, principalmen-
te, ocorre o processamento desses sinais provenientes da medula espinhal, dos tecidos profundos e dos
receptores da superfície da pele. A partir desse centro termorregulador, partem respostas eferentes que
interagem com outros sistemas, como o vasomotor, as glândulas sudoríparas e o muscular. As principais
respostas protetoras são as comportamentais e as autonômicas, estas representadas pela vasoconstrição,
o shivering (tremores) e a termogênese não shivering.
Vasoconstrição é o mecanismo autonômico efetor mais consistente de defesa. Fístulas arteriovenosas9 con-
trolam os fluxos, diminuindo ou aumentando a oferta de sangue para a periferia, conforme a necessidade, e

984 | Bases do Ensino da Anestesiologia


com isso regulam a perda de calor. As catecolaminas circulantes pouco interferem nesses nervos simpáticos
alfa-adrenérgicos locais, que regulam a vasoconstrição dessas fístulas. Porém, a vasoconstrição das fístulas
pode elevar a pressão arterial em até 15 mmHg. O controle da atividade vasomotora parece ser mediado por
norepinefrina, dopamina, 5-hidroxitriptamina, acetilcolina, prostaglandina e outros neuropeptídeos.
A produção de calor, ou seja, a energia liberada pelo metabolismo que não produz trabalho, é de gran-
de magnitude. Em repouso, 1% a 2 % de nossa produção de energia se transforma em calor e necessita ser
dissipada, elevando nosso débito cardíaco para conseguir esse objetivo. Essa fonte de energia é funda-
mental para a manutenção da normotermia.
A termogênese não shivering é produzida pela gordura marrom (por exemplo, o timo na criança) e
pelos músculos10,11, que dobram a produção de calor, mecanismo importante em crianças pequenas e de
pouca importância em adultos. Já os tremores, que só ocorrem quando a vasoconstrição é máxima, é uma
resposta involuntária insuficiente para a manutenção da temperatura. Eles aumentam o metabolismo em
50% a 100%, porém, a descarga simpática que os acompanha eleva a pressão intracraniana e a pressão
intraocular e pode desencadear isquemia miocárdica; ela não ocorre em recém-nascidos e se desenvolve
aos poucos no crescimento. Ambos os mecanismos são controlados pela liberação de noradrenalina nas
terminações dos nervos adrenérgicos.
Hipotermia durante a Anestesia
O calor pode ser transmitido do paciente para o ambiente através de quatro formas: radiação; condu-
ção; convecção e evaporação (Tabela 44.1). Entre esses mecanismos, a radiação e a convecção são os que
mais contribuem para a perda de calor perioperatório, como representado na Figura 44.1.
Tabela 44.1 – Mecanismos de perda de calor

Mecanismo Percentual Causa principal


Radiação 39% Raios infravermelhos
Convecção 34% Fluxo de gases na superfície
Evaporação 24% Vaporização da umidade na pele

Figura 44.1 – Mecanismos de perda de calor no perioperatório: 1 - condução; 2 - evaporação; 3 - convec-


ção; 4 - radiação (modificado de Gurtner C, Paul O, Bissonnette B. Temperature regulation: physiology and
pharmacology. In: Bissonnette B, Dalens B, editors: Pediatric anesthesia: principles and practice, New York:
2002, McGraw-Hill)

A hipotermia inadvertida resulta, principalmente, da diminuição da termorregulação e da exposição do


paciente ao ambiente frio da sala cirúrgica. O aquecimento da sala reduz significativamente a perda de
calor, conforme a Tabela 44.2.

Ponto 44 - Hipotermia e Hipotensão Arterial Induzida | 985


Tabela 44.2 – Mecanismos de perda de calor com salas a 200C e 300C

Sala a 20ºC Sala a 30ºC


Radiação 61% 46%
Condução e convecção 26% 27%
Evaporação 13% 27%

A evaporação dos gases respiratórios leva a pequena perda de calor, consequentemente, o aquecimen-
to e a umidificação da via aérea têm pouco benefício12. Já a administração de fluidos frios, em grande
quantidade, leva à hipotermia, por isso, se enfatiza a necessidade de administrá-los aquecidos.
Monitorização da Temperatura
A monitorização da temperatura corporal deve ser realizada em anestesia geral com duração maior que
30 minutos e nas anestesias regionais quando é esperada uma redução maior do que 10C. O emprego de
esforços para mantê-la acima de 360C deve ser exaustivo.
A temperatura do corpo não é homogênea, com diferença de 2 a 40C entre a parte central e a periferia,
como demonstrado na Figura 44.2.

Figura 44.2 – Redistribuição da temperatura corporal durante as fases da anestesia (Luginbuehl I, Bissonnett
B, Davis PJ. Smith’s anesthesia for infants and children, 2011;157-178)
Durante a anestesia geral, a diminuição da temperatura ocorre com um padrão característico. Na in-
dução, há uma diminuição inicial rápida da temperatura central, seguida por uma redução lenta e linear.
Finalmente, a temperatura central se estabiliza. A Figura 44.3 mostra esse padrão.
Essa queda inicial da temperatura ocorre em função de a temperatura não ser igualmente distribuída
pelo corpo. A temperatura central representa somente cerca de 50% da massa corpórea (tronco, cabeça
e pescoço). O restante é tipicamente 2ºC a 4ºC mais frio que o central. Esse gradiente centro-periferia é
mantido através de um tônus vasoconstritor. Quando se inicia a anestesia, ocorre uma vasodilatação, que
transfere o calor do centro para a periferia, fenômeno chamado redistribuição.
A magnitude da fase inicial de redistribuição depende do gradiente inicial de temperatura central
em relação à periférica na indução, da temperatura ambiente e do estado do sistema termorregulador
do paciente.
A temperatura é mantida centralmente na fase platô às custas da vasoconstrição periférica, e o calor
produzido pelo metabolismo se restringe à parte central13-14. A temperatura periférica continua diminuin-
do, embora, na monitorização central, permaneça constante15.
Na anestesia neuroaxial, há uma dupla interferência na termorregulação: primeiro, ocorre o bloqueio
aferente dos receptores térmicos da pele, que é interpretado centralmente como se estivessem normais,
986 | Bases do Ensino da Anestesiologia
o que altera os limiares para vasoconstrição e shivering; depois, o bloqueio eferente, que impede a va-
soconstrição e tremores na região bloqueada. Há ainda a diminuição da sensação de frio e a cultura de
negligenciar a monitorização da temperatura em anestesia regional16.

Figura 44.3 – Fases da hipotermia durante a anestesia: fase 1 - rápida diminuição da temperatura; resultado
da redistribuição centro-periferia; fase 2 - redução lenta e linear; resultado da perda maior que a produção de
calor; fase 3 - estabilização e platô, em que a temperatura permanece inalterada

Alterações Fisiopatológicas da Hipotermia


A hipotermia tem impacto no funcionamento de diversos órgãos e sistemas (Quadro 44.1). A seguir,
são descritas as principais alterações fisiopatológicas provocadas pela redução da temperatura corporal.
Quadro 44.1 – Efeitos da hipotermia nos principais sistemas

Cardiovascular
• Inicial: taquicardia; hipertensão; aumento do DC; vasoconstrição (liberação de catecolaminas)
• Tardio: bradicardia; diminuição do DC; hipotensão
Respiratório
• Inicial: aumento da frequência respiratória
• Tardio: diminuição da FR e do volume corrente, da vasoconstrição hipóxica, da responsividade à hipóxia e
hipercapnia e da atividade mucociliar
Renal
• Inicial: diurese por aumento do volume central
• Tardio: oligúria e azotemia
Hematológico
• Inicial: hemoconcentração; diminuição da disponibilidade de O2 (desvio da curva para a esquerda)
• Tardio: CIVD; trombocitopenia
Metabólico
• Inicial: hiponatremia; hipercalemia; hiperglicemia
• Tardio: acidose metabólica
Neurológico
• Diminuição do FSC 6% a 7% para cada 1ºC de queda na temperatura
• 34ºC: amnésia
• 30ºC: obnubilação
• 26ºC: perda de reflexo pupilar e de tendões profundos
• 18ºC: perda de função cerebral (EEG isoelétrico)
Gastrointestinal
• Inicial: diminuição da motilidade intestinal; diminuição do clearance hepático
• Tardio: ulceração do estômago, íleo e cólon; pancreatite hemorrágica

Ponto 44 - Hipotermia e Hipotensão Arterial Induzida | 987


Coagulação e sangramento
A coagulação é prejudicada pelos níveis moderados de hipotermia. O fator mais importante nesse caso
é o defeito plaquetário induzido pelo frio, embora também ocorra disfunção das enzimas responsáveis
pela coagulação, já que a velocidade das reações da cascata da coagulação está diminuída. Esses pro-
blemas não são detectados por testes convencionais, pois estes são feitos a uma temperatura de 37ºC.
Após o advento da tromboelastometria, que é realizada à temperatura do paciente, ficou comprovada
a deficiência na formação do coágulo em pacientes hipotérmicos. Consistentes com esses efeitos, quase
todos os ensaios clínicos indicam que hipotermia moderada aumenta a perda sanguínea e a necessidade
de transfusão17.
Metabolismo dos fármacos
A hipotermia reduz o metabolismo das drogas e provoca aumento na duração de seus efeitos. Há pro-
longamento do tempo necessário para a recuperação, atrasando a alta hospitalar.
Como exemplo podemos citar a duração do vecurônio, que dobra com redução de 2ºC. Já a concen-
tração plasmática do propofol é 30% maior, com menos 3ºC18, e os anestésicos voláteis reduzem em 5% a
concentração alveolar mínima.
Sistema imunológico
A infecção é considerada a maior causa de morbidade anestésico-cirúrgica. Está ligada com a hipoter-
mia por diversos fatores: comprometimento da imunidade celular e humoral; redução do número e da
função leucocitária e diminuição da tensão de oxigênio pela vasoconstrição ao redor da ferida operatória.
Aparelho cardiovascular
A hipotermia, mesmo leve, é uma das principais causas preveníveis de aumento da demanda metabóli-
ca cardiovascular. Ela triplica a possibilidade de isquemia miocárdica e arritmias ventriculares no pós-ope-
ratório. Além disso, a vasoconstrição e a hipóxia elevam o risco de tromboembolismo
Os tremores muitas vezes ultrapassam a dor como a pior sensação relatada por pacientes no pós-ope-
ratório. Porém, não são apenas os tremores, mas o estresse fisiológico, com ativação simpática e elevação
do trabalho cardíaco e da concentração plasmática de catecolaminas que fazem dessa complicação uma
ameaça ao sucesso do procedimento cirúrgico.

Prevenção e Tratamento da Hipotermia19


São raros os procedimentos em que há comprovada melhora no desfecho em pacientes deliberada-
mente hipotérmicos. Na grande maioria dos casos, a somatória do risco dos diversos efeitos adversos da
hipotermia impõe um perigo elevado nessa técnica. Estudos randomizados mostram que a manutenção da
normotermia reduz as complicações. Assim, para atingir tal objetivo, há diversos métodos, sendo o mais
efetivo a prevenção.
Após a indução da anestesia, sem o aquecimento prévio, um período de hipotermia é a regra, mesmo
se for usado aquecimento ativo no intraoperatório. A redistribuição do calor, que é a principal causa de
hipotermia no transoperatório, é um processo lento e difícil de ser tratado. O aquecimento prévio aumen-
ta o conteúdo de calor do compartimento periférico, reduzindo o gradiente centro/periferia, o que evita
a migração do calor da área central. A elevação da temperatura da superfície cutânea, com circulação
de ar a 43ºC durante uma hora, transfere calor suficiente para diminuir os efeitos da redistribuição. Esse
aquecimento, geralmente, não aumenta a temperatura central, somente a periférica, mas sudorese e
desconforto térmico podem ocorrer se o aquecimento for prolongado.
A circulação de ar aquecido (manta térmica) é o método não invasivo mais efetivo disponível atualmen-
te, capaz de elevar a temperatura central em 0,75ºC/hora (Figura 44.4). Apesar de controverso, outro
meio de expandir o conteúdo periférico de calor e prevenir a redistribuição é por meio da administração
de vasodilatadores cerca de 12 horas antes da anestesia.
No transoperatório, um método fácil e eficaz para diminuir a perda de calor consiste em aplicar isola-
mento passivo na superfície da pele. Essa cobertura reduz a perda de calor em 30%. O mais importante,
nesse caso, é a extensão do isolamento, e não o material utilizado. Todavia, é uma técnica de prevenção,
se caso a hipotermia jé estiver instalada, somente o aquecimento ativo vai resolver.

988 | Bases do Ensino da Anestesiologia


Figura 44.4 – Eficácia dos métodos de aquecimento

44.1.2. Hipotermia Induzida: Princípios, Técnicas, Controle do Paciente, Indicações,


Contraindicações e Complicações
A hipotermia tem sido utilizada com o objetivo de reduzir o consumo de oxigênio pelos tecidos, prolon-
gando a tolerância das células aos efeitos nocivos da isquemia, protegendo, assim, órgãos vitais.
Existem poucas evidências do uso da hipotermia terapêutica em casos não relacionados a parada
cardíaca e neonatologia. No entanto, é muito utilizada em cirurgia cardíaca, neurocirurgia e manejo de
infarto do miocárdio. Tipicamente, os alvos de temperatura são de 32ºC a 34ºC, e é sabido que a velocida-
de com que se atinge essa temperatura é importante. O esfriamento passivo é muito lento nesses casos,
sendo a imersão em água fria o método não invasivo mais efetivo, mas difícil de ser posto em prática. A
administração de fluidos gelados também é efetiva e reduz cerca de 0,5ºC/L. Contudo, esse método não
é prático para pacientes neurocirúrgicos, nos quais o manejo de fluidos deve ser restritivo. A melhor ma-
neira de induzir hipotermia é através de resfriamento endovascular.
Hipotermia durante a Cirurgia Cardíaca
Seu uso tem por objetivo principal a proteção miocárdica e cerebral. Os mecanismos exatos dessa pro-
teção não são conhecidos, uma possível explicação seria a menor demanda metabólica para preservar os
estoques de ATP. A maior parte do consumo de O2 pelo miocárdio está relacionada com sua atividade ele-
tromecânica – como a cardioplegia põe fim às contrações, a hipotermia teoricamente conferiria pequena
contribuição adicional. Porém, seu uso ainda é controverso. As temperaturas usualmente utilizadas em
circulação extracorpórea são de 33ºC a 34ºC. Quando se utiliza parada circulatória, a hipotermia é pro-
funda, podendo chegar a 18ºC. O papel da hipotermia no prognóstico neurológico também é controverso.
Hipotermia durante a Neurocirurgia
Seu uso em neurocirurgia tem sido objeto de vários estudos. Os resultados não têm sido promissores.
Em cirurgias de aneurisma intracraniano, não houve melhora do prognóstico neurológico e neuropsicoló-
gico nos pacientes submetidos à hipotermia no transoperatório.
No trauma cranioencefálico não existem evidências de que a hipotermia seja benéfica em seu trata-
mento. A hipotermia, nesses casos, aumenta o risco de pneumonia e possui outros efeitos adversos. Quan-
to ao papel da hipotermia como fator neuroprotetor, na lesão medular traumática ou isquêmica, ainda
não existem dados suficientes para a recomendação dessa prática. No tratamento do AVC, a hipotermia
também tem sido objeto de várias pesquisas, mas as evidências atuais também são insuficientes para sua
aplicação na prática.
Hipotermia Induzida após Parada Cardiorrespiratória (PCR)
A hipotermia induzida tem sido amplamente reconhecida como parte do tratamento dos sobreviventes
comatosos pós-PCR. Existem vários mecanismos pelos quais a hipotermia leve (32ºC a 34ºC) pode melhorar
o prognóstico neurológico desses pacientes. Com ela, há redução do metabolismo cerebral, da apoptose

Ponto 44 - Hipotermia e Hipotensão Arterial Induzida | 989


e da inibição da cascata neuroexcitatória; supressão das citocinas pró-inflamatórias; diminuição da produ-
ção de radicais livres; redução da permeabilidade vascular após lesão de isquemia-reperfusão e melhora
do metabolismo cerebral de glicose20.
Grandes estudos randomizados demonstram melhora do prognóstico neurológico após a alta hospi-
talar dos pacientes pós-PCR por fibrilação ventricular (FV) que foram submetidos a temperaturas de
32ºC a 34ºC por 12 horas a 24 horas após o retorno espontâneo da circulação. As evidências para uso
em outros tipos de PCR que não por FV são menos consistentes. No entanto, alguns fatores contrain-
dicam o uso da hipotermia pós-PCR, como a incapacidade de obedecer a comandos verbais; tempo de
retorno para a circulação espontânea maior que 8 horas; sangramento ou infecção que ameacem a
vida; iminência de colapso cardiopulmonar, apesar do suporte hemodinâmico, e presença de doença
terminal preexistente.

44.2. HIPOTENSÃO ARTERIAL


44.2.1. Alterações Fisiopatológicas da Hipotensão Arterial Induzida e Acidental
A hipotensão arterial, basicamente, deve-se à vasodilatação ou à queda do débito cardíaco (DC).
Qualquer queda da PA em razão da redução do DC deve ser tratada, para evitar isquemia tecidual. Já a
vasodilatacão é o principal recurso do anestesiologista para reduzir a pressão arterial sem reduzir o DC,
podendo, inclusive, aumentá-lo. No entanto, não basta um DC elevado para manter os órgãos perfundi-
dos; no choque distributivo, por exemplo, débitos extremamente altos não mantêm a homeostase porque
não há pressão de perfusão. Por isso, a vasodilatação deve respeitar um limite mínimo para não reduzir
a oferta tecidual de O2.
O gradiente de pressão entre o lado arterial e venoso é a força motriz para a geração de fluxo sanguí-
neo. Para isso, a pressão arterial (PA) deve ser suficientemente alta para vencer a resistência vascular
periférica e impedir que haja colapso na microcirculação, causando isquemia.
A base fisiológica que respalda a hipotensão arterial induzida durante a anestesia geral é a redução
da necessidade metabólica celular, proporcionada tanto por anestésicos venosos quanto inalatórios. Isso
justifica a opção por essa técnica em cirurgias que o sangramento oferece maior risco que a hipotensão.
Com base nessa premissa, em pacientes com anestesia regional, que mantêm um metabolismo cerebral
mais próximo do normal, a hipotensão não deve ser permitida.
O fluxo sanguíneo nos órgãos ricamente vascularizados (cérebro, coração, fígado e rins) é propor-
cional à taxa metabólica, quando a pressão arterial média está entre 60 e 150 mmHg. Fora desse
intervalo, o fluxo sanguíneo é dependente da PA. Por isso, aumentos da demanda metabólica ou redu-
ções extremas na PA causam isquemia tecidual, uma vez que a PA não é mais capaz de gerar a oferta
necessária. Isso leva a carência de O2 na microcirculação e acidose metabólica. Se o fluxo sanguíneo
não for reestabelecido, morte celular e necrose tecidual com dano irreversível ao órgão afetado serão
as consequências.
Pacientes que estão anestesiados ou muito sedados perdem sua capacidade de demonstrar sinais e sin-
tomas de hipotensão arterial, particularmente aqueles associados com baixa perfusão cerebral (tontura,
mudança de estado mental, síncope). Consequentemente, os médicos têm de confiar em definições em-
píricas do que constitui a menor pressão arterial tolerável durante cirurgia ou lançar mão de modernos
monitores, como a saturação cerebral mista. O valor do limite de hipotensão intraoperatória ainda é tema
de muito debate na literatura.

44.2.2. Hipotensão Arterial Induzida: Princípios, Técnicas, Controle do Paciente,


Indicações, Contraindicações e Complicações
A hipotensão arterial induzida, ou anestesia hipotensiva, é definida como redução da pressão arterial
sistólica a valores entre 80 e 90 mmHg e PAM entre 50-65 mmHg, de forma controlada, durante anestesia
em pacientes previamente normotensos. Seus principais objetivos no transoperatório são diminuir as per-
das sanguíneas; melhorar as condições operatórias; reduzir o tempo cirúrgico; otimizar a identificação de
limites tumorais e minimizar a necessidade de transfusões sanguíneas. Esses objetivos devem ser obtidos
sem causar prejuízo à função de órgãos vitais.

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Indicações
Como o risco de hipoperfusão tecidual é inerente a essa técnica, sua utilização é indicada apenas para
procedimentos nos quais seu benefício é significativo, seja por reduzir o sangramento, seja por melhorar
o campo operatório. As cirurgias de aneurisma cerebral; as microcirurgias para tumor cerebral; as cirur-
gias ortognáticas; artroplastia de quadril; tumores pélvicos e grandes cirurgias de coluna têm potencial
benefício com a hipotensão controlada. Existem, ainda, casos em que a indicação se dá porque a trans-
fusão não pôde ocorrer, como em cirurgia de urgência com tipo sanguíneo raro ou recusa do paciente em
receber hemocomponentes.

Contraindicações
Pacientes com redução da reserva funcional, tanto por aumento da demanda quanto por redução da
oferta de O2, possuem risco proibitivo para a hipotensão. Assim, idade avançada; doença cerebrovascular;
insuficiência renal; doença hepática; doença arterial periférica; doença pulmonar grave; estenose aórti-
ca; anemia grave; desidratação e gestação são condições que contraindicam a técnica.

Controle do paciente
Após a correta seleção do paciente, diversos cuidados devem ser tomados. Com relação à monitoriza-
ção, idealmente, deve-se utilizar uma linha arterial para controle preciso da PAM; medidas seriadas de
lactato para a avaliação da perfusão tecidual; cuidadosa monitorização de eventuais desníveis do seg-
mento ST; monitorização da temperatura central, pois a vasodilatação promoverá aumento da perda de
calor; monitorização do débito cardíaco em cirurgia de maior porte para aumentar a segurança da técni-
ca; manutenção da capnografia dentro da normalidade para evitar hipofluxo cerebral e monitorização da
profundidade anestésica para assegurar a atividade cerebral dentro do limite recomendado.

Técnicas
Para reduzir a PA, existem artifícios farmacológicos e não farmacológicos21. As principais técnicas não
farmacológicas são a modificação da posição corporal (por exemplo, elevação dos membros inferiores em
cirurgia de varizes, posição sentada em cirurgia em ombro) e a alteração da ventilação para a diminuição
do retorno venoso e, consequentemente, da pressão arterial. As principais técnicas farmacológicas envol-
vem o uso de anestesia regional associada à geral (espinhal ou peridural, que levam a uma simpatectomia
farmacológica); o aumento das doses de anestésicos, como agentes inalatórios, hipnóticos e opioides; o
uso de vasodilatadores, como alfa e betabloqueadores, bloqueadores ganglionares e bloqueadores de ca-
nal de cálcio.
Apesar de cada vez menos utilizada, Choie e col.22 demonstraram em uma revisão sistemática recente
que a hipotensão controlada reduz o sangramento e o tempo cirúrgico, melhora as condições operatórias
e não aumenta a lesão em órgãos-alvo. Portanto, desde que bem indicada e com monitorização adequada,
é uma técnica segura eficaz.
Em cirurgia ortopédica23, a hipotensão controlada diminui a quantidade de sangue na interface cimen-
to-sangue durante a artroplastia total de quadril, melhorando a qualidade da fixação da prótese. Alguns
trabalhos mostram redução de 50% nas perdas sanguíneas e 36% na necessidade de transfusão. Em pros-
tatectomias24, a hipotensão induzida por técnica combinada peridural/geral diminuiu significativamente o
sangramento e a necessidade de transfusão. Com relação aos efeitos hepáticos, uma revisão sistemática
de 2008 não evidenciou mudanças significativas nos marcadores hepáticos e nas enzimas, que se mostra-
ram normais no 7º e 14º dias pós-operatórios. Com relação a efeitos renais25, de 22 trabalhos analisados,
três apontaram diminuição do fluxo urinário, que retornou ao normal no final da cirurgia, sem elevação
da creatinina.

Complicações
As complicações da hipotensão controlada devem-se à hipoperfusão de órgãos-alvo, que pode levar à
insuficiência renal, à neuropatia óptica isquêmica26, à acidose láctica, ao aumento de proteínas de fase
aguda, ao infarto do miocárdio27, à isquemia cerebral ou disfunção cognitiva, bem como à lentificação do
fluxo sanguíneo, predispondo o tromboembolismo. Há, ainda, os efeitos dos fármacos, como hipertensão
de robote e hipotensão de difícil reversão.

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