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PRINCIPAIS CONCEITOS

• Tema importante e complexo em anestesiologia, a cirurgia torácica


deve ser encarada como um desafio de porte elevado.

• O preparo e avaliação no pré-operatório é importante para prevenir


as possíveis complicações nos pós-operário.

• Especial consideração será feita às ressecções pulmonares.

• O desafio da anestesia é lidar com grandes alterações na mecânica


torácica, que resultam em grandes anormalidades da relação
ventilação-perfusão e fazem o paciente tender à hipoxemia.

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Introdução
Os pacientes submetidos a cirurgia torácica são, na sua maioria,
portadores de DPOC e se apresentam em idades mais avançadas. A história
de DPOC e tabagismo é, na maioria das vezes, acompanhada de doença
cardiovascular, principalmente coronariopatia.
O grande desafio da cirurgia torácica é, sem dúvida, o posicionamento
adequado da sonda de intubação seletiva e a manipulação da ventilação
monopulmonar, com o objetivo de evitar a hipoxemia no intra-operatório.
Além disso, o planejamento da analgesia pós-operatória é fundamental para
a redução das complicações respiratórias e para a satisfação e conforto do
paciente.

Pré-operatório
Pacientes submetidos a cirurgias torácicas devem ter uma avaliação pré-
operatória da função respiratória baseada em três níveis: função mecânica
pulmonar, função do parênquima pulmonar e reserva cardiorrespiratória.
Diferentemente das cirurgias gerais, a avaliação pré-operatória de
doentes em programação para ressecção pulmonar deve obrigatoriamente se
valer de dados espirométricos e, se necessário, do teste de exercício
cardiopulmonar (TECP). Para a avaliação ser completa, é necessário aliar aos
exames funcionais dados da tomografia computadorizada do tórax, da
cintilografia pulmonar de perfusão e da broncoscopia. O intuito da análise
desses exames é avaliar se a área a ser ressecada ainda participa das trocas
gasosas pulmonares e o cálculo final deve ser feito para estimar os valores
residuais de função pulmonar após a ressecção programada. O VEF1 é o
parâmetro espirométrico usado mais frequentemente para tal, seguido ou da
difusão de monóxido de carbono (DLCO) ou do VO2 máximo (consumo
máximo de oxigênio) obtido no TECP.

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A espirometria pode ser usada como método de previsibilidade de
complicações pós-operatórias, conforme a tabela de limites aceitáveis para
ressecção pulmonar. Veja a seguir:

Existe uma escala clássica, desenvolvida por Torrington e Henderson,


que tem boa aplicabilidade clínica e que avalia as variáveis clínicas e alguns
dados de espirometria, chegando ao risco de complicações pulmonares no
pós-operatório. Analise o quadro abaixo:

Aos valores estimados de VEF1, DLCO e VO2max, acrescenta-se a


designação ppo para indicar que o parâmetro foi estimado para o pós-
operatório tardio, ou seja, três a seis meses após o procedimento operatório
(VEF1 ppo, DLCO ppo e VO2 máximo ppo).
O cálculo mais simples usa o número de segmentos pulmonares
funcionantes (lobo superior direito = 6, lobo médio = 4, lobo inferior direito
4
= 12, lobo superior esquerdo = 10 e lobo inferior esquerdo = 10) e considera
que todos os segmentos contribuem de forma igual na troca gasosa, o que
raramente é verdade em pulmões doentes. Esse é o método utilizado para
estimar a função após uma lobectomia e podem-se aplicar as seguintes
fórmulas:

Modo 1:

T = 19 - número de segmentos obstruídos


R = T - número de segmentos funcionantes a ser ressecado

Modo 2:

a = número de segmentos não obstruídos a ser ressecado; b =


número total de segmentos não obstruídos

Para pneumectomia, o cálculo deve ser feito com o uso do resultado da


cintilografia de perfusão ou de ventilação pulmonar. O exame perfusional é a
modalidade mais usada para esse fim. Nesse caso, a fórmula usada para o
cálculo é:

Tradicionalmente, valores estimados de VEF1 e/ou DLCO pós-


operatórios inferiores a 30% eram considerados contraindicações absolutas à
cirurgia de ressecção pulmonar devido à alta incidência de complicações
cardiorrespiratórias e óbito no pós-operatório. Da mesma forma, valores entre
30 e 40% frequentemente conferiam riscos maiores do que os benefícios
antecipados pela cirurgia, de maneira que o teste de exercício
cardiopulmonar (TECP) se tornava obrigatório nesse grupo de pacientes.
O advento de técnicas operatórias minimamente invasivas, como a
cirurgia torácica vídeo-assistida, e a possibilidade de realizar ressecções
poupadoras de parênquima pulmonar viável vêm permitindo que pacientes
com VEF1 e/ou DLCO ppo < 40% sejam submetidos a esses procedimentos
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com taxas de morbidade relativamente baixas (15-25%) e mortalidade pós-
operatória que varia de 1 a 15% na literatura. Nesses pacientes, cirurgias
para tratamento de câncer de pulmão em estadio I, mesmo com ressecções
menores, ou seja, sub-lobares, resultam em aumento da sobrevida
comparado aos pacientes que não realizaram o procedimento. Além disso,
ressecções de neoplasia em pacientes com DPOC grave podem ter impacto
funcional reduzido em duas situações: a neoplasia se localiza em lobo
superior, local também de maior acometimento de enfisema centrolobular e,
portanto, com menor perda funcional; ou se houver possibilidade de
combinar a ressecção do tumor com cirurgia redutora de volume pulmonar
caso o paciente seja candidato a esse procedimento.
Nesse sentido, tornou-se necessário desenvolver um método de
avaliação pré-operatória mais amplo para cirurgias de ressecção pulmonar,
que permitisse estratificação de risco menos focada em parâmetros de
função pulmonar simples e mais relacionada à capacidade do indivíduo de
realizar as suas atividades de vida diária. O fluxograma desenvolvido e
recentemente publicado nas diretrizes de câncer de pulmão do American
College of Chest Physicians baseia-se nesse conceito.

Fluxograma de avaliação pré-operatória para cirurgias de ressecção pulmonar.

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Segundo as novas diretrizes, pacientes com VEF1 e/ou DLCO ppo >
60% são considerados de baixo risco para a cirurgia, com mortalidade
estimada < 1% e não precisam de avaliação pulmonar adicional. Pacientes
com VEF1 e/ou DLCO ppo entre 30 e 60% devem ser submetidos a testes
simples de tolerância ao exercício como método de rastreamento. Aqueles
que alcançarem distância de caminhada > 400 m no shuttle walk test ou forem
capazes de subir > 22 m no teste de subida de escada são também
considerados de baixo risco e não necessitam de avaliação pulmonar
adicional. Por outro lado, caso esses valores de corte não sejam alcançados,
o TECP deve ser obrigatoriamente realizado para a estratificação de risco
cirúrgico. Da mesma forma, pacientes com VEF1 e/ou DLCO ppo < 30%
também têm indicação absoluta de realizar o TECP.
A ergoespirometria portátil tem disponibilidade bastante limitada na
prática clínica diária, mas é um importante instrumento de avaliação pré-
operatória de indivíduos em programação de cirurgias de ressecção
pulmonar. Valores de VO2máx (consumo de oxigênio no pico do exercício)
acima de 20 mL.kg−1.min−1 ou > 75% do previsto permitem uma abordagem
cirúrgica segura. Esse valor indica que a reserva funcional do doente é
suficiente para suportar o estresse cirúrgico e a realização de atividades de
vida diária no pós-operatório tardio. Pacientes com VO2máx entre 10 e 20
mL.kg−1.min−1 ou entre 35 e 75% do previsto apresentam moderado risco
de complicações perioperatórias, mas tais valores não são impeditivos desde
que o benefício da cirurgia seja considerado superior aos riscos. Valores
abaixo de 10 mL.kg−1.min−1 ou < 35% do previsto significam alto risco e, em
geral, são considerados contraindicação ao procedimento cirúrgico devido à
alta mortalidade (>10%).
O TECP fornece dados sobre o desempenho cardiovascular durante o
esforço que têm importância prognóstica e podem influenciar direta ou
indiretamente na estratificação de risco. Esse é o caso, por exemplo, de
parâmetros como eficiência aeróbica (VO2 /W), pulso de oxigênio (VO2 /FC)
e da razão volume-minuto/produção de CO2 (VE/VCO2). Com base nisto, foi
incluído no novo protocolo de avaliação funcional para cirurgias de
ressecção pulmonar a adoção do risco cardíaco como indicação para a
realização de TECP. Pacientes com ThRCRI (Thoracic Revised Cardiac Risk
Index) ≥ 2, que não consigam subir 2 lances de escada ou que tenham
doença cardíaca que necessite de medicação ou que sejam de diagnóstico
recente devem receber avaliação inicial do cardiologista e serem submetidos
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a exames diagnósticos e tratamentos segundo protocolos de avaliação
perioperatória das sociedades de cardiologia. Após esse passo inicial, todos
os pacientes considerados de alto risco cardíaco devem ser submetidos a
um TECP.

Preparo pré-operatório
Os pacientes submetidos a cirurgia torácica são, na sua maioria,
portadores de DPOC e fazem uso de medicação habitual. Caso o paciente
esteja com quadro descompensado, o uso de corticoide e antibiótico será
necessário. Dessa forma a cirurgia deve ser adiada em 1 mês.
Pacientes que fazem uso de medicação para profilaxia de
broncoespasmo - corticoides e beta2-agonistas – devem continuar seu uso no
pré-operatório. O corticoide deve ter sua dose ajustada conforme a
agressividade da cirurgia e o quadro do paciente, evitando-se assim a
insuficiência adrenal aguda. Beta2-agonistas e anticolinérgicos são úteis
imediatamente antes da cirurgia.
O tabagismo aumenta o risco perioperatório de complicações cardíacas
e pulmonares. A abstinência do tabagismo pode reduzir a taxa de tais
complicações. No entanto, a duração de abstinência pré-operatória
necessária para esse benefício não está bem estabelecida. Alguns estudos até
apontavam para um maior risco de complicações devido a um aumento
transitório da tosse e de secreção em pacientes que paravam de fumar em
menos de oito semanas antes da cirurgia. Estudos mais atuais e metanálises
identificaram que essas informações não são verdadeiras e há evidência de
benefícios na cessação do fumo mesmo em indivíduos que ficaram 4 semanas

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sem fumar. As complicações pulmonares no pós-operatório da cirurgia
torácica são menores nos pacientes que param de fumar por 4 semanas antes
da cirurgia. A concentração de carboxi-hemoglobina cai se o paciente ficar
mais de 12 horas sem fumar. É muito importante que o paciente não fume no
pós-operatório porque o tabagismo leva a um período prolongado de
hipoxemia tecidual. A tensão de oxigênio na ferida operatória correlaciona-se
com uma boa cicatrização e prevenção de infecções. Dessa forma, desde a
primeira consulta, com qualquer médico envolvido, o hábito de parar de fumar
deve ser incentivado.
A fisioterapia respiratória é de fundamental importância na redução do
risco de complicações pulmonares perioperatórias. Pode ser iniciada antes da
cirurgia e mantida durante toda a internação hospitalar como forma de
maximizar a função pulmonar e minimizar os sintomas respiratórios. O treino
da musculatura respiratória no pré-operatório é capaz de reduzir a incidência
de atelectasias e aumentar em até 10% a média da pressão inspiratória
máxima no pós-operatório. Pode ser feito inspirômetro de incentivo, exercícios
de respiração profunda sustentada, tosse assistida, drenagem postural,
vibração e percussão e o uso de ventilação não invasiva intermitente (CPAP
ou BiPAP).

Posicionamento
Os pacientes submetidos a cirurgias torácicas, principalmente as
lobectomias ou pneumectomias, são posicionados em posição lateral, o que
implica em diversas alterações fisiológicas na ventilação, além do risco maior
de lesões devido ao mau posicionamento.

Posição de decúbito lateral com tórax aberto


A divisão funcional dos pulmões, tendo-se em vista a relação
ventilação/perfusão (zonas de WEST) foi estudada na apostila de fisiologia
pulmonar. Esta divisão é importante para que entendamos o que acontecerá
com nosso paciente conforme o colocarmos em decúbito lateral, porém
acordado e o que ocorrerá quando ele estiver em decúbito lateral e
anestesiado. Por fim, vamos entender o que acontece quando somarmos
decúbito lateral, anestesia e abertura do hemitórax superior.

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O decúbito lateral com o paciente anestesiado causa alterações na
relação ventilação/perfusão (V/Q) com surgimento de shunt intrapulmonar. A
análise do que ocorre em uma pessoa acordada respirando espontaneamente
na posição lateral facilita a compreensão destas alterações fisiológicas. Nesta
posição, o fluxo sanguíneo e a ventilação do pulmão inferior são maiores que
no pulmão superior, o que resulta em adequada oxigenação. Este maior fluxo
sanguíneo e ventilação para o pulmão inferior decorrem de:
Perfusão gravidade-dependente: o pulmão inferior (dependente) terá
maior fluxo sanguíneo do que o pulmão superior.
Compressão externa do pulmão dependente: o mediastino e o
abdômen trabalham com uma complacência pulmonar mais adequada para
ventilação que o pulmão superior (não- dependente). A compressão externa,
maior no pulmão dependente, faz com que ele apresente maiores expansões
na inspiração porque ele parte de volumes menores, por estar comprimido.
Assim, com expansão maior, a ventilação é melhor no pulmão dependente,
quando o paciente está acordado.
O somatório destes efeitos resulta no paciente acordado respirando
espontaneamente em:
Pulmão inferior = maior ventilação/maior perfusão
Pulmão superior = menor ventilação/menor perfusão
Ainda no paciente em ventilação espontânea, seja acordado ou
anestesiado, o pneumotórax resultante da abertura do tórax pelo cirurgião
gera problemas na ventilação. Existem dois fenômenos descritos com
“balanço do mediastino” e “respiração paradoxal”.

Balanço do mediastino
O balanço do mediastino ocorre geralmente durante a inspiração. A
pressão negativa no hemitórax intacto, comparada à pressão menos negativa
no hemitórax aberto, pode provocar um movimento vertical para baixo do
mediastino, empurrando-o em direção ao hemitórax dependente. Esse desvio
do mediastino pode criar alterações circulatórias que resultam num quadro
clínico semelhante ao choque e insuficiência respiratória. Algumas vezes,
dependendo da gravidade das alterações, é preciso intubar o paciente
imediatamente, iniciando ventilação com pressão positiva, e o anestesista

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deve estar preparado para intubar o paciente no decúbito lateral sem
atrapalhar o campo operatório.

Respiração paradoxal
Durante a inspiração, a pressão relativamente negativa no hemitórax
intacto, comparada à pressão atmosférica no hemitórax aberto, pode
provocar movimento de ar do pulmão não-dependente para dentro do
pulmão dependente. Durante a expiração ocorre o oposto. Esse movimento
invertido de gás de um pulmão para o outro representa “espaço morto” e
pode comprometer a eficiência das trocas gasosas. A respiração paradoxal é
aumentada por grandes toracotomias ou por um aumento na resistência ao
fluxo aéreo no pulmão dependente. A ventilação com pressão positiva elimina
a respiração paradoxal, assim como o balanço do mediastino.
A indução da anestesia geral não altera significativamente o fluxo
sanguíneo pulmonar, mas altera a distribuição da ventilação. Isto determina
importante desequilíbrio da relação V/Q. A indução da anestesia reduz o volume
de ambos os pulmões secundários à redução na capacidade residual funcional
(CRF). As reduções de volume do pulmão inferior são maiores do que as que
ocorrem no pulmão superior, devido a maior compressão do pulmão inferior
pelo conteúdo abdominal, fato que irá determinar maior deslocamento cefálico
do diafragma inferior devido ao relaxamento muscular. Soma-se a isso a
compressão do pulmão dependente pelas estruturas mediastinais.
Além disso, o posicionamento inadequado na mesa cirúrgica impedirá
a expansão satisfatória do pulmão inferior. Como resultado, ambos os
pulmões deslocar-se-ão para uma região de menor volume na curva de
volume- pressão. Em consequência desses fatores o pulmão não-dependente
será mais ventilado e menos perfundido (efeito espaço morto) e o pulmão
dependente será menos ventilado e mais perfundido (“efeito shunt”). A
abertura do tórax permitirá maior expansão do pulmão superior, não mais
restrito, então, pela parede torácica, o que resulta em ainda maior
desequilíbrio da relação V/Q. O fluxo sanguíneo não se altera, entretanto,
pela abertura da parede torácica. Soma-se aos fatos acima a maior
compressão do pulmão inferior pelas estruturas mediastinais observada com
o uso de relaxantes musculares. O efeito final das alterações fisiológicas do
paciente anestesiado com relaxamento muscular em ventilação com pressão
positiva, decúbito lateral e tórax aberto será o maior agravamento do “efeito

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espaço morto” no pulmão não-dependente (superior) e do “efeito shunt” no
pulmão dependente (inferior).
As figuras x e x apresentam a ventilação e a perfusão do paciente em
decúbito lateral e as regiões da curva de complacência (volume x pressão)
onde trabalham os pulmões dependente e não-dependente com o paciente
anestesiado e posicionado em decúbito lateral, com o tórax fechado e aberto.

Fixando Conhecimento
(TSA – 2016) O posicionamento do paciente em decúbito lateral direito
com tórax fechado promove:
A) diminuição da pré-carga
B) efeito shunt no pulmão não-dependente
C) aumento da resistência vascular periférica
D) diminuição da perfusão no pulmão dependente.

Resposta: A
Comentário: Mudanças posturais súbitas são mal toleradas em pacientes profundamente
anestesiados ou hipovolêmicos porque ocorre uma depressão dose-dependente das funções dos
barorreceptores sob anestesia geral. Uma mudança de posição delicada é o mais indicado em
pacientes idosos, hipovolêmicos ou hipertensos. O desvio do mediastino para o hemitórax
dependente e a rotação do coração no seu eixo longitudinal na posição lateral podem interferir com
o retorno venoso e diminuir o débito cardíaco. Ocorre aumento da perfusão gravidade-dependente
no pulmão dependente, com piora da relação ventilação/perfusão (shunt) nesse pulmão, no
paciente anestesiado.
Referência: Gottumukkala V. Positioning of Patients for Operation, em: Longnecker DE, Brown DL,
Newman MF, et al. Anesthesiology. 2nd , New York, McGraw-Hill Medical, 2012.

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Fluxo sanguíneo em decúbito lateral

Ventilação em decúbito lateral

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Ventilação em decúbito lateral acordado e sob anestesia geral com tórax fechado

Ventilação em decúbito lateral anestesiado com tórax fechado e aberto

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Ventilação Monopulmonar

Alterações Fisiológicas
Na ventilação bipulmonar, em decúbito lateral, o pulmão superior
recebe aproximadamente 40% do débito cardíaco (DC) e o pulmão inferior,
60%. O shunt é de cerca de 10% do DC, sendo de 5% para cada pulmão;
portanto, o pulmão superior participa apenas com 35% do DC que
efetivamente participa da troca gasosa, enquanto o pulmão inferior chega a
55%.
A ventilação monopulmonar cria um shunt direita-esquerda através do
pulmão não-dependente, com uma relação ventilação/perfusão igual a zero.
Em teoria, os 35% de participação do pulmão superior deveriam ser somados
ao ao shunt total durante a ventilação monopulmonar. Existe, porém, uma
resposta reacional orgânica à ausência de ventilação pulmonar. É a
vasoconstrição pulmonar hipóxica (VPH), que consiste em vasoconstrição no
pulmão não ventilado, com o objetivo de desviar o fluxo sanguíneo para o
pulmão ventilado, evitando-se assim maior shunt pulmonar e hipoxemia ainda
mais grave. O objetivo do reflexo é não perfundir áreas não-ventiladas e
redistribuir o sangue para áreas ventiladas, de forma a melhorar a relação
ventilação/perfusão.
A VPH, em condições normais, consegue reduzir o fluxo para o pulmão
hipóxico em 50%, resultando em um shunt de 35/2 = 17,5%. A isto soma-se
5% que é o shunt obrigatório através do pulmão não-dependente, Tem-se,
portanto, um shunt de 22,5% no pulmão superior e 5% no inferior, o que
resulta em shunt total de 27,5%, obtendo-se uma PaO2 de 150 mmHg com
uma FIO2 = 1,0. Com o desvio de 72,5% do fluxo sanguíneo para o pulmão
inferior, o acoplamento da ventilação nesse pulmão será crítica para uma
adequada troca gasosa. A CRF do pulmão inferior está diminuída e, assim, ele
não mais se encontra em uma região favorável (complacente) da curva de
pressão-volume (redução de complacência). Existem várias razões para essa
redução da CRF, incluindo anestesia geral, paralisia muscular, pressão pelos
conteúdos abdominais, compressão pelo peso das estruturas mediastinais e
posicionamento inadequado na mesa de cirurgia.
Alguns fatores relacionados à nossa conduta anestésica podem inibir a
vasoconstrição pulmonar hipóxica e devem ser evitados durante cirurgia
torácica. Entre eles, destacam-se: 1) o uso de anestésicos inalatórios em doses
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> 1 CAM; 2) hipocapnia; 3) uso de vasodilatadores; 4) altas pressões no
pulmão dependente; 5) aplicação de PEEP muito alta no pulmão dependente;
6) baixa FiO2.
Outros fatores que impedem a ventilação adequada deste pulmão
incluem: atelectasia de absorção, acúmulo de secreções e a formação de
transudato fluido. Todos esses fatores irão determinar um aumento do shunt
e aumento do gradiente P(A-a) de O2.

Indicações da ventilação monopulmonar


A separação dos pulmões pode ser indicada de forma absoluta em
procedimentos em que existe a preocupação com a proteção pulmonar,
como no abscesso pulmonar e hemoptise. Veja a tabela das indicações
relativas e absolutas.

Monitorização
A monitorização utilizada no paciente que se submeterá a um
procedimento sobre o tórax não deve basear-se somente na complexidade
do procedimento, mas também nas condições clínicas do paciente. Durante
a cirurgia torácica existem alterações fisiológicas cardiovasculares e
pulmonares que ocorrem de forma repentina e devem ser imediatamente
reconhecidas e tratadas; portanto, o anestesiologista deve estar sempre

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atento e procurar dispor de monitores que apresentem os dados no menor
tempo possível.
Durante a administração de todas as anestesias para cirurgia torácica, a
concentração de oxigênio inspirado no sistema de respiração deve ser
medida utilizando um analisador de oxigênio com um alarme de limite de
baixa concentração de oxigênio. Adequação da oxigenação do sangue
também deve ser assegurada, e iluminação e exposição do paciente
adequada são úteis para avaliar a cor do sangue ou a presença de cianose
dos lábios, unhas, ou membranas mucosas. A maioria dos pacientes
submetidos a procedimentos cirúrgicos ou diagnósticos torácicos têm um
cateter arterial para o monitoramento contínuo da pressão arterial e
amostragem de sangue arterial para análise dos gases no sangue.

Cardioscopia
A utilização da cardioscopia permite a identificação de arritmias,
alterações da condução do estímulo cardíaco, isquemia miocárdica e parada
cardíaca. As derivações mais utilizadas são DII, para análise de ritmo e V5,
para visualização de isquemia.

PAM
A monitorização direta da pressão arterial com visualização da curva de
pressão deve ser utilizada rotineiramente nas cirurgias de ressecção e/ou de
pacientes com outras doenças graves associadas, pois as cirurgias torácicas
podem apresentar grande labilidade da pressão, causada por vários fatores
que incluem: compressão direta do coração, manipulação do pulmão com
diminuição do fluxo de saída do ventrículo direito, diminuição do retorno
venoso por compressão e/ou por sangramentos. Além disso, pode ocorrer
comprometimento do débito cardíaco por arritmias ventriculares ou atriais. O
cateterismo arterial facilitará também a realização de gasometrias seriadas,
permitindo, desse modo, melhor avaliação da ventilação, do equilíbrio
acidobásico e da perfusão periférica durante o procedimento cirúrgico.
Nas mediastinoscopias, a punção arterial, quando indicada, deve ser à
direita para monitorizar a compressão do tronco inominado (braquiocefálico),
compressão esta que pode causar complicações neurológicas decorrentes do
baixo fluxo cerebral.

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PVC
A medida da PVC é indicativa das pressões atrial e ventricular direitas. É
uma monitorização adequada quando sabemos de suas limitações e
compreendemos os fatores que a afetam. Reflete o volume sanguíneo, o
tônus venoso e o desempenho do ventrículo direito; sofre alterações por
obstrução venosa central e por variações da pressão intratorácica. Medições
seriadas são mais úteis que medidas únicas, e a resposta da PVC a um dado
volume é um teste útil da função ventricular direita. Em pacientes com função
ventricular esquerda preservada é útil, especialmente nos procedimentos com
grandes perdas sanguíneas, como decorticação pulmonar, lobectomias por
bronquiectasias e pneumectomias.

Cateter de Artéria Pulmonar


A utilização do cateter de artéria pulmonar em cirurgia torácica é rara,
sendo reservada para uso em pacientes com grande comprometimento da
função ventricular, valvopatias graves e no cor pulmonale avançado.

Oxímetro de pulso
O oxímetro de pulso é um monitor indispensável para a obtenção
quantitativa da oxigenação arterial periférica. É fundamental nas cirurgias
torácicas nas quais a oxigenação do paciente pode variar rápida e
bruscamente. A melhor maneira de avaliarmos a ventilação é com a medida
da PaCO2, através da gasometria arterial.

ECO transesofágico
A ecocardiografia transesofágica (ETE) é um monitor intraoperatório útil
para a função ventricular, função valvular e para as mudanças de movimento
de parede que refletem isquemia. A sua utilização em doentes cirúrgicos
torácicos tem sido limitada, mas é amplamente utilizada em doentes
submetidos a transplante de pulmão. O uso requer treinamento especial, e
pode não estar disponível em todos os centros. Uma revisão recente concluiu
que, embora o uso intraoperatório não seja indicado como rotina, pode ser
útil para diagnosticar a disfunção do ventrículo direito, na definição de
hipotensão ou arritmias após ressecção pulmonar. Disfunção ventricular
direita pode ocorrer durante ventilação monopulmonar, fixação da artéria
pulmonar para qualquer pneumectomia ou durante o transplante de pulmão.
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Pode ser usada para ajudar a determinar se é necessária a utilização de CEC
durante transplante de pulmão.

Capnografia
Capnografia é a representação gráfica, em forma de onda, da
concentração de gás carbônico ao longo do tempo e a capnometria é a sua
medida pontual, em geral obtida ao final da expiração. Existe uma diferença
entre os valores da PaCO2 e da PEtCO2, variando usualmente entre 3 e 5
mmHg em pacientes sadios. Esta relação se mantém quando a relação
ventilação/perfusão está dentro de valores considerados normais. Na DPOC,
esta diferença pode ser de até 10 mmHg. A capnografia, mostrando a forma
da onda da PEtCO2 a cada ciclo respiratório, permite o diagnóstico de
inúmeras alterações críticas, sejam hemodinâmicas – baixo débito cardíaco,
parada cardíaca - ou ventilatórias, permitindo assim diagnóstico e tratamento
precoces.

a: linha basal inspiratória

b: linha ascendente da expiração

c: platô expiratório
d: linha descendente inspiratória

A linha basal inspiratória (a) deve ter valor zero, ou seja, não há CO2 na
mistura inalada e não há reinalação de CO2. Se não for zero é porque há
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reinalação de CO2, como ocorre na exaustão de cal sodada nos circuitos
fechados ou quando a válvula expiratória está incompetente. Importante
lembrar que a expiração não se inicia com a curva “b”, mas sim em algum
ponto da linha basal; isso porque, quando começa a expiração, a primeira
parte do ar exalado corresponde a espaço morto anatômico e não contém
CO2.
Inclinação da linha ascendente expiratória (b) significa retardo da
liberação de CO2 pelos pulmões para o local onde é feita a leitura da amostra.
Isso pode ocorrer na obstrução mecânica do equipamento ou do tubo
endotraqueal, na doença pulmonar obstrutiva crônica, ou ainda, quando a
coleta de gás é lenta ou quando o capnógrafo apresenta tempo de resposta
lento em relação à alta frequência respiratória do paciente, o que geralmente
acontece no recém-nascido e em crianças pequenas.
A alteração do platô expiratório (c), o qual normalmente deve ser
praticamente horizontal, pode ocorrer em situações de obstrução, seja do
equipamento ou das vias aéreas, decorrente de doença pulmonar obstrutiva
ou ainda, consequente ao esforço inspiratório durante a fase expiratória de
uma ventilação mecânica ou por interferência de oscilações cardiogênicas,
devido à circulação do sangue nos capilares pulmonares durante a sístole, a
qual determina movimentação de gás dentro da via aérea, em paciente com
frequência respiratória baixa.
Prolongamento da porção descendente da curva (d) pode ocorrer em
situações de obstrução inspiratória (obstrução do tubo endotraqueal), na
restrição à expansão pulmonar, na presença de válvula inspiratória
incompetente e decorrente de tempo de resposta lento do capnógrafo.
Ausência do capnograma pode ocorrer em situações de intubação
esofagiana, apnéia, desconexão do circuito respiratório, extubação traqueal
acidental, obstrução completa do tubo endotraqueal ou ainda, na parada
cardíaca. Nesse caso, a presença de ventilação pulmonar e de pulso arterial
devem ser confirmadas imediatamente pelo exame clínico e somente após
isso é que a possibilidade de falência do capnógrafo deve ser considerada no
diagnóstico diferencial. Nas intubações esofagianas podem aparecer
inicialmente pequenos capnogramas, com pequenos valores de PETCO2,
devido a presença de alguma quantidade do ar exalado com CO2, o qual
eventualmente foi forçado para o estômago do paciente durante a ventilação

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manual com balão e máscara. Esses capnogramas desaparecem
progressivamente e rapidamente porque o estômago não produz CO2.
A diminuição da altura do capnograma (hipocarbia) pode ocorrer na
hiperventilação e quando ocorre diminuição da produção de CO2, como na
hipotermia. O achatamento súbito do capnograma pode ocorrer em situações
de desconexão parcial do circuito respiratório, embolia pulmonar (trombo, ar,
líquido amniótico ou gordura), diminuição do débito cardíaco, hipotensão
arterial e choque hipovolêmico, ou seja, em situações nas quais a relação
ventilação/perfusão está aumentada (>1) pelo aumento do espaço morto
fisiológico.
Na parada cardíaca ocorre achatamento e súbito desaparecimento do
capnograma. Com a instituição das manobras adequadas de ressuscitação
cardiorrespiratória, há o reaparecimento do capnograma, embora ainda
achatado, indicando eficácia das manobras de reanimação.
Aumento na altura do capnograma (hipercarbia) ocorre devido ao
aumento do metabolismo, como na hipertermia, hipertermia maligna ou
sepse; pelo aumento do CO2 liberado na circulação durante laparoscopia ou
infusão de bicarbonato; na hipoventilação, por diminuição na taxa de remoção
do CO2; por reinalação de CO2 (esgotamento da cal sodada).

21
Outras
Embora os dados sejam atualmente limitados, tem sido relatado que a
diminuição dos valores de oximetria cerebrais durante ventilação
monopulmonar tem sido correlacionada com complicações pós-operatórias.
Em um estudo posterior, as maiores diminuições na saturação de oxigênio
cerebral ocorreram em pacientes com melhor função pulmonar pré-
operatória. Neste momento, os dados ainda são muito limitados para
recomendar oximetria cerebral como um monitor de rotina durante a cirurgia
torácica.
Uma recente metanálise do uso de medições não-invasivas de DC
revelou fraca concordância com a termodiluição. Medidas de débito cardíaco
não-invasivos não são comumente utilizados durante a cirurgia torácica. O uso
22
de monitorização do débito cardíaco não-invasiva para cirurgia torácica não é
recomendado neste momento.

Drogas e outras técnicas anestésicas


São diversas as técnicas anestésicas que podem ser utilizadas em
cirurgia torácica: anestesia combinada, balanceada ou venosa total. A decisão
sobre a técnica a ser empregada deve considerar a experiência do profissional
com a técnica, as condições do paciente no momento cirúrgico e os recursos
disponíveis. Fator relevante sobre a decisão, entretanto, é a grande incidência
de dor intensa no pós-operatório de pacientes submetidos à toracotomia. O
sucesso no controle da dor pós-toracotomia é de enorme influência na
recuperação cirúrgica. Portanto, ao escolher a técnica anestésica, deve-se
realizar o planejamento da analgesia pós-operatória, permitindo maior
conforto ao paciente.
A técnica anestésica mais comumente utilizada em toracotomias é a
anestesia combinada (geral + peridural). Esta técnica mostrou-se efetiva na
redução da morbimortalidade (menor incidência de trombose venosa
profunda, embolia pulmonar, pneumonia, depressão respiratória, infarto
agudo do miocárdio, insuficiência renal e necessidade de transfusão
sanguínea). Outras grandes vantagens desta técnica são a grande redução nas
doses de anestésicos gerais, e a redução substancial na necessidade do
emprego de analgesia sistêmica no pós-operatório, podendo até mesmo vir
a ser dispensável, fatores que influem na recuperação precoce da função
ventilatória e da função cardíaca.
Após monitorização, venóclise realizada com cateter calibroso e
inserção do cateter peridural, a indução anestésica pode ser iniciada. A pré-
oxigenação (3-5 min) é mandatória. Quando empregado agente hipnótico
indutor, a preferência recai sobre o etomidato devido à boa estabilidade
hemodinâmica proporcionada por esse agente. Opioides de curta ou longa
duração podem ser utilizados. Lidocaína intravenosa também pode ser
empregada no intuito de diminuir a estimulação adrenérgica decorrente da
laringoscopia e intubação traqueal. O uso de bloqueadores neuromusculares
(BNM) não-despolarizantes está também indicado, de preferência os
associados a reversor específico, já que não dispomos mais no mercado de
bloqueadores de ação curta (mivacúrio e rapacurônio).

23
A manutenção da anestesia pode ser feita com o emprego de agentes
inalatórios halogenados em baixas concentrações, principalmente por sua
ação broncodilatadora e depressora dos reflexos de vias aéreas. Os agentes
inalatórios, diferentemente das drogas venosas, causam uma depressão da
resposta vasoconstritora pulmonar hipóxica, podendo promover um shunt de
4% quando utilizados em suas concentrações alveolares mínimas (CAM)
durante ventilação monopulmonar. O importante efeito broncodilatador,
entretanto, desconsidera esta ação, exceto em situações de grave
comprometimento do débito cardíaco.
Na técnica combinada, os agentes anestésicos são necessários tão
somente para a manutenção da hipnose e tolerância do tubo endotraqueal,
de modo que as doses utilizadas usualmente estão bem abaixo daquelas
empregadas em anestesia geral isolada. A dor pós-operatória nas
toracotomias é intensa, causando, além do grande desconforto,
comprometimento da ventilação pulmonar. A analgesia pós-operatória pode
ser realizada com o emprego de opioides sistêmicos, bloqueio intrapleural,
bloqueio intercostal, bloqueio paravertebral e bloqueio peridural com
anestésico local associado a opioides.
O uso de bloqueadores neuromusculares para adequado relaxamento
cirúrgico no período intraoperatório pode ser uma importante causa de
complicação respiratória e surgimento de hipoxemia no pós-operatório. Isso
ocorre principalmente por causa da presença de bloqueio neuromuscular
residual. Assim, deve-se considerar a avaliação dos pacientes com o uso de
monitores quantitativos do bloqueio neuromuscular sempre que estes
agentes forem empregados.
O bloqueador neuromuscular de escolha para procedimentos torácicos
são aqueles que não têm um efeito na liberação de histamina ou efeito
vagotônico e que tenha algum efeito simpaticomimético.
Existem evidências de que os anestésicos inalatórios, como o isoflurano
e sevoflurano, podem reduzir a lesão pulmonar induzida por ventilação. O
precondicionamento com isoflurano nos pulmões e em outros órgãos simula
o efeito cardioprotetor do precondicionamento isquêmico, por meio da
ativação dos receptores de adenosina e canais de potássio sensíveis ao ATP.
O isoflurano induz efeitos protetores durante isquemia-reperfusão e lesão
pulmonar induzida por endotoxinas. Também há benefício na redução da

24
liberação de citocinas ocasionada pela ventilação mecânica, além de efeito
protetor contra a lesão pulmonar por evitar respostas pró-inflamatórias.
A anestesia balanceada deve ser usada em pacientes portadores de
doenças pulmonares obstrutivas, por causa da ação broncodilatadora dos
inalatórios. Deve-se ter parcimônia no uso do desflurano pelo efeito de tosse,
laringoespasmo, broncoespasmo e hipersecreção brônquica. Estes efeitos
ocorrem mais durante anestesias mantidas em planos superficiais de hipnose.
A técnica anestésica balanceada usando agentes inalatórios com baixas
taxas de infusão de propofol isoladamente ou em combinação com
remifentanil é a técnica de escolha. Isso teria o menor efeito inibitório sobre
a VPH e diminui o shunt transpulmonar através do pulmão não ventilado.
A grande maioria das ressecções pulmonares é realizada via toracotomia
posterior, com o paciente em decúbito lateral. O posicionamento adequado
é crítico a fim de evitar-se lesões diversas (neurais, pele, muscular, etc.), e
também para facilitar a abordagem cirúrgica. O braço inferior deve ser
estendido e o superior fletido sobre uma tala, em frente à cabeça, retirando-
se a escápula do campo operatório. A perna inferior deve permanecer
semifletida, e a superior, estendida com um travesseiro colocado entre as
mesmas, evitando assim lesão dos nervos tibial anterior e peniano. Um coxim
deve ser colocado sob a axila inferior para evitar dano ao plexo braquial e
compressão arterial. Cuidado especial deve ser observado quanto à proteção
ocular e auricular inferior. Deve- se evitar a hiperextensão do pescoço como
medida preventiva de possíveis estiramentos das raízes cervicais. Outras
posições utilizadas são a semilateral para toracotomias anteriores, e a posição
prona, ou de Overholth, preferida por alguns cirurgiões para toracotomias
posteriores.

Separação dos pulmões

Bloqueadores brônquicos
Um cateter de embolectomia arterial - cateter de Fogarty (originalmente
utilizado tão-somente em embolectomias) é inserido na árvore brônquica que
se deseja ocluir. Esta técnica é melhor executada sob visão direta com o
auxílio do broncofibroscópio. O cateter de Fogarty é obrigatoriamente

25
utilizado em crianças abaixo de 12 anos, uma vez que o tubo de dupla luz de
menor calibre disponível é o 12 F.

Cateter de Fogarty

Tubo Univent - é um tubo endotraqueal de luz simples que possui um


canal escavado em sua parede, dentro do qual pode ser inserido um
bloqueador brônquico móvel. Após a intubação traqueal, o bloqueador móvel
é dirigido para o brônquio fonte que se deseja ocluir. O auxílio de um
broncofibroscópio facilita o procedimento.

Tubo Univent

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Tubo endobrônquico de dupla luz
É o melhor método de se obter isolamento pulmonar eficaz. Existem
diversos modelos, mas todos são muito semelhantes em sua arquitetura, ou
seja, são dois tubos de luz fina, fundidos em uma só estrutura. Um dos ramos
é suficientemente longo para atingir o brônquio-fonte principal (ramo
brônquico) e o outro, mais curto, chega tão somente à traquéia (ramo
traqueal). A separação pulmonar é obtida pela insuflação do balonete de cada
ramo.
O tubo de Carlens permite a intubação do brônquio-fonte esquerdo,
pois sua curvatura aproveita a anatomia da via aérea, facilitando a introdução
do ramo brônquico. Possui um gancho carinal que assegura seu adequado
posicionamento e auxilia na manutenção de sua fixação. Embora tenha sido
construído para procedimentos no hemitórax direito, é utilizado também para
procedimentos à esquerda. Está em desuso pelo maior risco de lesão de
estruturas da via aérea devido à presença do gancho carinal. O tubo de
Carlens original apresentava dois balonetes de alta pressão (esféricos), o que
também aumentava o risco de lesão de via aérea – agora de longo prazo
(estenos de traqueia e brônquio). O tubo de Carlens atual assemelha-se ao
tubo de Robertshaw para a esquerda, com a diferença da presença do gancho
carineal. Para sua inseção, a ponta do tubo é passada pela prega vocal virada
para cima, então o tubo é girado 180º em sentido anti-horário e avançado
através das pregas vocais com o gancho carineal virado para cima e,
finalmente, rodado 90º em sentido horário e avançado até a posição final, de
forma que a ponta esteja virada para a esquerda e o gancho carineal para a
direita.

O tubo de Carlens

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O tubo de Robertshaw apresenta maior facilidade no momento da
intubação, com menor traumatismo, uma vez que não possui o gancho carinal,
além de seus ramos traqueal e brônquico possuírem maior luz, facilitando a
aspiração. Os tubos atuais são fabricados de PVC transparente, o que permite
a observação do movimento do ar expirado pela condensação do mesmo nas
paredes do tubo. Os tubos já vêm com um guia pré-moldado para facilitar sua
inserção.

Intubação e correto posicionamento do tubo de Robert


Shaw

São complicações do emprego da intubação endobrônquica:


Posicionamento incorreto - Não isolamento do pulmão cirúrgico, com
possível contaminação do pulmão sadio; ausência de colapso no pulmão
cirúrgico e/ou obstrução da ventilação do pulmão inferior causada por
deslocamento ou hérnia do balonete traqueal por hiperinsuflação; intubação
super-seletiva, na qual o orirfício distal da luz traqueal é introduzido no
brônquio fonte, com ausência de ventilação no pulmão não-dependente.
Edema de laringe, trauma de traqueia ou ruptura brônquica pelo uso de
tubos de diâmetro excessivo, ou hiperinsuflação do balonete;
Obstrução da estreita luz dos ramos do tubo, por sangue e secreções.

28
Manuseio anestésico da ventilação monopulmonar
A fração de oxigênio utilizada na ventilação monopulmonar é aquela
que melhor protege contra a hipoxemia, podendo ser, em muitas ocasiões,
igual a 1,0. Esta FiO2 (1,0) deverá resultar em valores de PaO2 entre 150 e
200 mmHg durante a ventilação monopulmonar. Com estas concentrações de
O2 haverá uma vasodilatação no pulmão inferior, aumentando sua
capacidade de adaptar- se à redistribuição do fluxo sanguíneo causada pela
vasoconstrição hipóxica do pulmão superior. Entretanto, a manutenção desta
FiO2 pode determinar o aparecimento de atelectasias de absorção,
aumentando o shunt pulmonar. Assim, a fração inspirada que melhor protege
contra hipoxemia nem sempre é igual a 100%, é preciso monitorizar a SpO2
e a PaO2. Se a oxigenação estiver adequada com frações inspiradas de
oxigênio menores, devemos mantê-las assim.
O pulmão inferior deve ser ventilado com um volume corrente de 6 a 8
ml/kg, o que resulta em melhores valores de PaO2 e consequentemente
menor shunt. Volumes correntes muito pequenos reduzirão a capacidade
residual funcional (CRF), resultando no aumento de atelectasias.
Inversamente, volumes correntes acima de 10 ml/kg aumentam a resistência
vascular pulmonar (RVP) do pulmão inferior (à semelhança da aplicação de
PEEP), desviando o fluxo sanguíneo para o pulmão superior, contrapondo-se
à vasoconstrição pulmonar hipóxica, com consequente aumento do shunt.
A frequência respiratória deve ser suficiente para manter PaCO2 entre
35 – 40 mmHg, lembrando que a hiperventilação promove insulflação e
distensão maior, além de causar hipocapnia e prejuízo da VPH. O excesso de
volume infundido também deve ser evitado porque gera uma dilatação
passiva dos leitos pulmonares, também interferindo com a VPH.
A instituição da ventilação unilateral promove graus variados de shunt,
que desencadeará maior ou menor hipoxemia. Classicamente, a ventilação
endobrônquica deve ser mantida nos mesmos parâmetros da ventilação
bilateral, a não ser que se desenvolvam pressões intrabrônquicas acima de 35
cm H2O. Nestes casos é preciso ajustar o ventilador para tentar manter o
mesmo volume minuto.
Se dessaturação grave ou brusca ocorrer, a ventilação bipulmonar deve
ser reinstituída. Caso surja, a hipoxemia gradual deve ser tratada inicialmente
com um fluxo adicional de oxigênio no pulmão não-dependente, resultando
29
em pressão positiva contínua de 2 – 5 cm H2O (CPAP), que normalmente não
interfere com o procedimento cirúrgico e restabelece níveis aceitáveis de
oxigenação sanguínea. Podemos elevar o nível da pressão positiva continua
até 10 cm H2O, sempre em acordo com a equipe cirúrgica. Desta forma,
conseguimos aumentar a oferta de oxigênio, que é captado pelo fluxo
sanguíneo, mas não removemos o CO2. Existem sistemas industrializados,
com uma válvula reguladora que, quando conectado a um fluxo de 5 litros de
O2/ minuto, permite-nos controlar esta pressão positiva contínua entre 1-10
cm H2O. Outras possibilidades menos precisas de desenvolver esta pressão
positiva contínua no pulmão não-dependente são a utilização do sistema de
Baraka e do sistema de Bain.
Devemos controlar a expansão pulmonar pelo controle visual do campo
cirúrgico, adequando-se o fluxo de O2, pois não há vazamentos nestes
sistemas. Na imensa maioria das situações consegue-se corrigir a hipóxia sem
necessidade de outras medidas.
Se houver persistência da hipoxemia, devemos pesquisar deslocamento
do tubo, ou a presença de secreções. Se negativo, instituiremos PEEP no
pulmão-dependente, iniciando com níveis de 5 cm H2O. A PEEP tem como
finalidade resgatar alvéolos que estejam colabados, ou seja, trazer ao normal
a CRF que porventura esteja diminuída. Se a CRF estiver em níveis normais, e
além disso o paciente estiver hipovolêmico, podemos provocar hipotensão
arterial com essa manobra.
Outro passo é a ventilação ocasional do pulmão não-dependente, e o
seu clampeamento cheio, fornecendo uma reserva de oxigênio a ser captada,
podendo melhorar a hipoxemia.
O recurso extremo para terminar com a shunt seria o clampeamento da
artéria pulmonar. Desta forma não haverá fluxo aéreo e nem sanguíneo e,
consequentemente, terminarão os efeitos shunt e espaço morto no pulmão
não-dependente. Isso nem sempre é possível por dificuldade de acesso
cirúrgico ao hilo pulmonar naquele momento, ou porque o paciente pode não
suportar a carga imposta por todo o débito cardíaco em apenas um leito
vascular pulmonar, ou porque o ventrículo direito pode não aguentar o
aumento de resistência pulmonar imposto pelo bombeamento a apenas uma
artéria pulmonar.

30
É descrita também a utilização de ventilação com alta frequência no
pulmão não-dependente, combinada com ventilação de pressão positiva
intermitente no pulmão-dependente. Promove um pulmão operado quase
imóvel, oferta de O2, e também eliminação de CO2.
O manuseio farmacológico da circulação pulmonar pode ser usado para
combater alterações de oxigenação ou grandes repercussões da hipertensão
pulmonar sobre o lado direito do coração. O óxido nítrico (NO) inalado em
40 ppm promove vasodilatação apenas de áreas ventiladas, diminuindo a
resistência nestas regiões e favorecendo o desvio do sangue para elas,
melhorando a oxigenação. Ocorre uma otimização da relação
ventilação/perfusão. É um efeito absolutamente regional, pois a meia-vida
plasmática do óxido nítrico é de 110 – 130 ms, não tendo ação sistêmica. A
almitrina em baixas doses aumenta o reflexo de vasoconstricção pulmonar
hipóxica. Combinada com a inalação de NO, durante a ventilação unilateral,
promoveria uma vasoconstricção máxima no pulmão não-ventilado,
desviando o fluxo pulmonar para a circulação já dilatada pela inalação de NO,
diminuindo o shunt pulmonar. A prostaglandina E1 promove vasodilatação
pulmonar, sendo praticamente toda metabolizada em uma passagem pelos
pulmões, tendo pequeno efeito sistêmico. É utilizada em hipertensão
pulmonar grave durante transplante pulmonar.

31
Existem inibidores indiretos da VPH que devem ser evitados durante a
ventilação monopulmonar: estenose mitral, sobrecarga de volume,
tromboembolismo, hipotermia, drogas vasoconstritoras e um grande
segmento pulmonar hipóxico. Inibidores diretos de VPH incluem infecção,
drogas vasodilatadoras como a nitroglicerina e nitroprussiato, hipocarbia e
alcalemia metabólica. Todos esses potenciais inibidores devem ser
considerados ao avaliar um paciente com hipoxemia durante a cirurgia
torácica, pois sabemos que VPH é um mecanismo protetor necessário à
manutenção do equilíbrio entre ventilação e perfusão.

Fixando Conhecimento
(TSA-2016) Mulher de 59 anos, 45 kg e 1,53 m é submetida à
lobectomia inferior direita. Após 15 minutos em ventilação
monopulmonar, a paciente mantém SpO2 de 86% a despeito de estar
com FiO2 de 100%, VC de 8 mL/kg, PEEP de 8 mmHg no pulmão
inferior, FR de 16 irpm com ETCO2 de 34 mmHg e CPAP no pulmão
superior. Qual medida deve ser adotada para preservar o reflexo de
vasoconstrição pulmonar hipóxica?
A) Reduzir a CPAP
B) Reduzir a ETCO2
C) Aumentar a PEEP
D) Evitar sobrecarga hídrica

Resposta: D
Comentário: Fatores associados com aumento da pressão na artéria pulmonar antagonizam o efeito
do aumento de resistência causado pela vasoconstrição pulmonar hipóxica (VPH) e resultam em
aumento de fluxo para a região hipóxica. Esses inibidores indiretos da VPH incluem estenose mitral,
sobrecarga hídrica, tromboembolismo, hipotermia, drogas vasoconstritoras e um grande segmento
pulmonar hipóxico. Inibidores diretos da VPH incluem infecção, drogas vasosilatadoras como
nitroglicerina e nitroprussiato, hipocarbia e alcalose metabólica. Todos esses potencias inibidores
devem ser considerados quando avaliamos a hipoxemia de um paciente durante cirurgia torácica.
Assim, devemos evitar, entre todos os fatores descritos, a sobrecarga hídrica para preservar a
vasoconstrição pulmonar hipóxica.
Referência: Eisenkraft JB, Cohen E, Neustein SM. Anesthesia for thoracic surgery, em: Barash PG,
Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia. 7th Ed, Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins,
2013.

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Anestesia para a broncofibroscoscopia
A utilização do broncofibroscópio flexível permite o exame acurado da
árvore traqueobrônquica, sendo o método diagnóstico em nosso meio para
o exame sob visualização direta. Também é utilizado na avaliação pré-
operatória das vias aéreas em casos especiais, manejo de intubação difícil,
posicionamento de tubo de duplo lúmen, toalete brônquica e avaliação da
laringe e traqueia. Com relação à anestesia, as opções disponíveis incluem as
abordagens com o paciente acordado ou sob anestesia geral. Para a anestesia
local, pode-se fazer anestesia tópica via nebulizador, aerossóis, bloqueios
nervosos (nervos laríngeo e glossofaríngeo) ou administração direta do
anestésico local através do broncofibroscópio (técnica “spray-as-you-go”),
com ou sem sedação. Na anestesia geral, podemos optar entre ventilação
espontânea ou ventilação com pressão positiva, com ou sem relaxantes
musculares.
A broncofibroscopia causa hipoxemia, sendo que a diminuição da PaO2
é da ordem de 20 mmHg e dura em torno de 4 h. Deve-se, portanto, manter
dose suplementar de O2 com cateter nasal ou máscara de Venturi.

Anestesia para a videotoracoscopia


Procedimento utilizado em exames e biópsia pleural (parietal e visceral)
e pulmonar, ressecção de massas intratorácicas, bulectomias pulmonares,
drenagem de derrames e outros. Por tratar-se de procedimento de pequena
a média duração, a utilização de drogas anestésicas de despertar rápido é
melhor indicada, e a técnica a ser empregada pode ser a venosa total ou a
balanceada. A dor pós-operatória deve-se à presença dos drenos torácicos,
sendo recomendável iniciar-se já na sala de cirurgia a analgesia, com bloqueio
intercostal e anti-inflamatórios não esteroides (AINES).
O tubo de duplo lúmen, nas cirurgias por vídeo, precisa estar muito bem
posicionado para que o procedimento possa ser bem realizado. Portanto,
atenção redobrada deve ser dada nestes casos ao verificar seu
posicionamento e fixação.

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Mediastinoscopia
Comumente realizada para diagnóstico e/ou verificação da
possibilidade ou não de ressecção de carcinoma pulmonar. A manipulação
cirúrgica é feita próxima a grandes vasos (ver figura). Por seu elevado risco de
sangramento, é recomendável que se obtenha bom acesso venoso, pois,
embora pouco frequente, quando ocorre é de grande volume, levando à
instabilidade hemodinâmica rapidamente, caso não haja reposição volêmica
adequada em tempo hábil ou o uso de drogas. O tratamento, então, pode
ser toracotomia imediata.
A monitorização usual consta de ECG, oximetria, capnografia, pressão
arterial não-invasiva e, em situações especiais, pressão arterial invasiva. O uso
de monitorização mais extensa deve ser avaliada conforme o estado do
paciente ou a existência de outras patologias. O plano anestésico deve ser
rigorosamente avaliado. Deve- se evitar o ingurgitamento venoso pela
hiperextensão exagerada do pescoço. A pressão arterial e a saturação do
oxigênio devem ser medidas no braço esquerdo, pois é frequente a
compressão das artérias inominada e subclávia direita. Se o objetivo for
monitorar a própria compressão destes ramos, um dos monitores
(preferencialmente o oxímetro) pode ser instalado à direita. Podem ocorrer
também: bradicardia reflexa, arritmias, compressão da traqueia e
pneumotórax. Os pacientes devem ser, a priori, extubados em sala cirúrgica.

Representação esquemática da mediastinoscopia

34
Ressecção de bolhas pulmonares
As bolhas são cavidades de paredes finas que contêm ar; estão
presentes dentro do parênquima pulmonar e são resultantes da destruição do
tecido alveolar. Podem-se expandir, atingindo o volume do pulmão devido
ao alçaponamento de ar inspirado, causando colapso do parênquima sadio
residual. Podem ser congênitas ou adquiridas (pós-infecção), ou resultantes
de enfisema grave. Podem ser ressecadas por videotoracoscopia ou
toracotomia. Alguns pacientes com bolhas em ambos os pulmões são
submetidos à toracotomia bilateral ou esternotomia. Não existe uma
indicação universalmente aceita para ressecção de bolhas pulmonares. Um
paciente com dispneia e uma bolha gigante (ou várias bolhas) que ocupe mais
de 30% de um hemitórax e no qual a radiografia e a tomografia de tórax
sugerem que tecido pulmonar funcional pode ser resgatado para uma posição
anatomicamente mais favorável deve ser candidato para a bulectomia.
Nos volumes correntes habituais, as bolhas são mais complacentes que
o pulmão normal e se enchem preferencialmente durante ventilação
espontânea. Entretanto, quando vamos além da faixa do volume corrente
normal, as bolhas se tornam menos complacentes e a pressão dentro das
mesmas aumenta agudamente conforme aumenta a pressão de via aérea. A
pressão dentro das bolhas, durante um ciclo respiratório normal, em
ventilação espontânea, corresponde à pressão média nas vias aéreas ao longo
desse ciclo. Assim, durante ventilação espontânea, a pressão “intra-bolha”
será negativa em comparação ao tecido pulmonar circunjacente. Porém,
sempre que usamos pressão positiva, a pressão “intra-bolha” aumenta em
comparação aos tecidos ao redor. Existe o risco de hiperinsuflação e ruptura
sempre que pressão positiva é aplicada. As complicações da ruptura da bolha
podem ameaçar a vida, por causa do colapso hemodinâmico resultante do
pneumotórax hipertensivo ou por causa da ventilação inadequada devido à
formação de uma fístula broncopleural.
O manejo anestésico desses pacientes é desafiador, particularmente se
a doença for bilateral. Idealmente, um tubo com duplo-lúmen é inserido com
o paciente acordado ou sob anestesia geral, mas respirando
espontaneamente. Evitar ventilação com pressão positiva (sempre que
possível) ajuda a reduzir a possibilidade de ocorrência dos problemas
descritos (hiperinsuflação e ruptura da bolha), embora a oxigenação possa ser
precária com a ventilação espontânea. Assim que o tubo de duplo-lúmen
35
estiver posicionado, cada pulmão pode ser controlado separadamente e a
ventilação adequada pode ser aplicada ao pulmão saudável se não houver
doença bilateral. Ventilação delicada com pressão positiva, com pequenos
volumes correntes e alta frequência respiratória, além de pressões que não
ultrapassem 10 cmH2O, pode ser utilizada durante a indução e manutenção
da anestesia, especialmente se as bolhas não apresentarem comunicação com
os brônquios, conforme evidenciado pela avaliação pré-operatória. Enquanto
a cirurgia está sendo realizada, a cada bolha que é ressecada o pulmão que
está sendo operado pode ser ventilado isoladamente para verificar se há
algum vazamento de ar ou a presença de bolhas adicionais.
Se ventilação com pressão positiva for aplicada antes da abertura do
tórax, a possibilidade de um pneumotórax hipertensivo deve sempre ser
antecipada e o tratamento deve ser instituído precocemente, caso a
complicação aconteça. O diagnóstico do pneumotórax pode ser feito por uma
diminuição unilateral da ausculta respiratória, aumento da pressão de via
aérea, desvio progressivo da traqueia, sibilos e alterações cardiovasculares. O
tratamento envolve a colocação rápido de um dreno de tórax.
Se estivermos diante de uma bulectomia bilateral, geralmente o acesso
cirúrgico é feito através de uma esternotomia. Existem descrições de
bulectomias bilaterais realizadas com ventilação monopulmonar sequencial
utilizando um tubo de duplo-lúmen. O lado com a maior bolha e menor função
pulmonar deve ser operado antes. Dessa forma, o pulmão com melhor função
consegue manter as trocas gasosas. Se houver hipoxemia durante essa
ventilação monopulmonar, a aplicação de CPAP no pulmão não ventilado
pode aumentar a PaO2.
Ao contrário da maioria dos casos de ressecção pulmonar, pacientes
que foram submetidos à bulectomia ficam com maior quantidade de tecido
pulmonar funcionante que antes da cirurgia e há uma importante melhora da
mecânica respiratória. Ao final do procedimento, o tubo de duplo-lúmen
pode ser substituído por um tubo simples e os pacientes geralmente
necessitam de alguns dias para que ocorra o desmame do ventilador. Durante
esse período, a pressão positiva na via aérea deve ser minimizada para evitar
o surgimento de pneumotórax devido à ruptura de suturas ou de bolhas
residuais.

36
Traqueoplastias
As lesões de traqueia mais frequentes são as estenoses, podendo ser
de causa congênita, neoplásica, pós-intubação, pós-traqueostomia ou pós-
traumáticas. As lesões pós-intubação são as mais frequentes, sendo que vários
fatores podem predispor o paciente a desenvolvê-las, tais como hipotensão,
infecção, pressões elevadas no balonete e o tempo de intubação.
Para a resolução definitiva da estenose, é preciso ressecar os anéis da
traqueia que se encontram estreitados. A cirurgia pode ser realizada nas
regiões cervical, cervico-mediastinal ou póstero-lateral. Esternotomia parcial
ou completa pode ser necessária para acesso da porção torácica da traqueia.
A aproximação das porções proximal e distal da traqueia exige a flexão da
cabeça, sendo a pele da mandíbula fixada com pontos cirúrgicos na porção
anterior do tórax, com permanência de uma semana.
Deve-se evitar drogas depressoras respiratórias no pré-anestésico,
considerando que a maioria destes pacientes se encontra em grave disfunção
ventilatória. Procura-se tranquilizar o paciente, reforçando a necessidade do
mesmo permanecer com o pescoço fletido no pós-operatório para não forçar
as linhas de sutura.
A indução anestésica é de preferência inalatória, podendo ser
complementada com lidocaína venosa, mantendo ventilação espontânea, na
presença do cirurgião para um eventual acesso cirúrgico de emergência à via
aérea. Tubos endotraqueais de vários calibres deverão estar disponíveis,
tendo como referência a informação dada pelo cirurgião, quando da
broncofibroscopia. A ventilação inicial do paciente deve ser realizada com
tubo aramado de pequeno calibre, ou maior se houver possibilidade de
dilatação da estenose, introduzido por via oral para além da estenose
traqueal. Após a ressecção inferior da estenose, o cirurgião introduz um
segundo tubo aramado, estéril, na porção distal restante da traqueia, e o tubo
oral é retrocedido em direção à porção proximal da traqueia, anteriormente à
estenose.
Feita a anastomose posterior da traqueia, o segundo tubo é retirado e
o primeiro é novamente introduzido até ultrapassar a sutura, podendo o
cirurgião terminar o fechamento anterior da traqueia. Para estenoses próximas
à carina, a ventilação durante a anastomose deve ser feita com intubação
seletiva de um dos brônquios e posterior colocação de cateteres em ambos
37
os brônquios para ventilação a jato. O paciente deve ser extubado acordado,
na sala de cirurgia, com boa oxigenação e estável hemodinamicamente.
A cirurgia pode ser prolongada com perda importante de sangue e
calor, sendo necessárias adequada manutenção térmica e hídrica. A anestesia
deve visar um mínimo efeito residual de fármacos relaxantes e de opioides
para extubação o mais breve possível, porém com analgesia adequada para
que o paciente suporte a posição incômoda da flexão da cabeça, sendo
indicada a anestesia venosa total com propofol e remifentanil.

Representação esquemática da troca dos tubos de intubação durante diferentes tempos da


ressecção traqueal (traqueoplastia)

Pneumoplastia redutora
Indicada para pacientes com enfisema em fase terminal, esta cirurgia
resseca 20% a 30% do parênquima pulmonar doente, objetivando a melhora
funcional através da restauração parcial da mecânica ventilatória. Uma vez que
as suturas são feitas sobre frágil tecido pulmonar enfisematoso, as perdas de
ar são complicações rotineiras, e a melhor maneira de evitá-las é não utilizar
regimes de pressão média elevadas nas vias aéreas e extubar o paciente em
plano anestésico, mantendo-o sob máscara até o despertar, para evitar tosse
ou “bucking”, além de garantir uma analgesia de boa qualidade no pós-
operatório.
Devido ao estado avançado da doença nestes pacientes, procura-se
evitar a pré-medicação, conversando e esclarecendo ao paciente suas dúvidas
quanto à anestesia e tentando tranquilizá-lo. A administração de qualquer
38
droga sedativa deve ser feita preferencialmente na sala de cirurgia, na
presença do anestesiologista.
Observou-se que pacientes enfisematosos não atingem níveis
satisfatórios de concentração de O2 quando pré-oxigenados durante 3-5 min,
como os pacientes sem pneumopatia, sugerindo então que a pré-oxigenação
nestes pacientes seja monitorizada. O etomidato é a droga de escolha por
sua ação rápida e pela estabilidade hemodinâmica promovida. O relaxamento
para a intubação traqueal pode ser feito com agente não-despolarizante.
Devido à dificuldade expiratória típica do enfisematoso, o regime
ventilatório deve manter frequentemente uma relação inspiração/expiração
até além de 1:3. Como consequência, a frequência respiratória será muito
baixa. Se somente esta medida não for suficiente para evitar a piora da auto-
PEEP, o volume corrente também deverá ser reduzido, resultando em
importantes níveis de retenção de CO2 (hipercapnia permissiva), durante a
qual deve-se utilizar uma FIO2 =1, para evitar hipoxemia.

Hemoptise maciça
Definida como uma perda aproximada de sangue maior que 500-600 ml
da árvore traqueobrônquica em 24 horas, ou uma quantidade que cause
obstrução da via aérea e/ou hipotensão. Em mais de 90% dos casos é causada
por infecções crônicas, as quais criam vascularização profusa no sistema de
alta pressão das artérias brônquicas. O cirurgião realiza uma broncoscopia
rígida diagnóstica, através da qual lava o brônquio que sangra com soro
gelado e, quando indicado, tampona o sangramento utilizando um cateter
com balão. Alguns pacientes apresentam lesões hemorrágicas com indicação
e em condições de submeter-se à ressecção pulmonar, o que é então
realizado.
Entre as importantes medidas que precisam ser tomadas, temos a
prevenção da asfixia, que é feita com a administração de O2, colocando o
paciente em decúbito lateral, com o pulmão que sangra para baixo,
separando os pulmões (tubo de duplo lúmen, bloqueador brônquico ou tubo
endobrônquico) e estabelecendo regime de ventilação com pressão positiva
intermitente e aspiração do sangue. Assim que possível, um acesso venoso
de grande calibre deve ser obtido, assim como tipagem sanguínea,
monitorização, reposição de volume e uso de drogas vasoativas.

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Abscesso pulmonar
Resultante em sua maioria de infecções pulmonares primárias,
neoplasias brônquicas obstrutivas ou, mais raramente, da disseminação
hematogênica de infecções sistêmicas. No manuseio anestésico é importante
o isolamento do pulmão infectado para evitar a inundação do pulmão sadio
por material infectante. Para isto, o paciente deve ser induzido e intubado
com tubo de duplo lúmen em leve decúbito lateral, com o pulmão doente em
posição dependente, e isolado imediatamente após a intubação. Ao longo da
cirurgia, o ramo do tubo correspondente ao pulmão doente deve ser aspirado
várias vezes, para evitar contaminação do pulmão sadio.

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Bibliografia
Aplicabilidade da escala de Torrington e Henderson S.M. Faresin et al.
- Rev Ass Med Brasil 2000; 46(2): 159-65
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Brunelli A et al.- Recalibration of the revised cardiac risk index in lung
resection candidates Ann Thorac Surg. 2010 Jul;90(1):199- 203. doi:
10.1016/j.athoracsur.2010.03.042
Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB et al. – Tratado de Anestesiologia
SAESP. 7a Ed. São Paulo, Atheneu, 2011
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pneumopata - Rev Bras Anestesiol. 2014;64(1):22-34.
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Pacientes com DPOC - Pulmão RJ 2013;22(2):30-34
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Miller’s Anesthesia 7th Ed, Philadelphia, 2010.
Stoelting RK, Hillier SC – Pharmacology & Physiology in Anesthetic, 4th
Ed, Philadelphia, 2006.

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Recomendações
Estude a apostila várias vezes. Esse capítulo é importante e sempre
aparece na prova. Saiba o preparo pré-operatório e as estratégias de combate
a hipoxemia durante ventilação monopulmonar – sempre é pedido.
Responda todo o questionário de cada tema exigido pelo Projeto Quero
Passar no TSA; leia os comentários das questões; essas questões foram
retiradas das últimas dez provas do TSA e existe uma chance que elas
apareçam novamente na prova.
Participe ativamente dos simulados oferecidos pelo projeto.
Quanto mais você estudar e rever a apostila e os testes, maior a
possibilidade de fixar os conhecimentos. A repetição leva à perfeição!
Estude bastante pois esse é o ano em que você pode fazer a diferença
na prova. Estamos junto com você nesse objetivo!

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