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PROTOCOLO PARA MANEJO VENTILATÓRIO DE PACIENTE POTENCIAL

DOADOR DE PULMÃO

FORTALEZA/CE
2022
APRESENTAÇÃO

Este material é voltado para os profissionais de saúde que atuam na assistência de pacientes
potenciais doadores de órgãos, com especial atenção para os doadores de pulmão.

Dados da literatura mundial demonstram que uma baixa porcentagem de doadores de órgãos
se tornam efetivamente doadores de pulmão. Diante disso, surge a necessidade de se buscar
estratégias de otimização da viabilidade pulmonar, sendo o manejo da ventilação mecânica uma
tática importante para a manutenção desse órgão doador.

O protocolo foi desenvolvido através de uma revisão da literatura das principais publicações
sobre essa temática, e tem como objetivo implementar uma rotina padronizada de ventilação
mecânica nesses pacientes, com a implementação de estratégias protetoras e uma manobra de
recrutamento alveolar nos pacientes indicados.

Espera-se que, com o desenvolvimento e aplicação desse protocolo, mais doadores de órgãos
com morte encefálica estejam em melhores condições para se tornarem doadores de pulmão,
aumentando assim o número e diversidade de doadores, e, por conseguinte, a quantidade e
qualidade de transplantes desse órgão.
1. INTRODUÇÃO

A escassez de pulmões para transplante configura-se como um problema mundial, e sabe-se


que um suporte ventilatório inadequado nos potenciais doadores tem como consequência um
aumento na rejeição do órgão.

O critério de aceitabilidade do doador de pulmão ideal mais expressivo é um índice de


oxigenação maior que 300. Índice de oxigenação consiste na relação entre a Pressão Parcial de
Oxigênio e a Fração Inspirada de Oxigênio (PaO2/FiO2).

Vários fatores podem contribuir para uma queda no índice de oxigenação, tais como a resposta
inflamatória decorrente do estabelecimento da morte encefálica por si só, a sobrecarga hídrica
pulmonar devido a administração de fluidos, a sensibilidade dos pulmões à infecção, as lesões
pulmonares induzidas pela ventilação mecânica e o aparecimento de áreas de colapso alveolar
decorrente da perda da ventilação espontânea.

Caso medidas para amenizar esses fatores não sejam adotadas, quedas ainda mais expressivas
na relação PaO2/FiO2 podem ocorrer, aumentando o risco de rejeição do órgão para transplante,
mesmo em pacientes sem patologias pulmonares prévias.

Um dos critérios para se considerar o doador marginal é a relação PaO2/FiO2 < 300.
Atualmente, cada vez mais tem-se aceitado doadores marginais para transplante, porém, nesses
casos, a decisão sobre a utilização do órgão fica a cargo da equipe de transplante, com o
consentimento informado do receptor, uma vez que o uso de doadores com índice de oxigenação
menor que o indicado como ideal implica em maior risco de complicações.

Estratégias para aumentar a oxigenação têm impacto direto no aumento do número de


transplantes e, consequentemente, na redução da fila de espera dos receptores. Portanto, torna-se
premente o estabelecimento de medidas para proteger os pulmões de lesões, bem como otimizar a
ventilação mecânica naqueles com índice de oxigenação menor que 300.
2. ESTRATÉGIAS PARA PROTEÇÃO PULMONAR

2.1 TESTE DE APNEIA

Para determinação de morte encefálica, o teste realizado por último é o de apneia, o qual tem
como objetivo constatar a ausência de movimentos respiratórios mediante a estimulação máxima
dos centros respiratórios bulbares. O mesmo é realizado em etapas, as quais estão elencadas no
Quadro 1.

Quadro 1 – Etapas do teste de apneia convencional.


1. Oxigenar o paciente com FiO2 a 100% durante dez minutos (para reduzir o risco de
hipóxia)
2. Coletar uma gasometria arterial inicial, a qual deve demonstrar hiperóxia e Pressão
Parcial de Gás Carbônico (PaCO2) entre 35 e 45 mmHg
3. Desconectar o ventilador e inserir um cateter de oxigênio (O2) com fluxo de 6-8
l/min na traqueia a nível de carina ou conectar o tubo orotraqueal a um tubo T e
instilar O2 com um fluxo de 12 l/min
4. Observar se há movimentos respiratórios durante 10 minutos
5. Coletar uma gasometria arterial final, a qual deve demonstrar PaCO2 > 55 mmHg
6. Reconectar o paciente à ventilação mecânica

Fonte: Elaborado pela autora.

O teste é considerado positivo para morte encefálica caso não existam movimentos
respiratórios e se a gasometria final demonstrar PaCO2 maior de 55 mmHg.

O teste de apneia realizado da maneira citada, desconectando o paciente do ventilador, leva a


despressurização das vias aéreas, de forma que pode contribuir para o estabelecimento de áreas de
atelectasias no pulmão e, consequentemente, reduzir a relação PaO2/FiO2, mesmo em pacientes
com pulmões normais. Além disso, em casos de pacientes com oxigenação mais limítrofe, não se
consegue concluir o teste, tendo em vista que a desconexão do Ventilador Mecânico (VM) pode
levar a dessaturações importantes, mesmo que a etapa de pré-oxigenação tenha sido concluída.
Tendo em vista evitar esse colapso alveolar e suas consequências, recomenda-se manter o
recrutamento alveolar durante o teste, com o uso de pressões contínuas nas vias aéreas.

A recomendação, portanto, é realizar o teste de apneia sem desconexão do VM, ajustando-o


para modo espontâneo CPAP (Pressão Contínua nas Vias Aéreas) com os seguintes parâmetros:
FiO2 a 100%; CPAP em 10 cmH2O e ventilação reserva (backup) desabilitada. Caso o ventilador
não possua o modo CPAP, uma alternativa é ajustá-lo para o modo espontâneo PSV (Ventilação
com Pressão de Suporte) com uma Pressão de Suporte (PS) em 0 cmH2O e uma PEEP em 10
cmH2O.

Observe que, como o paciente estará conectado ao VM com uma FiO2 a 100%, não há
necessidade da pré-oxigenação durante dez minutos antes da realização do teste de apneia.

Ao término do teste, deve-se ajustar os parâmetros ventilatórios para a manutenção do PaCO2


dentro dos valores normais, de 35-45 mmHg.

Como pode-se perceber, a manutenção do potencial pulmão doador já deve ser iniciada durante
o teste de apneia.

Quadro 2 – Recomendações para o teste de apneia visando a preservação pulmonar.

 Não desconectar o paciente do VM


 Ajustar o VM para modo espontâneo CPAP com FiO2 100% e CPAP 10 cmH2O (ou
modo PSV, com PS 0 cmH20; FiO2 100% e PEEP 10 cmH2O)
 Desabilitar o backup
 Ao término do teste, retornar aos parâmetros ventilatórios prévios e ajustá-los com a
meta de PaCO2 entre 35-45 mmHg

Fonte: Elaborado pela autora.

2.2 PREVENÇÃO DE PAVM

Para a prevenção de Pneumonia Associada a Ventilação Mecânica (PAVM), medidas gerais são
empregadas, as quais estão ilustradas no Quadro 3.

Destaca-se que todas elas devem ser mantidas após o diagnóstico de morte encefálica nos
potenciais doadores, para preservação do pulmão doador.
Quadro 3 - Medidas gerais para prevenção de PAVM.

 Manutenção da cabeceira elevada entre 30-45°


 Higiene oral com antisséptico três vezes ao dia
 Manutenção do balonete (cuff) traqueal com pressão entre 25-30 cmH2O
 Broncoscopia (realizar higiene brônquica; coletar culturas)
 Aspiração traqueal em sistema fechado

Fonte: Elaborado pela autora.

Todas essas práticas são igualmente importantes na preservação do pulmão doador, mas
destaca-se o uso de aspiração traqueal em sistema fechado, uma vez que essa medida impede o
desrecrutamento alveolar que ocorre durante as desconexões do paciente ao ventilador nas
aspirações em sistema aberto. Dessa maneira, consegue-se minimizar o risco de atelectasias e
consequentes reduções no índice de oxigenação.

Portanto, a recomendação é realizar as aspirações traqueais em sistema fechado.

2.3 AJUSTES VENTILATÓRIOS

Para lidar com pacientes potenciais doadores de órgãos, deve-se ter em mente de que os mesmos
devem receber os mesmos cuidados dos paciente críticos.

Diretrizes internacionais recomendam o estabelecimento de estratégias ventilatórias protetoras


nos potenciais doadores de pulmão, e muitas já incorporaram o estabelecimento de manobras de
recrutamento alveolar nos pacientes com índice de oxigenação menor que 300.

Ventilação mecânica protetora consiste em estabelecer parâmetros que possam evitar danos
secundários ocasionados pela própria ventilação e, como consequência, não agregar mais lesões ao
pulmão já comprometido.

Para o estabelecimento de uma ventilação protetora, o primeiro passo será o cálculo do peso
ideal do paciente. Esta medida pode ser obtida medindo-se a altura do mesmo por meio de uma
trena e calculando-se através da fórmula ilustrada abaixo.
Quadro 4 – Fórmula para cálculo do peso ideal.

 Homens: 50 + 0,91 x (altura em cm – 152,4)


 Mulheres: 45,5 + 0,91 x (altura em cm – 152,4)

Fonte: Elaborado pela autora.

Uma alternativa para a obtenção do peso ideal é solicitar a avaliação do serviço de nutrição
da instituição para a realização dessa medida.

Após estabelecer o peso ideal, prossegue-se aos ajustes dos parâmetros ventilatórios. Deve-
se colocar um modo ventilatório controlado, seja a pressão (modo PCV) ou a volume (modo VCV),
com meta de Volume Corrente (VC) de 6 a 8 ml/kg de peso ideal, evitando-se volumes correntes
muito altos, devido ao risco lesões como volutrauma ou barotrauma. A FiO2 deve ser ajustada para
um valor que forneça uma PaO2 maior ou igual a 90 mmHg e uma Saturação periférica de Oxigênio
(SpO2) maior ou igual a 96%.

Levando-se em consideração a suscetibilidade do pulmão a colapso alveolar pelos


mecanismos citados anteriormente, neste protocolo recomenda-se que os potenciais doadores de
pulmão sejam ventilados com uma PEEP 8 a 10 cmH2O, para evitar essas áreas de atelectasia e
consequentes quedas no índice de oxigenação.

Um parâmetro primordial a ser monitorado nestes pacientes é a driving pressure (DP), a


qual corresponde a pressão de distensão alveolar, e é o principal parâmetro que indica uma
ventilação protetora. Valores elevados desse parâmetro estão fortemente associados a maiores
chances de lesões pulmonares induzidas pela ventilação mecânica. A recomendação é manter a
driving pressure em um valor menor ou igual a 15.

Driving pressure é calculada através da diferença entre a pressão de platô e a PEEP. A


pressão de platô corresponde a pressão de equilíbrio no sistema respiratório na ausência de fluxo.
Estabelecendo-se uma pausa inspiratória no VM de 3 segundos, a mesma é automaticamente
calculada pelo VM e mostrada em sua tela. A recomendação é manter a pressão de platô em um
valor menor ou igual a 30 mmHg.
Caso a pressão de platô e a DP estejam em valores acima dos recomendados, deve-se reduzir
o VC para que as pressões nas vias aéreas sejam minimizadas, adotando-se como valor mínimo 6
ml/kg de peso ideal.

Quadro 5 – Recomendações para os ajustes ventilatórios.

 Ajustar o VM para modo PCV ou VCV


 Meta de VC: 6-8 ml/Kg de peso ideal
 Ajustar a FiO2 para uma meta de PaO2 ≥ 90 mmHg e SpO2 ≥ 96%
 Meta de PEEP: 8-10 cmH20
 Calcular pressão de platô através de uma pausa inspiratória no VM
 Meta de pressão de platô: ≤ 30 cmH2O
 Calcular a driving pressure (pressão de platô – PEEP)
 Meta de driving pressure: ≤ 15

Fonte: Elaborado pela autora.

Após o estabelecimento destas estratégias ventilatórias, deve-se realizar uma gasometria


arterial e, caso o índice de oxigenação apresente-se menor que 300, recomenda-se a realização de
uma manobra de recrutamento alveolar. Alguns autores advogam que a manobra de recrutamento
deve ser realizada rotineiramente como estratégia ventilatória preventiva, não apenas naqueles com
índice de oxigenação reduzido. Porém, tendo em vista que muitos profissionais não estão
familiarizados com a mesma, este protocolo opta pela realização do recrutamento apenas nos
pacientes com oxigenação reduzida.

Com o objetivo de uniformizar a rotina nas unidades que trabalham com potenciais
doadores, este protocolo propõe uma manobra de recrutamento simples, de fácil execução e com
baixos riscos de efeitos adversos, podendo a mesma ser realizada por médicos e/ou fisioterapeutas
menos experientes em ventilação mecânica.

Contraindica-se a manobra em pacientes instáveis hemodinamicamente, com noradrenalina


em uma dose maior que 0,5 mcg/kg/min e em pacientes com evidência de pneumotórax e/ou
pneumomediastino.
Deve-se realizar uma radiografia de tórax do paciente antes e após a manobra de
recrutamento, com o objetivo de avaliar a presença de pneumotórax e/ou pneumomediastino, e
também para avaliar a melhora radiográfica após sua realização.

A manobra consiste na colocação do paciente em modo ventilatório controlado a pressão


(PCV), com uma PEEP de 15, uma FiO2 100% e uma pressão controlada (PC) que forneça um
volume corrente de 6 a 8 ml/kg de peso ideal, sendo o valor máximo de PC de 15, para que a
pressão nas vias aéreas não ultrapasse 30 cmH2O. Manter o paciente nesses parâmetros por 2 horas
e, após o término, realizar uma nova gasometria arterial para comprovar o ganho de oxigenação e
retornar o paciente aos parâmetros prévios.

A cada desconexão do ventilador a manobra deverá ser repetida, uma vez que as
desconexões geram despressurização das vias aéreas, perdendo-se então o recrutamento. Por isso,
deve-se fazer um máximo esforço para se evitar desconexões, exceto se estritamente necessárias,
como a desconexão para a realização de broncoscopia.

Quadro 6 - Etapas para a realização da manobra de recrutamento alveolar.


1. Realizar uma radiografia de tórax inicial
2. Não realizar a manobra se presença de pneumotórax/pneumomediastino e/ou
instabilidade hemodinâmica
3. Colocar o VM no modo PCV com meta de VC 6-8 ml/kg, sem ultrapassar a PC
máxima de 15 cmH2O
4. Aumentar a PEEP para 15 cmH2O e a FiO2 para 100%
5. Manter esses parâmetros por 2 horas
6. Realizar uma gasometria arterial (comprovar o ganho de oxigenação)
7. Retornar o VM aos parâmetros prévios
8. Realizar uma radiografia de tórax (avaliar melhora radiológica ou a presença de
complicações: pneumotórax/pneumomediastino)
9. Lembrar de realizar a manobra toda vez que houver desconexão do VM

Fonte: Elaborado pela autora.

3. CONCLUSÕES

Simples modificações nos cuidados aos potenciais doadores de pulmão, como a realização
do teste de apneia em modo CPAP, o uso de sistema de aspiração fechado, a aplicação de
estratégias ventilatórias protetoras e o recrutamento alveolar apresentam um impacto clínico
significativo na preservação do pulmão para transplante.

Considerando as baixas taxas de aproveitamento de pulmões doadores no Brasil, torna-se


essencial a implantação desse protocolo de maneira multidisciplinar nos centros que atuam com
pacientes potenciais doadores de pulmão tendo em vista melhorar as taxas de doadores viáveis e,
dessa forma, reduzir a fila de espera dos receptores.
REFERÊNCIAS

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APÊNDICES

Figura 1 – Cuidados com o potencial doador de pulmão.

Fonte: Elaborado pela autora.

Figura 2 – Recrutamento alveolar.

Fonte: Elaborado pela autora.

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