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O DIREITO COMO ELEMENTO DE TRANFORMAÇÃO SOCIAL:

DIÁLOGO ENTRE UM PROFESSOR E SEU ALUNO.

ALUNO: Desde o advento da Constituinte de 1988, sua aprovação e


regulamentação, o país tem mergulhado num espiral de conflitos de
governabilidade sem igual, é inegável a forma com que as estruturas
Republicanas de Gestão do Estado têm se mostrado inaptas em acompanhar
todas as evoluções ocorridas. Num momento em que a globalização se mostra
cada vez mais contundente, disseminando a informação de forma ampla e
acessível a todos, os entes estatais parecem cerrar os olhos à nova realidade,
onde o cidadão comum de posse deste verdadeiro arsenal de informações tende a
assumir um papel muito mais crítico do que tinha há apenas alguns anos atrás.
Passando rapidamente pelas muitas causas prováveis desta perda de rumo,
podemos observar que algumas delas, dado ao seu caráter geral, são mais
evidenciadas e conseqüentemente mais exploradas teoricamente pelos autores,
as quais passaremos a analisar sucintamente.

PROFESSOR: Sendo certo ainda que, nos estreitos limites do


presente “diálogo” não nos permite aprofundamento teórico sobre os temas
propostos, mesmo porque, cada tema aqui proposto e sucintamente
debatido é fruto de inquietações e inconformações de ambas as partes
debatedoras, afloradas em um momento de transição paradigmática onde
se abandona o radicalismo do positivismo, adentrando de forma agressiva
no âmbito do Neoconstitucionalismo (sic), aspirações pessoais das partes
inerentes à forma de ensino adotada nas cadeiras acadêmicas da
graduação, demonstrando assim a necessidade de que dogmas e
aspirações sejam repensadas, sempre, objetivando alcançar o inalcançável,
a perfeição jurídica, essa utopia que nos leva a buscar cada vez mais o
aprendizado, a critica e a sistematização de todo o ordenamento jurídico,
não só como norma escrita, repetidora de casos já previamente definidos,
mas como forma transformadora da sociedade assumindo assim
importância política do nosso agora e principalmente do futuro.

1. Estagnação Política

ALUNO: O sistema político brasileiro, após apenas 22 anos de


promulgação da constituição de 1988, demonstra claramente um desgaste
institucional irreparável. A incapacidade dos partidos Políticos de agregar valores
de interesse social, a gritante desproporcionalidade dos interesses sociais versus
interesses corporativos dentro do congresso nacional e demais casas legislativas,
onde os ideários do real desenvolvimento econômico, político e social, sem falar
nos aspectos de desenvolvimento cultural e ambiental, a serem abordados com
mais detalhes posteriormente, são ao meu ver, subrepresentados. Enquanto isto
nos estados, as forças oligárquicas, assustadoramente ainda imperam,
conseguindo sempre o quorum de representantes que necessitam, impondo as
suas “próprias razões” em detrimento de tudo e de todos, verdadeiro cancro cujos
interesses se perpetuam eternamente, interesses regionais conflitantes que
secularmente obstam o entendimento nacional. Este verdadeiro caos político é
potencializado em ano eleitoral, onde mais do que nunca, contrariando a premissa
de que "todo poder emana do povo" fica evidenciada a superposição dos
interesses particulares em detrimento dos sociais, a começar do nosso máximo
dignitário!

PROFESSOR: Observa-se das colocações acima expostas a


angustia de quem parece ver aquilo que ninguém (políticos e autoridades
no geral) vê. Expectativas frustradas, direitos suprimidos, inversão de
valores e submissão daquilo que era pra ser o ponto central a ser
perseguido. Indistintamente, parece retrocedermos ao denominado por
Norberto Bobbio como “Maquiavelismo” onde o que importa é a vontade do
“Príncipe”, aqui representado pelos governantes, e não a do povo , ele (s) e
seu (s) interesses, é o que mais importa, seu (s) querer (s) são as leis,
aquilo que deve ser respeitado e seguido, estamos diante de um verdadeiro
“estado totalitário” onde o poder é soberano a tudo, e defino como poder, o
dinheiro, a posição social, e principalmente o cargo publico de autoridade a
ser exercido, tratado e conduzido em prol do “Príncipe”. Com isso observe a
real inversão de valores, parece absurdamente que voltarmos às eras
obscuras e fétidas de nossa historia política, onde o povo, e só o povo,
gente, ou porque não, coisa, sem valor, deve-se submeter indistintamente e
totalitáriamente aos fins pessoais, almejados pelas autoridades publicas.
O fato de estarmos em ano eleitoral, em nada muda, apenas infla,
a expressão demagoga e mesquinha de enaltecer e priorizar o povo. Mera
hipocrisia eleitoral. Tudo para ser o próximo “Príncipe”.

2. Desenvolvimento econômico versus Legalidade

ALUNO: O país passa atualmente por um grande dilema entre a


legalidade e o desenvolvimento econômico, por exemplo, recentemente TCU E
MP tiveram suas recomendações de paralisação de obras do PAC, contrariadas
pelo Planalto, que removeu várias obras públicas com suspeita de
superfaturamento, sobrepreço e critérios de medição inadequados da chamada
"lista Negra", esta crise de identidade do Brasil não pode passar incólume pelo
crivo da história, o país necessita realmente de estruturação econômica de forma
a poder competir no cenário mundial em pé de igualdade com os outros
emergentes, porém a que custo? Em detrimento do sistema legal e do estado
democrático de direito? É um absurdo vermos, a despeito da legalidade e em
nome do desenvolvimento econômico, os diplomas legais sendo vilipendiados por
interesses alienígenas, pois as irregularidades de uma obra bilionária não podem
ser ignoradas. É, no mínimo, temerária a destinação dos recursos sob suspeita,
vivemos uma democracia representativa ou na verdade um sistema de exceção
travestido de democracia? Perdemos completamente a racionalidade decisória,
esquecemos os princípios básicos da administração pública, onde está a
legalidade, a eficiência? A premência de um pretenso desenvolvimento econômico
poderá sublevar os sagrados princípios antes citados e este é realmente o único
caminho do desenvolvimento? Sem dúvida o caminho da legalidade sempre será
o melhor, o mais seguro, por mais demorado que seja, principalmente porque a
exigüidade do tempo apregoada pelo executivo se deve sim a proximidade
eleitoral, e não ao comprometimento com o desenvolvimento nacional. Chegamos
a um ponto onde as contradições se retroalimentarão indefinidamente se não
iniciarmos um processo de desfragmentação da lógica de atuação do Estado
Brasileiro, através da adoção de um padrão de juridicidade realmente
constitucional, devemos recorrer sempre ao texto constitucional ou ter a coragem
mudá-lo de forma a atender as modernas demandas estatais, o que não podemos
é nos acostumar as inconstitucionalidades cada vez mais constantes, as quebras
do ordenamento jurídico em função dos interesses mais variados sob a premissa
da falta de contextualização da Constituição Federal, Respeite-a ou mude-a!

PROFESSOR: Nunca antes na historia desse pais, se falou tanto


em desenvolvimento sustentável ou mesmo, em estabilização da economia,
isso muito nos alegra, desde que não viole ou destrua aquilo que por
décadas, ou melhor, séculos construímos, um Estado Democrático de
Direitos, sendo seu significado a submissão não só da população como
também do próprio Estado às leis, inúmeras vezes vejo o Estado ser
confundido, misturado, com o Governo, privilegiando aquilo que se diz ser
importante, como se a conquista histórica de uma Constituição democrática
e suas bases estruturais fossem resumidas a um segundo plano de
priorização. Devemos tomar cuidado ao falarmos de violação de regras, que
se limita a leis formalmente constituídas, a regra, possui, um sentido mais
abrangente, que como afirmo Robert Alexy, são elevadas a patamares de
gênero, sendo assim, leis e princípios são tidos também como regras, o que
se deve priorizar não é apenas o que está literalmente expresso em uma
lei, deve-se levar em conta a sua origem o seu objetivo o seu contexto,
aquilo que visa abranger. Os Princípios de Direito, verdadeiros alicerces de
nosso ordenamento jurídico, são diariamente desprezados, para não me
delongar ainda demais, cito por todos, a MORALIDADE parece ser norma
vazia, sem conteúdo, pois nunca é respeitada e quando invocada é
descartado sob a pífia afirmação de que é muito genérica sua definição, ou
seja, rasgue-a e queime-a, pois pra nada serve, mesmo porque, o que
importa é a vontade do “Principe”.

3. Desagregação Social

ALUNO: No bojo de toda esta crise institucional está a desintegração


do sistema social, onde a quantificação da miséria tornou-se moeda de troca
política: quanto mais pobre maior controle estatal e maior a dependência social
dos ditos "programas", sem contar no destrutivo processo de "proletarização" da
classe média a qual nunca sofreu tanto quanto nos últimos anos pilhada pelo peso
dos impostos e sitiada dentro de seus lares, temendo a perda dos poucos
recursos que lhes restou. O recrudescimento da violência nos grandes centros
urbanos e o descrédito pelas instituições criou uma glamourização da violência,
uma verdadeira cultura da justiça com as próprias mãos, bem como a
desconsideração pelos direitos humanos em que grupos de extermínio, milícias e
congêneres, constituem uma das trágicas seqüelas da desagregação social.

PROFESSOR: Planos assistencialistas são importantes, são,


distribuem rendas e levam a esperança aos que jamais tiveram antes, mas
será que apenas isto basta? Parece-me óbvio que não, após este fato,
deveria o mesmo ser “substituído” por uma qualificação, cultuar a
valorização daquilo que se recebe, incentivar a não estagnar sob a
afirmação de que está bom, antes não havia nada, agora temos algo.
Chega, não somo alienados a ponto de nos satisfazermos com esmolas,
igualdade social não é dar um trocado aqui e outro ali, a sociedade grita,
em voz bem alta, por educação, saúde, emprego, dignidade, respeito e
outros mais. Não podemos resolver problemas de segurança publica com o
direito penal, a imposição de sanções severas, ou será que estou errado
em pensar que prevenir é melhor que remediar, educar é melhor que
prender e cuidar com respeito é melhor que descriminar. Por um acaso o
filho do “Príncipe” estuda em escola publica, se consulta pelo SUS e
enfrenta filas em busca de um emprego?

4. Descaminho Cultural

ALUNO: Também não poderíamos deixar de citar a constante


desmobilização cultural sofrida pela população, há uma contundente crise de
motivação nos meios culturais, a fecundidade cultural em todos os meios nunca
esteve tão estagnada, as classes mais baixas da população, que sempre foram
caracterizadas pela pródiga produção cultural, trazendo a lume nomes perenes no
cenário cultural até os dias de hoje, se limitam a reproduzir batidas ininteligíveis e
corpos nus num verdadeiro "Império dos sentidos" não há mais a poesia do
samba, das modas de viola e da seresta, neste mesmo contexto não há espaço
para os verdadeiros movimentos sociais. Aonde caberia o censo de coletividade
num meio de culto as sensações individuais, não é de se admirar que a
intolerância social nunca foi tão marcante, estampada diariamente nas páginas
dos noticiários. Tal postura individualista do ser humano, toda esta desmotivação
é em grande parte responsabilidade do estado que ao furtar-se de suas
responsabilidades, deixa o homem a sua própria sorte, não direcionando políticas
culturais e conseqüentemente não aguardando resultados, nada se pede e
também nada se faz.
PROFESSOR: Cultura, só se for a da “lei de Gerson – se dar bem
a qualquer custo”, nada se produziu, vivemos do passado, verdadeiramente
“governados pelos mortos”, pois os vivos parecem que não existem, exceto
as exibições maciças de corpos nuns completamente “modificados
cientificamente em laboratórios” não se fala ou mesmo se mostra outra
coisa, além disso, raras são as expressões culturais que levam um mover
emotivo de nosso pensar, dói, pensar na cultura atual, pois é vazia, escassa
de conteúdo, completamente aculturada, sem incentivo, sem investimento,
hoje a cultura é sub julgada como coisa secundaria, sem valor expressivo,
onde com isso se manipula a todos a focarem aquilo que querem que se
preocupem. Talvez um dia veremos isso mudar!

5. Equívoco Ambiental

ALUNO: Como alguém que se sente sozinho, desamparado pelo


estado se comportaria com relação ao ambiente em que vive? Ao vermos as
encostas dos morros pilhadas de lixo, por vezes indignamo-nos, porém como
racionalizar os óbices ambientais sem antes darmos soluções ao cidadão, que por
vezes não se sente como tal, a implementação de políticas publicas na área
ambiental, pecam por omitirem uma variável de suma importância na equação da
preservação ambiental: o ser humano! Despoluem-se as águas, porém o homem
continua na sub-moradia, sem saneamento e nem coleta de lixo, sem escola e
sem emprego, objetiva-se mais o "néon" da placa de inauguração do que a
moradia digna ao ser humano. Coíbe-se o desmatamento, encarcera-se o
lenhador e o madeireiro continua livre, onde estão as alternativas de emprego ao
lenhador, ao carvoeiro? E o menor semi-escravizado, onde estudará? Torno a
repetir, toda a política ambiental é nula se não passa em primeiro lugar pela
dignidade do homem!
PROFESSOR: O “Príncipe” encontrou a melhor forma de se livrar
da responsabilidade das conseqüências de catástrofes ambientais “o povo
suja as ruas e entope os bueiros com sua falta de educação”, ou seja, a
culpa é do povo, não é da falta de estrutura de uma grande cidade, que
cresce desordenadamente, não é dos responsáveis pela manutenção e
criação de novos mecanismos de tratamento e escoamento d’água, não é
daqueles a quem compete zelar pelo bem estar social e cultural, a falta de
educação do povo também não é das autoridades, pois pelo visto, de
acordo com as afirmações por eles prestadas, educação eles dão. Enfim.
Acho que na verdade, a culpa realmente é do povo, que insiste em insistir
nessa forma de administração publica.

6. Causas Históricas

ALUNO: Ao verificarmos todos os óbices aqui apresentados, temos a


certeza de que somente a história pode explicar um estado atual de coisas de tão
grande gravidade. De forma realista, sabe-se que sempre as elites foram as
responsáveis pelos destinos do povo, pelos rumos tomados por uma nação ora
em formação, ao retrocedermos no tempo, podemos constatar que a forma de
colonização do Brasil influiu preponderantemente na maneira em que nos
apresentamos hoje como povo, como é a nossa personalidade enquanto Estado
Independente, interna e externamente. Nosso país surgiu como colônia de
exploração e durante 30 anos após o seu descobrimento não despertou interesse
da coroa Portuguesa, somente após a ameaça iminente de perda total do território
para França e Holanda é que a decisão de colonizar foi tomada, exatamente por
não possuir atrativos econômicos, fato somente superado através da exploração
do Pau-Brasil. Sucedem-se então no Brasil - Colônia, vários ciclos econômicos,
caracterizados exclusivamente pelo exaurimento dos recursos naturais pátrios em
face da coroa portuguesa, sem preocupação alguma com a Colônia propriamente
dita. Capitanias Hereditárias, A União Ibérica e a conseqüente Expansão
Territorial através dos Bandeirantes e os Vice-reis, culminando na vinda da
Família Real em 1808, tudo motivado pela política colonial de Exploração, e após
a "Independência" em 1822 surge um novo Estado, com características bem
peculiares, onde a união entre a tradição agrária/extrativista une-se a corrupção
estatal, prática portuguesa muito bem aprendida, e posta em uso até os dias de
hoje, que já àquela época dava bem seus ares, tornando-nos desde a origem um
estado dependente e corrupto, agora das potências emergentes: Inglaterra e EUA,
o último ao qual ainda hoje prestamos reverência, a despeito da resistência de
alguns em admitir tal fato. Somente adentramos a Revolução industrial nos anos
30 do séc. XX, curiosamente pelas mãos de um ditador e desde então vivemos
nos altos e baixos das tentativas isoladas de nos livramos da herança maldita de
séculos de exploração, levantando e tombando em meio ao descaminho de
recursos, corrupção, falta de amor ao verdadeiro sentido de pátria, pois todos os
nossos destinos foram traçados por terceiros, e nós povo, sempre nos
conformando em assistir a distância às ditas "revoluções" (todas elas!), salvo
raríssimas exceções. Me pergunto o porquê dos maiores rompantes de
desenvolvimento de fato deste país terem sido engendrados através de líderes
populares, independentemente do tempo, avessos quase sempre à discussão
democrática e a um custo altíssimo para a sociedade seja em termos de
supressão das liberdades individuais, seja da dilapidação do erário público ou de
ambos, será que sempre teremos que pagar tal preço pelo desenvolvimento?
Quando nossas instituições democráticas estarão maduras o suficiente para
promover o Brasil sem o efeito colateral de ônus sociais tão altos e sem a
necessidade do famigerado populismo? Estamos acostumados a estar à margem
das decisões, pois sempre há alguém "mais preparado" para tomar as grandes
decisões em nome do povo, que tem sua parcela de culpa no imediatismo egoísta
do colonizado, mas também foi cuidadosamente mantido inculto, marginalizado de
todos os processos políticos da história brasileira, com a única razão de obedecer
sem questionar os jugos que lhes eram impostos. Hoje em pleno séc. XXI ainda
há quem não enxergue que o Brasil só será passado a limpo quando uma parcela
significativa da sociedade participar de fato do processo político, finalmente
subjugando a maldição da colônia. Como isto se dará, somente o tempo e a
educação dirão.

PROFESSOR: Comparo esse retroceder histórico como de suma


importância para com nossa realidade, a historia, e somente ela, nos diz
quem somo, de onde viemos, e para onde vamos, passamos, por todas as
etapas evolutivas de uma sociedade totalitarista, déspota, rumo a uma
qualificação libertária, democrata, preocupada em um primeiro momento
com a dignidade da pessoa individualmente considerada (direitos
fundamentais de 1ª geração), visando proteger sua liberdade, dos ataques
déspotas governamentais, conseqüentemente passamos uma nova fase de
proteção de nossos Direitos Fundamentais, a contra prestação estatal, onde
o Estado passa a ser o responsável em priorizar direitos como também a
protegê-los de forma eficaz, no atual estágio em que nos encontramos,
estamos na era dos direito Fundamentais de 3ª geração, onde se busca a
proteção e respeito aos direitos sociais, tudo isso, fruto de um percurso
histórico, de evoluções filosóficas, jurídicas, sociais e políticas. Com isso,
vê-se a importância da história, das origens remotas e próximas de nossa
cultura em um todo, nosso passado não profetiza nosso futuro, devemos
sim, pleitear, lutar e esbravejar por uma história digna, onde a luta
incansável pela melhoria foi marco inspirador nas batalhas.
O estado liberal com a abertura dos portos e livre comercialização
de produtos foi apenas a mola propulsora de toda essa trajetória histórica,
mesmo antes de sermos descobertos, o que ocorre, em meu ponto de vista,
é a falta de interesse governamental e mudar o rumo dessa história,
cabendo novamente a nós, povo brasileiro, entrarmos no campo de batalha,
e lutarmos com todas as forças, para só assim, podermos ver nossos
anseios saciados.
7. O Papel Transformador do Direito

ALUNO: Depois de todo este contexto apresentado, adentro a seara do


Direito questionando: a que se destina o papel do Direito nesta sociedade? Qual
sua finalidade, seu objetivo? Seria ele um mero reprodutor desta realidade social,
que utiliza formulas prontas e doutrinas muitas vezes alienígenas à nossa verdade
social? O que se observa ultimamente é uma verdadeira enxurrada de
pensamentos arcaicos, despejados voluptosamente no mercado em função da
recente demanda editorial. Preocupante o fato de que a grande maioria das ditas
“doutrinas” em nada tem de originais, tratam-se meramente de reproduções de
verdades prontas e reconhecidas como inquestionáveis, que poucos se atrevem a
contestar ou inovar sob o risco de desmoralização, pois surgiram das idéias dos
“saudosos” grandes mestres A, B ou C! Não estaríamos nós operadores do direito
desviando-nos da finalidade mais nobre da causa, que é utilizar o Direito como
elemento de Transformação social e não como mantenedor do estado atual das
coisas? .
Não estou aqui cometendo a heresia de invalidar a contribuição
dos grandes mestres, mas preocupa-me a aparente crise legal que vivemos
hoje em dia, crise esta que, verdadeira ferida aberta no tecido social, talvez
seja oriunda do comodismo intelectual a que nos submetemos, pois
estamos limitados a apenas absorver um conhecimento “requentado” sem
questionar a sua contextualidade, temos que aprender a separar o “joio do
trigo...”.
Todas as grandes transformações ocorridas na história humana,
desde a Queda da Bastilha e a Revolução Industrial, receberem em seu
seio a contribuição ativa dos Operadores do Direito que ao questionar as
ditas "verdades universais" e, sobretudo revestidos de coragem,
enfrentaram pensamentos modais e atitudes rotineiras da sociedade vigente
por vezes com o sacrifício da própria vida. Ocorre-me que sendo a História
da humanidade cíclica, vez por outra cabe ao Operador do Direito, causar
agitação na "água do poço" de forma a forçar as pessoas a reverem seus
conceitos e alterarem o "in statu quo res erant ante bellum" através do
PENSAMENTO E DA PALAVRA. Assim sendo, se nos limitarmos somente
a acatar e reproduzir cegamente o pensamento alheio estaremos negando o
caráter transformador histórico do nosso sacerdócio.
É muito interessante observar que embora o Fenômeno do
Direito emane obviamente do seio da sociedade e preexista até à idéia de
Estado, muitos ainda insistem em elevar a materialidade do fenômeno
Jurídico a um patamar exagerado, ignorando a subjetividade que lhe é
característica. Ora, o ser humano é na sua essência subjetivo! Seria
extremamente simplista afirmar que Direito é somente a Fria Letra, a Coisa,
O Fato ou O Procedimento, também o é! Mas, principalmente, Direito são as
pessoas e as pessoas mudam, mudam de opinião, de humor, de lugar, etc.
O direto será sempre um canal de mudanças enquanto oriundo do "querer
coletivo", como ensina Miguel Reale em suas Lições Preliminares de
Direito.
Talvez exatamente por conseguir exprimir a vontade humana,
assuste tanto a idéia de discussão, que longe do sentido pejorativo
proporciona um embate Intelectual, construindo "novas metas e meios
sociais" nas palavras de Robert King Merton em sua obra Estrutura Social e
Anomia. É essa a função transformadora do Direito, a qual atende aos
anseios da população, e que longe das verdades comerciais proporciona
um Norte para a sociedade, e quem tem a bússola nas mãos somos nós
operadores do Direito!
Essa influência do direito na realidade, tem efeitos concretos na
nossa história recente, um bom exemplo é o dado pelo juiz Pernambucano
Pierre Couto Maior Coutinho de Amorim: "Exemplo claro da possibilidade de
influência do direito, agora na acepção objetiva/subjetiva, está na aplicação do
Código de Defesa do Consumidor, lei n. 8.078/90. Notou-se uma grande mudança
na qualidade dos bens de consumo colocados no mercado após a validade e
vigência desta lei. O consumidor brasileiro passou a exigir em maior grau um bom
nível na qualidade dos produtos e uma conduta mais ética dos fornecedores
desses bens. E quando não adimplidas essas exigências, os juristas aplicaram as
sanções previstas, o que terminou por modificar o meio social." O nobre jurista
aqui afirma que a atuação objetiva do Direito do Consumidor, resposta estatal ao
clamor social, terminou por modificar condutas, alterou objetivamente o dia-a-dia
da população, que até então sofria com a falta de qualidade de produtos e
serviços e a partir da vigência do novo diploma experimentou uma mudança
radical da referida qualidade.
De fato, ainda há muito a ser explorado e definido nesta seara: a
real valoração dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, uma
Nova Hermenêutica Constitucional, Civil, Penal, etc. Tudo isto, em face da
nova sociedade que se apresenta, têm ainda um ideário difuso, e talvez
este seja um dos principais motivos, pelo qual o culto à forma e ao objeto
ainda estejam tão presentes, subestimando a vastidão do universo das
interações socioculturais. Cabe-nos então, lutar pela incorporação mais
célere da dignidade humana às normas, seu reconhecimento pela ordem
jurídica e pelo mundo acadêmico, trazendo cada vez mais as questões
sociais a lume e demovendo seus opositores (que não são poucos) do
cômodo e seguro “berço esplêndido”.

PROFESSOR: Por muito tempo a comunidade jurídica, estagnou,


ao ater-se à denominada pseudodoutrina, ou seja, pensam que doutrinam,
manuais meramente repetitivos, como se estivessem se acovardando frente
a realidade transformadora que é o direito, limitando-se a transcrever o que
se escreveu, sem pesquisa, sem cultura, sem interesse em ensinar, apenas
interesse em vender. Infelizmente, vivemos um verdadeiro “estelionato
intelectual”, não no sentido jurídico da palavra, mas em seu sentido social.
Certa vez ouvi, de forma infeliz um dito “doutrinador” afirmar que, “mente
aquele que diz não temer se contradizer”, ora, somente se contradiz aquele
que pensa, escreve e evolui, assim já afirmava o professor Paulo Nader.
Logo, apenas aqueles que pensam, evoluem e logicamente estudam é que
podem fazer a diferença dentro deste contexto em que vivemos.
Quanto ao fato de estarmos vivenciando uma crise intelectual,
remeto ao dialogo acima já firmado.
A titulo conclusivo desse diálogo, tão inspirador e rico em
informações, argüições e expressões de revolta, ou melhor, indignação com
a realidade atual que circunda nossos sombrosos dias, deixo uma
expressão, muito eloqüente que talvez seja a mais realista e definidora
dessa história. Boaventura de Souza Santos dizia: “é, pois, justificado a
advertência sobre descobrirmos com atraso o que sabíamos quando nos
considerávamos atrasados”.
Ora, sejamos óbvios com nossa realidade, pois a meu ver, o
objetivo desta estagnação social, jurídica e política, redundará em objetivos
predominantemente destruidores, mantendo a presente ordem, e até
mesmo subvertendo o resquício da política democratizada alcançada pelas
lutas e vitórias mostradas por nossa história.
Passar bem, e que seus anseios sejam apenas, como um
instrumento de alcance intelectual, “nunca antes visto na historia desse
pais”!
Forte abraço!

Thiago Minagé, Advogado e Professor


Davi de França Ribeiro, Graduando em Direito

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