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C APÍTULO 3

Currículo na História da Educação


Brasileira

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33Identificar os principais movimentos curriculares na História da Educação brasileira.

33Sistematizar as influências da história do currículo, no Brasil, no fazer pedagógico


da educação básica.
Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

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Currículo na História da
Capítulo 3
Educação Brasileira

Contextualização
Já compreendemos que há uma polissemia de conceitos em torno do
currículo escolar, já percorremos seu histórico, caracterizamos suas teorias e
seus paradigmas, que vem demarcando este campo de estudos, desde seu
surgimento até a atualidade. Consideramos que você já está bem situado em
relação a esta disciplina. A partir de agora, convidamos você para seguir um
itinerário histórico sobre o currículo escolar no Brasil, pois pretendemos que,
durante esse percurso, você possa se sentir preparado para caracterizar os
principais movimentos curriculares na história da educação e sistematizar as
suas influências no fazer pedagógico da educação brasileira.

Neste capítulo, você verá como cada movimento histórico do currículo,


nos Estados Unidos, exerceu influência direta no contexto da educação
brasileira e, deste modo, do currículo escolar. Abordaremos, primeiramente
os movimentos históricos que demarcaram o campo no Brasil e, em seguida,
caracterizaremos as influências destes movimentos no fazer pedagógico da
educação básica.

Movimentos Históricos do Currículo na


Educação Brasileira
Consideramos que a caracterização histórica é fundamental para nos
situarmos melhor neste campo, mas acreditamos que isto fará em melhor
nível a compreensão de sua própria identidade (personalidade) e de quanto
os processos formativos, proporcionados pela escola, tem exercido influência
sobre ela. Dessa forma, é possível afirmarmos que os currículos escolares
não são artefatos neutros e/ou desinteressados, mas eles têm sim:

[...] uma existência à parte dos homens que os criam.


Currículos são, sim, invenções sociais, como as cidades ou
os partidos políticos (Young, 1971). Todo currículo, como
bem acentuou Williams (1984), implica numa seleção da
cultura, num conjunto de ênfases e omissões, que expressa,
em determinado momento histórico, o que se considera ser
educação. (MOREIRA, 1990, p. 213).

Os currículos são
Dito isto, queremos afirmar que os currículos são historicamente
historicamente
construídos e carregados de intencionalidades, valores, conteúdos, construídos e
entre outras coisas. Isto pode ser observado pelas reformas educacionais e carregados de
curriculares, promovidas em diferentes momentos históricos, as quais têm sido intencionalidades,
direcionadas de acordo com as necessidades econômicas, sociais, políticas, valores, conteúdos,
ou atendendo a outros interesses; ou seja, pelas formas de produção de um entre outras coisas.
sistema capitalista, conforme já vimos nos capítulos anteriores.
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Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

Atividade de Estudos:

Você já havia pensado nisso antes? Que, quanto ao seu jeito ou


modo de ser, você pode atribuir a educação escolar: aos currículos,
aos professores, aos colegas de turma, entre outras coisas?
Quando você lembra da agência escola, como você a descreve?
Quanto essas coisas marcaram ou moldaram a sua personalidade?
Reflita um pouco e tente responder a esses questionamentos no
quadro a seguir.
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Como sugestão, assista ao filme O sorriso de Monalisa, que


dá uma ideia como esta questão é abordada.

Você conseguiu identificar o quanto da escola há em você? Que


valores você carrega como princípios norteadores para sua vida? Estão
eles relacionados com o mundo da escola, ou não?

Assim como nós sofremos influências da escola e de outras agências


formativas, os currículos escolares também sofrem e, de vários contextos. No
caso do Brasil, no campo educacional, especialmente no campo do currículo,
a educação brasileira sofreu enorme influência dos modelos curriculares Norte
Americamos. Nas palavras de Moreira (1990, p. 13), “a influência americana
no campo do currículo brasileiro é enfatizada em diversos estudos” , e várias
A gênese do
“[...] teorias e práticas curriculares surgem em nosso país como resultado de
campo do currículo
brasileiro foi uma transferência dos Estados Unidos.”
demarcada pela
transferência de Você está nos acompanhando? Então, vamos ao nosso itinerário!
teorias e movimentos
curriculares dos Tomando por base alguns teóricos da literatura de currículo brasileira
Estados Unidos. (LOPES, 2002; MACEDO, 2002; PEDRA, 1997; MOREIRA, 1990), a gênese

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Educação Brasileira

do campo do currículo brasileiro foi demarcada pela transferência de


teorias e movimentos curriculares dos Estados Unidos. Isso significa que
as bases epistemológicas e teóricas do currículo, no Brasil, são importadas; ou
seja, são estrangeiras. Então, se constata que:

A inteligência nacional não conseguiu criar pensamento


autônomo sobre o currículo [...]. Assim, não restaram muitas
alternativas senão a de buscar nos textos norte-americanos
o conteúdo e a forma do pensar e fazer currículo. Isso
não significa dizer que houve uma mera transposição do
pensamento norte-americano para o contexto brasileiro.
Significa tão-somente que as raízes teóricas do pensamento
brasileiro sobre o currículo não são nativas, mas estrangeiras.
(PEDRA, 1997, p. 33).

As origens do campo do currículo no Brasil estão diretamente relacionadas


ao pragmatismo norte-americamo, representado por Dewey e Kilpatrick,
conforme já vimos na primeira unidade. Essas ideias foram aqui difundidas
pelo movimento dos pioneiros da Escola Nova. Com base na escola
progressiva de Dewey, os escolanovistas buscavam, segundo Moreira (1990,
p. 82), “[...] superar as limitações da antiga tradição pedagógica jesuítica e
da tradição enciclopédica, [...] e esforçaram-se por tornar consistente o quase
inexistente sistema educacional com o novo contexto”.

O movimento dos pioneiros da Escola Nova foi


caracterizado pela busca de superação da escola tradicional,
pouco democrática e voltada à memorização de conteúdos.
Suas principais características são: educação integral, voltada
para o desenvolvimento intelectual, físico e moral; educação
ativa e prática, com obrigatoriedade de trabalhos manuais;
desenvolvimento da autonomia e ensino individualizado.

Este movimento representou, para o campo do currículo, uma tentativa


de ruptura; ou seja, um rompimento com princípios tecnicistas, buscando
modernizar métodos e estratégias de ensino e avaliação. Não obstante, suas
ideias estavam também relacionadas à educação das massas; ou seja, a
democratização do ensino escolar e da relação professor-aluno, tendo em
vista que o foco do currículo centrava-se no aluno. Obviamente que este
movimento também representava outros preceitos em relação à educação
(inclusive tecnicistas) porque:

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[...] os pioneiros não formavam um grupo homogêneo: suas


tendências variaram desde uma proposta liberal conservadora
a uma posição mais radical. [...] as sementes tanto das
orientações críticas do início dos anos sessenta, que utilizaram
alguns elementos e princípios da metodologia da Escola Nova
nas propostas de instrução das massas, como do tecnicismo
dos anos setenta, estavam implícitas no corpo teórico adotado
e desenvolvido pelos pioneiros. (MOREIRA, 1990, p. 82-83).

De modo mais informal, pela militância de um grupo de educadores
brasileiros é que tivemos os primeiros marcos do currículo no Brasil. No
entanto, de modo formal ou institucional, os primeiros marcos se deram pela
movimentação do atual INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais e pelo PABAEE – Programa de Assistência Brasileiro-Americana
à Educação elementar; porém, ambas as iniciativas foram motivadas pelo
ideário de Dewey e Kilpatrick, conforme argumento a seguir:

[...] as primeiras infra-estruturas do campo do currículo


corresponderam, inicialmente, às reformas educacionais
promovidas pelos pioneiros nos estados e, a seguir, à
base institucional do atual Instituto de Estudos e Pesquisas
Educacionais (INEP) e do Programa de Assistência
Brasileiro-Americana à Educação elementar (PABAEE).
A tradição epistemológica, que fundamentou tanto as
reformas quanto o enfoque curricular desenvolvido no INEP,
foi basicamente composta pelas ideias progressivistas,
derivadas do pensamento de Dewey e Kilpatrick. Tais ideias
foram bastante influentes no cenário educacional brasileiro
até o início da década de sessenta. No PABAEE, porém,
adotou-se uma postura mais marcadamente tecnicista no
trato de temas curriculares. (MOREIRA, 1990, p. 82).

O PABAEE foi um acordo realizado em 1956, pelo Brasil e pelos Estados


Unidos, que tinha como meta a formação de supervisores para o ensino
primário e cursos para professores; a produção e distribuição de materiais
didáticos; além de programas de intercâmbio, especialmente para a formação
de mestres e doutores na área de currículo e avaliação, nos Estados Unidos.

Por conseguinte, é coerente afirmar que:

As primeiras preocupações com o currículo, no Brasil, datam


dos anos 20. Desde então até a década de 1980, o campo
foi marcado pela transferência instrumental das teorizações
americanas. Essa transferência centrava-se na assimilação de
modelos para a elaboração curricular, em sua maioria de viés
funcionalista, e era viabilizada por acordos bilaterais entre os
governos brasileiro e norte-americano, dentro de um programa
de ajuda à América Latina. (LOPES; MACEDO, 2002, p. 13).

É importante relatarmos que, em função destes acordos (entre as décadas


de 1950 até o final dos anos 1970), vários especialistas brasileiros buscaram
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Educação Brasileira

seus cursos de pós-graduação strictu sensu (mestrados e doutorados). A partir


desta formação, com o retorno destes estudiosos do campo, foram publicadas as
primeiras obras do campo do currículo, no Brasil. Vale salientar que, exceto a de
Anísio Teixeira, que focava mais o currículo centrado nas crianças, por influência
de Dewey, a maioria das publicações estavam focadas na questão técnica do
currículo; ou seja, em como elaborar e organizar um currículo. São elas:

• MOREIRA, João Roberto. Introdução ao estudo do currículo da escola


primária. Brasília: INEP/MEC, 1955.

• SPERB, Dalila. Problemas gerais de currículo. Porto Alegre: Globo, 1972.

• COUTO, Marina. Como elaborar um currículo. Rio de Janeiro: Ao Livro


Técnico, 1966.

• TEIXEIRA, Anísio. Pequena introdução à filosofia da educação: a escola


progressiva ou a transformação da escola. São Paulo: Cia. Editora Nacional,
1968.

• TRALDI, Lady Lina. Currículo: Conceituação e implicações. São Paulo:


Atlas, 1977.

• TRALDI, Lady Lina. Currículo: Metodologia de avaliação e currículo. São


Paulo: Atlas, 1977.

• TRALDI, Lady Lina. Currículo – Teoria e prática. São Paulo: Atlas, 1977.

Outro fato importante na história do currículo, no Brasil, deve-se à Lei


de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB de 1961. De acordo com
Moreira (1990, p. 121),

esta propiciou, ainda que timidamente, para o currículo do


ensino primário e secundário, pela primeira vez no país, [...]
certa margem de flexibilidade às escolas [...], permitindo
que elas definissem parte de seus currículos. Do total das
disciplinas estudadas, uma ou duas seriam optativas e de
livre escolha do estabelecimento.

Faça uma pausa aqui. Pense na sua realidade de profissional


da educação. Como as disciplinas são escolhidas atualmente na
sua escola? A escola tem autonomia de eleger as disciplinas que
irão compor a matriz curricular? Que critérios são considerados
para essa escolha?

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Além desse fato marcante, em 1962, a disciplina de currículos e programas


é introduzida no curso de pedagogia; porém, apenas como disciplina eletiva.
Logo depois, em 1970, mestrados em currículo também foram surgindo.
Num deles, o da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a disciplina de
currículo também foi uma das incluídas em seu programa e matriz curricular.
Todos esses fatos ocorreram com base na orientação dos acordos MEC/
USAID; ou seja, acordos entre o Brasil e os Estados Unidos, entre outros que
foram assinados diretamente com Universidades desses países, envolvendo
também a participação de outras entidades internacionais, tais como: Ford,
Fullbright, OEA, Banco Mundial, etc. (MOREIRA, 1990). Em síntese, embora
houvesse, neste período, a propagação das ideias progressivistas de Dewey,
o que permaneceu, de fato, na organização dos currículos e no treinamento
dos professores, foi a vertente tecnicista.

Embora houvesse,
Embora todo este esforço estivesse mais centrado na busca pela
neste período, a
implementação de um currículo tecnicista e tradicional (principalmente durante
propagação das
a ditadura militar, após o golpe de 1964), surge, neste contexto de lutas, uma
ideias progressivistas
de Dewey, o que forte mobilização para “[...] o desenvolvimento inicial de Freire [...]; ou seja,
permaneceu, de para o surgimento de uma tendência crítica de caráter marxista, de maneira
fato, na organização que [...] as questões educacionais voltaram a ser analisadas a partir de
dos currículos e no uma abordagem mais sociológica.” (MOREIRA, 1990, p. 125). Diante desse
treinamento dos contexto, novos modelos de currículo seriam necessários, porque
professores, foi a
vertente tecnicista. o conteúdo curricular, para se constituir em instrumento
de conscientização e emancipação do oprimido, precisa
corresponder à reapresentação organizada, sistematizada e
desenvolvida aos indivíduos, das coisas que eles desejam
entender melhor. Como consequência, o ponto de partida
da seleção e organização do conteúdo curricular deve
ser a situação existencial presente e concreta dos alunos.
(MOREIRA, 1990, p. 129).

Amplie sua compreensão em relação ao pensamento de Paulo


Freire e leia: Pedagogia do Oprimido, 1974. (primeira publicação
se deu em 1969, nos Estados Unidos).

A partir daquele momento, parece que houve um movimento de


ruptura, de quebra de paradigma que começou a ser instaurado. Com o
início de um período de redemocratização no país e com a fragilização da
Guerra Fria, a predominância do modelo hegemônico funcionalista norte-
americano começou a ser questionado. Neste contexto, outras vertentes
teóricas começaram a ganhar terreno e força no pensamento curricular no

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Currículo na História da
Capítulo 3
Educação Brasileira

Brasil. Segundo Moreira (2001, p. 16), houve, por exemplo, “[...] a presença
de duas vertentes críticas: uma, associada à pedagogia crítico-social dos
conteúdos [...],outra, associada às propostas de educação popular.” A primeira
representada por Demerval Saviani, Guiomar Namo de Mello e José Carlos
Libâneo e, a segunda, por Paulo Freire. Para Lopes e Macedo (2002, p. 13),
“essas duas vertentes nacionais [...], pedagogia histórico-crítica e pedagogia
do oprimido – disputavam hegemonia nos discursos educacionais e na
capacidade de intervenção política [...].” A partir dessas duas vertentes, a
primeira fortemente centrada nos conteúdos universais a serem ensinados
pela escola e, a segunda, focada na exploração dos significados e sentidos da
palavra para o estudante; ou seja, partindo da cultura popular ou de palavras
e conceitos que representem para os alunos algo de concreto. Os defensores
da pedagogia crítico-social dos conteúdos argumentavam, contrariamente
ao saber restrito ao contexto cultural do aluno, em detrimento dos saberes
universais. Na perspectiva Freiriana, o currículo seria organizado a partir
das demandas da vida social, sem negar a importância dos conteúdos ditos
universais. Nas palavras de Moreira (1990, p. 178), “o que Freire realmente
não aceita é a separação entre transmissão e produção do saber.”

Ambas as vertentes preocuparam-se com a construção de propostas


marcadamente para o contexto brasileiro e foram preocupações dominantes
nos anos de 1980. Assim, o que se identifica é:

[...] a questão dos conteúdos curriculares, principalmente


da escola de primeiro grau, cuja deficiente atuação
preocupa a todos os especialistas do campo. Ainda
que concordem quanto à importância da escola para as
camadas populares, os curriculistas discordam radicalmente
quanto aos conteúdos a serem ensinados e aos métodos
a serem empregados. Os debates se travam, então, entre
os defensores de um conhecimento universal objetivo,
a ser dominado por todos, e os que propõem uma escola
alternativa que integre a construção de conhecimento e
conscientização. (MOREIRA, 2001, p. 16).

Já na década de 1990, para Lopes e Macedo (2002), o campo do currículo,


foi marcado por múltiplas influências. Na mesma perspectiva, Moreira (1990,
p. 182) indica novas direções para as teorias e para o pensamento curricular
brasileiro (e também estrangeiro). Segundo o mesmo autor, “[...] a abordagem
técnica de questões curriculares está sendo gradativamente substituída,
ao menos a nível de discurso, por uma abordagem fundamentalmente
sociológica.” Na citação a seguir, essa tendência do campo é evidente.

Os estudos em currículo assumiram um enfoque nitidamente


sociológico, em contraposição à primazia do pensamento
psicológico, até então dominante. Os trabalhos buscavam,
em sua maioria, a compreensão do currículo como espaços

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de relações de poder. [...] As proposições curriculares cediam


espaço a uma literatura mais compreensiva do currículo,
de cunho eminentemente político. [Nas publicações da
década de 1990] foram aprofundadas questões referentes
às relações entre conhecimento científico, conhecimento
escolar, saber popular e senso comum [...]. (LOPES;
MACEDO, 2002, p. 14-15).

Ainda, segundo as mesmas autoras e Moreira (2001), a partir do final
dos anos 90 até a atualidade, os estudos sobre currículo estão focados em
princípios pós-modernos e pós-estruturais, que coexistem com as discussões
da modernidade. Para Lopes e Macedo (2002, p. 16), essa multiplicidade de
orientações teóricas vem se configurando “[...] como tendências e orientações
que se inter-relacionam, produzindo híbridos culturais.” Para as autoras, a
marca desse hibridismo no campo se caracteriza por três grupos de estudos
principais, deste período, a saber: a perspectiva pós-estruturalista, o currículo
em rede, a história do currículo e a constituição do conhecimento escolar.
Essas tendências serão detalhadas nos próximos capítulos. Para as
autoras, no atual momento, parece que estamos vivendo, diante desta
multiplicidade de tendências (teóricas e práticas), uma redefinição do campo.

Quase lá. Você ainda está conosco?

Só para concluir o histórico do currículo neste contexto, a década de


noventa do século XX foi marcada também por inúmeras publicações de
teóricos brasileiros do campo, com forte presença nas discussões do GRUPO
DE TRABALHO de Currículo da ANPED – Associação Nacional de Pesquisas
Educacionais.

Ufa! Haja fôlego! Este itinerário no Brasil foi intenso; mas, afinal, como
isso se deu na prática pedagógica das escolas? Todas as tendências e
movimentos se efetivaram? Vamos ver isso a seguir na próxima seção
deste capítulo.

Pensamos que isso pode ser feito conforme o interesse de cada um. O
Texto é bastante explícito e direto, portanto, de fácil compreensão.

Influências Históricas do Currículo no


Fazer Pedagógico no Brasil
A prática curricular, ou seja, o currículo em ação observado nas escolas
tem sido objeto de pesquisas, por vários pesquisadores, nesta última década.
(MOREIRA, 1997; GESSER, 2002, GESSER E OUTROS, 2007; CRUZ, 2007;
OLIVEIRA, 2007). Conforme vimos na primeira seção do primeiro capítulo,

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Capítulo 3
Educação Brasileira

existe uma visão distinta entre o currículo prescrito e formal e o currículo em


ação. Em outras palavras, podemos dizer também que sempre houve, há ou
pode haver um distanciamento entre aquilo que se propõe, teoricamente, como
modelo para a organização de um currículo e aquilo que, efetivamente, ocorre
em sala de aula. Esse distanciamento, normalmente, ocorre porque

[...] boa parte das propostas curriculares tem sido incapaz


de incorporar essas experiências, pretendendo pairar acima
da atividade prática diária dos sujeitos que constituem a
escola. Existe, ainda, uma predominância dessa abordagem
formalista dos currículos, que se situa numa tendência geral
do pensamento dominante nas sociedades ditas ocidentais:
a da superioridade do saber teórico sobre o saber prático,
dos saberes dos experts sobre os saberes daqueles que
vivenciam as situações, do trabalho intelectual sobre o
trabalho manual. (OLIVEIRA, 2007, p. 92).

Atividade de Estudos:

Tendo em vista esta preocupação em relação às práticas


curriculares em ação e suas relações com os modelos teóricos
e formais prescritos, perguntamos: Você já vivenciou alguma
experiência curricular que pudesse ser relacionada com alguns
dos modelos teóricos anteriormente estudados? Que modelos
foram esses? De que forma a prática se relacionava com eles?

Utilize o espaço que segue para responder a este exercício.


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Acreditamos, a partir de nossas experiências e pesquisas, que as suas


experiências escolares, em relação ao currículo, não diferem muito do que
alguns teóricos e pesquisadores tem argumentado. Em outras palavras,
ao que tudo nos indica, suas experiências não devem ter se distanciado
de modelos curriculares que tinham como base uma lista de conteúdos
universais, previamente prescritos por especialistas e operacionalizados pelos
professores, cada qual a sua maneira. ESTAMOS CERTAS?

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Nossa constatação é confirmada na argumentação da autora, a seguir:

Olhando para o contexto da prática pedagógica, para onde


as reformas se dirigem, e falando como alguém que atua
nesse contexto, é possível afirmar que estratégias variadas
por parte dos curriculistas, dos representantes dos órgãos
centrais e dos governos, representantes de políticas públicas,
são utilizadas no sentido de envolver os docentes no
processo de concepção, implantação e implementação das
propostas. Todavia, o esforço é ínfimo diante do alcance que
se espera com os ´novos´ redimensionamentos curriculares.
O movimento das reformas, via de regra, é marcado de
cima para baixo, quando o contrário representaria a
lógica mais viável. Pois é no seio da sala de aula que
o conhecimento curricular, alvo das propostas, vai se
desenvolver de forma mais direta e sistemática e são os
professores, mestres do ofício de ensinar, os sujeitos
sociais mais importantes no conhecimento deste
processo. O movimento que emana do microcontexto da
sala de aula pode representar, então, um caminho mais
viável para a consolidação de mudanças educacionais.
(CRUZ, 2007, p. 194, grifos nossos).

Com base nesses argumentos, anteriormente apresentados, Moreira


(1990, p. 205), quando da realização de sua pesquisa, que resultou em sua
tese de doutorado e, depois, neste livro, sugere que há necessidade de ampliar
o número de pesquisas voltadas para este foco; ou seja, para o currículo que
efetivamente ocorre nas práticas escolares, o currículo em ação. Este autor
explica que a pesquisa sobre políticas, leis e instituições oferece um quadro
geral do campo do currículo; no entanto, “[...] não nos revela o que de fato
ocorre nas escolas, universidades e instituições [...]. Daí a necessidade de
investigarmos o nível da prática escolar.”

Nessa linha de pensamento, não seria inoportuno afirmar que


historicamente, salvo raras experiências inusitadas e desafiadoras do ainda
paradigma dominante, que

[...] o currículo é definido formalmente, proposto por experts,


a partir do estudo de modelos idealizados da atividade
pedagógica e dos processos de aprendizagem dos que a
ela serão submetidos, bem como da escolha daquele que
melhor se adequar aos objetivos, também idealizados,
da escolarização, e avaliados segundo sua adequação
ao modelo proposto. Contrariamente a esse tipo de
entendimento que congela e negligencia toda a riqueza
dos processos reais da vida social e, portanto, da
escolar, seria necessário desenvolver novos modos de
compreensão, revertendo-se a tendência dominante de
entendimento de currículo. (OLIVEIRA, 2007, p. 93, grifos
nossos).

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A intenção não é prescrever; neste caso, deixaremos de fora. O que se


tem como dado no cotidiano das escolas, é a vigência de currículos ainda
tradicionais, fragmentados e descontextualizados. GESSER et. Al (2007,
33), em estudos realizados em vários municípios catarinenses, confirmam
esta situação. Seus dados revelaram que [...] existe, ainda, uma significativa
ênfase num modelo de currículo essencialmente tradicional.” Então, isso é o
que fica patente e se constata como dilema no campo curricular: Como fazer
acontecer a tão sonhada, tão almejada relação teoria e prática?

Parece não haver saída. Moreira (2001, pp. 30-31) explica que o estudo
das práticas curriculares contribui tanto para o avanço teórico do campo,
quanto para suas reformulações. Com base neste argumento, acresce nta:

Sugiro, então, em um primeiro momento, que os


curriculistas atuem nas diferentes instâncias da prática
curricular, participando da elaboração de políticas públicas,
acompanhando a implementação das propostas e realizando
estudos nas escolas, que avaliem essa implementação.
Proponho também que desenvolvam investigações da
prática curricular, com os que nela atuam, de modo a
subsidiar a formulação de políticas de currículo, favorecer a
renovação da prática e promover o avanço da teoria.

Mas, afinal, que modelos direcionaram ou vem direcionando as


práticas curriculares no Brasil?

De certo modo, a caracterização feita até aqui já nos permitiu inferir


algumas conclusões. No entanto, vamos manter nossa consistência. A
literatura histórica do campo e alguns estudos da área indicam que, até a
década de setenta do século XX, o modelo de currículo como prática, que
imperou nas escolas brasileiras, foi o modelo tradicional importado de alguns
autores americanos, e, em especial, Tyler e Taba. Aliás, o modelo Tyler jamais
conseguiu ser substituído, em todo o mundo. (MOREIRA, 1990, SCHUBERT,
1986). Obviamente tivemos influências de vários movimentos, já amplamente
discutidos, mas conforme Moreira (1997, p. 13), “foi somente nos anos 70 que
se abriram novas perspectivas para os estudiosos do campo do currículo, com
o surgimento de uma abordagem mais crítica das questões curriculares e a
superação do caráter técnico-prescritivo, até então dominante.”

Isso não significa afirmar que, a partir daí, as práticas tradicionais em


curso foram superadas. Ao contrário, elas continuam dominando as práticas
pedagógicas das escolas; no entanto, alguns espaços para novos debates
e algumas experiências inovadoras, proporcionadas particularmente pelas
teorias críticas, foram e estão sendo experienciadas.

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Foi durante os anos oitenta do século XX, tomando autores marxistas como
referencial teórico que, tanto a pedagogia crítico-social dos conteúdos, como a
educação popular analisaram os problemas educacionais brasileiros por meio
de uma postura dialética, ao mesmo tempo em que fizeram uma análise crítica
das tendências curriculares anteriores, com o propósito de identificar possíveis
contribuições e superar suas limitações. Todavia, há de se considerar que a
prática curricular no país não conseguiu incorporar os princípios da tendência
crítica, exceto a experiência de São Paulo, Porto Alegre, Bahia e algumas
outras eventuais, que foram brevemente realizadas.

Amplie sua compreensão em relação à experiência de São Paulo


e Leia: Paulo Freire: A educação na cidade. Cortez, 1995.

Como podemos constatar, é extremamente difícil e moroso um processo


de mudança, em qualquer que seja a área. Particularmente no campo do
currículo, este processo tem vindo, historicamente, sempre a reboque do
mercado ou a partir de instâncias externas. Muito pouco, ou quase nada,
se tem originado no contexto das práticas escolares. Eis ai a questão da
inadequação das propostas curriculares que ainda temos em curso.

Conceitos, como: Por fim, é a partir dos anos noventa do século XX, com as condições
multiculturalismo, pós-modernas do nosso contexto, que novas categorias de ação e de análise
subjetividades, adentram mais uma vez no âmbito dos currículos escolares. Conceitos, como:
identidades, multiculturalismo, subjetividades, identidades, singularidades, alteridade, entre
singularidades, outros, passam a dinamizar novamente as críticas em relação às práticas de
alteridade, entre currículo ainda vigentes. Práticas consideradas ainda tradicionais e, portanto,
outros, passam a
descontextualizadas. O que vem se buscando, pelo menos no plano teórico,
dinamizar novamente
está relacionado com modelos ou práticas curriculares com base na ideia de
as críticas em relação
rede, teia de relações, currículos híbridos, currículos multiculturais, currículos
às práticas de currículo
ainda vigentes. e cotidiano escolar, entre outros. Essa nova visão, segundo Moreira (1997),
amplia as nossas possibilidades de inovação das práticas, sem deixar de levar
em conta que o currículo é, sem dúvida, um campo de contradições, lutas e
conflitos que giram sempre em torno de símbolos, interesses e significados.

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Currículo na História da
Capítulo 3
Educação Brasileira

Algumas Considerações
Conforme pretendíamos inicialmente, foi possível Identificarmos que os
principais movimentos curriculares na História da Educação brasileira seguiram
basicamente a lógica dos modelos norte americanos, com implicações ainda
mais explicitas com o acordo denominado PABAEE, realizado entre Brasil e os
Estados Unidos. O que caracterizou um movimento genuinamente brasileiro
foi, apenas, o movimento da pedagogia critíco-social dos conteúdos e a
pedagogia crítica voltada para as classes mais populares.

Já, em relação às influências da história do currículo no Brasil no fazer


pedagógico da educação básica, muito pouco ou nada de excepcional foi
constatado, a não ser o impacto do movimento da pedagogia de Freire, que
se fez e ainda se faz presente em alguns locais distintos, apontados ao longo
do texto. O que se fez vigente como prática foi, essencialmente, um currículo
tradicional, com base no modelo de Tyler; ou seja, o currículo por objetivos,
com algumas tentativas atuais voltadas à inclusão e à diversidade cultural,
porém, ficando muito ainda no plano da denúncia e do discurso.

Referências
CRUZ, G. B. A prática docente no contexto da sala de aula frente às reformas
curriculares. Educar, Curitiba, n. 29, 2007, p. 191-205.

GESSER, V. et al. Tendências Curriculares Que norteiam o projeto educativo


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