Você está na página 1de 6

SIMPÓSIO ENVELHECIMENTO

MITOS E VERDADES SOBRE TERAPIAS... Terra et al. SIMPÓSIO ENVELHECIMENTO

Mitos e verdades sobre terapias NEWTON LUIZ TERRA – Geriatra. Pro-


fessor do Instituto de Geriatria e Gerontolo-
gia da Pontifícia Universidade Católica do
antienvelhecimento Rio Grande do Sul.
RICARDO CARBONERA BOSCHIN –
Doutorando da Faculdade de Medicina da
Myths and truths about antiaging Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul.
interventions
Endereço para correspondência:
Newton Luiz Terra
Av. Ipiranga, 6690 – conj. 315
90610-000 – Porto Alegre, RS – Brasil
SINOPSE
Fone: (51) 3339-7333
O envelhecimento caracteriza-se por um processo de alterações anatômicas e fisioló-  terranl@pucrs.br
gicas que determina perda da capacidade homeostática ao longo da vida.
Por que a população está envelhecendo, cada vez mais tenta-se entender o processo de
envelhecimento e maneiras de tentar retardá-lo. Tentativas para prolongar a juventude ou
restaurar o vigor sexual e atividade física têm sido feitas há muitos séculos e ocorrem é da ordem de 15 milhões de habitan-
ainda hoje. A ausência de uma teoria que explique o processo de envelhecimento, por falta tes. A sua participação, no total da po-
de uma maior compreensão desse, não oferece justificativa para o uso de intervenções pulação nacional, dobrou nos últimos
antienvelhecimento. Todo remédio, intervenção ou clínica que garanta desacelerar ou
impedir as mudanças intrínsecas ao envelhecimento, não passam de uma charlatanice
50 anos, passando de 4% em 1940, para
fraudulenta destinada a fazer com que os indivíduos caiam em mais uma armadilha. Não 9% (aproximadamente 12 milhões de
há como interferir no processo de envelhecimento. A adoção de um estilo de vida saudá- pessoas) no ano de 2000. Projeções
vel ao longo da vida, primando por medidas simples, como dieta variada e balanceada, recentes indicam que esse segmento
controle de peso, atividade física regular, lazer e diversão, entre outras medidas, podem poderá ser responsável por quase 15%
promover uma velhice com menos problemas de saúde e melhor qualidade de vida.
O presente trabalho faz uma revisão da literatura sobre o que há de verdades a
da população brasileira em 2020 (apro-
respeito de intervenções antienvelhecimento, fazendo, antes, uma abordagem do que ximadamente 30 milhões de pessoas)
se sabe sobre o processo de envelhecimento, e o que pode ser feito para se envelhecer e fará do Brasil o sexto país do mundo
com qualidade de vida. em número de idosos (1, 3).
UNITERMOS: Envelhecimento/Efeito de Drogas.

ABSTRACT
O ENVELHECIMENTO
Embora ainda haja um longo cami-
The aging process is characterized by anatomical and physiological alterations that nho a ser percorrido para elucidar os pon-
determine loss of the homeosthasis capacity along someone’s life.
Since world population is aging, we are trying to understand the aging process and
tos obscuros do fenômeno do envelheci-
ways to delay it. Attempts to enhance youth or to restore physical and sexual activity have mento, nas últimas décadas pôde ser ob-
been made for centuries and are still being made nowadays. The absence of a theory that servado um aumento do somatório de
explains the aging process, due to lack of knowledge, does not justify the use of anti-aging conhecimentos nos campos da Geriatria
interventions. Every medicine, medical intervention or clinic that guarantee to decelerate e Gerontologia, resultado, de um lado,
or to prevent the intrinsic changes of aging, or grant pseudo-scientifical inventions, are
nothing but swindle for honest people to fall into traps. We can’t interfere in the aging
do aumento do número de idosos em todo
process. The adoption of a healthy lifestyle throughout life, aiming for simple measures o mundo, e do outro, do aumento do in-
like well balanced diet, weight control, regular physical activity, leisure, among others teresse em pesquisar e compreender o
measures, can guarantee aging with little health problems and a better quality of life. processo de envelhecimento (14).
The present work is a revision of what it is true regarding anti-aging interventions. O envelhecimento é um termo apa-
Before we do that we describe what it’s known about the aging process, and what can be
done to age with quality of life.
rentemente simples, que não requer ne-
nhuma definição. Entretanto, conceituá-
KEY WORDS: Aging/Drug Efects. lo não é simples. É necessário incluir não
apenas os aspectos biológicos, mas tam-
bém sociais, psicológicos e culturais (1).
O envelhecimento é conceituado
E PIDEMIOLOGIA expectativa de vida mais baixa, pode-se
reduzir o limite para 60 anos. No Brasil,
como um processo biológico, univer-
sal, dinâmico e progressivo, no qual há
A Organização Mundial de Saúde, do ponto de vista legal, idoso é toda pes- modificações morfológicas, funcio-
baseada em fatores sócio-econômicos, soa com mais de 60 anos de idade (1, 3). nais, bioquímicas e psicológicas, que
considera idoso todo o indivíduo com 65 Atualmente, a população brasileira determinam a perda da capacidade de
anos ou mais. Porém, nos países com com idade igual ou superior a 60 anos adaptação do indivíduo ao meio am-

Revista AMRIGS, Porto Alegre, 48 (4): 285-290, out.-dez. 2004 285


MITOS E VERDADES SOBRE TERAPIAS... Terra et al. SIMPÓSIO ENVELHECIMENTO

biente, ocasionando maior vulnerabi- O envelhecimento, portanto, deter- vres deletérios que continuamente se
lidade e maior incidência de proces- mina uma menor capacidade de adap- processam em todas as células e teci-
sos patológicos que terminam por levá- tação, tornando o idoso mais vulnerá- dos, ou seja, o acúmulo de radicais, que
lo à morte (Papaleo Neto, 1996). Essa vel a quaisquer estímulos, seja traumá- são moléculas com número ímpar de
definição pode ser complementada tico, infeccioso ou, até mesmo, psico- elétrons e por isso altamente reativas,
com um outro conceito, esse predomi- lógico (6). provenientes do metabolismo oxidati-
nantemente funcional, elaborado por É importante conhecer como essas vo das células, causaria danos às pro-
Comfort (1979), que caracteriza o en- alterações interagem entre si e modifi- teínas, às enzimas e ao DNA (10).
velhecimento como uma perda pro- cam a apresentação das doenças nesse
gressiva da capacidade de manter a grupo de pacientes, para melhor com-
homeostase em condições de sobrecar- preendê-las e manejá-las. Teoria do dano oxidativo
ga funcional, tornando o indivíduo Discute-se ainda hoje se o envelhe-
mais propenso a doenças e aumentan- cimento tem início logo após a con- O envelhecimento seria causado
do as suas chances de morte (1, 14). cepção, ao final da terceira década ou pela contínua e pequena defasagem das
O processo de envelhecimento é próximo do final da existência do in- defesas contra a toxicidade do oxigê-
progressivo – ao longo dele, é possí- divíduo. Esses aspectos, associados à nio (10).
vel observar fases de desenvolvimen- inexistência de marcadores biofisioló-
to –, gradual e, principalmente, variá- gicos confiáveis, do processo de enve-
vel. As alterações por ele determina- lhecimento, colaboram para a dificul- Teoria do “rate living”
das guardam pouca relação com a ida- dade em caracterizar o processo e es- (velocidade ou taxa de vida)
de cronológica e variam de órgão para tabelecer a idade biológica (14).
órgão e de indivíduo para indivíduo. O envelhecimento (processo), a A duração de vida de um organis-
O fenótipo por ele determinado é o re- velhice (fase da vida) e o velho (resul- mo seria dependente da exaustão de
sultado de fenômenos intrínsecos ao or- tado final) constituem um conjunto uma quantidade fixa de certa substân-
ganismo, associados a fatores ambien- cujos componentes estão intimamente cia vital numa taxa proporcional à taxa
tais, ao estilo de vida, às condições nu- relacionados (14). metabólica (10).
tricionais e à presença de doenças. Por
isso, nenhum indivíduo envelhece igual
a outro, mesmo que da mesma espécie e
com genótipos idênticos (1).
T EORIAS DO
ENVELHECIMENTO
Teoria do envelhecimento
por mutações
Uma das principais preocupações
que devemos ter é distinguir quais se- Apesar do grande número de pes- O fenômeno é causado pelo acúmu-
riam as modificações anatômicas e fun- quisas realizadas nos últimos anos, os lo gradual de mutações espontâneas ou
cionais produzidas exclusivamente mecanismos que controlam a veloci- por defeitos cromossômicos nas célu-
pelo processo de envelhecimento (se- dade e a maneira pela qual um orga- las somáticas (10).
nescência) daquelas causadas pelas nismo envelhece continuam sendo um
doenças e pelo estilo de vida que po- mistério. Existem muitas teorias que
dem acometer o idoso (senilidade). Na tentam explicar os fenômenos biológi- Teoria do erro catastrófico
grande maioria das vezes, essa tarefa cos do envelhecimento, mas nenhuma
é impossível, pois há estreita relação delas é completa o bastante para ser uni- Deficiências progressivas acumula-
entre esses dois fenômenos, o fisioló- versalmente aceita, mesmo aquelas ba- das nos mecanismos de transcrição e tra-
gico e o patológico, de tal forma que o seadas no determinismo genético (19). dução assumiriam com o tempo propor-
processo de envelhecimento se modi- As teorias que se propõem a explicar ções catastróficas e seriam responsáveis
fica e é modificado pelas doenças (1). o envelhecimento, seus mecanismos cau- pela deterioração das células (10).
Todas as características do fenô- sais e sua evolução são divididas em dois
meno do envelhecimento repercuti- grupos: as que encaram o processo como
rão nos mecanismos de regulação ho- resultado de uma série de eventos esto- Teoria da senescência celular
meostática do idoso e na reatividade cásticos e as que consideram o processo
orgânica. As situações mórbidas en- de natureza genética (19). O envelhecimento seria genetica-
contram-se mais próximas, podendo mente programado. Genes localizados
ser desencadeadas mais facilmente nos telômeros seriam responsáveis pela
do que nos outros indivíduos mais Teoria dos radicais livres capacidade limitada de replicação das
jovens. Além disso, sua capacidade células que entrariam em um processo
de reserva e de defesa encontram-se O envelhecimento seria devido ao conhecido como senescência celular
diminuídas (6). somatório das reações de radicais li- (4, 5, 10).

286 Revista AMRIGS, Porto Alegre, 48 (4): 285-290, out.-dez. 2004


MITOS E VERDADES SOBRE TERAPIAS... Terra et al. SIMPÓSIO ENVELHECIMENTO

que descobrira um modo de devolver Entre tantas terapias antienvelheci-


T ERAPIAS
ANTIENVELHECIMENTO
a juventude a homens velhos, por meio mento, destacaremos aquelas que mais
de injeções com macerado de testícu- despertam dúvidas quanto à sua possí-
Embora se conheça a inevitabilida- los de cães. Sua teoria caiu em descren- vel fundamentação científica.
de da velhice e a inexorabilidade da ça à medida que se desenvolveram rea-
morte, sempre se lutou por uma solu- ções adversas em seus pacientes. O le-
ção que pudesse levar o homem à imor- gado dos transplantes de testículos so- Uso de Antioxidantes
talidade ou à eterna juventude. Um dos brevive até hoje sob a forma de tera-
mitos mais famosos sobre a reversão pia celular, na qual células de tecidos A manutenção dos mecanismos
do processo de envelhecimento seria a de fetos de carneiros, porcos ou coe- homeostáticos depende de reações en-
existência de uma substância, normal- lhos são inoculados em seres humanos zimáticas intracelulares, cujos produ-
mente a água, com propriedades reju- na crença de que o processo de enve- tos finais são a energia (ATP) e os ra-
venescedoras. lhecimento será retardado (2). dicais livres (ânion superóxido, peró-
A primeira tentativa importante de Um microbiologista do Instituto xido de hidrogênio, radical hidroxila,
ampliar a longevidade na civilização Pasteur, no século passado alegou que etc.). Os radicais livres são moléculas
ocidental foi a alquimia, na idade mé- os seres humanos sofriam um lento ou partículas instáveis e extremamen-
dia. A alquimia era a ciência medieval envenenamento pelas toxinas produzi- te reativas que estão associadas a le-
da química e uma filosofia especulati- das pelas bactérias, encontradas no in- sões de lipídios e de proteínas. Nor-
va, tendo como objetivos principais de testino e que essa seria a principal cau- malmente, as células dispõem de subs-
sua pratica a transmutação de metais sa do envelhecimento e que o remédio tâncias antioxidantes (glutationa, cata-
básicos em ouro e a descoberta do eli- seria a ingestão de leite fermentado, lases, selênio, cobre, zinco, vitaminas
xir da vida, que representaria a cura leite azedo ou iogurte (2). E, C e beta-caroteno), que bloqueiam
universal para as doenças e um meio Em 1920, Eugen Steinach, profes- a ação dos radicais livres. Contudo,
de prolongar indefinidamente a vida (2). sor da Universidade de Viena, argu- quando ocorre um desequilíbrio entre
Esforços de rejuvenescimento fo- mentou que a ligação do ducto que leva a produção de radicais livres e de an-
ram abundantes no extremo oriente, o espermatozóide dos testículos, esti- tioxidantes, instala-se o estresse oxi-
séculos atrás. Uma das teorias, que mularia a parte dos testículos que pro- dativo, que possivelmente acelera a
persistiu em muitas sociedades, é a duz hormônios e com isso obtinha-se patogênese do envelhecimento e de
gerocomia, que consistia na crença e o rejuvenescimento. A vasoligação era doenças como catarata, aterosclerose,
nas ações derivadas da crença, de que inútil para retardar o envelhecimento (2). doenças degenerativas do SNC.
um homem, particularmente um ido- Em 1951 a doutora Ana Aslan, mé- Evidências experimentais e estudos
so, absorveria a virtude e a juventude dica romena, promoveu um composto epidemiológicos sugerem que a utili-
quando da intimidade sexual com mu- como forma de retardar o processo de zação de antioxidantes é capaz de im-
lheres mais novas (2). envelhecimento. A base do composto pedir ou acelerar a inativação dos ra-
As lendas da Grécia Antiga contam é o hidrocloreto de procaína, usado dicais livres.
uma história de sucesso. A feiticeira como anestésico odontológico. A mé- Certamente, seria simplificar de-
Medeia afirmava possuir a chave que dica acrescentou a procaína mais al- mais a complexidade dos fenômenos
abriria as portas para a juventude eter- gumas substâncias e o produto ficou biológicos e atribuir aos antioxidantes
na. Ela misturou sangue de carneiro, conhecido como Gerovital (GH3). Es- a solução dos problemas cardiovascu-
pele de cobra, carne de coruja, raízes tudos conduzidos em laboratórios idô- lares e neoplásicos. Mesmo que os an-
de ervas, além de outros ingredientes, neos americanos jamais mostraram a tioxidantes tivessem algum papel,
e então encheu as veias do rei Esao com sua eficácia. Não há fundamento cien- como fator protetor dessas doenças,
uma porção da mistura. O rei saltou tífico algum que justifique o uso desse estes seriam apenas um dos vários fa-
prontamente de seu leito de enfermo, produto para amenizar o processo de tores, pois sabemos que a maioria das
explodindo em energia e vitalidade, envelhecimento. doenças desses grupos tem origem
mas não se sabe por quanto tempo du- Todas essas invenções pseudocien- multifatorial. Além das teorias clássi-
rou o efeito da poção (2). tíficas citadas anteriormente só tinham cas, há grupos que têm demonstrado
Outro exemplo é do Papa Inocên- um objetivo: enriquecer seus proprie- que fenômenos oxidativos são fisioló-
cio, que solicitou aos seus médicos que tários. gicos e que podem ser protetores, con-
fizessem a transfusão de sangue de um As terapias de hoje estão embasa- tribuindo para a saúde.
homem jovem para seu corpo. Morreu das em alterações biológicas e fisioló- Enquanto esperamos por um me-
quase que imediatamente por incom- gicas observadas no organismo ao lon- lhor entendimento desses mecanismos
patibilidade sangüínea (2). go da vida. O uso de certas substân- e que estudos adicionais tenham sido
Em 1889, em um encontro científi- cias poderia retardar o processo de en- concluídos e mostrem os benefícios
co em Paris, Brown-Sequard anunciou velhecimento. inequívocos, a recomendação pública

Revista AMRIGS, Porto Alegre, 48 (4): 285-290, out.-dez. 2004 287


MITOS E VERDADES SOBRE TERAPIAS... Terra et al. SIMPÓSIO ENVELHECIMENTO

para uso generalizado de suplementos zido pela adrenal, sendo o esteróide É definida como a dieta em que a
não é justificável (11, 12). mais abundante no plasma. Sua fun- quantidade diária de alimento ingeri-
ção em humanos é pouco conhecida. da é menor do que aquela que o indi-
O interesse pela DHEA baseia-se na víduo seria capaz de ingerir até ficar
Terapia Ortomolecular hipótese de ser um modulador do en- saciado.
velhecimento e, também, na apresen- Ela pode ser feita tanto controlan-
Essa modalidade de intervenção tação de baixos níveis de DHEA esta- do o volume de alimento fornecido,
está embasada no uso de superdoses rem associados ao desenvolvimento de quanto através da manipulação dos
de minerais e vitaminas no intuito de doenças cardiovasculares. componentes da dieta. Mesmo forne-
retardar ou interromper o processo de Tendo em vista o aumento na inci- cendo quantidades menores de nutrien-
envelhecimento. dência de várias patologias, entre elas tes, os animais restritos não atingem
Como se sabe, no entanto, tal me- câncer, em animais de laboratório, é nenhum grau de subnutrição.
dida não tem aplicabilidade simples- mais prudente reconhecer a DHEA Até o momento pode-se observar
mente por falta de fundamentação cien- como uma substância terapêutica, mas, que os animais restritos têm seu peso
tífica. no momento, destinada apenas à inves- menor, temperatura corporal mais bai-
Uma dieta rica em frutas, verduras tigação, e não ao uso clínico (7, 11). xa, diminuição da glicemia e da taxa
e legumes fornece a quantidade mais metabólica, associado a uma redução
que suficiente desses elementos para do metabolismo celular, que teria como
se ter um bom funcionamento do or- Hormônio do Crescimento conseqüência uma menor produção de
ganismo e uma vida saudável (19). radicais livres, levando a um menor
Não existem dados relativos ao uso dano celular e menor estresse fisioló-
do hormônio do crescimento em ido- gico. Além de o crescimento ser retar-
Melatonina sos e ao aumento da expectativa de dado nesses animais, eles também
vida. Existe, contudo, farta documen- apresentam maturação sexual tardia e
A melatonina é sintetizada a partir do tação relacionando o efeito desse hor- menor capacidade reprodutiva. Nesses
triptofano. É um marcador do ritmo cir- mônio na composição corporal e em animais observa-se também uma me-
cadiano, apresentando níveis maiores no aspectos funcionais de indivíduos ido- nor incidência de doenças crônicas e
período noturno. A glândula pineal é a sos. de câncer, além da diminuição da res-
principal fonte dessa substância. A reposição do hormônio tem po- posta imune típica em animais senes-
O interesse por esse hormônio decor- tencial para aumentar a massa muscu- centes. Ocorre ainda redução na pro-
re da constatação de que seu nível sérico lar, a tolerância a exercícios, reduzir dução de hormônios hipofisários, o que
e a secreção diminuem com a idade. osteopenia e aumentar a imunocompe- provoca um efeito muito grande nas
A terapia de reposição com mela- tência. As dificuldades relativas à re- glândulas-alvo da hipófise, como a ti-
tonina diminui a latência do sono, au- posição hormonal envolvem dose e reóide, as gônadas, o pâncreas e as
menta a eficiência e diminui os des- efeitos colaterais. adrenais, com redução na produção de
pertares noturnos. Seu uso parece di- A administração desse hormônio, seus hormônios, o que teria um impacto
minuir os sintomas associados a lon- sem evidência de deficiência, é discu- na expressão gênica do organismo, por
gas viagens de avião. tível. A sua utilização em pessoas jo- estarem relacionados com o processo
Uma vez que a melatonina atua vens, com o objetivo de reverter ou de proliferação celular.
como antioxidante, cruza a barreira retardar o envelhecimento, não encon- A restrição calórica na dieta é mais
hematoencefálica com facilidade, dis- tra suporte na literatura científica atual estudada e, também, a mais eficiente
tribui-se nas células e nos seus com- (7, 11). intervenção para atrasar os efeitos de-
ponentes, seria uma opção ideal para letérios do envelhecimento em roedo-
neuroproteção. res. Não obstante, a reprodutibilidade
O desconhecimento dos efeitos a Restrição Calórica (RC) generalizada dos benefícios da RC, os
curto e longo prazos da reposição des- mecanismos biológicos envolvidos e a
se hormônio qualifica-o mais como Até o presente, a única intervenção aplicabilidade aos humanos não foram
substância em estudo do que uma te- que mostrou inequivocadamente a ca- ainda esclarecidos. Com o objetivo de
rapia antienvelhecimento (7, 11). pacidade de afetar a longevidade, au- ampliar o conhecimento a respeito da
mentando o tempo máximo de vida de RC, vários estudos estão sendo desen-
animais, é a chamada restrição calóri- volvidos, envolvendo macacos. Um
Desidroepiandros-terona (DHEA) ca, manipulação conhecida desde me- dos pontos a serem esclarecidos nes-
ados de 1930 pelos cientistas que in- ses estudos é se os benefícios dessa
É um esteróide encontrado princi- vestigam os processos biológicos do intervenção são devido à perda de peso
palmente sob forma de sulfato, produ- envelhecimento. ou à própria RC. A inexistência de

288 Revista AMRIGS, Porto Alegre, 48 (4): 285-290, out.-dez. 2004


MITOS E VERDADES SOBRE TERAPIAS... Terra et al. SIMPÓSIO ENVELHECIMENTO

marcadores de envelhecimento faz As evidências confirmam que a envelhecimento e como elas influen-
com que os estudos sobre o impacto probabilidade de envelhecer com su- ciam o status funcional do indivíduo.
da RC em macacos não sejam conclu- cesso pode ser aumentada de várias O objetivo fundamental é promo-
sivos quanto à extensão da vida média maneiras. O perfil da morbimortalida- ver um envelhecimento com qualida-
e o tempo máximo de vida. Não há de do idoso pode ser influenciada por de de vida, mediante orientação para
dados ainda disponíveis. ações que promovem a saúde e previ- mudanças no estilo de vida, como ali-
Em relação aos marcadores de nem as doenças, tais como interrupção mentação variada, em pequenas por-
doença, a avaliação atual indica que do tabagismo, controle de peso, reali- ções ao longo do dia, atividade física
macacos com RC vêm mostrando me- zação de exercícios físicos, dieta sau- regular, manutenção do peso ideal, não
nor tendência a desenvolverem diabe- dável e gozar de boa saúde mental. O adoção de vícios como tabagismo e
tes, doença cardiovascular, obesidade, conhecimento e controle dos fatores de ingesta de álcool, consulta médica re-
disfunção imunológica e, possivelmen- risco para condições clínicas especifi- gular, principalmente para pessoas com
te, câncer. cas podem modificar a incidência des- fatores de risco para doenças cardía-
Os estudos em humanos, envolven- sas afecções nos idosos. As diferentes cas, por exemplo.
do restrição calórica, são meramente intervenções nos diversos estágios do Os múltiplos aspectos que caracte-
observacionais, de natureza histórica, desenvolvimento têm conseqüências rizam o processo de envelhecimento
sociocultural e religiosa (7, 9). positivas que podem ser estendidas exigem da sociedade uma atenção
para a idade avançada. O envelheci- abrangente à saúde do idoso. Busca-se
mento não começa repentinamente aos com isso não somente o controle das
I NTERVENÇÕES
ANTIENVELHECIMENTO
60 anos, mas consiste no acúmulo e
interação de processos médicos, com-
doenças, mas, principalmente, o seu
bem-estar físico, psíquico e social, ou
portamentais e sociais durante toda a seja, a melhora de sua qualidade de
O avanço da idade e um estilo de vida (11, 13, 15). vida. Portanto, para atender a essa di-
sedentarismo aumentam a chance da Na verdade, o que está em jogo na retriz, é importante a participação de
ocorrência de doenças e de prejuízos velhice é a autonomia, ou seja, a capa- outros profissionais da área saúde, que,
na funcionalidade física, psíquica e cidade de determinar e executar seus em conjunto, definirão a melhor con-
social. próprios desígnios. Qualquer pessoa duta a ser tomada, na busca de um
O processo de agressão à saúde do que chegue aos 80 anos capaz de gerir melhor envelhecimento.
idoso inicia-se com os fatores de risco sua própria vida e determinar quando, As tentativas de reverter ou retar-
que provocam determinada doença onde e como se darão suas atividades dar o processo de envelhecimento es-
(disfunção/deficiência), que, por sua de lazer, convívio social, e trabalho tão embasadas em trabalhos, observa-
vez, levam a uma incapacidade (dimi- (produção em algum nível), certamen- ções e suposições, conforme mencio-
nuição da atividade), comprometendo, te será considerada uma pessoa saudá- nadas anteriormente, sem comprova-
assim, a participação social do paciente vel. Pouco importa se ela é hipertensa, ção científica, e, portanto, suas aplica-
– desintegração social –, e culminan- diabética, cardíaca e que tome remé- ções não são justificadas.
do com a institucionalização ou mes- dio para depressão. O importante é que,
mo o óbito (11). com resultado de um tratamento bem-
Os determinantes da saúde incluem
a biologia (características genéticas e
sucedido e com estilo de vida saudá-
vel, ela mantenha sua autonomia, feli-
R EFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
fisiológicas), estilo de vida e o meio cidade e integração social (13, 15, 16).
ambiente (nas suas dimensões física e 1. COSTA EFA, PORTO CC, ALMEIDA
social) que interagem no indivíduo (16). JC, et al. Semiologia do idoso. In: Porto
Embora a grande maioria dos ido-
sos seja portadora de, pelo menos, uma
C ONCLUSÃO CC. Semiologia médica. 4.ed. Rio de Ja-
neiro: Guanabara Koogan; 2001. p.165-
97.
doença crônica, nem todos ficam limi- O envelhecimento é um processo 2. BUSSE EW. Mito, história e ciência do
tados por essas doenças, e muitos le- fisiológico e inerente a qualquer ser envelhecimento. In: Busse EW, Blazer
vam uma vida normal, com as suas vivo, mas ainda pouco compreendido. DG. Psiquiatria geriátrica. 2.ed. Porto
Alegre: Artmed; 1999. p.17-39.
doenças controladas e expressa satis- As pesquisas estão direcionadas 3. CAMARANO AA. Envelhecimento da
fação na vida. Um idoso com uma ou principalmente para a obtenção de res- população brasileira: uma contribuição
mais doenças crônicas pode ser consi- postas a questões sobre como e por que demográfica. In: Freitas E, Py L, Néri
derado um idoso saudável, se compa- envelhecemos. AL, et al. Tratado de geriatria e geronto-
rado com um idoso com as mesmas Busca-se a geração de conhecimen- logia. Rio de Janeiro: Guanabara Koo-
gan; 2002. p.58-71.
doenças, porém sem controle dessas e tos para que se possa entender as alte- 4. CRUZ IBM. Alguns questionamentos
com seqüelas decorrentes e incapaci- rações biológicas, fisiológicas e não- biológicos sobre envelhecimento e mor-
dades associadas (16). patológicas progressivas observadas no te: da levedura ao homem. In: Clemente

Revista AMRIGS, Porto Alegre, 48 (4): 285-290, out.-dez. 2004 289


MITOS E VERDADES SOBRE TERAPIAS... Terra et al. SIMPÓSIO ENVELHECIMENTO

E, Jeckel-Neto EA, organizadores. As- lógicos e geriátricos do envelhecimento. 14. PAPALÉO NETTO M. O estudo da ve-
pectos biológicos e geriátricos do enve- 2.ed. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2002. lhice no século XX: histórico, definição
lhecimento. 2.ed. Porto Alegre: p.73-88. do campo e termos básicos. In: Freitas
EDIPUCRS; 2002. p.31-49. 10. JECKEL-NETO EA, CUNHA GL. Teo- E, Py L, Néri AL, et al. Tratado de geria-
5. CRUZ IBM. Genética do envelhecimen- rias biológicas do envelhecimento. In: tria e gerontologia. Rio de Janeiro: Gua-
to, da longevidade e doenças crônico- Freitas E, Py L, Néri AL, et al. Tratado nabara Koogan; 2002. p.2-12.
degenerativas associadas à idade. In: de geriatria e gerontologia. Rio de Janei- 15. PASCHOAL SMP. Qualidade de vida na
Freitas E, Py L, Néri AL, et al. Tratado ro: Guanabara Koogan; 2002. p.13-9. velhice. In: Freitas E, Py L, Néri AL, et
de geriatria e gerontologia. Rio de Janei- 11. MARINO MCA, MORAES EN, SAN- al. Tratado de geriatria e gerontologia.
ro: Guanabara Koogan; 2002. p.20-57. TOS AGR. Avanços e perspectivas em Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
6. FREITAS EV, MIRANDA RD, NERY geriatria. In: Freitas E, Py L, Néri AL, et 2002. p.79-84.
MR. Parâmetros clínicos do envelheci- al. Tratado de geriatria e gerontologia. 16. RAMOS LR. Epidemiologia do envelhe-
mento e avaliação geriátrica global. In: Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; cimento. In: Freitas E, Py L, Néri AL, et
Freitas E, Py L, Néri AL, et al. Tratado 2002. p.588-602. al. Tratado de geriatria e gerontologia.
de geriatria e gerontologia. Rio de Janei- 12. MORIGUCHI EH. Terapia antioxidante: Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
ro: Guanabara Koogan; 2002. p.609-617. mitos e fatos: críticas à terapia molecular. 2002. p.72-8.
7. GUIMARÃES RM. Terapias antienve- In: Clemente E, Jeckel-Neto EA, orga- 17. RODRIGUES NC, RAUTH J. Os desa-
lhecimento. In: Freitas E, Py L, Néri AL, nizadores. Aspectos biológicos e geriá- fios do envelhecimento no Brasil. In:
et al. Tratado de geriatria e gerontologia. tricos do envelhecimento. 2.ed. Porto Freitas E, Py L, Néri AL, et al. Tratado
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; Alegre: EDIPUCRS; 2002. p.109-17. de geriatria e gerontologia. Rio de Janei-
2002. p.749-53. 13. MORIGUCHI Y. Aspectos práticos e ob- ro: Guanabara Koogan; 2002. p.106-10.
8. HAYFLICK L. Como e porque envelhe- jetivos da medicina preventiva em geria- 18. TERRA NL. Intervenções antienvelheci-
cemos. 2.ed. Rio de Janeiro: Campus; 1997. tria. In: Freitas E, Py L, Néri AL, et al. mento. In: Terra NL, Dornelles B, orga-
9. JECKEL-NETO EA. Restrição de dieta Tratado de geriatria e gerontologia. Rio nizadores. Envelhecimento bem sucedi-
e longevidade. In: Clemente E, Jeckel- de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. do. 2.ed. Porto Alegre: EDIPUCRS;
Neto EA, organizadores. Aspectos bio- p.603-8. 2003. p.77-90.

290 Revista AMRIGS, Porto Alegre, 48 (4): 285-290, out.-dez. 2004

Você também pode gostar