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publico.pt/2018/03/27/p3/cronica/os-anos-80-uma-decada-especial-1831794/amp
Estefânia Barroso
Opinião
Fica então a questão no ar: os anos 80 terão sido mesmo uma década diferente e
especial ou apenas gostamos de relembrar (nós, os que crescemos nos anos 80) a
nossa infância/ adolescência e o tempo em que, sem saber, éramos muito felizes?
O certo é que todos temos tendência para olhar para o passado com um certo
saudosismo. Eu olho para as séries dos anos 80, para os desenhos animados dessa
época, para a música e não consigo deixar de pensar: “Raios, já não se fazem coisas
como antigamente!” (Esquecendo, deliberadamente, que se fazem séries de uma
qualidade imensa, que os filmes de animação têm produzido pérolas como Coco e
que existe muita e boa música a ser apresentada ao público.) O interessante é
perceber que, quando conversas com jovens de 20 anos, que viveram a sua
infância/ adolescência em 1998/2000, o discurso deles é estranhamente colado ao
meu. Também eles dizem que “Já não se fazem desenhos animados como
antigamente”, sendo que o “antigamente” deles ronda a década de 2010.
Tudo isto me leva a acreditar que todos nós olhamos para o passado com
saudosismo e nostalgia. Quase todos temos tendência para dizer que o passado era
bem mais interessante e divertido do que o presente que vivemos. Fazemos isso
com o nosso próprio passado, as nossas vivências e o passado da humanidade.
Consideramos sempre que os tempos que passaram foram melhores e mais
criativos do que os actuais. Esta ideia é magistralmente apresentada por Woody
Allen no fabuloso filme Midnight at Paris — aconselho a quem não viu. O filme
pretende transmitir a ideia de que, independentemente da época em que se vive, a
vida é muitas vezes sentida de um modo pouco satisfatório (o trabalho, o amor, as
relações nunca são exactamente aquilo que pretendíamos). Por isso, as pessoas
tendem a achar que já foram mais felizes em determinado momento ou época ou a
achar que seriam mais felizes num outro momento histórico.
O excerto
"Ainda não tinham decorrido cinco minutos do primeiro episódio [de 1986] e já
toda eu era sorrisos. Um sorriso que não me abandonou ao longo dos 40 e pouco
minutos que cada episódio durou. Senti-me transportada para o Portugal dos anos
80, o Portugal que eu observava através dos olhos de uma criança com apenas 10
anos. Tudo foi pensado ao pormenor. Os tapetes, as colchas, os cortinados, os
cenários são os das nossas casas nos anos 80."
Será essa a razão para gostarmos tanto dos anos 80? Será apenas um gostar de uma
época que já passou? Estaremos nós a achar que o presente é pobre apenas e só
porque nos sentimos pouco satisfeitos com a vida que levamos? Apenas porque a
humanidade sempre se comportou assim?
Ainda que isso possa ter um fundinho de verdade, não será a razão maior.
Considero que a época dos anos 80 foi diferente a muitos níveis. Teve um tanto de
kitsch (as decorações das casas meio estranhas, as almofadas ou os bonecos que
decoravam a parte de trás dos carros, os chumaços nas camisolas, os grandes
bigodes neles e os volumosos cabelos nelas) e outro tanto de genialidade e
novidade. Não podemos esquecer que, em Portugal, esta é a geração pós-25 de
Abril. A primeira em muitos anos a ter crescido num ambiente de liberdade, onde
não se sentia o peso da guerra colonial e onde existia liberdade de expressão. As
crianças dessa década terão sido, eventualmente, as últimas a crescer num clima
de total liberdade: as bicicletas pela estrada fora, as brincadeiras no campo até ao
cair da noite, os encontros com os amigos na rua, apenas e só para conversar. Nada
disso é possível nestes dias. Ainda que tivéssemos tido as crises financeiras de 1977
e 1983, assistimos ao surgimento de uma classe média que tentava reproduzir
padrões de consumo associados às sociedades europeias mais avançadas. Tudo
tinha um gosto de novidade e era aceite de braços abertos. A novela Gabriela,
Cravo e Canela conseguia parar o país. Os próprios horários do Parlamento foram
alterados para que os deputados pudessem assistir ao último episódio desta
novela. A nível mundial, foram os tempos das “grandes bandas”, como USA for
Africa ou Band Aid. Acreditava-se no poder da música, acreditava-se que com ela
se podia tornar o mundo um sítio melhor para viver. E a verdade é que se fez
música, nessa época, intemporal. Quem não gosta de ouvir e quem não canta a
plenos pulmões o We are the World nas muitas vezes que passa na rádio?