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Análise Pslcológica (1990), 3 (VIII): 265-274

A Influência dos Factores Sociais


Contextuais na Resolução de Problemas

MARGARIDA ALVES MARTINS (*)


FERNANDA CARVALHO NETO (**)

I. INTRODUÇÃO origem das coordenações individuais, elas


precedem-nas e generalizam-nas.
Desde há vários anos que se tem vindo a dar
- Estudos sobre a significação social das
tarefas que desenvolvem o conceito de
uma importância cada vez maior A influência
que as variáveis sociais têm nos processos
marcação social (Gilly, 1987; Blaye, 1987;
Doise, 1988; Mugny, 1988) em que se
cognitivos. No entanto, se até 1970/75 as
aprofundam as características sociais da
variáveis sociais eram vistas como factores
situação «resolução da tarefa)) implicando
extrínsecos a dinâmica cognitiva, sendo esta
ou não uma interacção com um parceiro
conceptualizada num modelo binário
sujeito/objecto, foi só a partir desta altura que social e todas as modificações que estas
variáveis podem introduzir nas realizações
se começou a considerar as variáveis sociais
dos sujeitos.
como fazendo parte integrante dos processos
cognitivos, passando a dinâmica cognitiva a ser
- Trabalhos que incidem nas significações
conceptualizada num modelo ternário sociais contextuais (Are, 1988), que se
interessam pela influência da representação
sujeito/outro/objecto.
das situações, dos estatutos dos parceiros
Nesta perspectiva, surgiram toda uma série sociais e das expectativas dos respectivos
de trabalhos de investigação em que o estatuto papéis na resolução de tarefas cognitivas.
do social passou a ser considerado como
A presente investigação que é uma réplica de
consubstancial aos mecanismos psicológicos de
um trabalho realizado por Béatrice Are em Aix-
que se estuda o funcionamento, a elaboração
ou os produtos: -en-Provence (1988) inscreve-se neste último
grupo de trabalhos e procura elucidar qual a
- Trabalhos sobre o papel das interacções influência da significação de diversos contextos
sociais no desenvolvimento cognitivo (Perret- sociais na elaboração de uma resposta a um
-Clermont, 1979; Doise & Mugny, 1981; problema matemático.
Mugny, 1985) cujo paradigma é fundado
sobre a tese geral segundo a qual as 11. CONTRATOS DE COMUNICAÇÃO E
coordenações entre indivíduos estão na RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

(*) Professora Associada no ISPA. A elaboração de uma resposta a uma dada


(**) Investigadora no ISPA. tarefa cognitiva, neste caso um problema de

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matemática, não depende só dos conhecimentos completamente desprovida de sentido, tendo este
do sujeito, nem das características da tarefa, estudo servido assim para questionar aspectos
mas também da representação que o sujeito ligados ao ensino/apren&agem da matemática.
constrói acerca da tarefa que lhe é proposta, (Baruch 1985).
assim como do significado que atribui No entanto, os trabalhos de Brissiaud (1988)
situação na qual esta lhe é apresentada. vieram chamar a atenção para outras
Como enfatisou Donaldson (1978) a criança interpretações possíveis destes resultados.
implicada numa tarefa de aprendizagem não Retomando enunciados idênticos aos
compreende as fórmulas matemáticas num utilizados pela equipa do I.R.E.M, Brissiaud
vácuo social ou como tarefas «puras». Pelo pediu a 23 alunos do ensino primário, não para
contrário, ela interpreta situações e atribui-lhes darem uma solução a um problema, mas para
significados em função das suas experiências emitirem um juízo sobre o enunciado, tendo
passadas em tarefas ou situações similares. verificado que 20 mostram perceber uma dificul-
Quais as características das situações em que dade no tratamento do enunciado, apesar de
os problemas matemáticos são em geral 8 não rejeitarem de imediato a sua validade.
ensinados?
São situações de sala de aula em que um Este autor concluiu que o facto de haver
professor propõe aos alunos tarefas que crianças que falham na fase de elaboração de
comportam questões percebidas como legítimas uma decisão de rejeição do problema, não
e pertinentes, que no caso da matemática significa que elas não se tenham colocado a
elementar se traduzem em geral por questões- questão da pertinência dos dados para a
-problemas que tenham necessariamente uma pergunta final.
solução e só uma. Outros trabalhos feitos com problemas
Estas situações de sala de aula são regidas absurdos (Schubauer-Leoni & Perret-Clermont,
por hábitos específicos do professor esperados 1987) mostraram que a maioria dos alunos
pelo aluno e por comportamentos do aluno franze os olhos ou murmura «é um disparate»
esperados pelo professor. (Contrato didáctico, ou «não se pode saber)) mas todavia assim que
segundo Schubauer-Leoni, 1986). Cada classe é necessário escrever no papel a resposta fazem-
define os seus próprios contratos; de qualquer -no, utilizando os números do enunciado e
forma, é necessário não esquecer que todo o combinando-os através de uma ou mais
contrato repousa sobre uma premissa situacional operações aritméticas para obter uma solução.
determinada pelo contexto institucional no A pressuposição da existência de uma solução
sentido amplo - neste caso a escola. é implicitamente ligada a uma norma moral do
Vários trabalhos destinados a estudar os contrato didáctico: «Não se tem o direito de
procedimentos de resolução de problemas fazer pensar os alunos se não há uma solução.))
aritméticos na escola primária contribuiram Os alunos, colocados face a este tipo de
para elucidar as regras do contrato didáctico. problemas, acabam por mobilizar as condutas
Aíguns destes trabalhos utilizaram tarefas que socialmente necessárias próprias do contexto de
rompem as regras do contrato didáctico tais sala de aula, ao contrato didáctico. Sendo
como enunciados de problemas absurdos. assim, resultados como os que a equipa do
li? o caso de um estudo desenvolvido por uma I.R.E.M. de Grenoble obteve, podem-se
equipa de professores do I.R.E.M. de Grenoble interpretar de uma nova forma: os alunos
(1980) em que se propôs a alunos do ensino colocados face a um problema afora de
primário que respondessem ao seguinte contrato» e apesar de se aperceberem do
problema: «Num barco existem 26 carneiros e absurdo deste problema, não se consideram no
10 cabras. Qual a idade do Capitão?)). direito de manifestar a sua desaprovação
Dos 97 alunos interrogados, 75 deram uma mostrando ao professor o seu erro. Pelo
solução combinando os números do enunciado. contrário, esforçam-se por reconsiderar a tarefa,
Uma primeira interpretação destes resultados atribuindo-lhe um sentido diferente daquele que
foi no sentido de considerar que a matemática primeiramente lhe tinham atribuído, e chegam
estaria a ser ensinada de uma forma a uma solução mobilizando os esquemas de

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resolução de problemas anteriormente problemas que serão mobilizadas numa situação
aprendidos. deste tipo?
Se esta nova forma de encarar estes resultados Trabalhos de investigação anteriores (Mugny
está certa, se o que os alunos fazem é mobilizar & Doisg1983; Perret-Clermont, 1984) mostram
as condutas socialmente necessárias próprias ao que numa situação de interaqão entre pares,
contrato didáctico, então é de prever que se as as regras que regulam os contratos de
regras que reguiam a situação de interacção comunicação são diferentes das duas situações
forem diferentes, o tipo de comportamento e anteriores. Será que quando duas crianças
as estratégias de resolução mobilizadas serão interagem a propósito de um problema absurdo
também diferentes. não existe nenhuma ({autoridade de função))
Face a um mesmo problema absurdo mas antes dois interlocutores em igualdade de
colocado num outro contexto as respostas não circunstâncias?
serão as mesmas.
Será que o contrato de comunicação que se
Trabalhos de investigação realizadas a establece entre os pares é de natureza lúdica
próposito do contrato de comunicação que se ao contrário do contrato didáctico ou do
establece quando um experimentador interage contrato experimental, ou será que o facto de
com um sujeito experimental (contrato se colocarem duas crianças a interagir não é
experimental) (N. Balacheff & C. Laborde, 1985; por si só suficiente para modificar as regras que
Elbers, 1986; Grossen, 1986) puseram em evi- regulam os comportamentos esperados de
-dência que se a criança espera encontrar na resolução de problemas?
situação experimental, aquilo que encontra na
sala de aula, ou seja, uma situação de ensino,
um adulto que ajuda a procurar uma resposta,
um feedbak do adulto face a essa mesma 111. OBJECTIVOS E H I m E S E S
resposta, o experimentador não corresponde a
essas expectativas, o que possivelmente leva a
Esta investigação pretende contribuir para a
criança a interpretar a situação de uma forma
compreeensão dos factores sóciocontextuaisque
diferente. O trabalho de construção da inter-
-subjectividade não parte todavia do nada, dado influenciam a forma como alunos do 1 P ano
que na maioria das vezes, o encontro se dá no da 2." fase elaboram uma resposta ou solução
edifício escolar, a relação experimental é ela a um problema absurdo de matemática.
também submetida a o meta-contrato Trabalhos anteriores (Are, 1988) mostram que
institucional: assim como para o contrato existe um meta-contrato matemático que regula
didáctico, a relação experimental aparece a interacção sujeito/situação de resolução de
legítima aos olhos dos alunos, que apesar de problemas, meta-contrato esse constituído pelas
ficarem um pouco indecisos, tendem a atribuir seguintes regras:
ao experimentador a «autoridade de função))
que ele declara exercer. - Todo o problema matemático tem uma
No entanto, o contrato experimental engendra solução
geralmente uma história dentro da história dos
- Existe uma relação entre os índices
numéricos e a questão posta pelo
saberes ensinados. Como que uma micro-
enunciado
-história interpessoal que toma lugar no seio
de uma história relacional entre professor e
- Resolve-se um problema utilizando as
aluno, a propósito de um mesmo saber. operações aritméticas com os números do
enunciado
As significações que os alunos transportam
sob formas de hábitos cognitivos e sociais No entanto, pensamos que quando um sujeito
elaborados no seio do contrato didáctico, têm está perante a resolução de um problema as
que ser adaptadas e reinterpretadas no seio de regras deste meta-contrato matemático são
uma nova relação sujeito-experimentador. mediatizadas pelas características do contexto
Quais as estratégias de resolução de no qual o problema é colocado. 6 assim que

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neste trabalho pretendemos testar a seguinte que o problema é colocado. É assim que
hipótese: pretendemos neste trabalho testar a seguinte
hipótese:
H1: Os contratos de comunicação que
regulam as interacções em vários contextos H2: Os bons alunos, por mais facilmente se
determinam a forma como o problema será aperceberem das expectativas dos seus
resolvido e as estratégias de resolução interlocutores, terão comportamentos e
adoptadas. utilizarão estratégias de resolução do
problema mais diversificadas e adaptadas a
Pensamos que, em função do contexto em
cada um dos contextos do que os maus
que o problema é colocado, assim as condutas
alunos.
socialmente necessárias são diferentes.
Considerámos três contextos, o de sala de
aula, o «experimental», e o de interacção com
IV. METODOLOGIA
um colega. O primeiro seria regido por um
contrato didáctico, o segundo por um contrato
1. População
experimental, o último por um contrato lúdico.
As condutas socialmente necessárias nas três Esta experiência foi realizada com um grupo
condições são, segundo Are (1988): de 90 crianças do 1: ano da 2? fase de várias
escolas de Lisboa, 45 consideradas pelos seus
Na situação de contrato didáctico:
professores como boas alunas, 45 como más
- Todos os problemas colocados na sala alunas. Cada professor indicou, do conjunto
de aula têm necessariamente uma
dos seus alunos, 3 bons alunos e 3 maus alunos.
solução; Estes sujeitos foram repartidos aleatoriamente
- A legitimidade do agente e da questão por três condições experimentais.
não são para ser postos em causa;
- Não se deve deixar a folha em branco; e 2. Escolha do enunciado do problema
- Devem-se utilizar estratégias de resolução
directamente relacionadas com o saber Escolheu-se como tarefa, a resolução de um
formal problema absurdo, que sendo um problema fora
de contrato permite evidenciar quais as regras
Na situação de contrato experimental: implícitas que o constituem. «Numa sala de
- Tem que se mostrar como se pensa em aula existem 8 mesas e 4 janelas; Quantos anos
matemática;
tem a professora?»
- Podem-se utilizar estratégias de resolução A escolha deste enunciado tomou em
que não estejam directamente
consideração diversos parâmetros: em primeiro
relacionadas com o saber formal, mas
lugar, o enunciado é muito simples; com efeito,
que se relacionem com a experiência
não se pretende levantar obstáculos tomada
social anterior; de consciência da impossibilidade de resolver
Na situação de contrato Iúdico: este problema; em segundo lugar, os números
- Deve-se procurar a «peça do puzzle)), do enunciado foram escolhidos de forma a que
encontrar o erro; pudessem induzir uma idade de professora
- Podem-se utilizar estratégias de resolução quando é utilizada uma operação aritmética,
fazendo apelo A lógica e não a um a multiplicação; em terceiro lugar, existe uma
tratamento aritmético dos dados do coerência entre os elementos do texto do
enunciado; enunciado tal como a que existe em geral nos
problemas não absurdos.
Uma outra variável que pensamos poder
influenciar o tipo de comportamento e as
3. Condições experimentais
estratégias dos sujeitos na resolução de um
problema é o seu estatuto escolar. 6 do seu A primeira condição, a que chamaremos
lugar de bons e de maus alunos que os sujeitos situação de classe, visa manter os sujeitos no
vão dar uma significação social ao contexto em contexto habitual de interacção com a sua

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professora, na sua turma e na sala utiiizada branca «não escolar» é entregue ao sujeito e
habitualmente. é-lhe dada a seguinte instrução: «Eu vou dizer-
A segunda condição, a que chamaremos de -te o enunciado de um problema e gostaria que
situação «experimental», é uma réplica do tu escrevesses o resultado a que chegares nesta
cenário que é proposto habitualmente nas folha». Depois entra a experimentadora A que
experiências de investigação. O sujeito encontra- coloca as seguintes questões: ((Podes-meexplicar
-se em interaqão com um adulto que não como é que encontraste este resultado? O que
conhece, numa sala que não está ligada às suas é que tu pensas deste problema?». 6 igualmente
vivências escolares quotidianas. assegurado que a criança não conte aos seus
A terceira condição a que chamaremos colegas o que se passou.
situação de interacção com um colega, coloca
o sujeito frente a um colega da mesma turma c) Situação de interacção com um colega
de estatuto equivalente, colega esse que não sabe
Esta situação desenrola-se numa sala que não
que o problema não tem solução.
é utilizada habitualmente nem pelo sujeito nem
pelo colega. Este colega foi escolhido de entre
4. Procedimento
os alunos que na situação de saia de aula
resolvem o problema de uma forma aritmética.
a) Situação de classe A experimentadora A dá ao colega a seguinte
Esta situação decorre, num primeiro instrução: <divais passar este problema a um
momento, na sala de aula habitual. O colega teu. Deves apenas ler o enunciado e
enunciado do problema é escrito no quadro pela pedir-lhe que escreva o resultado nesta folha.
professora sem comentários, como se se tratasse Atenção, não deves explicar-lhe como é que
de um exercício vulgar de matemática. I? resolveste o problema». Os sujeitos são
distribuida uma folha a cada criança e a recebidos individualmente pelo colega que lhes
professora dá a seguinte instrução: «Escrevam dá as seguintes instruções: «Eu vou dizer-te o
o vosso nome, o enunciado do problema e os enunciado de um problema e tu vais resolver
resultados a que chegarem». As folhas são em e escrever o resultado nesta folha». Depois de
seguida recolhidas pela professora. cada sujeito responder, a experimentadora A
Num segundo momento, a Professora entrega entra e faz-lhe as seguintes perguntas: «Podes-
as folhas i experimentadora (experimentadora -me explicar como é que encontraste este
A). Os alunos que fazem parte da amostra são resultado? O que é que tu pensas deste
enviados, um de cada vez, a uma sala onde a problema?»
experimentadora se encontra. Cada sujeito dá
o seu nome e a sua folha é-lhe entregue.
Nenhuma informação lhe é dada sobre a função V. APRESENTAÇÂODOS RESULTADOS
ou o papel da experimentadora. São colocadas
as seguintes perguntas: «Eu vejo que tu Começaremos por analisar os tipos de
encontraste [ou não] uma resposta ao problema. comportamento de resolução do problema que
Serás capaz de me explicar como é que fizeste? os sujeitos da nossa amostra utilizaram(1). O
O que é que tu pensas deste problema?» I? primeiro tipo de comportamento considerado,
assegurado que cada criança não conta aos seus é o de rejeição da validade do enunciado.
colegas o que se passou com a arperimentadora. Considerámos neste grupo os sujeitos que, não
tendo dado nenhuma solução. numérica ao
b) Situação experimental problema, declaram de imediato que o problema
Um experimentador (experimentador B)
recebe os alunos um a um, numa sala que não (1) Houve 3 sujeitos que nem rejeitaram a validade
seja a sala de aula. Apresenta-se-lhe da seguinte do enunciado nem encontraram uma solução
numérica para o problema optando por não
maneira: «Como vês eu não sou uma responder. Estes sujeitos foram eliminados da nossa
professora. Eu estudo como as crianças amostra, passando assim esta a ser constituída por
aprendem matemática na escola». Uma folha 87 sujeitos.

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6 insolúvel. É o caso do Tiago: «Tem que haver QUADRO 1
mais dados para saber quantos anos tem a
professora».
O segundo tipo de comportamento Tipo de
considerado, é o dos sujeitos que encontram Comporta. Resolve mas Resolve sem
uma solução combinando os dados numéricos Rejeita manifesta manifestar
do enunciado, não tendo assim rejeitado a Condições dúvidas dúvidas
validade do problema no momento em que este
Ihes é apresentado, mas que no entanto
Situação de 10% 26,7% 63,3070
posteriormente, na situação de entrevista,
manifestam dúvidas quanto a validade do Classe (3) (8) (19)
enunciado chegando mesmo a rejeitá-lo. fi o
caso da Susana que, após ter resolvido o Situação 25,9% 1,4070 66,7070
problema através de uma multiplicação, Experimental (7) (2) (18)
verbaliza na situação de entrevista pós-
-experimental as suas dúvidas: Situação de
interacção com 13,3% 13,3% 13,3%
Exp: «Podes-me explicar como é que
um colega (4) (4) (22)
encontraste estes resultados?))
Susana: «ResoIvi fazer uma conta de
multiplicação e deu-me 32.» Total 16% 16% 68%
Exp: «O que é que pensas deste problema?» (14) (14) (59)
Susana: «Acho que o problema não está a
dar a ligação certa... porque, para fazer a
conta com mesas e janelas não pode dar a Verifica-se que a maioria das crianças resolve
idade da professora.» o problema nas três situações, apesar de na
Exp: «Então porque é que fizeste a conta?» situação experimental a percentagem de rejeições
Susana: «Porque me mandaram fazer.» ser significativamente superior A das duas outras
Exp: «A professora disse para tu fazeres a condições ( p < 0,05 ). Por outro lado, é
conta?» interessante assinalar que é na situação de classe
Susana: «Não, disse para resolver o problema que as crianças manifestam mais dúvidas
e eu achei que ela queria uma conta.» posteriores quando a solução encontrada.
26,7% dos sujeitos submeteram-se as regras do
O terceiro tipo de comportamento contrato didáctico aquando da resolução do
considerado, é o dos sujeitos que após terem problema dentro da sala de aula, mas numa
resolvido o problema numericamente, não fazem situação posterior, são capazes de se interrogar
qualquer observação quanto A validade do sobre a validade do problema. Finalmente,
enunciado. o caso do Luís que encontrou uma verifica-se que a situação de interacção com um
solução recorrendo a multiplicação e que colega se aproxima da situação de classe no que
posteriormente não manifesta qualquer dúvida: diz respeito & percentagem de comportamento
de rejeição e resolução sem dúvidas posteriores.
Exp: «Podes-me explicar como é que Analisaremos seguidamente o tipo de
encontraste este resultado?» estratégia de resolução do problema utilizada.
Luís: «Multipliquei e deu-me 32 anos.» Classificámos os 73 protocolos dos sujeitos
Exp: «O que é que pensas deste problema?» que resolvem o problema numericamente,
Luís: «É normal, é fácil.» segundo dois tipos de estratégias de resolução.
Na estratégia I agrupámos os sujeitos que
O quadro 1 mostra-nos a distribuição dos utilizam uma ou mais operações aritméticas
sujeitos da nossa amostra por tipo de para resolverem o problema: 8x4; 8 + 4; 8:4; 8-4.
comportamento, em função das três condições Considerámos como tendo utilizado a
experimentais. estratégia I1 os sujeitos que utilizaram os índices

270
numéricos do enunciado para encontrarem uma na situação experimental que os sujeitos mais
solução, mas que não efectuaram um recorreram a estatégias lógicas de resolução que
tratamento aritmético (o caso do Rodrigo); ou não têm directamente a ver com o saber formal,
aqueles que encontraram um resultado sem sendo a estratégia I1 significativamente mais
utilizar os números do enunciado, dissociando- utilizada nesta condição do que nas outras duas
-os da pergunta (o caso da Vera): ( P < 0,05 ).
Verifica-se, tal como no quadro anterior, que
Exp: «Como é que encontraste este os resultados obtidos na situação de interacção
resultado?»
com um colega se aproximam dos obtidos na
Rodrigo: «Eu sei que havia 4 janelas e 8
situação de classe.
mesas e vi logo que a professora tinha 48
Examinaremos agora (Quadro 3) qual a
anos.»
influência que o estatuto de bom e de mau
Exp: «O que é que achaste do problema?»
aluno tem no comportamento de resolução do
Rodrigo: «Achei que era lógico a professora
problema.
ter 48 anos.»
Verifica-se que são sobretudo os bons alunos
que verbalizam dúvidas quanto ti lógica do
Exp: «Como é que encontraste este
problema após o teram resolvido, quer na
resultado?»
situação de classe (40%), quer na situação
Vera: ((0 problema perguntou quantos anos
experimental (14,3%). Por outro lado, verifica-
é que a minha professora tinha e eu disse
-se que os bons alunos são aqueles que têm uma
que tinha 40.))
percentagem de rejeições menor no contexto de
O quadro 2 mostra a repartição das sala de aula, enquanto que na situação de
estratégias de resolução nas três condições interacção com um colega são aqueles que mais
experimentais. rejeitam a validade do enunciado.
Analisaremos agora (Quadro 4) o tipo de
estratégia de resolução adoptada por bons e
QUADRO 2 maus alunos.
Verifica-se que, na situação experimental,
existem diferenças significativas entre os bons
Estratégia de Estratégia Estratégia
resolução I I1
e os maus alunos na utilização das estratégias
de resolução do problema. Enquanto que os
Condições
bons alunos recorrem em grande parte (45,5%)
a estratégias não aritméticas, só 22,2% dos
Situação de classe 88,9% 11,1% maus alunos priveligiam esta estratégia de
(24) (3) resolução.
Tal como nos quadros anteriores, não parece
Situação Experimental 65070 35% haver diferenças entre a situação de classe e a
(13) (7)
situação de interacção com um colega.

Situação de interacção 96,2% 3,8070


com um colega (25) (1) VI. DISCUSSÁO DOS RESULTADOS
E CONCLVSÕES
Total
O primeiro comentário que nos parece
pertinente fazer, é o de que não se verificam
diferenças entre a situação de classe e a situação
De uma forma geral, pode-se verificar que de interacção com um colega. As regras do
a grande maioria dos sujeitos que deram uma contrato didáctico acabaram por estar presentes
solução numérica ao problema, utilizaram uma e influenciar as condutas socialmente necessárias
estratégia aritmética (84,9%). No entanto, foi na situação de interacção com um colega, não

271
QUADRO 3

estatuto
escolar BOM ALUNO MAU ALUNO

resolve mas resolve sem resolve mas resolve sem


Comp. rejeita manifesta manifestar rejeita manifesta manifestar
Condições dúvidas dúvidas dúvidas dúvidas

Situação
de classe 6,7% 40% 53,3% 13,3% 13,3% 73,3%
(1) (6) (8) (2) (2) (11)

Situação
Experimental 21,4070 14,3% 64,3% 30,8% 0% 69,2%
(3) (2) (9) (4) (0) (9)

Situação de
interacção 20% 13,3% 66,7 @/o' 6,7% 13,3% 80%
c/ um colega (3) (2) (10) (1) (2) (12)

QUADRO 4

estatuto
escolar BOM ALUNO MAU ALUNO

tipo de
estatatuto Estratégia I Estratégia I1 Estratégia I Estratégia I1
Condições

Situação
Experimental 54,5% 45,5% 77,8% 22,2%
(6) (5) (7) (2)

Situação de
interacção com 100% 0% 92,9% 7,1%
um colega (12) (0) (13) (1)

2 72
se tendo estabelecido qualquer contrato do tipo aritméticas levou os sujeitos a sentirem
lúdico. posteriormente menos dúvidas quanto à lógica
Parece que o colega «interpretou» o seu papel do enunciado.
como o de professor, colocando-se numa A hipótese relacionada com o estatuto escolar
posição hierarquicamente superior à do sujeito, dos sujeitos é confirmada no que diz respeito
como a dum indivíduo que «sabe que o às estratégias de resolução utilizadas. Os bons
problema tem uma solução e qual é» face a um alunos são mais numerosos a responderem em
outro que ignora, dificultando assim a rejeição conformidade com as regras de contrato em
do enunciado do problema. Podemos assim vigor em cada um dos contextos - utilização
concluir que não basta pôr duas crianças a da estratégia I na situação de sala de aula,
interagir, a propósito de um problema absurdo, utilização da estratégia 11 na situação
para que se estableça automaticamente um experimental. No que diz respeito aos
contrato de tipo lúdico. Quando esta interacção comportamentos de resolução, verifica-se, tal
tem lugar no contexto da escola, as regras desta como se previa na hipótese, que os bons alunos
instituição vão necessariamente influenciar o se comportam de forma mais adaptada às
decorrer da interacção, ficando o colega que expectativas dos seus interlocutores.
pergunta investido de uma ((autoridade de
Diremos, assim, em conclusão, que as regras
função» que lhe foi conferida pelo
de resolução de um problema de matemática
experimentador e que o aproxima do papel do
elementar são mediatizadas pelas características
professor. Esta ((autoridade de função» é
dos contextos em que são apresentados os
possivelmente reforçada por um conjunto de
problemas. A diferença de comportamentos
condutas não verbais que fazem passar a ideia
entre os bons e os maus alunos revela ainda
que o problema tem uma solução. que é a representação que os alunos têm das
Passaremos, assim, a contrastar unicamente condutas socialmente necessárias que influencia
a situação de classe com a situação
os comportamentos e as estratégias de resolução
experimental.
adoptadas face à tarefa. Se o que estivesse em
A hipótese segundo a qual a significação causa fossem os conhecimentos matemáticos,
social que o sujeito dá ao contexto tem um os resultados teriam ido no sentido de uma
papel determinante no seu comportamento face maior rejeição do problema pelos bons alunos,
a tarefa e escolha das estratégias de resolução, em qualquer um dos contextos. Ora, o que se
é verificada no que se refere ao contexto sala
verificou, foi que os bons alunos, na situação
de aula e ao contexto experimental. Existem
de classe aceitaram na sua maioria resolver o
diferenças nos comportamentose nas estratégias
problema, tendo recorrido às operaçãoes
de resolução de problemas adoptadas da
aritméticas, enquanto na situação experimental
situação de classe para a situação experimental.
previlegiaram a utilização de estratégias
Na situação de classe, os sujeitos foram mais
«lógicas». Parece, assim, que o que distingue
numerosos a resolver o problema, utilizando os bons dos maus alunos não será os seus
uma estratégia aritmética, tal como o contrato
conhecimentos matemáticos dissociados do
didáctico faria prever, apesar de na entrevista
contexto de aprendizagem, mas a sua maior
pós-experimental verbalizarem dúvidas quanto
capacidade em perceber o que se espera deles
à lógica do enunciado.
e em responder a essas expectativas de uma
Na situação experimental, os sujeitos foram
forma adaptada.
mais numerosos a rejeitar a validade do
enunciado e foi igualmente a condição onde Será que qualquer aprendizagem, na sua fase
foram mais utilizadas estratégias de resolução inicial, não terá que se submeter a determinadas
do problema não aritméticas, tal como o regras sociais que a tornem inteligível?
contrato experimental fazia prever. No entanto, ' Não será este o percurso de qualquer sujeito
na situação de entrevista pós-experimental, as que aprende: partir de uma dependência do
dúvidas verbalizadas foram menores do que na contexto para progressivamente adquirir uma
condição anterior. Parece que o facto de terem maior autonomia que lhe permita pensar a
optado por estratégias de resolução não tarefa, para além das regras que a

2 73
contextualizaram no início da sua Znteragir et connaitre (A. N. Perret-Clermont &
aprendizagem? M. Nicolet, Eú.), DelVal.
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