Você está na página 1de 6

A eficácia diagonal dos direitos fundamentais – considerações

A Doutrina e a Jurisprudência identificou uma nova nuance dessa aplicação, no que tem se
denominado de eficácia diagonal dos Direitos Fundamentais. É ume teoria interessante que tem
ampla aplicação nas relações consumeristas, trabalhistas e entre hipossuficientes de maneira
geral. A leitura é valiosa tanto na seara da vida prática, quanto no âmbito de concursos públicos.
Vamos lá.

Primeiramente, importante traçar breves comentários sobre os Direitos Fundamentais. Na


concepção de Canotilho “(…) os direitos fundamentais em sentido próprio são, essencialmente
direitos ao homem individual, livre e, por certo, direito que ele tem frente ao Estado,
decorrendo o caráter absoluto da pretensão, cujo o exercício não depende de previsão em
legislação infraconstitucional, cercando-se o direito de diversas garantias com força
constitucional, objetivando-se sua imutabilidade jurídica e política. (…) direitos do particular
perante o Estado, essencialmente direito de autonomia e direitos de defesa”

Os direitos fundamentais estão diretamente ligados ao direito à liberdade e à igualdade


(Direitos de 1ª geração). Diversos são os documentos ligados ao surgimento dos Direitos
Fundamentais, mas a sua origem é reportada a Magna Carta de 1215, do Rei João Sem Terra. É,
portanto, na Inglaterra que os Direitos Fundamentais tem sua primeira expressão.

A Constituição Federal de 1988 vai consagrar os direitos fundamentais, dividindo-os


em: Direitos Individuais (art. 5º); Direitos Coletivos (art. 5º); Direitos Sociais (arts. 6º e 193);
Direitos à Nacionalidade (art. 12) e Direitos Políticos (arts. 14 a 17).

Os direitos fundamentais nasceram, portanto, voltados a limitar o Poder do Estado em face


do indivíduo. Seriam proteções ao poder de império do Estado. Proteção dos direitos individuais
em face do poder do Rei. Ou seja, dentro de um cenário de Absolutismo, os direitos
fundamentais representam uma limitação nesse poder de império.

Daí, exatamente, dado esse cenário de verticalidade da relação Estado-Indivíduo, que se fala
em eficácia vertical dos Direitos Fundamentais. A eficácia vertical dos direitos fundamentais,
portanto, remonta a sua própria origem. Ao nascimento como uma ideia de limitação do poder
superior.

Lado outro, dado o desenvolvimento das relações humanas, ligado ao fenômeno do pós
positivismo, passou-se a falar na eficácia horizontal dos direitos fundamentais. E explico.

Tal como visto em post anterior, o pós positivismo trouxe novos ares interpretativos. Uma
aplicação maior do texto constitucional, dentro de um cenário de empoderamento da
constituição (máxima eficácia do texto constitucional). Esses sinais levaram a aplicação dos
direitos fundamentais dentro das relações privadas.

A derivação dessa teoria pauta-se na previsão contida no Artigo 5º, §1º da CF (§ 1º As


normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.). As normas
fundamentais deverão ser observadas nos negócios entre os particulares. Fala-se em eficácia
horizontal, uma vez que a relação entre os particulares não é marcada pela superioridade de uma
parte em relação a outra. Não há relação de verticalidade, como na relação entre Estado-
Indivíduo.

Recentemente, a doutrina tem falado em eficácia diagonal dos direitos fundamentais. A


eficácia diagonal dos Direitos Fundamentais aplicar-se-ia nas relações entre particulares onde
houvesse um cenário de desequilíbrio entre as partes. Ou seja, quando um particular detivesse
uma relação de maior poder que a outra parte. A teoria é amplamente aceita e positivada nas
relações consumeristas, onde reconhece-se a hipossuficiência do consumidor (Artigo 4º, §2º,
CDC).

A Justiça do Trabalho tem também amplamente aceito essa teoria, entendendo que na
relação do trabalho, deve o direito salvaguardar a parte mais fraca da relação. Nesse sentido,
vejamos as palavras do Prof. Sérgio Gamonal:

“Na eficácia diagonal dos direitos fundamentais no contrato de trabalho a racionalidade


acerca do objeto se vincula com o fim perseguido pelo contrato de trabalho enquanto prestação
de serviço sob subordinação que, afinal, não pode alterar direitos fundamentais de uma das
partes pelo único objetivo econômico do contrato ou da atividade empresarial. A livre iniciativa
econômica e o direito de propriedade não podem desprezar outros direitos básicos dos
trabalhadores em uma sociedade democrática, exceto em casos muito excepcionais e sempre
que se cumpram os requisitos que expusemos nas linhas anteriores.” (Cidadania na empresa e
eficácia diagonal dos direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2011, p. 33).

Essa teoria é relativamente nova e já plenamente aplicada pela jurisprudência pátria. Espero
que a leitura tenha sido proveitosa e instigue o debate e o conhecimento.

Eduardo Gonçalves*
Todos sabemos que os direitos fundamentais surgiram numa ideia de limitação do poder
absoluto do Estado e proteção do indivíduo, conferindo-se direitos básicos e garantias a
qualquer pessoa. Nesta relação Estado-indivíduo, diz-se que há uma eficácia vertical dos
direitos fundamentais, pois nesta relação há um poder “superior” (o Estado) e um
infinitamente “inferior” (o indivíduo), certo que não estão em posições iguais, sendo evidente a
proeminência de força do Estado.

Após a evolução da teoria dos direitos fundamentais, passou-se a reconhecer que os direitos
fundamentais não incidem apenas em relações desiguais, porém também em relações
particulares em que há uma igualdade de armas. Aqui, surge a eficácia horizontal dos direitos
fundamentais que é justamente incidência e observância de todos os direitos fundamentais nas
relações privadas (particular-particular). 
Esta eficácia horizontal já foi reconhecida mais de uma vez pelo STF: “As violações a direitos
fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas
igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado.
Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não
apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em
face dos poderes privados.” (http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?
docTP=AC&docID=388784).

Até aqui tudo tranquilo, tudo favorável. Todavia, é necessário lembrarmos que as relações
privadas nem sempre se apresentam de forma igualitária, sendo bastante comum
encontrar situações em que os particulares estão em posições bastante desiguais. Os maiores
exemplos estão nas relações de trabalho e de consumo onde o poder econômico das pessoas
jurídicas pode ocasionar violações aos direitos fundamentais dos trabalhadores/consumidores,
estes que são a parte fraca da relação.

Foi justamente a partir destas relações que o autor Sergio Gamonal desenvolveu a teoria
da eficácia diagonal dos direitos fundamentais que consiste na necessária incidência e
observância dos direitos fundamentais em relações privadas (particular-particular) que
são marcadas por uma flagrante desigualdade de forças, em razão tanto da hipossuficiência
quanto da vulnerabilidade de uma das partes da relação. 
Trata-se de uma eficácia diagonal por que, em tese, as partes estão em situações equivalentes
(particular-particular), mas, na prática, há um império do poder econômico, razão por que se
defende a observância dos direitos fundamentais nestas relações.
A este respeito, o TST já tem aplicado a eficácia diagonal dos direitos fundamentais nas
relações trabalhistas para combater atos discriminatórios
(http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?
action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%201882-
80.2010.5.02.0061&base=acordao&rowid=AAANGhAA+AAAO8aAAI&dataPublicacao=05/0
8/2016&localPublicacao=DEJT&query=efic%E1cia%20and%20diagonal).

Vejamos um julgado relevante:


EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. Recurso ordinário do Município de Volta Redonda.
DISPENSA INDEVIDA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO SEM AMPLA DEFESA E
CONTRADITÓRIO. OFENSA À DECISÃO DO STF RE 589998/PI. AFRONTA À EFICÁCIA
DIAGONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E AO PRINCÍPIO DA GRADAÇÃO DA
PENA. Entendo que há mesmo a necessidade da motivação do ato de dispensa, com
procedimento formal, dos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mistas,
com arrimo nos princípios insculpidos no art. 37, caput, da CR (Legalidade, impessoalidade,
moralidade e publicidade), na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de
Plenário, no RE 589998, nos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório,
tendo em vista a eficácia diagonal dos direitos fundamentais - é a oponibilidade dos direitos
fundamentais nas relações trabalhistas -, bem como no art. 2º e 50º da Lei n.º 9784/99 que
determinam a motivação dos atos administrativos. Recurso improvido. (TRT-1 - RO:
7524420125010342 RJ, Relator: Bruno Losada Albuquerque Lopes, Data de Julgamento:
09/09/2013, Sétima Turma, Data de Publicação: 16-09-2013).

Portanto, pessoal, gravem que a eficácia diagonal dos direitos fundamentais é a incidência dos
direitos fundamentais em relações privadas marcadas pela desigualdade entre os particulares,
especialmente onde se verifique um contraponto entre o poder econômico e a vulnerabilidade
(jurídica ou econômica). Este é um tema que certamente será cobrado em provas subjetivas e
orais de alto nível!

Poder disciplinar compartilhado nas relações de trabalho e a eficácia diagonal dos direitos

fundamentais

A Constituição da República de 1988, em seu artigo 5º, inciso LV, estabelece que

“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e  aos acusados em geral  são

assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela

inerentes”. (gn)

Pela interpretação literal do texto constitucional extrai-se que, ao empregado, acusado

de justa causa, deve ser garantido o contraditório e a ampla defesa, anteriormente à

aplicação da penalidade pelo empregador.


O dispositivo é de clareza solar e não se exige maiores elucubrações interpretativas

para que dele se possa haurir essa óbvia conclusão. E, a propósito do tema, não se

pode argumentar que o dispositivo constitucional se aplica somente às relações entre

os particulares e o Poder Público, mormente em face da horizontalização dos direitos

fundamentais (horizontalwirkung), ou seja, aplicação também nas relações entre

particulares.

Nesse sentido, bem pontua Daniel Sarmento que “os direitos fundamentais não se

aplicam apenas às relações verticais de poder, mantidas pelo Estado com seus

cidadãos, incidindo também sobre as relações entre particulares, situados numa

posição de hipotética igualdade jurídica”.[1]

Logo, atualmente, entende-se hoje que os direitos fundamentais devem ser aplicados

tanto às relações travadas entre o Estado e o cidadão (“eficácia vertical”) quanto às

relações privadas (“eficácia horizontal”).

No âmbito do Direito do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho tem utilizado a

expressão eficácia diagonal dos direitos fundamentais, dada a relação assimétrica de

poder existente entre as partes. A expressão foi utilizada pela doutrina chilena, mais

especificamente pelo professor Sergio Gamonal Contreras, que evidenciou uma

terceira espécie de eficácia dos direitos fundamentais: a “eficácia diagonal”.

Conforme sua concepção, além de incidirem sobre os dois tipos de relações

supracitadas (Estado-particular e particular-particular), os direitos fundamentais

recaem sobre as relações jurídico-privadas marcadas pelo desequilíbrio, tais

como ocorre no Direito do Trabalho, na qual a relação laboral é marcada pela

desigualdade material entre as partes.

Em pelo menos três oportunidades o TST citou a expressão:

Os direitos fundamentais, em sua eficácia horizontal, ou, usando a moderna

concepção de Sérgio Gamonal, em sua eficácia  diagonal  (CONTRERAS, Sergio

Gamonal. Cidadania na empresa e eficácia diagonal dos direitos fundamentais. São


Paulo: LTr, 2011), vinculam não apenas o Estado, mas também os particulares. TST-

AIRR-77700-47.2009.5.04.0019 e TST-RR-7894-78.2010.5.12.0014.

E é nesse cenário que se percebe uma das maiores virtudes do Direito do Trabalho:

proporcionar a eficácia  diagonal  dos direitos fundamentais (notadamente do

princípio da dignidade da pessoa humana – artigo 1º, inciso II, da Constituição

Federal), protegendo a relação entre particulares, perceptivelmente caracterizada

pelo desequilíbrio e pela desproporcionalidade, evitando que a subordinação

jurídica (direção quanto ao modo de execução do trabalho) se transforme em

submissão (sujeição pessoal de uma das partes à outra). (TST-RR-2121-

31.2012.5.15.0133)

A toda vista, o conteúdo normativo da expressão “acusados em geral” constante no

art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988 é perfeitamente aplicável às relações

jurídicas privadas.

A partir dessa ordem de ideias, a doutrina mais atenta tem defendido, com razão, a

necessidade de contraditório e ampla defesa nas acusações de justa causa. Necessário,

pois, que a dispensa por justa causa, notadamente por ato de improbidade, seja

precedida de uma procedimentalização que garanta efetivamente o contraditório

substancial e a ampla defesa nas relações privadas de emprego.[2]

Entretanto, como bem lembra Claudimir Supioni Júnior ainda prevalece no sistema

atual a figura do empregador que atua por conta própria e de forma totalmente

unilateral. Tomando ciência de uma conduta do empregado que considera faltosa, o

empregador, isoladamente, cria as bases de uma acusação, coleta e produz provas e,

ao final, exerce um verdadeiro julgamento do trabalhador, aplicando e executando a

sanção que lhe parecer mais adequada ao caso.[3]

Ainda, o mesmo autor sustenta que

Esse poder do empregador assume contornos incompatíveis com o Estado

Democrático de Direito, na medida em que concentra, de um lado, todo o poder de

decisão nas mãos de parte economicamente interessada e, de outro lado, atinge


diretamente direitos fundamentais do trabalhador, que pode ter sua fonte de sustento

abruptamente suprimida sem ao menos poder exercer seu direito de defesa.[4]

Importa asseverar ainda, na lição de Cândido Rangel Dinamarco, que o exercício do

poder, em qualquer uma de suas múltiplas manifestações – no caso, o poder

disciplinar do empregador – só pode ser considerado legítimo se, além de respeitar os

procedimentos, garantir a participação dos sujeitos envolvidos ou atingidos por

ele. Pode-se dizer, então, que o poder extrairia legitimidade do

binômio procedimento-participação. Essa é a atual visão de contraditório

substancial (garantia de influência e não surpresa), também aplicável às relações

privadas.[5]

A partir dessa lógica, ganha força na doutrina a tese do poder disciplinar

compartilhado, que busca traçar limites ao poder disciplinar do empregador que, em

apertada síntese, busca assegurar a defesa do trabalhador no processo disciplinar por

meio de um procedimento prévio, com a participação do ente coletivo obreiro.

Segundo Enoque Ribeiro dos Santos, o poder disciplinar compartilhado tem como

característica, dentre outras, a de que

 A aplicação da sanção disciplinar deverá, obrigatoriamente, ser precedida da

instauração de um processo (idêntico ao processo administrativo/sindicância),

tendente a apurar a gravidada da infração e a culpabilidade do infrator, e a determinar

a pena adequada ao caso concreto.[6]

Portanto, demonstrada está a aplicabilidade da norma contida no art. 5º, LV, da

Constituição Federal Brasileira de 1988 às relações privadas de emprego. Qualquer

interpretação a contrario sensu não se coaduna com a democratização insculpida pela

ordem constitucional.

Espera-se que a jurisprudência acolha referido entendimento doutrinário. Até o

presente momento, o Tribunal Superior do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal

ainda não enfrentaram diretamente o tema.

Você também pode gostar