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Funções Plenamente
Reconhecidas de Nutrientes
Zinco
Cristiane Cominetti
Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da
Universidade de São Paulo
1. Introdução
A essencialidade do zinco em sistemas biológicos data de 1869, comprovada por Jules Raulin
através de estudos do crescimento de Aspergillus Níger. Em 1926, foi descoberto que o elemento
também era indispensável para vegetais superiores. Em ratos, este fato foi demonstrado no ano de
1934. Em 1955, a paraqueratose suína foi atribuída à deficiência de zinco, e três anos mais tarde,
foi documentada a essencialidade do mineral para o crescimento de frangos. Até então, não se
acreditava na existência da deficiência do mineral em seres humanos, somente comprovada em
1961, pelo médico indiano Ananda Prasad.
De acordo com Prasad, a deficiência de zinco foi primeiramente diagnosticada em indivíduos
iranianos e egípcios. A comprovação do papel essencial do mineral para seres humanos foi realizada
com base no estudo de um paciente iraniano que apresentava crescimento e desenvolvimento
bastante reduzidos em relação à idade, anemia, hipogonadismo, hepatoesplenomegalia, alterações
cutâneas, letargia mental e geofagia. A alimentação era baseada em cereais refinados e quantidade
ínfima de proteína animal. O tratamento inicial incluiu a suplementação com sulfato ferroso e
oferecimento de alimentação com nível adequado de proteína de origem animal. De maneira geral,
os sintomas regrediram e o desenvolvimento corporal foi restabelecido. Entretanto, a concentração
de fosfatase alcalina no soro aumentou após a intervenção, o que foi atribuído a uma possível
contaminação do sulfato ferroso com zinco ou ao zinco proveniente da alimentação.
Em uma investigação mais completa sobre o metabolismo de zinco em indivíduos egípcios com
características bastante semelhantes àquelas observadas no Irã, demonstrou-se que o índice de
crescimento corporal era maior em pacientes que recebiam suplementação de zinco quando
comparados àqueles suplementados apenas com ferro ou dieta adequada em proteína animal.
Até a década de 1970, a deficiência de zinco ainda era considerada rara. Neste período, dois
acontecimentos importantes acabaram com essa controvérsia. O primeiro foi o relato de que a
acrodermatite enteropática, uma doença genética fatal, era causada pela deficiência de zinco.
Verificou-se que os pacientes eram incapazes de absorver o zinco proveniente da alimentação, e a
suplementação com o mineral restabeleceu completamente essa condição. O segundo acontecimento
foi a decisão de estabelecer uma Ingestão Dietética Recomendada (RDA) de zinco para humanos
(Prasad, 1991; Prasad, 2001).
2. Metabolismo
A absorção do zinco alimentar ocorre no intestino delgado, principalmente no duodeno e nas
primeiras porções do jejuno, por meio de transportes ativo e passivo. Quando há concentrações
elevadas de zinco no lúmen, o transporte ativo é saturável, e em casos de ingestão reduzida por
longos períodos, sua eficiência aumenta. Por outro lado, a absorção por transporte passivo é
proporcional à quantidade do mineral no lúmen e não se altera quando a ingestão é reduzida. O
zinco endógeno, proveniente das secreções pancreática, biliar e intestinal, e também da descamação
das células da mucosa, é submetido ao mesmo processo homeostático que o zinco alimentar, e ao
final ambos podem ser reabsorvidos nos segmentos distais do intestino, ou excretados através das
fezes (Figura 1).
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Depois de ocorrer a absorção, a liberação do mineral das células intestinais ocorre com o auxílio
de transportadores específicos. Existem duas famílias de transportadores de zinco: 1) os Zinc
Transporters (ZnT), que promovem a saída do mineral das células ou sua entrada em vesículas
intracelulares. Essa família é formada por dez membros, de ZnT1 a ZnT10. Entre esses dez membros,
os quatro primeiros são mais bem caracterizados quanto aos seus locais de expressão. O ZnT1 foi o
primeiro transportador a ser descoberto e se expressa em diversos tecidos do organismo, enquanto
o ZnT2 aparece apenas em intestino, rins e testículos. A expressão do ZnT3 é restrita ao cérebro
e aos testículos e a do ZnT4, ao cérebro e às glândulas mamárias; 2) as Zrt and Irt-like Proteins
(ZIPs) promovem o transporte do zinco dos fluídos extracelulares ou de vesículas intracelulares
para dentro do citoplasma das células. Catorze membros compõem essa família. As ZIPs 1 a 8 e a
14 têm função confirmada de transporte de zinco (Salgueiro et al., 2000; Liuzzi & Cousins, 2004;
Cousins et al., 2006).
No sangue, o zinco circula ligado principalmente à albumina. Outros ligantes plasmáticos incluem
α-macroglobulina, transferrina, cisteína e histidina. Depois de captado pelos hepatócitos, o mineral
é finalmente distribuído aos outros tecidos-alvo (Salgueiro et al., 2000; Krebs, 2000; King &
Keen, 2003).
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3. Funções
De acordo com a UK Joint Health Claims Initiative e a Food Standards Agency, as funções do
zinco aceitas para efeitos de alegação de saúde (“claims”) incluem apenas sua participação no
sistema imunológico, na divisão celular, no desenvolvimento reprodutivo e no restabelecimento
da pele e ferimentos. Entretanto, sabe-se que o zinco exerce diversas outras funções orgânicas,
principalmente por ser constituinte de mais de 300 metaloenzimas. Assim, sua ação é amplamente
distribuída em todos os sistemas do organismo, desde a fase de embriogênese até a senescência.
Seu papel antioxidante também é reconhecido, uma vez que participa do metabolismo da enzima
superóxido dismutase, como componente estrutural. Na tabela 1 estão descritas as funções aceitas
e não aceitas do zinco para fins de alegações de saúde.
Tabela 1. Funções aceitas e não aceitas para utilização como base de alegação de saúde, de acordo
com o UK Joint Health Claims Initiative e a Food Standards Agency,
4. Deficiência
A deficiência de zinco é distribuída mundialmente, entretanto, acredita-se que a prevalência
seja maior em regiões onde as proteínas alimentares são principalmente de origem vegetal. Em
casos de deficiência leve, o diagnóstico é de difícil realização, porém, podem ocorrer alterações
neurossensitivas, oligospermia, concentrações reduzidas de testosterona sérica, hiperamonemia,
redução de massa magra corporal, atividade reduzida de timulina sérica, de interleucina 2 e de
células natural killer, bem como alterações em subpopulações de células T. Sintomas como
crescimento reduzido, hipogonadismo, alterações cutâneas, redução de apetite, letargia mental,
adaptação anormal ao escuro e cicatrização reduzida de ferimentos são observados em casos de
deficiência moderada. Os principais fatores causadores da deficiência de zinco incluem inadequações
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6. Recomendações
Considerando que não há índices funcionais adequados ou simples para avaliar o estado nutricional
relativo ao zinco, o indicador utilizado para definir as recomendações de ingestão foi a quantidade
mínima absorvida do mineral suficiente para repor as perdas endógenas. A EAR para indivíduos
adultos e idosos é o valor médio de ingestão de zinco que fornece essa quantidade. A RDA
para o mesmo grupo de indivíduos foi calculada como 120% da EAR, com arredondamento de
aproximadamente 1 mg (IOM, 2000). Os valores de EAR e RDA para esse estágio de vida e para os
demais estão descritos na tabela 3.
Tabela 3. Recomendações de ingestão de zinco em diferentes estágios de vida
AI*/EAR RDA UL
Estágio da vida
µg/dia µg/dia µg/dia
Recém-nascidos e crianças
0-6 meses *2,0 – 4,0
7-12 meses 2,2 3,0 5,0
1-3 anos 2,0 3,0 7,0
4-8 anos 4,0 5,0 12,0
9-13 anos 7,0 8,0 23,0
Adolescentes
14-18 anos (M) 8,5 11 34,0
14-18 anos (F) 7,3 9,0 34,0
Adultos
19->70 anos (M) 9,4 11 34,0
19->70 anos (F) 6,8 8,0 34,0
Gestantes
≤ 18 anos 10,5 13,0 34,0
19-50 anos 9,5 11,0 40,0
Lactantes
≤ 18 anos 11,6 14,0 34,0
19-50 anos 10,4 12,0 40,0
Fonte: IOM, 2000
AI = ingestão adequada; EAR = necessidade média estimada; RDA= ingestão dietética recomendada;
UL= limite máximo tolerado de ingestão diária.
7. Fontes
As principais fontes alimentares de zinco incluem ostras; carne bovina, principalmente as vísceras,
como fígado e rins; frutos do mar; oleaginosas; cereais integrais; leguminosas e leite. Frutas e
verduras não apresentam quantidades importantes de zinco. Na tabela 4, encontram-se alguns
valores de zinco em alimentos.
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Alimento Zn Alimento Zn
8. Biodisponibilidade
Descartadas algumas exceções, o zinco absorvido normalmente é utilizado de maneira eficiente
pelo organismo. Entre outros fatores, como agentes complexantes e determinadas dietas, a
solubilidade do mineral nos locais de absorção é a característica de maior importância sobre a
biodisponibilidade. O zinco presente em alimentos é, de certa forma, facilmente extraído em meio
ácido e também se liga a compostos orgânicos em meio básico, o que promove uma absorção
menor quando proveniente da alimentação em comparação à administração em soluções aquosas.
Aminoácidos e outros ácidos orgânicos aumentam sua solubilidade e facilitam sua absorção,
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enquanto outras substâncias podem formar complexos insolúveis com o mineral, reduzindo sua
absorção. O composto inibidor da absorção do zinco mais estudado é o ácido fítico. Seus grupos
fosfato podem formar complexos fortes e insolúveis com o zinco e, devido à ausência de fitases
no trato gastrintestinal de seres humanos, a parcela do mineral ligada aos fosfatos será eliminada
através das fezes. Entretanto, o ácido fítico contido em alimentos apresenta diferentes formas
fosforiladas, sendo que os hexafosfatos são os mais abundantes, não sendo, porém, os únicos. Há
também a presença de penta, tetra e trifosfatos, com os dois últimos não interferindo na absorção do
zinco, ao contrário dos hexa e pentafosfatos. Dessa maneira, é necessário considerar a quantidade
de cada forma presente nos alimentos e não apenas a quantidade de fitato total. De maneira geral,
os efeitos do ácido fítico sobre a absorção de zinco são dependentes da dose, podendo-se, portanto,
utilizar a razão molar fitato:zinco na determinação da quantidade de zinco absorvível proveniente
de dietas específicas. Dietas com razões maiores do que 15 podem ser associadas à deficiência de
zinco, enquanto razões acima de 10 são consideradas prejudiciais à absorção do mineral. Por outro
lado, proteínas derivadas de alimentos de origem vegetal auxiliam na redução dos efeitos negativos
do ácido fítico. Em resumo, três fatores são considerados primordiais no efeito exercido sobre a
biodisponibilidade do zinco: a quantidade total do mineral fornecida através da alimentação, o
conteúdo de ácido fítico presente nos alimentos e o tipo e a quantidade de proteína consumida.
Outros fatores de menor impacto são considerados, como a quantidade de cálcio, ferro e fibras.
Entretanto, em níveis fisiológicos e compondo uma alimentação balanceada, não há comprovação
da interferência desses compostos sobre a biodisponibilidade do zinco (Sandtröm, 1997; Lönerdal,
2000).
9. Toxicidade
O zinco alimentar não apresenta efeitos tóxicos e sua ingestão acima dos limites estabelecidos não
é comum, à exceção de indivíduos que consomem alguns alimentos de origem marinha em grandes
quantidades. Em casos de ingestão excessiva (mais de 4 g) de suplementos, podem ocorrer sintomas
como náuseas, vômitos, diarreia, febre e letargia. A ingestão elevada por longos períodos de tempo
pode interferir com o metabolismo de outros nutrientes, como é o caso do cobre. Quantidades não
muito superiores aos valores de UL, que foram estabelecidos em 45 mg/dia, podem promover
alterações nos níveis sanguíneos de cobre. Ingestões dez vezes superiores ao valor de UL são
associadas a reduções importantes nos níveis de cobre, de ceruloplasmina e, por consequência,
com a anemia, visto que a ceruloplasmina é imprescindível à absorção de ferro. Outros parâmetros
afetados pelo consumo excessivo de suplementos de zinco são o estado imunológico e os níveis de
lipídeos séricos, ambos também relacionados ao metabolismo do cobre (FAO/WHO, 2001).
humana, algumas estratégias podem ser utilizadas para minimizar ou excluir os riscos inerentes a
essa condição. Para que intervenções sejam implementadas, alguns fatores devem ser considerados
e baseados em estudos epidemiológicos. As três principais categorias de intervenção com zinco
são a suplementação, a fortificação e a diversificação alimentar. Com relação à suplementação,
recomenda-se a utilização de formas solúveis de sais de zinco, como acetato, sulfato ou gliconato.
Além disso, as formulações devem ser administradas diariamente e entre as refeições, de maneira
a melhorar a absorção. É necessário também incluir o cobre nas formulações naqueles lugares em
que haja risco de níveis deficitários desse mineral. No caso de fortificação, os alimentos escolhidos
como veículo de zinco devem ser representativos do consumo da população, suas características
organolépticas não podem ser alteradas com a adição dos sais e devem ter a capacidade de reter
níveis adequados do zinco adicionado durante seu processamento, estoque e preparação. Nestes
casos, o óxido e o sulfato de zinco são geralmente utilizados como fortificantes. Os níveis a serem
utilizados devem ser avaliados de acordo com cada caso específico, entretanto, recomendam-se
de 30 a 70 mg de zinco por quilograma de farinha, por exemplo. Existem diversas estratégias
alimentares para aumentar o consumo de zinco, entre elas, técnicas agrícolas que aumentem o
conteúdo total de zinco ou reduzam a quantidade de fitatos dos alimentos, incentivo a estratégias
comunitárias que aumentem a produção ou a ingestão de alimentos ricos em zinco, além de
métodos de processamento doméstico de alimentos, como germinação, fermentação e remolho,
os quais podem reduzir o conteúdo de ácido fítico e, por sua vez, aumentar a quantidade de zinco
absorvível destes alimentos (Hotz & Brown, 2004; Gibson, 2006).
Para que os objetivos sejam alcançados, independente da estratégia escolhida, é necessária a ação
conjunta de governos, indústria alimentícia, comunidade acadêmica e consumidores. Nos casos
de fortificação, devem ser avaliados dados sobre a biodisponibilidade do composto utilizado e
sua interação com outros micronutrientes. Além disso, aceitabilidade, vida de prateleira e custo
final do produto também devem ser considerados. Todas as intervenções citadas podem apresentar
bons resultados, desde que bem planejadas, acompanhadas e avaliadas. Atualmente, alguns países
utilizam programas de fortificação alimentar com zinco, como é o caso de México, Indonésia e
África do Sul, entretanto, ainda faltam estudos que avaliem os resultados dessas intervenções em
médio e longo prazos.
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