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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006133-47.2014.8.16.

0131, DA VARA
CRIMINAL DA COMARCA DE PATO BRANCO
APELANTE : ROZENI DA APARECIDA FULTOSO DA SILVA
APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RELATOR : DES. JORGE DE OLIVEIRA VARGAS

EMENTA: I – APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO


CONTIDO NO ARTIGO 339, CAPUT, DO CÓDIGO
PENAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. SENTENÇA
CONDENATÓRIA. RECURSO DA ACUSADA.
II – RECURSO DE APELAÇÃO: PLEITO PELA
MODIFICAÇÃO DO REGIME INICIAL DE
CUMPRIMENTO DA PENA, PELA EXCLUSÃO DA PENA
DE MULTA E PELA ISENÇÃO QUANTO AO
PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. RECURSO
PREJUDICADO. NECESSIDADE DE ABSOLVIÇÃO EX
OFFICIO DA RÉ, NO PRESENTE CASO.
III – ACUSADA QUE, EM JUÍZO, RETIFICOU O SEU
DEPOIMENTO, EM AÇÃO QUE APUROU A
OCORRÊNCIA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR CONTRA A MULHER (AMEAÇA COM ARMA
BRANCA), DE MODO A COLABORAR COM A
ABSOLVIÇÃO DO ENTÃO COMPANHEIRO E PAI DE
SEUS FILHOS.
IV – “CONSIDERANDO AS PRESSÕES PARA A
RETRATAÇÃO A QUE AS MULHERES VÍTIMAS DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ESTÃO USUALMENTE
EXPOSTAS, CASO A MULHER AFIRME NA FASE
INVESTIGATIVA QUE FOI VÍTIMA DE CRIME
PRATICADO EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR E POSTERIORMENTE
NEGUE OS FATOS EM JUÍZO, O SEU
PROCESSAMENTO POR CRIME DE DENUNCIAÇÃO
CALUNIOSA APENAS SERÁ ADMISSÍVEL SE HOUVER
OUTROS INDÍCIOS SUFICIENTES DE QUE O
PRIMEIRO DEPOIMENTO FOI INVERÍDICO”. TEOR DO
ENUNCIADO Nº 15 DO COPEVID (COMISSÃO
PERMANENTE DE COMBATE À VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER.
V - EX-COMPANHEIRO QUE FOI PRESO EM
FLAGRANTE PORTANDO UMA FACA, NO ATO EM
QUE A RÉ SOLICITOU SOCORRO POLICIAL EM
RAZÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DEPOIMENTOS
TESTEMUNHAIS QUE DEMONSTRAM QUE O EX-
CONVIVENTE É ÉBRIO HABITUAL. NECESSIDADE DE
OBSERVAR AS CONDIÇÕES PECULIARES DAS
MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR. TEOR DO ART. 4º DA LEI
Nº 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA).
VI - CRIME DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA QUE SE
FAZ NECESSÁRIA A DEMONSTRAÇÃO DO ANIMUS
CALUNIANDI. NÃO OCORRÊNCIA. ANÁLISE
PROBATÓRIA QUE NÃO DEMONSTRA O DOLO DE
CALUNIAR. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO
PRO REO. PRECEDENTES.
VII – ABSOLVIÇÃO EX OFFICIO QUE É MEDIDA QUE
SE IMPÕE.
VIII – RECURSO DE APELAÇÃO PREJUDICADO.
ABSOLVIÇÃO DA RÉ EX OFFICIO.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de


Apelação Criminal nº 0006133-47.2014.8.16.0131, da Vara Criminal
da Criminal da Comarca de Pato Branco, em que é Apelante ROZENI
DA APARECIDA FULTOSO DA SILVA e Apelado MINISTÉRIO PÚBLICO
DO ESTADO DO PARANÁ.

I – RELATÓRIO:

Trata-se de Apelação Criminal interposta contra a


sentença de mov. 73.1, a qual julgou procedente a denúncia
ofertada pelo Ministério Público e, consequentemente, condenou a
ora ré/apelante pelo crime descrito no artigo 339, caput, do Código
Penal, determinando que a acusada cumpra em regime aberto a
pena de 02 (dois) anos de reclusão, além de 10 (dez) dias-multa.
Substituiu a pena privativa de liberdade por duas
restritivas de direito, quais sejam a prestação de serviços à
comunidade e prestação pecuniária, esta no montante de um salário
mínimo.
Ainda, condenou a ré/apelante ao pagamento das
custas processuais.

Em suas razões recursais, pleiteia, em síntese: a)


“que seja modificado o regime de cumprimento de pena da apelante
para o regime aberto”, a teor do art. 33, § 2º, “c”, do CP; e b) a
exclusão da pena de multa e do pagamento das custas processuais,
“diante do estado de saúde e financeira que encontra-se a
apelante”.

Contrarrazões no mov. 95.1.

Parecer da douta PGJ no mov. 8.1/TJ, pelo


conhecimento em parte do recurso e, na parte conhecida, pelo não
provimento. Opinou, ainda, que a ré/apelante deve ser absolvida de
ofício, “com base no disposto no art. 385, III do Código de Processo
Penal tendo em vista que provas existem nos autos de que esta não
faltou com a verdade quando dirigiu-se a Delegacia de Polícia para
solicitar a instauração de investigação por ser ameaçada por DIRCEU
LAMPERT”.

É, em síntese, o relatório.

II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO:

No caso em tela, a ré/apelante pleiteia a


modificação do regime inicial de cumprimento da pena, bem como a
exclusão da pena de multa e a isenção quanto às custas
processuais.
Entretanto, tenho que o presente recurso resta
prejudicado, diante da necessidade de absolvição ex officio da ré,
conforme a fundamentação que passo a expor.

Da absolvição ex offcio – crime de denunciação


caluniosa:
No presente caso, a ora recorrente foi condenada
pela prática do crime de denunciação caluniosa, disposto no art. 339
do CP1, pois noticiou que foi vítima de violência doméstica e familiar
(ameaça com arma branca), vindo a retificar o seu depoimento na
fase judicial, de modo a contribuir com a absolvição do ex-
companheiro.

Em se tratando do crime de denunciação


caluniosa, é necessária a demonstração do animus caluniandi.
Portanto, conforme expõe a doutrina, deve existir, por parte do
acusado, a plena convicção acerca da falsidade da acusação, seja
ela pela inocência do suposto criminoso ou pela inexistência de
crime efetivamente praticado:

O dolo é o elemento subjetivo exigido pelo tipo penal em


estudo, não havendo previsão para a modalidade de
natureza culposa. Na verdade, a o delito somente poderá
ser praticado com dolo direto, conforme se extrai da
expressão “de que o sabe inocente”.2

No presente caso, tenho que paira fundada dúvida


a respeito do dolo de caluniar, sendo importante ressaltar os
seguintes pontos:
1) o teor do auto de prisão em flagrante do ex-
companheiro DIRCEU LAMPERT 3, do qual consta que “o conduzido
ameaçou de morte a sua ex-companheira, de posse de uma faca”;
2) o termo de depoimento das testemunhas
--
1
Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de
investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém,
imputando-lhe crime de que o sabe inocente:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
2
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 6ª ed., Editora Impetus: Rio de Janeiro, 2012,
p. 1029.
3
Mov. 5.5.
JACIR TERTULIANO DA SILVA4 e GEOVANE ISIDORO DA SILVA5, ambos
policias militares, que relataram, de forma uníssona, que atenderam
a uma ocorrência de violência doméstica na residência da ora ré,
onde encontraram o ex-companheiro DIRCEU LAMPERT visivelmente
embriagado, muito agressivo e com uma faca deixada no sofá da
casa;
3) o teor do auto de interrogatório do ex-
companheiro DIRCEU LAMPERT6, do qual se extrai que, na data da
noticiada violência, este “parecia estar sob efeito de drogas e álcool,
sem condições de articular palavras” e que “não foi possível obter
dele qualquer resposta coerente”; e
4) o depoimento de OSMAR ANTÔNIO LAMPERT7,
irmão do ex-companheiro (DIRCEU LAMPERT), em que informou que
este é ébrio habitual.

Conforme consta do disposto do art. 4º da Lei nº


11.340/06 (Lei Maria da Penha), que, da interpretação da lei
protetiva à mulher, “serão considerados os fins sociais a que ela se
destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em
situação de violência doméstica e familiar”. Dessa forma, destaco o
depoimento da ré, em seu interrogatório8, em que informou que
possui filhos com o então companheiro e que mentiu em juízo
porque foi coagida por aquele.

Logo, o caso em análise é complexo, pois está


possivelmente relacionada à violência doméstica e familiar contra a
--
4
Mov. 5.6.
5
Mov. 5.7.
6
Mov. 5.9.
7
Mov. 56.11.
8
Mov. 63.2.
mulher, o qual deve ser analisado com cautela, sob o risco de punir
duas vezes a mulher vítima de desse tipo de agressão,
transformando o agressor em vítima e a vítima em agressora.
Assim, é válido observar o teor do Enunciado nº
15 (001/2014) do COPEVID (Comissão Permanente de Combate à
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher)9:

Denunciação caluniosa Enunciado nº 15 (001/2014):


Considerando as pressões para a retratação a que as
mulheres vítimas de violência doméstica estão usualmente
expostas, caso a mulher afirme na fase investigativa que foi
vítima de crime praticado em situação de violência
doméstica e familiar e posteriormente negue os fatos em
Juízo, o seu processamento por crime de denunciação
caluniosa apenas será admissível se houver outros indícios
suficientes de que o primeiro depoimento foi inverídico
(Aprovado na Plenária da I Reunião Ordinária do GNDH de
14/03/2014 e pelo Colegiado do CNPG de 29/04/2014).10

Nessa esteira, cito o teor do brilhante parecer


ministerial proferido pelo douto Procurador de Justiça Ralph Luiz
Vidal Sabino dos Santos11, que se pronunciou no sentido da
absolvição ex officio da ora ré:

Não obstante tudo o que foi antes referido, parece-nos que


a ora apelante ROZENI DA APARECIDA FULTOSO DA SILVA
deva ser absolvida, “ex-officio”, com base no disposto no
art. 386, inciso III do Código de Processo Penal.
Em uma apurada análise do conjunto probatório, somada a
experiência que se traz pelos longos anos de exercício da
--
9
“Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (COPEVID) foi
criada pelo Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), do Conselho Nacional de Procuradores-
Gerais (CNPG), visando contribuir para a análise, discussão e padronização dos entendimentos sobre a
violência doméstica contra as mulheres, com o objetivo de subsidiar o trabalho dos operadores do
Direito que atuam na proteção das vítimas e punição dos agressores. Um exemplo desse trabalho são os
Enunciados da COPEVID, que buscam orientar os promotores de Justiça na aplicação da Lei Maria da
Penha.” (Disponível em:
<http://www.comunicacao.mppr.mp.br/modules/noticias/article.php?storyid=15555>. Acesso em:
21/05/2018).
10
Disponível em: <http://www.direito.mppr.mp.br/arquivos/File/enunciadoscopevid.pdf>. Acesso em:
21/05/2018.
11
Mov. 8.1/TJ.
função Ministerial, faz com que tenhamos uma cautela
maior ao apreciar crime de denunciação caluniosa
envolvendo casais.
Não raro em nossas atividades tivemos ocasião de receber
denúncias de esposas agredidas e tempos depois virem elas
a nossa procura a fim de “retirar a queixa”, não porque a
denúncia não fosse verdadeira, mas sim porque o casal se
reconciliou e não deseja mais o seguimento de um
processo.
No caso presente, está-se, sem dúvida alguma, diante da
mesma situação.
Diz a denúncia que a ora apelante dirigiu-se a autoridade
policial e lá, mesmo sabendo que não era verdade, afirmou
que havia sido ameaçada por seu esposo de quem se
encontrava separada poucas semanas.
A testemunha ouvida, irmão da vítima [da suposta
denunciação caluniosa], declarou que esta era alcoólatra e
em, pelo menos, uma oportunidade foi retirá-lo da prisão,
não tendo conhecimento das referidas ameaças.
Relatou ainda que não sabe porque a apelante mudou a
versão apresentada perante a autoridade policial em juízo.
Por outro lado consta do depoimento de Rozeni em seu
depoimento perante a autoridade policial (mov. 5.9) disse
que:
“Conviveu em união estável com a pessoa de Dirceu
Lampert, durante 15 anos e com ele tem três filhos, dois
maiores de idade e um menor de nome Tainam Lampert, de
dez anos de idade; que separou-se dele há três anos, mas
ele não a deixa em paz, seguidamente vem até sua casa e
quebra a porta e adentra na casa; que depois que ele entra,
não é fácil fazê-lo sair, pois na maioria das vezes está
totalmente enlouquecido pela ingestão de álcool e remédio
controlados que usa para dormir. Que ele está morando com
a mãe dele, mas ele apronta na casa dela e não tem para
onde ir e vem incomodar a declarante; que hoje chegou de
madrugada, quebrou a porta de novo com um ferro e
adentrou na casa; que ele estava com uma garrafa de
cachaça com ele e bebeu desde a hora que chegou até o
litro secar; que ele ficou meio louco; que não adianta tentar
falar com ele. Gritava e fazia escândalo, quebrou a
televisão, uma estante da sala que é de vidro, que em
seguida ele tirou uma faca da cinta e passou a ameaçar a
declarante dizendo: “hoje eu te mato”; que ele a agarrou
pescoço mas conseguiu soltar-se e correu e trancou-se no
quarto e chamou a polícia; que os policiais estiveram no
local e prenderam Dirceu; que já registrou três boletins de
ocorrência, sendo que sempre representou, e nesta última
vez ele ficou preso, mas a mãe dele pagou a fiança e ele foi
solto; que solicita medidas protetivas de urgência”.
[...]
Temos então que a ora ré relatou ter sido ameaçada pelo
seu esposo com uma faca o que a levou a solicitar a
proteção da autoridade policial.
Referida faca, conforme conta do Auto de Exibição e
Apreensão referido no mov. 5.11), foi apreendida.
O pedido da apelante de medidas protetivas foi atendido
conforme se infere dos Autos de Medidas Protetivas contida
no mov. 5.12.
Seu então esposo não foi ouvido perante a autoridade
policial porque na ocasião estava tão embriagado que não
só falava coisas desconexas (mov.5.9).
E foi com base nestes depoimentos e provas da
materialidade do delito que contra DIRCEU oferecida
denúncia.
Vê-se pois que a denúncia exprime exatamente o que foi
dito pela vítima e comprovado pelo Auto de Exibição e
Apreensão da faca, depoimento dos Policiais Militares e
Boletim de Ocorrência referido no mov. 5.10, no sentido de
que teria ele utilizado para suas ameaças de uma faca, o
que demonstra que a ora apelante ROZENI não estava
mentindo naquela ocasião.
Ora. Então o que levaria a ora apelante a desmentir em
juízo aquilo que afirmara perante a autoridade policial.
A resposta está claramente contida nos autos.
Quando ouvida em juízo, a apelante declarou que não
aconteceram as ameaças feitas por seu esposo contra esta
e que apenas chamou a polícia porque este estava
quebrando tudo.
Disse mais ainda.
“Por derradeiro, disse que retornaram a união e hoje
convivem em harmonia”. (interrogatório)
Percebe-se assim que entre a ocorrência da ameaça e a
data da audiência de instrução em julgamento o casal se
reconciliou e “convivem em harmonia”.
Não é de se surpreender a mudança de depoimento com
possível falta de conhecimento de ROZENI das
consequências que teria sua mentira, para com isso
beneficiar seu companheiro de mais de 15 anos e com o
qual já se reconciliara.
Vê-se, assim, claramente, que a ora ré não praticou o crime
de denunciação caluniosa quando dirigiu-se à delegacia de
polícia e relatou que havia sido ameaçada por DIRCEU.
Verifica-se ainda que mentiu em juízo – como informante –
para preservar seu casamento e seu esposo.
Se outro modo, parece-nos que foi precipitada a dispensa
das testemunhas arroladas pelo Ministério Público na ação
penal promovida contra DIRCEU, porque estas por certo
iriam relatar a versão verdadeira dos fatos.
Finalmente, deve-se levar em consideração ainda que o réu
DIRCEU foi absolvido com base no disposto no art. 386,
inciso VII do Código de Processo Penal porque o magistrado
Eduardo Faoro entendeu que “Em razão de tais aspectos
(desmentido da apelante), não há como se saber qual das
declarações da vítima (ora apelante) é a verdadeira”.
Ora. A referida dúvida beneficia também a apelante.
[...]
Porém, parece-nos que “de ofício” deve ser a mesma
absolvida com base no disposto no art. 385, III do Código de
Processo Penal tendo em vista que provas existem nos
autos de que esta não faltou com a verdade quando dirigiu-
se a Delegacia de Polícia para solicitar a instauração de
investigação por ser ameaçada por DIRCEU LAMPERT.

Em linha de arremate, o julgado proferido pelo


Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, que
decidiu por manter a sentença que absolveu a mulher que retificou o
seu depoimento em juízo, em caso análogo:

EMENTA – APELAÇÃO CRIMINAL – DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA


– ABSOLVIÇÃO – RECURSO DO PARQUET – PEDIDO DE
CONDENAÇÃO – RÉ QUE DÁ CAUSA À INSTAURAÇÃO DE
INVESTIGAÇÃO E PROCESSO JUDICIAL CONTRA SEU
COMPANHEIRO, ATRIBUINDO-LHE A PRÁTICA DE CRIME [...]
– ATIPICIDADE DA CONDUTA – RECURSO IMPROVIDO.
É atípica a conduta da acusada que dá causa à instauração
de investigação e processo judicial contra seu companheiro,
imputando-lhe a prática de crime pelo qual já foi condenado
definitivamente. Denunciação caluniosa não caracterizada.
Recurso improvido.
[...]
É certo que a ré mudou sua manifestação na Delegacia
depois que foi ouvida em juízo, inocentando o réu. Isso
ocorre todos os dias nos processos, especialmente os de
violência doméstica.
[...]
É evidente e qualquer operador jurídico que tenha um
mínimo de prática na área sabe que a ré foi lesionada,
apenas tenta inocentar seu amado.
[...]
Não se trata, pois, de pessoa que dá causa à ação penal
sabendo ser inocente quem ela acusa.
Trata-se do desespero de uma vítima de violência doméstica
que quase morreu sendo agredida por seu amado e, nesse
misto de emoção que envolve crimes tais, quer que este se
livre da cadeia.
[...]
O fato é atípico. Não se trata de inocência do amado, e sim
de desespero da vítima que, malgrado quase tenha morrido,
ama seu agressor.
[...]
Ante ao exposto, sendo atípica a conduta praticada [...],
nego provimento ao recurso interposto pelo Ministério
Público, mantendo-se incólume a sentença proferida pela
Juíza de Direito da 2.ª Vara da Comarca de Cassilândia, que
julgou improcedente a denúncia, absolvendo-a da
imputação pelo crime descrito no art. 339, do Código Penal.
(TJMS – Apelação Criminal nº 0800389-67.2013.8.12.0007 –
Rel.: Des. Romero Osme Dias Lopes - Órgão julgador: 1ª
Câmara Criminal - Data do julgamento: 08/11/2016 - Data
de publicação: 11/11/2016)

Portanto, pairando fundada dúvida sobre o dolo


da acusada em caluniar o seu então companheiro, hei por bem
absolvê-la da imputação disposta no art. 339 do CP, em razão da
aplicação do princípio do in dubio pro reo, conforme já decidiu esta
Câmara em ação penal da mesma natureza:

EMENTA: I – APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO CONTIDO NO


ARTIGO 339, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. DENUNCIAÇÃO
CALUNIOSA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA
ACUSADA.
II – ACUSADA QUE, EM JUÍZO, RETIFICOU O SEU
DEPOIMENTO, EM AÇÃO QUE APUROU A OCORRÊNCIA DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, A
FIM DE AFIRMAR QUE APENAS SOFREU AGRESSÕES VERBAIS
POR PARTE DE SEU ENTÃO COMPANHEIRO.
III – “CONSIDERANDO AS PRESSÕES PARA A RETRATAÇÃO A
QUE AS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ESTÃO USUALMENTE EXPOSTAS, CASO A MULHER AFIRME
NA FASE INVESTIGATIVA QUE FOI VÍTIMA DE CRIME
PRATICADO EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR E POSTERIORMENTE NEGUE OS FATOS EM JUÍZO,
O SEU PROCESSAMENTO POR CRIME DE DENUNCIAÇÃO
CALUNIOSA APENAS SERÁ ADMISSÍVEL SE HOUVER OUTROS
INDÍCIOS SUFICIENTES DE QUE O PRIMEIRO DEPOIMENTO
FOI INVERÍDICO”. TEOR DO ENUNCIADO Nº 15 DO COPEVID
(COMISSÃO PERMANENTE DE COMBATE À VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER.
IV – OBSERVÂNCIA DAS “CONDIÇÕES PECULIARES DAS
MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR”. TEOR DO ART. 4º DA LEI Nº 11.340/06 (LEI
MARIA DA PENHA). NECESSIDADE DE CONSIDERAR OS
POSSÍVEIS MOTIVOS QUE LEVARAM A RÉ A RETIFICAR O SEU
DEPOIMENTO EM JUÍZO, COMO O FATO DE POSSUIR FILHOS
COM O EX-COMPANHEIRO OU A HIPÓTESE DE TER SIDO
AMEAÇADA POR ESTE. EX-COMPANHEIRO QUE SE MOSTROU
AGRESSIVO NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO.
V - CRIME DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA QUE SE FAZ
NECESSÁRIA A DEMONSTRAÇÃO DO ANIMUS CALUNIANDI.
EXISTÊNCIA DE DÚVIDA RAZOÁVEL, NO PRESENTE CASO.
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO.
PRECEDENTES.
VI – RECURSO PROVIDO, A FIM DE ABSOLVER A RÉ.
(TJPR – AC 0001982-61.2017.8.16.0057 – 2ª Câmara
Criminal – Por maioria de votos - Relator desig.: Des. Jorge
de Oliveira Vargas – Data de julgamento: 05/07/2018)

Sobre a aplicação do princípio do in dubio pro reo,


no crime de denunciação caluniosa:

APELAÇÃO CRIME. CRIME DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA


(ART. 339 DO CÓDIGO PENAL). ABSOLVIÇÃO IMPOSTA EM
SENTENÇA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PUGNANDO
PELA CONDENAÇÃO. ARGUMENTO DE PROVAS SUFICIENTES
DE AUTORIA E MATERIALIDADE. AFIRMAÇÃO DE DOLO NA
CONDUTA DO ACUSADO. TESTEMUNHOS CONTRADITÓRIOS
QUE GERAM DÚVIDA RAZOÁVEL PARA A CONDENAÇÃO.
ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE COM ESTEIO NO PRINCÍPIO IN
DUBIO PRO REO. DECISÃO ESCORREITA. SENTENÇA
MANTIDA.RECURSO DESPROVIDO. O crime de denunciação
caluniosa exige para sua caracterização o dolo específico,
qual seja, o conhecimento prévio da inocência do suposto
autor [Grifo nosso].
(TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1724277-8 - Região
Metropolitana de Maringá - Foro Regional de Mandaguaçu -
Rel.: José Maurício Pinto de Almeida - Unânime - J.
05.04.2018)

Conclusão:

Por essas razões, absolvo de ofício a acusada;


restando, assim, prejudicado o seu recurso de apelação.

III – DECISÃO

Diante do exposto, acordam os Integrantes da 2ª


Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por
unanimidade de votos, em absolver de ofício a ré/apelante e para
julgar prejudicado o recurso de apelação, nos termos da
fundamentação.

Participaram do julgamento e acompanharam o


voto do relator os Excelentíssimos Senhores Desembargadores José
Maurício Pinto de Almeida e Luís Carlos Xavier.

Curitiba, 13 de setembro de 2018.

DES. JORGE DE OLIVEIRA VARGAS


Relator

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