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Anabolizantes e Academia
Anabolizantes e Academia
Resumo: Este artigo tem por objetivo destacar os aspectos rituais do uso de esteróides anabolizantes em aca-
demias de musculação enfatizando o emprego destas substâncias na construção da pessoa do marombeiro
(praticante assíduo de musculação). Ressalta a construção da masculinidade nestas instituições e as práticas
relacionadas às representações de corpo e hierarquia estética do grupo.
Palavras chave: esteróides anabolizantes, drogas, práticas corporais, gênero, masculinidade, poder simbólico.
INTRODUÇÃO
Este artigo é parte resumida de um capítulo da tese de dou- por hormônios masculinos3 e, portanto, virilizantes, pro-
torado denominada: O Peso da Forma. Cotidiano e uso porcionando não apenas a aquisição de músculos acima da
de drogas entre fisiculturistas. Defendida no Programa de média, mas também o surgimento de pêlos por todo corpo,
Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) do além de engrossar a voz de todos seus usuários freqüentes4,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Univer- homens e mulheres.
sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2004. Em tal Foram pesquisadas 10 academias de musculação e 2 de fi-
trabalho tentei compreender a construção identitária e a siculturismo entre a Zona Norte e Sul do Rio de Janeiro (4
organização social de uma “tribo urbana”, composta por academias no bairro de Vila Isabel, 3 no bairro da Tijuca,
assíduos freqüentadores de academias de musculação na 2 em Copacabana, 2 no Grajaú, 1 no Andaraí) durante 54
cidade do Rio de Janeiro. Os indivíduos de tal grupo au- meses, tempo de duração da pesquisa de mestrado e douto-
todenominam-se marombeiros2 e utilizam com regulari- rado. Foram realizadas 310 entrevistas com homens e mul-
dade determinadas drogas (esteróides anabolizantes e sub- heres (200 homens e 110 mulheres) com idade entre 16 e 55
stâncias diversas) que poderiam ser chamadas de drogas anos. Os relatos foram colhidos de maneira informal através
masculinizantes, já que são drogas constituídas, em geral, da observação participante, sendo evitado o uso de ques-
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Doutor em Antropologia Cultural pelo PPGSA/IFCS/UFRJ. Atualmente trabalha na pesquisa Racionalidades Médicas coordenada pela Profa. Dr.a Madel Luz
do IMS/UERJ.
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Marombeiro tornou-se sinônimo do freqüentador assíduo das academias de musculação e ginástica e pronome de tratamento deste grupo social. Todos
aqueles que ostentam corpo musculoso (“sarado como dizem os informantes), em virtude desta freqüência constante, se autodenomina como tal. O termo
pode ser sinônimo também de fisiculturista ou bodybuilder A palavra marombeiro vem de maromba : vara que os funânmbulos utilizavam para se equilibrar
na maroma: corda na qual andam. Maromba pode signifcar também o(s) peso(s) com o qual o funâmbulo se mantém em equilíbrio. Como no fisiculturismo e
halterofilismo são utilizadas barras com pesos (halteres) removíveis nas extremidades não é difícil perceber a associação das imagens do homem que anda na
corda bamba, utilizando a maromba para se equilibrar, e daquele que utiliza tais pesos para otimizar sua forma e força
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Estes hormônios em geral são medicamentos feitos para seres humanos, mas alguns marombeiros, consumidores de longo tempo, chegam a utilizar hormônios
fabricados para cavalos de corrida (Equiforte) que em geral conseguem com veterinários, lojas para animais ou no Jockey Club.
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Algumas destas drogas, conforme observei e me foi relatado, também fazem o indivíduo perder gordura definindo a musculatura, como por exemplo, a droga
importada denominada Winstrol Depot.
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Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) tóxicos são substâncias que “acarretam dependência física e psicológica, tolerância e síndrome da abstinên-
cia.” Já droga é definida como “qualquer substância que, introduzida no organismo, é capaz de alterar seu metabolismo” (Barbosa, L. N. H.,1986:1244). Os
anabolizantes acarretam dependência psicológica e tolerância, além de, obviamente, alterar o metabolismo orgânico.
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O grupo de usuário de esteróides, ao contrário do que supõe o senso comum, conhece os riscos do uso de tais drogas. Este conhecimento é um fator que
reitera o uso das substâncias androgênicas, posto que o risco surge, na concepção do grupo, como algo positivo que reforça a coragem individual e as estruturas
hierárquicas do próprio grupo, já que utilizar esteróides é parte do ritual contínuo de construção identitária na qual arriscar a vida é fator de valorização da
experiência e reconhecimento social.
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Em 1995, por exemplo, foi veiculada a notícia da morte do alemão Andreas Münzer, 30 anos, campeão mundial de fisiculturismo, devido a falência hepática
pelo uso de anabolizantes. Em 1998, o fisiculturista brasileiro Enzo Perondini, 35 anos, foi à imprensa denunciar o tráfico de drogas nas academias dizendo
que estava com câncer de fígado devido ao uso contínuo de tais substâncias. Em 1999, a imprensa anunciou a morte da tri-campeã brasileira de fisiculturismo
Lúcia Helena Gomes, 33 anos, também por falência hepática devido ao uso de anabolizantes.
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De acordo com Velho (1978), Copacabana foi o bairro escolhido pela classe média em ascensão na década de setenta como símbolo de distinção social. Atu-
almente o bairro da Barra da Tijuca exerce este papel na geografia carioca. Não é por acaso que neste bairro existe atualmente o maior número de academias
de musculação na cidade. (cf. JB.16/05/99.p.3)
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Human Grouth Hormone é um hormônio importado, utilizado para distúrbios do crescimento e nanismo. A principal função deste hormônio é a de estimular
a divisão das células, permitindo o aumento dos tecidos e da síntese protéica. As principais marcas são Genotropin (Pharmacia Upjohn), Humantrope (Elli Lilly),
Norditropin (Novo Nordisk) e Saizen (Serono). Atualmente esta é a droga mais ambicionada pelos marombeiros, pois dizem que ela tem o poder de enrijecer
músculos, rejuvenescer a pele, ativar a libido, revitalizar o cabelo, melhorar o humor e fortalecer os ossos. Não se sabe ainda quais são seus efeitos colaterais.
É uma espécie de elixir da juventude e da força consumido em menor escala que os anabolizantes devido ao seu custo: Uma ampola custa hoje em torno de
U$ 45, 00. São usadas, no mínimo, cinco ampolas por semana. A tendência, porém, é a droga tornar-se mais barata e o consumo aumentar, pois, passará a ser
produzida em breve no Brasil pela Hormogen Biotecnologia (cf. Bartolini, 1999:20).
GOLDENBERG, Mirian. A Outra. São Paulo: Record, 1995. Recebido em: 27/07/2004
Aprovado em: 20/10/2004
GOLDMAN, Marcio. “A Construção Ritual da pessoa. A César Sabino
Possessão no Candomblé” Religião e Sociedade. V 2. No. 1. Correspondência: UERJ. Rua São Francisco Xavier, 7o andar
Agosto 1985: 22-55. IMS. Sala prof.a Madel Luz. E-mail: cesarsabino@aol.com