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32º Encontro Anual da ANPOCS

GT7: Corpo, biotecnologia e subjetividade


Sessão 1: Álcool e Drogas: Consumo e controle de si

Narcóticos Anônimos (NA):


A doença como plano de existência social

Alcione do Socorro A. Costa (UFPR)

2008
Narcóticos Anônimos:
A doença como plano de existência social1

Alcione do Socorro Andrade Costa2

1. Introdução:
O presente trabalho é fruto de uma experiência de participação; que se
transforma a partir da escrita e análise etnográfica em lócus privilegiado para a
compreensão dos mecanismos terapêuticos de dependentes químicos desenvolvido pelo
grupo “Liberdade” de Narcóticos Anônimos (NA - Belém). “Liberdade” foi o primeiro
grupo a ser fundado na região Norte, e minha experiência com esse campo está
circunscrita ao período de maio de 2003 a fevereiro de 2004 e de novembro a dezembro
de 2006. Ele é parte de um fenômeno social recente, denominado neste trabalho de
Movimento de Mútua-ajuda Anônima, que vem chamando atenção pelo ritmo com que
se propaga na sociedade mundial. Atualmente, está presente em mais de cento e trinta
países. Esse movimento se organiza em agrupamentos, que formam irmandades, em que
se reúnem pessoas de diferentes idades e classes sociais em busca de apoio mútuo para
superar vícios ou comportamentos compulsivos que as levaram a uma vida destrutiva e,
na maioria das vezes, a um contexto de exclusão social.
A matriz do referido fenômeno é a Irmandade de Alcoólicos Anônimos
(AA), fundada em 1935, em Akron, Estado de Ohio, nos Estados Unidos, reconhecido
como um dos mais eficientes Programas de Recuperação de Alcoólatras. O Programa
desenvolvido por Alcoólicos Anônimos caracteriza-se pelo caráter não-profissional,
leigo e de ajuda mútua. A eficácia dele consiste no exercício de dois princípios
autodenominados pela irmandade de Doze Tradições3 e Doze Passos4 que, embora à

1
Este é um trabalho baseado na Dissertação de Mestrado “Narcóticos Anônimos: adicção e partilha na
(pós) modernidade”, defendida pelo Programa de Antropologia pela Universidade Federal do Pará, sob a
orientação do Prof.º Dr.º Alexandre Cunha, em 2007.
2
Aluna regular do doutorado em sociologia, pela Universidade Federal do Paraná, onde desenvolve
pesquisa sobre o grupo Centro Mulheres que Amam Demais Anônimas (MADA), sob a orientação da
prof.ª Dr.ª Marlene Tamanini.
3
1. O nosso bem-estar comum deve vir em primeiro lugar; a recuperação individual depende da unidade
de NA. 2. Para o nosso propósito comum existe apenas uma única autoridade – Um Deus amoroso que
pode se expressar na nossa consciência coletiva. Nossos líderes são apenas servidores de confiança, eles
não governam. 3. O único requisito para ser membro é o desejo de parar de usar. 4.Cada grupo deve ser
autônomo, exceto em assuntos que afetem outros grupos ou NA como um todo. 5.Cada grupo tem apenas
um único propósito primordial levar a mensagem ao adicto que ainda sofre. 6.Um grupo de NA nunca
deverá endossar, financiar ou emprestar o nome de NA a nem uma sociedade relacionada ou
empreendimento alheio, para evitar que problemas de dinheiro, propriedade ou prestigio nos desviem de
nosso propósito primordial. 7. Todo grupo de NA deverá ser totalmente auto-sustentado, recusando
contribuições de fora. 8. Narcóticos Anônimos deverá manter-se sempre não profissional, mas nossos
primeira vista pareçam simples, são considerados como princípios espirituais e
produzem um ethos singular e diferenciado de outras terapêuticas construídas ao longo
da história.
Esses princípios com o tempo foram “adaptados” a diferentes problemáticas,
como narcóticos, sexo, jogo, etc., onde cada “transposição” resultou em um conjunto de
irmandades de Mútua-ajuda, entre as quais se destacam: Comedores Compulsivos
Anônimos, Emocionais Anônimos, Neuróticos Anônimos e Narcóticos Anônimos. No
Brasil, funcionam pelo menos dezessete dessas grandes associações de Mútua-ajuda
Anônimas, e a cada ano, uma nova irmandade é criada, por exemplo, em maio de 2008
foi fundado em Curitiba-PR o DASA – Dependentes de Amor e Sexo Anônimos.
A partir de dados de observação empírica e pesquisa bibliográfica, percebi que
as diversas irmandades apresentadas possuem as seguintes características:
a) Todos os membros são anônimos, embora a irmandade não seja; b) Todos os
membros intitulam-se adictos em “recuperação”5; c) A adicção é considerada uma
doença pelo grupo. Independente da não comprovação cientifica dessa perspectiva, o
que vale para o grupo é a eficácia que tal crença produz6; d) É um fenômeno urbano
recente, autônomo e independente, sem vínculo com o Estado, religião ou ciência,

centros de serviços podem contratar trabalhadores especializados.9.NA nunca deverá organizar-se como
tal, mas podemos criar quadros de serviços ou comitês diretamente responsáveis perante aqueles a quem
servem. 10.Narcóticos Anônimos não tem opinião sobre questões alheias; portanto o nome de NA nunca
deverá aparecer em controvérsias públicas.
11- Nossa política de relações públicas baseia-se na atração, não em promoção; na imprensa, rádio e
filmes precisamos sempre manter o anonimato pessoal. 12- O anonimato é o alicerce espiritual de todas
as nossas Tradições, lembrando-nos sempre de colocar princípios acima de personalidades.
4
1- Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção, que nossas vidas tinham se tornado
incontroláveis, 2- Viemos a acreditar que um Poder maior do que poderia devolver-nos à sanidade, 3-
Decidimos entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados de Deus, da maneira como nós o
concebíamos, 4- Fizemos um profundo e destemido inventário moral de nós mesmos, 5- Admitimos a
Deus, a nós mesmos e a outro ser humano a natureza exata das nossas falhas, 6- Prontificamo-nos
inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter, 7- Humildemente pedimos a
Ele que removesse nossos defeitos, 8- Fizemos reparações diretas a tais pessoas que tínhamos
prejudicado, e dispusemo-nos a fazer reparações a todas elas, 9- Fizemos reparações diretas a tais
pessoas, sempre que possível, exceto quando fazê-lo pudesse prejudicá-las ou a outras, 10- Continuamos
fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente, 11-
Procuramos, através da prece e meditação, melhorar o nosso contato consciente com Deus, da maneira
como nós O compreendíamos, rogando apenas o reconhecimento da Sua vontade em relação a nós, e o
poder de realizar essa vontade, 12- Tendo experimentado um despertar espiritual, como resultado destes
passos, procuramos levar esta mensagem a outros adictos e praticar estes princípios em todas nossas
atividades.
5
A recuperação refere-se ao controle feito a partir das práticas dos Doze Passos, que tem o objetivo de
controlar os sintomas da adicção, que é considerada pelo grupo como doença incurável, progressiva e
fatal.
6
Este é um dos focos de minha analise, compreender que negociações e que estruturas formam essa
eficácia.
ainda em exploração pelas ciências sociais; e) A “recuperação”7 é um programa que se
renova a cada 24 horas8; f) A noção de vício, dependência e recuperação9 marca o
universo desse grupo; g) Possuem uma mesma “tecnologia universal de recuperação ”
Doze Tradições e Doze Passos; h) Proliferam em países de capitalismo avançado; i) e
através do princípio de mútua-ajuda expresso pela Partilha criam uma “nova ordem” de
sociabilidade, construída a partir da categoria “limpeza”.
O conjunto das características citadas marca o caráter “generalista” e
“universalista” desse fenômeno, dito de outra forma; é como se a tecnologia terapêutica
desenvolvida por essas irmandades funcionasse como um “remédio genérico” para “mal
estar geral”, pois, atende com grande eficácia, diferentes problemáticas; revelando
assim, que nesse campo social existe um aspecto de realidade que está para além dos
simples comportamentos individuais, que precisam ser compreendidos e explicados -
Eis o objetivo deste trabalho: a análise da natureza genealógica desse fenômeno a partir
da categoria nativa “adicção”; produzida a partir de um ethos diferenciado e de um
saber singular. Não cabendo neste estudo classificar, questionar, dizer o que é
verdadeiro ou não; mas mostrá-lo como um produto de uma ordem social específica,
fazendo-se fundamental compreender, uma vez que se trata de um fenômeno ainda em
exploração pelas Ciências Sociais e que se apresenta como campo privilegiado para
compreensão da produção das subjetividades e identidades modernas.

2. Recorte teórico para apreensão do fenômeno:


As referências analíticas sobre as irmandades de mútua-ajuda ainda são tênues;
contudo, cito: Anselmo Paes, Edemilson Campos e Leonardo de Mota. Observo que
todos esses trabalhos se referem a Alcoólicos Anônimos, e, até onde pesquisei, além de
um artigo de Edemilson Campos, não há referências de estudos sobre Narcóticos
Anônimos em nível nacional, no campo da antropologia social.
Em Aventura espiritual: Terapêutica na Irmandade dos Alcoólicos Anônimos,
Paes (2005) se propõe compreender o processo terapêutico no espaço dos Alcoólicos
Anônimos de Belém. Para isso, estabeleceu como estratégia de pesquisa a negociação

7
A recuperação não é apenas abstinência, mas, sobretudo, prática e freqüência dos valores do grupo,
principalmente das Doze Tradições
8
A adicção é incurável por isso a cada 24 horas, ou a cada minuto, o adicto deve renovar seu
compromisso com a sua recuperação.
9
Essas categorias têm um sentido próprio para o grupo, como será demonstrado posteriormente neste
trabalho.
de sua inclusão como colaborador profissional - cargo ocupado por pessoas que mesmo
não sendo doentes alcoólicos unem-se ao grupo para contribuir com a causa, auxiliando
via solidariedade e conhecimento profissional a reprodução da Irmandade. Assim, ele
observa que a “aventura espiritual do alcoólatra” dentro do grupo é infindável, pois o
alcoólico em recuperação torna-se dependente do Poder Superior, que se apresenta
como substituto do alcoolismo (PAES, 2005, p. 125). Embora a etnografia de Paes não
seja divergente do que observei em Narcóticos Anônimos, reservo-me o direito de ser
discordante do resultado da análise, uma vez que minha perspectiva analítica está mais
próxima dos trabalhos de Edemilson Campos (2003) e de Leonardo de Mota (2002).
Edemilson Campos considera que o objetivo de AA não é a emancipação do
sujeito, mas a sua preparação, para recuperar seu lugar na totalidade social; pois aquele
que era estigmatizado pelo uso abusivo do álcool vivia uma decadência física e moral
que o conduziu ao isolamento e a um estado de marginalidade e liminaridade social. No
interior do grupo, o alcoólico pode expor suas dores e narrar sua experiência sem ser
estigmatizado e discriminado. Com isso, o alcoólico descobre-se como fazendo parte de
um “grupo de pares” que partilham de uma mesma ordem de significações, o que
reforça, ao mesmo tempo, sua identificação como membro de AA e portador da doença
“crônica e fatal” do alcoolismo. A abstinência buscada e pregada pelo grupo é
entendida pelo autor como um código cultural de valores, próprios de um meio cultural
específico, cujo indivíduo se descobre agora igual a muitos outros com histórias e
trajetórias semelhantes a sua. Assim, a identificação entre os membros do grupo de AA
proporciona, pelo pertencimento, uma nova ordem de sentido que permite a elaboração
da identidade de doente alcoólico, que passa agora a compor o referencial central de
uma verdadeira “identidade existencial” (CAMPOS, 2003, p.19 APUD MÄKELA,
1996, p. 99), ou seja, é mais do que uma substituição de “vício”.
Em Solidariedade entre os Alcoólicos Anônimos: A dádiva na modernidade,
Mota analisa a presença da dádiva no AA de Fortaleza a partir da concepção “trabalho”
(serviço) e das relações de ajuda - mútua entre os membros e para com os estranhos. O
trabalho de Mota possui uma convergência muito ampla com as minhas observações em
campo, a tal ponto de deixar de prestar determinadas informações. A convergência
talvez se dê em virtude da abrangência do referencial empírico de Mota, que
compreende cem membros de A.A, representantes de dez grupos de diferentes áreas da
Região Metropolitana de Fortaleza-CE. A seleção desse universo foi construída a partir
de uma amostragem aleatória simples, onde se utilizou questionários com perguntas de
múltipla escolha, depoimentos, entrevistas não-estruturadas, pesquisa participante em
cerca de duzentas reuniões de A.A e ampla pesquisa bibliográfica. Os principais
aspectos considerados pelo autor foram: 1º) assuntos de interesse geral do pesquisador
como descrições sobre o perfil social dos membros e análises fenomenológicas; 2º)
tópicos relativos ao referencial teórico que tiveram a intenção de verificar os momentos
da dádiva (dar, receber e retribuir) em A.A: a concepção de serviço (trabalho), as
relações de apadrinhamento entre os membros e para com estranhos e os mecanismos
internos que permitem a auto-suficiência econômica e administrativa da “organização”.
Todos os trabalhos citados foram fundamentais para a composição desta
pesquisa, pois; permitiu-me perceber como o fenômeno foi analisado por outros
pesquisadores, bem como “dialogar” com o resultado de suas pesquisas,
proporcionando, assim, o aprofundamento sobre algumas questões, onde cito o
fundamento da doença da adicção, que foi apreendida através do que denominei de
“carreira terapêutica”; que consiste na descrição, análise e acompanhamento desde a
adesão de um dependente químico ao grupo, dos mecanismos acionados pela tecnologia
terapêutica da irmandade na promoção e manutenção da identidade de “adicto” do novo
membro e da sua permanência no grupo.
Além da estratégia compreensiva a partir da carreira terapêutica de um adicto,
tive a preocupação em compor uma descrição analítica dos fatores históricos,
ideológicos e sociais que colaboraram para o surgimento das autodenominadas
Irmandades de Mútua-ajuda Anônimas, da qual Narcóticos Anônimos é parte. Para
tanto, considerei em primeiro lugar o status de ambivalência do consumo de drogas e o
sistema classificatório dela oriundo, concebendo-a como uma categoria social, capaz de
expressar os valores e as contradições de uma determinada sociedade, em uma
determinada época. Essa configuração se deu em vista da necessidade de análise do
fundamento do grupo, que se apresenta como uma “Irmandade de homens e mulheres,
sem fins lucrativos, para quem as drogas tornaram-se um problema maior” (WORD
SERVICE OFFICE, 1996, p. 1)
Localizei através de uma breve digressão a história sobre o consumo de
substâncias alucinógenas, construída a partir de fontes e trabalhos diversos, onde cito,
Escohatado (2004) e Velho (1998), que as “drogas” apresentam-se como um problema
social, quando assumem a dimensão de um sistema concorrente e dialogante com o
sistema social vigente, cuja relação revela-se nos aparatos repressivo, punitivo e
preventivo que o Estado desenvolve, caracterizando assim, a institucionalização da
droga no seio da sociedade.
Tanto H. Becker (1997) quanto Fiore (2005) analisam que o processo de
institucionalização da criminalização, repressão (e posteriormente, prevenção) do
consumo de opiáceos e abuso de álcool; que cria a figura do adicto enquanto desviante
ou “estranho”, deve-se a um conjunto de fatores.
Para Becker, são: a) A ética protestante que sustenta a idéia de que o indivíduo
deve exercer completa responsabilidade pelo que faz e pelo que acontece com ele. Ele
não deve jamais fazer nada que possa acarretar a falta de autocontrole; b) Desaprovação
da ação realizada unicamente para atingir estados de êxtase. É somente quando as
pessoas buscam o êxtase com o fim em si mesmo, que condenamos sua ação como
busca de “prazer ilícito”; c) O humanismo: Os reformadores acreditavam que as pessoas
escravizadas pelo uso de álcool e de opiáceos beneficiar-se-iam com a proibição que
tornavam impossível para eles cederem às suas fraquezas.
Já Fiore (IBIDEM) enumera diversas causas para o “pioneirismo” norte-
americano, ainda que essas causas não sejam exclusivas dessa cultura: a) A profunda
antipatia cristã por algumas substâncias antigas e os estados alterados de consciência,
agravada diretamente pelo puritanismo asceta da sociedade norte-americana; b) O
estímulo a determinados psicoativos, em detrimentos de outros, como interesses
nacionais e econômicos; c) A preocupação de elites econômicas e políticas com
“excesso” das classes ou raças vistas como inferiores ou “perigosas”.
A partir dos fatores enumerados pelos dois autores, evidencia-se um
“deslocamento” de liberdade, pois, o consumo de substâncias alucinógenas deixa de ser
autonomamente franqueado aos indivíduos e passa a ser regulado, normatizado, vigiado
pelo Estado, o que reflete que, se de um a lado na perspectiva Liberal “a mão invisível
da livre concorrência regula a economia”; por outro, o Estado não fica com suas “vastas
mãos abanando”, mas ao contrário utiliza-as para regular, moldar, condicionar os corpos
e a mente para a manutenção do sistema, articulando para essa finalidade vários
mecanismos legais, que marcam a diferença entre o consumo tradicional de “drogas”,
onde cita-se a Jurema , e o consumo moderno, caracterizado pelo hedonismo e pelo uso
lascivo.
Os diligentes que criam, regulam e normatizam as regras e as leis; são nomeados
por Becker (IBDEM) de “empresários morais”, os quais são responsáveis ou se fazem
responsáveis por formularem regras específicas, as quais têm origem no sistema de
valores da sociedade burguesa e são cercadas por qualificações e exceções, de tal forma
que não interfiram com valores prezados como importantes. Regras específicas têm que
serem aplicadas a casos específicos, a pessoas específicas. Ela deve receber sua
personificação final em atos específicos de imposição.
Deve-se considerar a proibição de narcóticos e álcool não como simples
conseqüências de regras de direito; mas, como resultado e materialização de uma
estrutura social particular que nasce com a prerrogativa de prevenir, punir e curar o
“inocente cidadão” da miséria ocasionada pelo mal do álcool, da droga (e não da
política liberal). Dado a abrangência do modelo americano, esse mesmo contexto
revela-se em certa medida no Brasil.
É importante observar que a institucionalização das drogas, produz um amplo
campo discursivo e que existem vários atores envolvidos na disputa pelo monopólio de
poder, cada um com uma perspectiva diferente como: a) o “jurista” que interpreta o
adicto como uma subversão da ordem social estabelecida; b) o médico que os concebe
como doentes; c) alguns intelectuais e grupos do século XX que têm nas drogas um
estilo de vida; d) as milícias guerrilheiras que tem no comércio das drogas a moeda para
instauração de uma nova estrutura de poder; e) as Irmandades de Mútua-ajuda
Anônimas que, ao assumirem, o estigma de “doente” do discurso médico, convertem a
categoria “adicção” em uma plataforma de transformação pessoal através de rótulos
inflexíveis que geram uma comunidade com visões e perspectivas próprias. Na
terapêutica dessas irmandades se encontra implícita a estruturação de todo um estilo de
vida, que re-interpreta valores modernos e comunitários em nível global.
Assim, o recorte conferido a esta pesquisa se estabeleceu através de uma relação
entre a análise do contexto sócio-cultural da irmandade e a sua tecnologia terapêutica
especifica, representada pela categoria adicção.

3. Metodologia:
Dado as características do universo de pesquisa: Um grupo em desvantagem
social, formado por pessoas estigmatizadas pelo vício; muitas com experiência ou
recém- saídas de instituições totais, tais como prisões e hospitais, elegi como método de
pesquisa a etnografia, pois queria estender a projeção de fala desses sujeitos, para além
do espaço de uma sala. Ecoar as vozes para o âmbito do diálogo de alteridades, onde o
pressuposto da reflexividade que permeia a modernidade fosse condensado em algumas
páginas. Assim, o método privilegiado para atingir tal objetivo foi o etnográfico.
Historicamente, a etnografia moderna desenvolveu-se, como afirma Alexandre
Cunha (c.p, 05/04/2007), com a perspectiva de Maklu Maklai, Boas e Malinowski,
quando propuseram ao etnógrafo “viver como nativo”, pois a observação direta é parte
integrante da pesquisa. Essa técnica, denominada de observação participante, tornou-se
estratégia por excelência da Antropologia e assumiu perspectivas diferenciadas segundo
a concepção de teóricos variados. Para Lévi-Strauss, o antropólogo deveria ser um
“aluno do outro”, ou seja, colocar-se na condição de aprendizagem da cultura do
pesquisado. Já para Geertz, a etnografia constitui-se em uma tradução da leitura da
cultura do “outro”; que representa um texto, que não se lê através dos sujeitos, mas a
partir deles, onde essa leitura sempre se configura como de “segunda mão”, no sentido
de se tratar de uma interpretação de um significado que só é de pleno domínio do
“nativo”. Daí a idéia da impenetrabilidade da cultura, defendida por Geertz, que coloca
o antropólogo em constante negociação com seu informante, pois ele é o domínio
daquilo que poderá ser conhecido e sob que circunstâncias. Assim, em síntese, para
Malinowski a ênfase é a participação; para Lévi-Strauss é o aprendizado da cultura; e
para Geertz é a interpretação-tradução, interpretação da cultura do nativo traduzida nos
termos do antropólogo.
Dessa forma, os passos metodológicos poderiam ser resumidos em viver,
participar, aprender, negociar, interpretar e traduzir. Entretanto, além desses passos,
existe um hiato complexo que precisa ser observado, pois, “a realidade social que o
etnógrafo procura simultaneamente apreender e construir 1º está fora dele e não nele, 2º
mas que ela não tem sentido independente dele” (LAPLANTINE, 2004, p. 39), ou seja,
a subjetividade do pesquisador está a todo momento presente e interferindo no resultado
da pesquisa, como pode ser expresso em uma metáfora tomada que descreve um bêbado
e questiona: - “É a rua que oscila ou o bêbado que titubeia?” ( LAPLANTINE, 2004:
p.28 apud Máxime Chastaing).
Para essa pergunta, Laplantine formula quatro tipos de respostas, as quais
correspondem aos principais paradigmas das Ciências Sociais e tem suas raízes
epistemológicas no Dualismo e Monismo10. O primeiro refere-se ao paradigma clássico,
de inspiração marxista, weberiana e durkheimiana, que apreende o bêbado que titubeia e

10
Para essa discussão ver Leaf (1979).
que vê a rua oscilar a partir do fenômeno mais amplo do alcoolismo. O segundo é do
observador que vê e descreve a rua e o bêbado o mais objetivamente possível e mantém-
se, como no primeiro caso, exterior ao objeto. Uma terceira forma de apreensão do
fenômeno seria a experimentação da tensão em si mesmo entre o ponto de vista do
bêbado que vê a rua oscilar, ou seja, experimentar a embriaguez para saber o que ela
busca. O resultado dessa análise, para Laplantine é insatisfatória e ambígua tanto em
função dos atores sociais quanto dos que se esforçam em analisar objetivamente por que
os atores sociais fazem o que fazem. A quarta forma é a de apreensão da análise que
toma deliberadamente o ponto de vista do bêbado que vê a rua oscilar e, em seguida;
organiza-a em um texto narrativo que não fazendo qualquer concessão à exterioridade
das situações procurará a linguagem formal mais apta a explicar as sensações furtivas, o
caráter vertiginoso, ou seja, o sentimento possível que se pode experimentar ao ver a rua
que oscila.
Nesta pesquisa, adoto o quarto modelo, que interpreto está próximo do modelo
Praxiológico de Bourdieu (1983), o qual parte do pressuposto, que a “compreensão”
imediata, supõe uma operação inconsciente de decifração; só perfeitamente adequada
quando a competência que um dos agentes engaja na sua prática ou nas suas obras é
igual à competência que engaja objetivamente o outro agente da sua percepção dessa
conduta ou obra. Assim, a decifragem se realiza como uma operação simétrica, pois se
refere implicitamente à obediência da síntese dos princípios definidos pelos teóricos
citados.
O exercício de decifragem do universo de pesquisa se deu através de uma
profunda imersão em Narcóticos Anônimos11 via Nar-Anon (Grupo de Familiares de
Narcóticos Anônimos) que funciona no mesmo espaço. Inicialmente meu objetivo era
acompanhar uma pessoa do meu circulo de relações, a quem nomeei de Hefesto. Á
medida que freqüentava as reuniões, fui tomada pela necessidade de compreensão da
tecnologia terapêutica do grupo. Assim, a idéia de pesquisa surge depois dessa
experiência, que se realiza através de minha rede de relações previamente existente que
me permitiu acessar de forma privilegiada informações sobre o grupo.
Acredito que sem essa estratégia teria sido mais difícil a produção deste
trabalho, pois a participação no grupo é restrita a dependentes químicos e existe um
controle indireto das pessoas que freqüentam as reuniões, as quais precisam se

11
De acordo com o período já citado inicialmente.
identificar e falar porque estão ali. Por exemplo, em minha primeira reunião em NA, fui
hostilizada por uma adicta, a qual me alertou que meu lugar não era ali. Somente
quando passei a ser vista como uma “acompanhante” de um adicto e membro de uma
irmandade regida pelos mesmos princípios de Narcóticos Anônimos é que fui aceita.
Assim, foi através da manipulação da identidade de Nar-Anon que pude freqüentar
algumas reuniões de NA.
Além disso, tinha acesso aos membros nos intervalos das reuniões quando
conversava com os adictos e através de Hefesto que compartilhava comigo as
impressões sobre sua “recuperação” e sua identificação com algumas “partilhas”. Era
através dessas conversas que compreendia não só a dinâmica do grupo, mas também da
vida das pessoas que o compunham. Freqüentemente participava de festa promovida
pelas duas irmandades, as quais sempre se apresentavam como uma alternativa de
diversão sem drogas e sem bebidas; uma forma de manutenção dos laços de
sociabilidade do grupo e uma forma de manter o adicto longe da tentação de “recair”.
Destaco como mérito desta pesquisa, o cuidado que tive na aprendizagem das
categorias nativas, de acordo com sua ordem de sentido e significado, que transparece
muitas vezes na escrita etnográfica, através da narrativa dos acontecimentos feita nos
próprios termos do grupo, cuja tradução resultou em um glossário dos termos nativos.
A imersão na produção do campo de sentidos e significados do grupo teve que
ser equilibrado com o afastamento metodológico, pois segundo Laplantine (IBIDEM), a
originalidade do olhar antropológico, está nesse movimento de vai-e-vem incessante
entre o dentro e o fora, o próximo e o longínquo, como no exercício daqueles que
querem estudar o mapa de um país, que para isso ficam na planície para observar a
forma e o caráter do relevo, mas vão para a montanha para identificar as propriedades
da planície. Esse afastamento foi essencial, até mesmo, para lidar com
“compartilhamento do estigma” que indiretamente se estendia a mim; e, tratar com esse
plano de significação, só levou-me a comprovar que não existem fórmulas, nem
receitas, mas sim; tentativas e planos de investigação, que primem pela construção de
uma etnografia compreensiva e autêntica no seu exercício de alteridade, que se realizou
e teve seu maior desafio na escrita; na arte de “polir o olhar” (LEITE, 1998), pois é na
escrita etnográfica que a experiência incontrolável, se traduz em ciência.
Assim, elaborei uma narrativa do plano de carreira terapêutica de Hefesto12 e a
partir dela, mostrei e analisei outros atores do campo e as categorias significativas para
sua compreensão, onde destaco, a doença da adicção enquanto um plano de existência
social.

4. Apresentação e Análise de Narcóticos Anônimos a partir da

categoria Adicção.
Narcóticos Anônimos surge no final dos anos 40, com suas primeiras reuniões
na área da cidade de Los Angeles (Califórnia-EUA). Por muitos anos, cresceu
lentamente espalhando-se por outras cidades norte-americanas e para a Austrália no
final dos anos setenta. Em 1978, uma assembléia de representantes locais foi
estabelecida pela primeira vez e, em 1983, publicou-se o auto-intitulado “Texto básico”,
onde é exposto o estatuto e os princípios metodológicos da irmandade. Após a
publicação, houve um crescimento vertiginoso, vários grupos foram formados no Brasil
e em outros setenta países. A fundação de Narcóticos Anônimos significou “uma
ampliação de perspectiva” em relação aos Alcoólicos Anônimos (AA), posto que
“Narcóticos se referia a todas as categorias de drogas [...] e não esta associada a uma
categoria particular de drogas”13
No Brasil, atualmente os grupos, funcionam com mais de seiscentas reuniões
semanais, e cada vez mais grupos são criados. Em Belém, nasceu oficialmente em 14 de
novembro de 1985, fundado por três homens (este é o primeiro e mais antigo grupo de
Narcóticos Anônimos da região Norte). Segundo os participantes, o início foi difícil,
durante cerca de três meses não houve ingresso de nem um novo membro; assim,
estabeleceu-se que no final do prazo de um mês se não houvesse nem uma adesão, o
grupo fecharia suas portas. Passado o prazo estabelecido, ingressaram três novos
membros, o que se configurou, na interpretação dos membros, um acontecimento
divino.
O NA/Belém inaugurou com o nome Toxicômanos Anônimo (TA), sendo
posteriormente sugestionado pelo Serviço Mundial de Narcóticos Anônimos a mudar
para Narcóticos Anônimos – Grupo Liberdade. Durante esses vinte e três anos de
existência, a partir do grupo “Liberdade”, foram criados outros nove, dada a

12
Todos os nomes dos sujeitos pertencentes ao campo são apresentados neste trabalho com nomes gregos
ou romanos, de acordo com o traço mais marcante de cada personalidade.
13
Disponível em: www.na.org.br. Acesso em: 20 ago 2003.
necessidade de disponibilizar diariamente uma sala “ao adicto que sofre”, sendo esses
grupos gerados em bairros, horários e dias variados para que ninguém deixasse de
freqüentar por problema de horário ou locomoção. Existem grupos de NA atuando ainda
em presídios, hospitais e um grupo na faculdade de medicina da UFPA. Atualmente, há
cerca de dez grupos autônomos e reconhecidos pelo Serviço Mundial de Narcóticos
Anônimos, com linhas de atendimento ao público, com serviços de divulgação em
presídios e com apoio à familiares de adictos através do grupo de NAR-ANON..
Os grupos organizam-se em quadros e comitês de serviços que formam uma
associação. “O termo associação está reservado a uma relação social que é fechada
para estranhos ou restringe sua admissão por regulamentos, e cuja autoridade é imposta
pelas ações dos indivíduos especificamente encarregados desta função” (WEBER, 2005,
P. 87). NO caso de Narcóticos Anônimos, a restrição de acesso é imposta ao não-
adicto.

4.1- E tudo tem um começo...


Em 2003, quando cursava Ciências Sociais na Universidade Federal do Pará –
UFPA, fui tomada por um acontecimento que marcou profundamente minha trajetória
de vida e me colocou diante de um tema, que embora esteja constantemente na ordem
das discussões cotidianas; carecia de uma maior compreensão da minha parte – a
dependência química ou adicção.
Em abril do ano citado, fui surpreendida por um telefonema desesperado da irmã
de um rapaz que chamarei de Hefesto14, para preservar sua identidade (assim como dos
demais informantes). Ela me falava que o irmão havia desaparecido há dois dias. Senti

14
Característica do informante: Jovem de vinte seis anos, acadêmico de medicina, filho caçula de uma
linhagem de onze irmãos de uma família interiorana. A coisa mais marcante no universo de Hefesto era a
sua condição de futuro médico, carreira cheia de potencialidades que seria tranqüila de ser trilhada, desde
que houvesse as condições financeiras viáveis. Mas tudo passava a ser tormento, angústia pois ele vivia
de um salário mínimo, advindo da aposentadoria do penúltimo irmão que é portador de necessidades
especiais, onde esse dinheiro custeava apenas despesas com alimentação, e sempre faltava para a compra
de livros e roupas. Essa condição de pobreza em um curso elitista causava uma sensação constante de
desencaixe em Hefesto, que assim como o deus, tinha a legitimidade de morar no Olímpio, mas tinha
consciência que seu universo era outro e sua estada não era bem vinda. O fato de ser caçula de uma mãe
que o teve com quarenta e cinco anos de idade, somado a fato de ter um pai que aos setenta anos teve
câncer no esôfago e deixou de trabalhar, agravava muito mais o sentimento de revolta existencial de
Hefesto, que deseja ardentemente a experiência de emoções menos trágicas e mais prazerosas. Assim,
tudo que apontava para prazeres arrebatadores era almejado por ele. Assim, a droga apareceu como essa
possibilidade de experimentar esses prazeres inacessíveis para além dos fármacos.
um torpor, porque há três dias havia estado com ele; que me falou coisas sem muito
sentido naquele momento, como “não agüentar mais a vida”, “ter vontade de sumir”,
“voltar para Cametá - PA e trabalhar com o pai na pequena oficina de conserto de
motor de barcos da família e abandonar o curso de Medicina”. Lembrei durante a
conversa com a irmã de Hefesto o treinamento que tive quando trabalhava como
voluntária em uma ONG - que desenvolve a atividade de prevenção ao suicídio através
do ato de escutar Centro de Valorização da Vida (CVV), existente há mais de 40 anos
no Brasil. Segundo a experiência do CVV, o suicida em potencial sempre dá indícios
de suas intenções, que são pedidos de ajuda, em frases sem sentido, que remetem
sempre a um desencanto em relação à vida do tipo “Ah! Não agüento mais a vida”,
“Queria acabar com tudo”, “a vida não tem mais valor”.
Pedi liberação do trabalho após o telefonema e encontrei com o irmão médico
cirurgião de Hefesto – Hipócrates, que havia chegado do município de Altamira-PA
para a suposta colação de grau do ausente, que se acreditava que ocorresse em maio.
Fomos até o centro de medicina da UFPA e descobrimos que ele não freqüentava o
curso há um ano, que sua turma havia colado grau em janeiro de 2003. Após essa
constatação, andamos Belém de um lado a outro visitando casa de conhecidos,
hospitais, necrotério, atrás de qualquer notícia do desaparecido. À noite, depois de
esgotadas todas as possibilidades de encontrá-lo, despedi-me de Hipócrates e retornei
para casa. Às dezenove horas, recebi uma ligação a cobrar, era Hefesto, que queria dizer
adeus e solicitar que cuidasse da sua mãe Pirra15, pois ia desaparecer. Pedi para que ele
passasse em casa antes de partir. Às vinte horas, ele apareceu todo sujo e relatou o que
tinha acontecido.
Durante os dois dias em que esteve fora, passou consumindo cocaína na casa de
um traficante com o dinheiro da venda do seu anel de formatura. Contou-me também
que estava sendo ameaçado de morte por um traficante a quem estava devendo
seiscentos reais e que tinha decidido se suicidar. No segundo dia do seu
desaparecimento, pensou em se enforcar, depois optou por se aplicar cloreto de potássio
que havia conseguido no Hospital Universitário da UFPA, “Betina Ferro“. Mas, ao
injetar-se pela primeira vez a agulha da seringa quebrou e não teve mais coragem de
fazer uma segunda tentativa; por isso, após vagar por um dia inteiro pelo campus da
universidade, decidiu que iria desaparecer. Surpresa; busquei entender como ele havia

15
Juabense (Juabá-PA) mãe de dez filhos, analfabeta de mais ou menos setenta anos na época, que nas
suas limitações tentava de todas as formas ajudar Hefesto.
chegado àquela condição, o porquê de não ter procurado ajuda e não ter me contado que
estava com problemas.
A resposta aos meus questionamentos resumia-se ao medo da rejeição, da
discriminação, pois ele havia falado do problema para alguns amigos da faculdade e
alguns professores, mas, foi ignorado. As pessoas se afastaram dele, os próprios
companheiros de consumo de drogas sumiram, porque ele já não conseguia controlar o
uso e tornava-se alguém a ser evitado, marcado “por um mal”. Sabemos, a partir de
Velho (1998); que o estigma de “viciado” começa a ser desenvolvido à medida que o
consumo de drogas passa a ser o único objeto de desejo do indivíduo. Isso afeta sua vida
produtiva e familiar, ele começa a experimentar as primeiras reações negativas da
sociedade, que se dá pela sua exclusão do convívio social.
Após escutá-lo, pedi para que ficasse em casa, no que fui atendida com a
condição de que não avisasse seus familiares. Na manhã seguinte, após ter tomado
alguns calmantes aceitou que eu comunicasse a sua família. Hipócrates e duas irmãs o
apanharam em seguida ao meu telefonema. Depois de narrados os acontecimentos pela
segunda vez, Hefesto foi levado a um psiquiatra do Hospital das Clínicas de Belém,
especialista em dependência química, que prescreveu alguns remédios controlados e a
inserção do paciente e da família em um grupo de Narcóticos Anônimos (NA).
Como medida primeira, a família decidiu mandá-lo para Altamira, onde passou
vinte dias desintoxicando-se. A mãe, o pai e os outros oito irmãos ficaram desolados,
pois a família de classe média baixa tinha como orgulho o feito de ter formado um
médico, “um doutor” e agora estava repetindo o ato com o filho caçula. Tal feito era tão
importante que era alardeado a todos da redondeza onde moravam em Cametá, e após a
descoberta do grave envolvimento do filho e irmão “tão promissor”, sentiam-se como se
a família estivesse sido marcada por uma desgraça, tanto que alguns meses após esse
fato, venderam a casa em Cametá e se mudaram para Barcarena – PA (o que afirma o
caráter moral que circunscreve o consumo compulsivo de drogas).
Durante o período em que Hefesto esteve em Altamira, busquei pesquisar sobre
o problema, fui às bibliotecas, a centros de tratamento particulares; e até onde pesquisei,
não há um consenso sobre o tratamento de dependentes químicos, no sentido de não
existir uma prescrição ou uma indicação consensual, além dos fármacos, de como
“recuperar” ou “tratar” um dependente químico. Encontrei muitas informações sobre os
efeitos das drogas no organismo, sobre as possíveis causas de consumo, relacionadas na
grande maioria com questões sociais, morais, emocionais, mas quase nada sobre
recuperação.
Quando Hefesto retornou a Belém, continuou a consultar o psiquiatra que
permaneceu lhe receitando remédios e aconselhando a conhecer e a ingressar em uma
Irmandade de Mútua-ajuda Anônima, o que o fez, passando a freqüentar o grupo
“Liberdade “ de Narcóticos Anônimos (NA- Belém)

4.2 O primeiro contato com a Irmandade de Mútua-ajuda “Narcóticos


Anônimos” (NA).
Após retornar de Altamira, Hefesto tentou desenvolver suas atividades
produtivas, voltou a freqüentar o curso de Medicina e consultar-se uma vez por semana
com o psiquiatra, que lhe receitava remédios e a sua inserção em um grupo de
Narcóticos Anônimos. Nesse período ele pediu-me para que o acompanhasse, visto que,
a idéia de começar a freqüentar um grupo dessa natureza lhe causava mal estar, pois
significava assumir o “estigma de viciado”, entretanto, dois fatores o impulsionavam a
essa decisão: o preço da consulta médicas (duzentos e cinqüentas reais, com desconto,
pois o psiquiatra era amigo do seu irmão) e a necessidade de mostrar a sua família que
merecia apoio. Assim, começamos a busca por endereços de Grupos de Narcóticos
Anônimos. Localizamos o grupo “De mãos dadas”, mas no dia marcado, não pude
acompanhá-lo, por isso ele foi sozinho, e, no dia seguinte me contou feliz que o que
tinha era uma doença, e, que existiam muitos iguais a ele, que conseguiram retomar suas
vidas e estavam há anos sem consumir drogas.
Assim, todo dia antes de ir para a universidade à noite visitava Hefesto. Em uma
dessas vezes, numa noite chuvosa, encontrei-o com fortes dores abdominais, enjôo,
tremores e estado depressivo – sintomas característicos de uma crise de abstinência à
drogas. Meu primeiro impulso foi o de avisar a família e de levá-lo ao hospital, mas ele
não aceitou e pediu para que eu ligasse para seu “padrinho de NA”, cujo telefone estava
em um dos folhetos entregue durante a reunião, juntamente com o número e nome de
várias pessoas. Liguei para Prometeu, identifiquei-me e falei sobre o problema, pedi
para que ele viesse até o apartamento. Esperamos três horas até que Prometeu chegou
acompanhado de mais um “companheiro”, Atenágoras. Enquanto Prometeu entrava no
quarto e conversava com Hefesto, Atenágoras me prestava algumas informações, falava
que aquilo era uma crise comum naquela fase inicial do tratamento, que haveriam
recaídas e, portanto, eu deveria também freqüentar o grupo para que pudesse ajudá-lo,
uma vez que em muitos casos, segundo a experiência do grupo, quem “adoece” o
adicto é a família; em outra linguagem, a família leva muitas vezes o adicto a agir
segundo um mesmo padrão de comportamento, o qual está ligado ao uso de drogas;
orientou-me também a não deixar Hefesto sozinho enquanto estivesse sob uso de
medicamentos psiquiátricos, pois os efeitos colaterais causavam tendência ao suicídio.
Após algumas horas de conversa, fiquei conhecendo a história de Prometeu, ex-
jogador de futebol profissional, ex-traficante, “limpo”, na época, há quatorze anos. O
relato surgiu porque, durante a conversa, Hefesto contou que estava sendo muito difícil
voltar às atividades acadêmicas, pois tinha que dizer todo dia “não” às ofertas feitas
pelos traficantes que ficavam em frente à faculdade de Medicina. Após esse relato,
perguntei o porquê de não denunciar o traficante. Prometeu logo me censurou, pois se
alguém o tivesse delatado não teria tido a oportunidade de estar ali com vida, além do
que, segundo ele, muitos traficantes são adictos. A conversa me revelou uma das
primeiras compreensões sobre a organização de Narcóticos Anônimos - o trabalho
voltado exclusivamente para a recuperação de adictos.
Narcóticos Anônimos adota uma tradição de não endosso e não emite parecer
sobre nada que esteja “fora de sua área de atuação especifica em questões de caráter
civil, social, médico ou religioso, tais como repressão ao tráfico drogas, legalizações
de drogas ou penalidades, programas de prevenção às drogas” (WORLD SERVICE
OFFICE, Folheto “Informação sobre NA – CSA/GERES)
Depois de estabilizado o quadro de saúde de Hefesto, despedi-me dos dois
visitantes com a promessa de reencontrá-los no sábado às 17h no grupo “Liberdade”.
Cada grupo tem um nome diferente que faz uma referência particular a um determinado
valor, ou data comemorativa, como “Coragem”, “15 de Outubro”, mas todos funcionam
com base em uma organização mundial única; por isso, todos fazem parte do que os
membros chamam de Irmandade de Narcóticos Anônimos. Nos primeiros meses de
ingresso de Hefesto na irmandade, ele freqüentava três grupos: “De mãos dadas” (grupo
em que ingressou), “Liberdade” (grupo base, pois era o que freqüentava mais
assiduamente) e “Corujão” (freqüentava ocasionalmente). Cada um com dias e horários
diferentes.
No sábado saí do trabalho e fui para o grupo “Liberdade” que funciona em um
colégio localizado no limite entre o centro e a periferia de Belém, onde são comuns e
freqüentes os assaltos a membros da irmandade; entretanto, não há denúncia, pelas
mesmas razões declaradas por Prometeu, isso é uma espécie de prática adotada pelo
grupo. Entrei em uma sala onde estavam quinze pessoas sentadas e dispostas em
círculo, com uma mesa próxima coberta por uma toalha azul com o símbolo da
irmandade, constando alguns chaveiros ( que segundo a cor, marca o tempo de
abstinência do adicto), literatura16 e folhetos17, junto a uma placa de aviso: “Quem
você vê aqui, o que você ouve aqui, deixe que fique aqui, guarde somente aquilo
que lhe for útil e esqueça o resto”. Além de um imenso cartaz onde se lia Doze Passos
e Doze Tradições.
Observei que durante as reuniões existia um fluxo muito grande de entrada e
saída das pessoas da sala, principalmente para fumar. Na metade da reunião, mais ou
menos às dezoito horas foi realizada a 7ª tradição. Assim, uma sacola azul era repassada
enquanto o coordenador dizia:

Nós não temos taxas, não temos jóias, por isso passamos à sacola para
que possamos continuar funcionando. Solicitamos àquelas pessoas que
não são membros que não contribuam, pois a moeda empenhada deve
ser o esforço do adicto em permanecer limpo e em recuperação através
do grupo.

Desejei contribuir por Hefesto, mas fui advertida de que aquilo seria uma prática
mal vista pelo grupo, o qual deveria manter-se auto-suficiente e longe de influências
externas.
No intervalo, após a 7ª tradição foi prestado conta do dinheiro arrecadado (sete
reais), do montante geral e das despesas do grupo18. Em seguida, deu-se início à
“partilha”, cuja palavra é “franqueada” ao membro que deseja falar da sua
recuperação, suas dores e alegrias, ou aquilo que o esteja perturbando no momento. A
fala do “companheiro(a)” deve durar em média cinco minutos, para que todos os
presentes tenham a oportunidade de se manifestarem. Ao término da partilha, não é
dado retorno ao que é dito, nem sob a forma de conselho, crítica ou sugestão, pois o que
importa é a escuta sincera. Certa vez, ouvi numa partilha a metáfora de que se fossem

16
Livros produzidos pela Irmandade Mundial de Narcóticos Anônimos são eles: O texto básico, Só por
hoje: meditações diárias, Isto resulta: como e porquê, Os 12 Conceitos para NA, o pequeno livreto
branco, Sobre o grupo, Por detrás das grades, Um recurso na sua comunidade, O quarto passo em
Narcóticos Anônimos, Em tempo de doença.
17
Folhetos entregues gratuitamente nas reuniões, são trechos retirados da literatura.
18
Aluguel do espaço (pago com materiais de limpeza), taxa destinada ao Serviço Mundial de Narcóticos
Anônimos, que visava à manutenção do serviço em nível mundial e a impressão de folhetos para a
divulgação do grupo e à atração de novos membros
retiradas as duas orelhas e juntassem-nas se formaria um coração. E esta é a base do
NA: escutar com o coração, aceitação incondicional do companheiro, do igual e
diferente.
Durante a primeira reunião citada, uma mulher aparentando trinta anos,
gesticulava e falava em minha direção coisas que não conseguia entender como “mente
fechada”, “adoecimento”, “recaída”, “auto-piedade”. Ao final da partilha, foi lida a
ata da reunião pelo secretário e dados os informativos ao grupo. O coordenador, ao fim
da reunião, sempre observa àqueles, que lá chegaram pela primeira vez, que o programa
funciona e que o segredo da recuperação está na próxima reunião. Ditas essas palavras,
profere-se em seguida a oração da serenidade19 com todas as pessoas em círculo e
abraçadas.
Ao fim da reunião, fui rodeada por algumas pessoas, sem compreender o
motivo. Logo descobri quando a mulher que gesticulava em minha direção durante a
partilha, veio me avisar de que ali não era meu lugar, que eu deveria ir embora. Os
presentes intervieram e explicaram-me que ela estava na “fissura”, que havia recaído,
há algumas semanas e que era muito problemática, não seguia o programa, por isso
recaía constantemente. Foi nesse momento que me informaram sobre uma das
prescrições do grupo - a do não envolvimento amoroso entre adictos - pois a
experiência do grupo mostrava que, um dos dois, recaía ou evadia do grupo. No caso da
mulher em questão, ela estava envolvida com um adicto mais jovem que ela, do qual
tinha “ciúmes mortais”, tanto que na semana anterior ela havia agredido fisicamente
uma recém-chegada para quem o rapaz distribuía folhetos de informação.
Passado o incidente, fui aconselhada pelo grupo a adquirir a literatura de NA.
Comprei de presente para Hefesto “Só por hoje” e “O livreto branco de Narcóticos
Anônimos” que estavam dispostos na mesa. Fui orientada a freqüentar o NAR-ANON,
grupo destinado a amigos e familiares de Narcóticos Anônimos que funcionava no
mesmo horário e no mesmo local. Saí da reunião em companhia de dois companheiros
que me prestavam alguns esclarecimentos sobre a eficácia do programa.
À medida que freqüentava as reuniões, ia sendo aceita pelo grupo, tanto pelos
companheiros de Narcóticos Anônimos que inicialmente encontrava nos intervalos e
finais das reuniões, quanto pelas companheiras de NAR-ANON. Assim, fui construindo
minha inserção que não se resumia apenas às reuniões, mas à participação ativa em

19
“Deus, concedei-me a SERENIDADE para aceitar as coisas que não posso modificar, CORAGEM para
modificar aquelas que posso e SABEDORIA para perceber a diferença”.
festividades, reuniões administrativas, círculos particulares de amizades construídos
paralelamente à irmandade. Com o tempo, passei também a ser aceita nas reuniões de
Narcóticos Anônimos (NA); pois, os participantes me percebiam como alguém capaz de
escutar, compreender e aceitar o que seria ser um adicto, ou ainda, como uma adicta,
dado a crença de que a convivência prolongada com um adicto leva ao adoecimento e à
adicção. Visitei outros grupos, como o Coruja, que tem como característica peculiar ser
realizado à meia-noite em um coreto da Praça “Batista Campos”, o que reforça o
pressuposto do grupo de que para haver uma reunião de NA basta ter dois adictos com o
desejo de recuperação.
Acompanhei durante dez meses sem interrupção o fluxo de entradas e saídas das
pessoas no grupo. Meu campo visual mais abrangente sobre esse aspecto foi Hefesto,
que recaiu várias vezes e que chegou a participar, após uma dessas recaídas, de duas
irmandades: A.A e N.A, pois observou que tinha também problemas com bebidas
alcoólicas, o chamado uso cruzado pela irmandade, que consiste na combinação de
drogas variadas ao mesmo tempo. Além das recaídas, observei prisões, nascimentos,
separações, e aprendi a compreender o significado de cada prática, palavra e atitude a
partir do contexto em que era construído, principalmente, o significado dos sujeitos
assumirem-se como portadores de uma doença incurável, progressiva e fatal – A
adicção.
4.3 Adicção como plano de existência social.
Narcóticos Anônimos define a adicção como

Uma doença física, mental e espiritual que afeta todas as áreas da


vida de um adicto. O aspecto físico da doença é o uso compulsivo de
drogas. O aspecto mental é a obsessão ou o desejo incontrolável que
leva ao uso. A parte espiritual da doença é o total egocentrismo,
pensar que pode-se controlar o uso mesmo com todas evidências
contrárias. A negação é outro aspecto preponderante da doença que
envolve mais que o uso de drogas e acredita-se que já estava presente
muito antes do adicto usar pela primeira vez.
O adicto é alérgico as drogas, o que caracteriza o adicto é a sua
reação às drogas e não a quantidade ou tipo de drogas que usa.
Um adicto é simplesmente uma pessoa cuja vida é controlada pelas
drogas, mesmo quando as drogas cessaram de lhe fazer sentir bem. O
adicto é impotente perante a sua adicção. (WORLD SERVICE
OFFICE, FOLHETO “INFORMAÇÃO SOBRE NA –CSA/GERES)

Adicção é a “categoria genérica” comum a todas as Irmandades de Mútua-ajuda


de Mútua ajuda Anônima, embora em algumas irmandades ela apareça nomeada com o
nome do próprio objeto de “pulsão” como, por exemplo, o álcool (AA).
A definição de “doença” assume um aspecto singular, pois diferente das
sociedades de temperança do final do século XIX e inicio do século XX; que
consideravam as drogas como “um dos maiores flagelos da humanidade”, essas
entidades desenvolvem um ethos, no qual a adicção é compreendida como uma
“alteração inata” ao organismo do adicto; que existe independente de sua vontade ou de
suas ações. Ela interfere em todos os planos da existência do individuo, o que o isenta
da causa da doença, mas o torna responsável pelo seu tratamento, seguindo a mesma
lógica de alguém acometido por uma doença congênita.
É visível a relação entre o modelo laico dessas irmandades e o médico, que
segundo Campos, está ligado ao trabalho de cooperação desenvolvido pelo “Yale
Center of Alcohol Studies, conduzidos por E.M. Jellinek (1960) nos [...] anos 30 e 40,
fundamentais na consolidação do alcoolismo entendido, ao mesmo tempo, como
“dependência” e “doença” (CAMPOS, 2003, p. 6, Apud, LEVINE, 1978, p. 162).
Porém, é importante observar que as entidades de mútua-ajuda transcendem essa
“herança” ao estabelecer como um dos atributos da adicção o caráter espiritual, que
neste caso se deve a influência dos movimentos de temperança. As “infiltrações” do
discurso médico e do discurso religioso na concepção de adicção esta ligado ao
conjunto de experiências de W. Bill, fundador do A.A, o que não se configura em uma
justaposição de pensamentos, mas ao contrário, do desenvolvimento de uma concepção
singular, com capacidade de agregar e responder de forma eficaz as problemáticas
paradoxais da vida moderna20.
A unidade paradoxal da adicção manifesta-se, primeiro, sob a forma de uma
categoria de negação, quando se afirma que a “adicção não é liberdade, não é
crescimento pessoal, não é um modo de viver” (WORLD SERVICE, 1996, p. 08). A
amplitude dessa definição estabelece implicitamente um “jogo de normalidade”,
principalmente se considerar que os aspectos que refletem a adicção ativa21 está ligado a
um conjunto de desconfortos que acometem a maioria das pessoas que vivem em

20
Ser moderno é encontrar-se num ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento,
transformação de si e do mundo – e, ao mesmo tempo, que ameaça destruir tudo o que temos, tudo que
sabemos, tudo o que somos. Os ambientes e experiências modernas cruzam a experiência da geografia e
da etnicidade, da classe e da nacionalidade, da religião e da ideologia; nesse sentido pode-se dizer que a
modernidade une toda a humanidade. Mas trata-se de uma unidade paradoxal, uma unidade da
desunidade; ela nos arroja num redemoinho de perpétua desintegração e renovação, de luta de
contradição, de ambigüidade e angústia. Ser moderno é ser parte de um universo que como disse Marx,
“tudo que é sólido desmancha no ar” (HARVEY, 1989: p.21 apud BERMAN, 1982: p.15)
21
Como posso dizer que nossa doença é ativa? Quando caímos na armadilha da obsessão, compulsão e
rotina egocêntrica, circulo vicioso que nos leva à lugar nenhum, mas a decadência mental, espiritual e
emocional” (WORLD SERVICE OFFICE, 1996)
centros capitalistas, como: egocentrismo e extrema necessidade de liberdade. Além do
que, uma pessoa pode ser adicta sem ter tido experiência com drogas, o que leva-nos a
pensar a adicção como uma categoria representada na ordem normalidade. Assim, “o
vício, nesse contexto, reveste-se de uma áurea de normalidade” à medida que se torna
uma categoria geral - É isso que explica a transposição da estrutura terapêutica a
diferentes problemáticas, como sexo, jogo, etc.

Já que é verdade que, nas nossas reuniões, buscamos não focalizar


em nem uma droga especifica, muitos membros têm questionado por que
somos chamados de Narcóticos Anônimos. Será que adictos Anônimos ou
Drogadictos Anônimos não seriam títulos mais apropriados? O nome do
nosso programa parece realmente incongruente com nossa filosofia e com a
natureza diversificada da nossa condição de membro. Na verdade, logo que
nossa irmandade rompeu com Alcoólicos Anônimos, nós nos chamamos
“Adictos Anônimos”, no entanto, duas irmandades distintas, ambas se
chamando AA, não caracterizava um rompimento muito claro. Então nossos
fundadores escolheram o nome de Narcóticos Anônimos. Naquela época,
“narcóticos” se referia a todas as categorias de drogas, e, portanto,
“Narcóticos Anônimos” foi uma escolha razoável como nome da nossa
irmandade. Assim o título original refletia de fato nossa filosofia de não
estar focalizado numa droga especifica ou droga geral. Infelizmente, mais
tarde a palavra “narcóticos” tornou-se associada com uma categoria
particular de drogas. A medida que nossa mensagem é traduzida para outras
línguas, ocorre o dilema. Algumas vezes “Narcóticos Anônimos” é
traduzido como “Adictos Anônimos” ou “Drogadictos Anônimos”, porque
comitês de tradução local compreendem a filosofia do nosso programa.
Outras vezes, uma nova palavra é criada em determinada língua para
preservar uma tradução mais estrita do nosso nome [...]. O que tem que
parecido importante para nós é que o espírito da mensagem de NA seja
mantido nessas traduções e que o programa, pela mensagem e pelo nome,
seja reconhecido independente da língua usada22.

Assim, a definição de adicção, comporta uma gama de representações que gesta


dois modelos de indivíduos: O primeiro é projetado pela adicção ativa, que se
materializa não pelo consumo em si de uma determinada droga, mas através da
deterioração física e desestruturação das relações sociais, notadamente, família,

22
Em nota Disponível em: www.na.org.br. Acesso em: 20 ago 2003
trabalho, comprometendo toda a sua construção de homem ou mulher, enquanto ser
responsável e produtivo. O segundo é construindo pela recuperação, que se realiza pelos
valores de mútua-ajuda: perdão, trabalho, mente aberta, boa vontade, que em síntese;
nada mais é do que a prerrogativa cristã, que afirma que para um homem ser “salvo”
precisa servir a Deus e, só serve a Deus quem ama seu próximo. Ou seja, a recuperação
ou o controle da adicção ativa esta ligada aos valores de solidariedade descritos por
Mota (2002), que num âmbito mais amplo, pode se configurar em re-surgimento ou em
um novo tipo de individualismo, pensado nos moldes de Rüdinger (1996). Portanto, o
caráter ontológico da adicção, manifesta-se nesses modelos de ser, de caráter
ambivalente: maléfico, quando não submetida à terapêutica da irmandade e benéfico,
quando “partilhada”, pois leva a construção de um amplo equilíbrio individual.

A adicção é uma doença que, sem a recuperação termina em prisão,


instituições e morte. Muitos de nós vieram para Narcóticos Anônimos
porque as drogas haviam deixado de fazer o efeito que precisavam. A
adicção leva nosso orgulho, auto-estima, família, entes queridos e até
mesmo nosso desejo de viver. Se você não chegou a esse ponto com a sua
adicção, não precisa chegar. Descobrimos que nosso inferno particular
estava dentro de nós. Se você quer ajuda, pode encontrá-la na Irmandade de
Narcóticos Anônimos. Estávamos buscando uma resposta quando
estendemos a mão e encontramos Narcóticos Anônimos. Viemos à nossa
primeira reunião de NA derrotados e não sabíamos o que esperar. Depois de
assistirmos a uma ou várias reuniões, começamos a sentir que as pessoas se
interessavam e queriam nos ajudar. Embora pensássemos que nunca
seríamos capazes, as pessoas na Irmandade nos deram esperança, insistindo
que poderíamos nos recuperar. Entre outros adictos em recuperação,
compreendemos que não estávamos mais sozinhos. Recuperação é o que
acontece em nossas reuniões. Nossas vidas estão em jogo. Descobrimos que,
ao colocarmos a recuperação em primeiro lugar, o programa funciona.
Enfrentamos três realidades perturbadoras:
• Somos impotentes perante a adicção e nossas vidas estão
incontroláveis;
• Embora não sejamos responsáveis por nossa doença, somos
responsáveis pela nossa recuperação;
• Não devemos mais culpar pessoas, lugares e coisas por nossa
adicção. Devemos encarar nossos problemas e nossos sentimentos. A
principal arma da recuperação é o adicto em recuperação.
(WORLD SERVICE OFFICE, 1996)

Nesses termos ela vai se configurando como uma doença, que traz no seu bojo
um plano de existência social, pois a sua recuperação ou o “seu controle” está ligado a
um programa que se apresenta reflexivo e centrado nos cuidados de si. A “cultura”
desse cuidado de si aparece constantemente na ordem discursiva desses sujeitos e, é
mais central do que a comprovação cientifica ou não da adicção.
Existe uma grande discussão pública sobre a questão da adicção ser ou não
uma doença, e, escolhemos não nos envolver nessa discussão. Entretanto,
faz parte da nossa compreensão e experiência coletiva da nossa irmandade
que a adicção é, de fato, uma doença. Não temos razão para contestarmos
essa percepção agora. Ela tem nos servido bem. A nossa experiência com a
adicção é que, quando aceitamos que ela é uma doença sobre a qual somos
impotentes, tal aceitação fornece uma base para a recuperação através dos 12
passos. A quantidade de membros de NA vivendo livres da adicção ativa
mostra que esta filosofia tem funcionado para nós. Então embora como uma
irmandade não estejamos em posição de argumentar o que é ou não uma
doença, no estrito médico, temos plena certeza de que a apropriada a
utilização da palavra “doença” para descrever a nossa condição”.23

Para esses sujeitos, basta esse modelo genérico de significação, que dá conta de
seus desconfortos físicos e psicológicos, e que em última instância, está dentro do
campo de representação de saúde e doença, como aponta Laplantine, que define doença
como “ [...] reação que têm, se não um valor, pelo menos um sentido, já que é tida
como tentativas de restauração do equilíbrio perturbado, e mesmo, em certos casos,
como um episódio que exalta e enriquece” (2004, p. 116). Muitas vezes ouvi
participantes agradecendo ao Poder Superior por serem adictos, uma postura subjacente
à classificação da doença-proeza, descrita por Laplantine (IBIDEM), que se refere a
uma experiência patológica ou de uma enfermidade em que o indivíduo dá provas de
uma vontade excepcional, ampliando o máximo as suas virtudes que ele provavelmente
não desenvolveria sem essa revelação constituída.
A idéia de “revelação” é pertinente, pois, o sentido de descoberta, expresso
continuamente nas partilhas, promove a identidade e o “reconhecimento social”
(GOFFMAN, 1988, p.79) do individuo por ele mesmo e, pelos seus pares, uma vez que
quando alguém diz: “ Sou um adicto em recuperação e só por hoje estou limpo há X
dias”; informa a sua condição e se reconhece entre os seus.
O discurso dos adictos e sua relação com a adicção é marcado por uma sensação
de “desencaixe”. É como se todos estivessem vagando como Caulfield24, em busca de
um “encontro” que conferisse sentido as suas vidas25. A busca de “sentido” apresenta-se
como uma plataforma reflexiva que se realiza nas partilha, na necessidade moderna de
nos pensarmos e nos falarmos, que acontece em um espaço, na linguagem deles, de
23
“ADICÇÃO É UMA DOENÇA”, www.na.org.br. Acesso em 20 set 2003.
24
Personagem centra do romance “O apanhador no campos de centeio” de Salinger.
25
Não deixei de estabelecer uma relação de similitude de sentido, entre os princípios de NA e o
CVV, pois as duas entidades surgem no Pós-Guerra; desenvolvem a “escuta sincera”, onde
não há feedback, criticas ou qualquer retorno do que é dito; ambos tem por principio o
anonimato de seus membros e surgem no E.U.A e tem sua base em um conhecimento leigo e
missão de ajudar aquele que sofre, e que para associar-se só é necessário “boa vontade” e
declarar-se adicto no caso de Narcóticos Anônimos.
proteção. Assim, esse ambiente se torna uma alternativa equilibrada ao individualismo
moderno, pois permite a manutenção de um aspecto fundamental da vida social - o
reconhecimento de si no “olhar do outro”, “na escuta do outro”. Zeus26 definiu
Narcóticos Anônimos metaforicamente como se fosse duas orelhas unidas, numa tal
posição a formar um coração, mostrando dessa forma que NA era isso, “a escuta
sincera com o coração”... a partilhar honesta, onde a “doença sai pela boca e a saúde
pelos ouvidos”. Além disso, Narcóticos Anônimos oferece certezas em um mundo em
mutação (mesmo que ela perdure por apenas vinte quatros horas). Essa certeza repousa
sobre o programa de 12 Passos, que apazigua a “dor de existir” ao permitir as pessoas se
inserirem em um plano de existência, que modelam e ponderam seus desejos e
realizações.
A “dor de existir”, é o aspecto mais marcante desse universo, pois nunca
encontrei alguém que tivesse ido a Narcóticos Anônimos, que não tivesse como força
propulsora o sofrimento. O sofrimento é uma categoria de valor subjetivo, nomeada
como “fundo do poço”, que nesse contexto é dotado de um caráter classificatório e
identificador. Por exemplo, um dos motivos da “ruptura” de AA e a criação de NA; foi
às formas diferenciadas de “sofrer”, ou melhor, de vivenciar o sofrimento, pois os
dependentes de narcóticos não se sentiam identificados com o sofrimento dos
dependentes de álcool, sentiam que suas experiências eram mais dolorosas. Essa
recorrência se expressa na fundação de outras irmandades; por exemplo, existe uma
proposta de criação de reuniões só para mulheres adictas, pois muitas não se sentem à
vontade para falar sobre suas experiências na presença de homens, e acreditam que sua
vivência está no plano de outra ordem de significação, geralmente amorosa. A partilha é
um ritual, marcado por uma magia, expressa nas constantes falas: “alguma coisa
acontece quando partilhamos” e, é esse o fundamento do programa, pois a abstinência a
droga, não implica na recuperação, que só ocorre na prática dos 12 Passos e na partilha.
A magia que acontece durante as partilhas está ligada a uma espécie de “dom”,
pois a recuperação só acontece entre iguais, como o modelo xamãnico, onde o pajé só
pode ser tratado por outro pajé, uma vez que, “o pajé nunca está curado da doença que o
acometeu, pois a cura implicaria numa perda do dom xamanístico” (MAUÉS,1995,

26
Homem de seus quarenta e cinco anos, dono de uma gentileza e de um carisma incrível. É um dos
membros mais atuantes de Narcóticos Anônimos e Alcoólicos Anônimos e, tem se mantido limpo há mais
de quatorze anos. Por conta do uso de drogas injetáveis contraiu hepatite C. Foi Zeus que a partir de
constantes conversas possibilitou a compreensão sobre os princípios do grupo e me ensinou a respeitar as
crenças ali desenvolvidas.
P.243). A prerrogativa de “dom” garante a eficácia do tratamento e autoridade de
Narcóticos Anônimos em relação a outras terapêuticas. Sabemos a partir de Mauss
(2003), que as práticas mágicas correspondem a representações muito ricas, que
correspondem a um tipo de linguagem que transmitem uma idéia, que neste trabalho,
ainda não está traduzida, em virtude do tempo e do caráter dissertativo, uma vez que, a
magnitude dessa pesquisa está muito mais adequado a uma tese, pois se trata de um
ethos do domínio das populações ditas tradicionais se atualizando em um meio
eminentemente urbano.
Dado, o conjunto das questões levantadas é patente que a adicção pode ser
compreendida como uma categoria central, que constrói um ethos ambivalente, de
caráter individualista e comunitário, uma vez que; a identidade do adicto é um espaço
sempre por se fazer, como sugere a categoria “limpeza”, que só se realiza em comunhão
com o “outro”, como expresso no lema “Só eu posso, mas não posso sozinho”. Assim,
a teleologia da categoria manifesta-se no exercício dos passos que conduzem à produção
de “uma nova estrutura social”, que para Mota (IBDT) se configura em uma atualização
da dádiva, mas que para Cunha e eu, se configura em um novo tipo de individualismo.

5. Considerações Finais

A coleção de desconfortos característicos da adicção tem sua episteme baseada


em conjunto de experiências de segregação, que nada mais são do que “processos de
ocultação que separam as rotinas da vida ordinária dos seguintes fenômenos: loucura;
criminalidade; doença e morte” (GIDDENS, 2002: p. 145), que em alguns casos estão
ligadas internamente aos sistemas da modernidade. “As fronteiras da experiência
segregada estão cheias de tensões e de forças mal dominadas; ou, metaforicamente,
são campos de batalha, às vezes, de caráter diretamente social, mas muitas vezes se
dão no campo psicológico do eu” ( p. 156).
A configuração do “eu” na terapêutica desenvolvida por Narcóticos Anônimos, é
um signo presente no conjunto de suas representações, expresso através da literatura e
das suas práticas. Essa configuração é criticada por parte da medicina oficial, por estar
no campo do “achismo”, “quer dizer, vai lá o cara ex-usuário e diz a doença de
dependência de drogas é assim, ele conta a história dele, e isso é o padrão, sem uma
visão crítica das coisas.” (FIORE, 2004: p. 07 apud informante Alexandre )
A denominação de “achismo”, ao invés do reconhecimento do campo psicológico do
“eu” (uma vez que, a terapêutica está centrada em uma recuperação individualizada, a
qual se realiza na partilha); nega aos sujeitos dessas práticas a produção de um saber
diferenciado, ao mesmo tempo em que deixa de considerar a existência de uma
economia simbólica complexa, pois o discurso da medicina oficial que tem legitimidade
discursiva sobre o campo, também padece desse “achista”, como pode ser observado no
trabalho de Fiore (2004).
Porém, diferente do discurso médico, as Irmandades de Mútua-ajuda Anônima,
detém o monopólio e a autoridade da vivência da recuperação da adicção, e um campo
ideológico convergência e dialogante com os valores da medicina oficial, haja vista ter
sua gênese, nesse saber.
A convergência pode ser evidenciada a partir da leitura dos folhetos explicativos,
sobre a definição da adicção, distribuídos gratuitamente aos membros de Narcóticos
Anônimos (disponíveis também no site oficial), com o conceito de dependência química
elaborado pela Organização Mundial de Saúde (OMS)27.
A convergência entre os dois saberes, aponta para uma função lógica do consenso de
“legitimar e sancionar um determinado regime de dominação. O consenso [...] conduz
qualquer sistema de regras a [...] ordenar os materiais significantes de um sistema
simbólico.” (BORDIEU, 2003: p.XV). Assim, o que chamo atenção é para o caráter
ordenador da vida social, que a categoria vicio/adicção desempenha em uma sociedade,
ao mesmo tempo em que reconheço os saberes produzidos por elas como resultado de
uma lógica reflexiva, assentada na capacidade do cogito e a diligencia de si, elementos
que segundo Giddens (2001), marcam a passagem de uma cultura tradicional para uma
moderna. Assim, a tecnologia desenvolvida por esses grupos de mútua-ajuda a partir de
um modelo de doença e saúde, promovem um plano de existência, uma ética
diferenciada e talvez uma certeza ontológica, que dialoga com o conjunto de atributos
que definem a modernidade, pois seu “programa” prepara o individuo para lidar com
insegurança de um mundo fluído, incerto, onde o único projeto que o indivíduo deve
realizar é o de permanecer vinte quatro horas “sóbrio”, “limpo”, “sereno”
De alguma forma esses espaços reflexivos, que produzem uma identidade fixa,
pois a adicção é uma condição “eterna”, dá ao individuo “um lugar” em um universo em

27
Ver FIORE, 2004: p.11 apud CAZENAVE, 2001: p.37
constante metamorfose. Mas ao mesmo, essa identidade é constantemente re-significada
ou atualizada, pois ela é um espaço em aberto, como o indivíduo moderno. Assim, mais
do que buscar explicações sobre a eficácia ou não das formulações desse fenômeno,
meu objetivo foi o configurá-lo como um fenômeno global, que marca a produção de
uma identidade moderna, que busca um equilíbrio ao velho mal estar entre a ordem da
cultura e os desejos individuais, que nesse plano aparece significado pela ontologia da
doença e da saúde, que mais do que nuca rege a vida moderna e as atitudes individuais,
pois não estabelecem assertivas sobre o corpo e sobre as subjetividades.
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