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Santa Maria
Junho, 2019
1) INTRODUÇÃO
A vida não é totalmente minha, nem “não minha”, ela é minha e contingente a... parte
da vida é minha. Outra parte, é nossa. O trabalho em questão busca trazer uma perspectiva
histórica de fatos e circunstâncias relacionados à droga e afins, alinhando-as à atualidade e
onde a mesma se insere em contextos de saúde mental; individual e coletiva. O indivíduo,
pertencente a sociedade, direta ou indiretamente está ligado ao assunto - pois condiz com
aquilo que é nosso – e, percebendo a historicidade de tal fato, compreende-se a importância de
aprofundarmo-nos nestas relações a buscar uma melhor compreensão acerca da temática.
E ai que talvez queiramos chegar: Compreender que estamos na mesma barca e que a
droga faz parte de nossas vidas; partindo do pressuposto de como vamos trabalhar a partir daí,
com foco em buscar reconhecer e lidar com que o outro traz e não trabalhar com políticas
excludentes, ou mesmo querendo “tratar” este sujeito. A questão é pararmos para pensar neste
sujeito enquanto ser desejante, autônomo e consciente de suas escolhas, porém, imersos em
uma política “construtora de moral”, que, convencidos de universalidade dos valores e normas
por eles defendidos, fazem verdadeiras “cruzadas”, procurando impô-los ao conjunto de uma
comunidade (MATHIEU, 2005).
2) FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Além disso, o drogado seria considerado como alguém que perdeu as qualidades
essenciais que fazem um sujeito social digno e respeitável. Ogien (1998) vê aqui o sinal de
uma cultura que crê fortemente na dualidade corpo/espírito e que valoriza as noções de
integridade da pessoa, de plena consciência, de autonomia da vontade e de uma natureza
soberana. Assim, o sujeito moderno e “normal” não teria muita necessidade de recorrer ao
artifício. Segundo ele, essa imagem ideal do ser humano teria duas origens: a primeira deve
ser buscada no contexto das religiões monoteístas, para as quais Deus teria criado o homem,
determinaria seu destino e seria o único a conhecer sua essência. Desses postulados foram
extraídos os princípios de inviolabilidade e unicidade do envelope corporal, estipulando que
qualquer tentativa de modificar seu destino deveria ser banida. A segunda se situa no contexto
de uma concepção particular da natureza, que institui a integridade da pessoa como um valor
essencial e convoca o indivíduo a não tentar esquivar-se das leis que regem o mundo natural
dos vivos. Assim, modificar-se, recorrer a artifícios, seria carecer de autenticidade. Segundo
Ogien, o uso de droga é sistematicamente associado a quatro características que negam esses
valores essenciais: decadência, compulsão, irresponsabilidade, animalidade. Essas
características ameaçariam, assim, a integridade da pessoa. (BERGERON, 2012, p 18-19).
Reconhecemos aqui uma certa ligação cultural da droga com uma espécie de
degradação corporal e mental, onde o sujeito que faz uso inevitavelmente irá deparar-se com
essas situações, prejudicando a sua vida, além de seu entorno. Mas até onde essas informações
são precisas e concretas? Até que instância não se servem como um marcador social, onde há,
intrinsicamente, o desejo de repúdio aos alteradores de consciência, desconsiderando por
completo as vontades do próprio sujeito?
Bennett (1986) certamente está entre os que levaram mais longe possível a utilização
desse quadro de análise. Tendo como base a entrevista de 135 indivíduos, divididos em seis
amostras diferentes, num estudo que realizou entre 1982 e 1984, ele mostra que as escolhas e
decisões dos indivíduos considerados representam um papel-chave nos processos de iniciação,
continuação e cessação do consumo. Embora reconheça pesquisas que atribuem um papel
decisivo às significações garantidas pelos atores sociais, ele critica neste último o fato de não
prestar maior atenção aos processos de decisão em si mesmos, processos que são, entretanto,
cruciais na explicação sociológicas do uso. Bennet apresenta, assim, os resultados de seu
estudo: 1) a maioria das pessoas estudadas começou a consumir essas substâncias com um
amigo, e não, como muitos acreditam, por injunção de traficantes; 2) a maioria dos usuários
confessa ter tomado a decisão de iniciar-se na prática antes da data efetiva de experimentar, e
explica que tomou a decisão conscientemente, esperando a oportunidade propícia à realização
dessa experiência. Assim, essa decisão deve ser considerada, adianta Bennett, como o fruto de
uma deliberação. A primeira das razões invocadas é a curiosidade; a segunda consiste em
querer fazer como os amigos ou conhecidos, seja para se sentir mais bem integrado no grupo,
seja para dividir essa experiência com pessoas próximas, seja para atender ao desejo de
tornar-se membro da comunidade de usuários; 3) a adição leva tempo para se instalar (pelo
menos um ano para as pessoas entrevistadas). Bennett não identificou nada de compulsivo ou
inevitável nos relatos de iniciação narrados pelos usuários; 4) mesmo quando se tornam
dependentes, os indivíduos são capazes de controlar o próprio consumo. Há, inclusive, os que
interrompem o uso durante dias, semanas ou mesmo anos. Alguns decidem parar quando essa
prática perturba manifestamente sua capacidade de se divertir ou se opõe significativamente a
sua atividade profissional. Assim, equilibram o consumo e sua frequência em função dos
custos e benefícios que, a certa altura, ele engendra em suas trajetórias; 5) entre as razões para
continuar, pouquíssimos mencionaram a necessidade de evitar a dor ligada à crise de
abstinência. Suas razões são mais positivas que essa: eles simplesmente gostam de usar droga;
6) as razões da interrupção são mais diversas: encontro de um parceiro estável, casamento ou
espera de um bebê.
A droga e a toxicomania, que está associada a ela de modo quase inseparável, há muito
tempo passaram a constituir as jurisdições do direito e da medicina. Considera-se que as
drogas, cujo uso e comércio estão proibidos por lei, possuem um poder assustador: o de
introduzir o sujeito na animalidade e na decadência moral e social. No entanto, nem sempre
foi assim, nem em todo lugar.
Sabe-se nos dias de hoje que vivemos em uma sociedade que, além de ser movida pela
tecnologia, acabou criando uma certa “cultura da droga”. Porém, é importante analisarmos
como esse fato se estabeleceu do ponto de vista histórico e o que é exatamente a droga. De
acordo com Bergeron (2012, p.7)
Vemos que o uso de drogas (lícitas e ilícitas) é uma prática que perpassa boa parte da
história da humanidade, corroborando com essa afirmação vemos que segundo Labate; Fiore e
Goulart (2008, p.23) “o consumo sistemático de um grande conjunto de substâncias capazes
de alterar o comportamento, a consciência e o humor dos seres humanos é comprovadamente
milenar. No entanto, sua elevação à categoria de problema social é historicamente recente,
nada que alcance, com muita boa vontade, muito mais do que um século”. Pensamos que
muitos efeitos do sistema capitalista em que vivemos somado com determinadas alterações
que o avanço da tecnologia tem demonstrado possa ser alguns dos motivos que o uso de
drogas tenha se tornado um problema social. Não obstante, consequências como o aumento da
violência, miséria e doenças também são fatores decorrentes da sociedade em que vivemos e
que muitas vezes acabam fazendo com que os sujeitos procurem uma saída fácil e prazerosa
para o problema: a droga. Dessa forma, um dos grandes causadores do aumento do uso de
drogas e a sua migração de uso medicinal para o uso “desregulado” foi a Revolução
Industrial, pois segundo Bergeron (2012, p. 24) “no Reino Unido, foco da Revolução
Industrial, muito usuários são camponeses, mas muitos outros trabalham em fábricas e moram
em grandes conjuntos urbanos”. Assim vemos que o trabalho exaustivo e repetitivo fez com
que esses trabalhadores procurassem um prazer temporário, pois “se deve considerar esse
fenômeno como consequência do nascimento de uma classe operária que tentaria esquecer sua
condição de precariedade e dificuldade econômica mediante o consumo regular das
substâncias psicoativas” (Bergeron, 2012, p. 25).
Portanto, as drogas hoje em dia são vistas mais como uma forma de escape para algum
sofrimento que o sujeito esteja passando do que como uma ferramenta medicinal. Segundo
Bergeron (2012, p. 28)
Dito isso, é necessário ressaltar que com essa banalização do uso de drogas cria-se
uma cultura tanto do uso quanto da droga vista como um malefício e algo a ser banido e
proibido da sociedade. De acordo com Labate, Fiore e Goulart (2008, p. 23) “desde que as
“drogas” e seu uso se tornaram uma questão social relevante, a produção de conhecimento a
seu respeito foi, com raras e valiosas exceções, pautada pela lógica da negatividade: não se
pode estudar, pensar e discutir a questão do uso de “drogas” sem um posicionamento
claramente entrincheirado – a trincheira capaz de conter esse mal”. Portanto, ao invés do uso
de drogas ser visto como um direito do sujeito e, a partir disso discutir políticas públicas para
os usuários, a pauta do uso de drogas passou a ser discutida com um posicionamento
proibicionista e raso. Faugeron e Kokoreff (2002) são muito incisivos ao dizerem que “deve-
se aceitar a evidência: a sociedade moderna é uma sociedade com drogas”. Atualmente
obtivemos avanços relacionados a um olhar mais clínico e sensível ao uso de drogas, de forma
que a ideia reducionista de ver a droga como algo a ser banido da sociedade já não tem tanta
força, porém esse é um debate que no Brasil levará anos para ser melhor elaborado.
De acordo com o Ministério da Saúde (2007), até o ano de 2001 não havia grande
interesse por parte da saúde pública brasileira em criar medidas políticas para o grave
problema da prevenção e tratamento dos transtornos associados ao álcool e outras drogas. O
que predominava nessa época em relação a essa problemática eram “alternativas de atenção’’
de caráter fechado, baseadas em práticas de natureza medicamentosa, disciplinar ou de
cunho religioso-moral, reforçando o isolamento social e o estigma.
Mas a partir de 2002, surge uma nova Política Nacional Específica para Álcool e
Drogas, criada pelo Ministério da Saúde. Essa nova política tem como objetivo principal
prevenir, tratar e reabilitar os usuários, segundo a lei 10.216/1, marco legal da Reforma
Psiquiátrica no Brasil. A partir de então, os Centros de Atenção Psicossocial em Álcool e
Drogas (CAPSad) tornaram-se a mais importante estratégia de tratamento, junto com a
estratégia de redução de danos; ambos considerados hoje, como sendo ferramentas
importantíssimas que são utilizadas nas ações de prevenção e promoção de saúde (Pinho et
al., 2007).
Foi através da portaria GM/MS n.336, que houve a redefinição dos CAPS, sendo que
estes foram constituídos dentro das seguintes modalidades de serviço: CAPS I, CAPS II e
CAPS III, definidos por ordem crescente de porte, complexidade e abrangência populacional.
Foi através dessa portaria que os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas
foram instituídos na modalidade II ( CAPS ad II). O CAPS ad configura um serviço de
Atenção Psicossocial, o qual presta atendimento a pacientes com transtornos decorrentes do
uso e dependência de substâncias psicoativas. Para isso, o serviço deve ser constituído por
uma equipe mínima, onde o profissional enfermeiro deve estar presente (VARGAS;
DUARTE, 2011).
3) CONCLUSÃO
Em síntese observou-se que a entrada do sujeito no mundo das drogas é muito relativa,
podendo estar ligada a diferentes fatores, bem como de ordem emocional, de ordem cultural,
pela vontade do próprio sujeito ou pelo fato dele querer se sentir pertencente a um grupo etc.
Muitas vezes ao invés de banalizar o uso destas substâncias ou crucificar o usuário é preciso
enxergar o outro lado da questão. Todos nós somos livres, ou pelo menos pensamos que
somos, para fazer nossas escolhas e exercer nossa autonomia. Demonizar o uso ou aquele que
depende de uma determinada substância não resolve o problema.
REFERÊNCIAS
MATHIEU, L. Repères pour une sociologie des croisades morales. Déviance et Société, vol
29, n.1, 2005, p. 3-12.